Por Tati Pansanato, especial para os Jornalistas Livres
Milhares de mulheres se mobilizaram e se manifestaram na sexta e no sábado (30 e 31/10) contra o PL 5069/2013, projeto de lei que…
• Quer restringir o direito da vítima de violência sexual de fazer a profilaxia da gravidez sem a apresentação de um boletim de ocorrência e de um exame de corpo de delito;
• Quer criminalizar os profissionais de saúde que a façam;
• Quer punir com cadeia a circulação de informações que orientem ou instruam a gestante sobre como praticar o aborto.
Do alto de sua falta de compaixão, o projeto de lei quer exigir que o atendimento à mulher estuprada seja precedido pela denúncia em uma delegacia e pela feitura de um exame de corpo de delito.
Imagine…
Foto: Mídia NINJA
O sêmen do criminoso ainda dentro do corpo da vítima e ela (em choque) sendo obrigada a reviver a agressão diante de um escrivão de polícia, em uma delegacia que em sua maioria está despreparada para acolher casos assim.
Boçais.
O PL é de autoria do (sempre ele!) deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que o apresentou em 2013, quando ainda não era presidente da Câmara. Voltou à cena agora que Cunha precisa tirar do foco as denúncias de corrupção contra ele, envolvendo milhões de dólares em contas no exterior. Para tanto, Cunha recebeu parecer favorável do relator deputado Evandro Gussi (PV-SP), que aproveitou a oportunidade para piorar o que já era ruim.
Para quem nutre preconceitos contra os evangélicos, considerando que só entre os neopentecostais –como Eduardo Cunha– encontram-se os inimigos das causas das mulheres, aí vai uma informação importante. Evandro Gussi é um fanático fundamentalista católico, membro da Canção Nova e de uma sinistra organização anti-mulheres, chamada Pró-Vida, que tem como lema “Coração Imaculado de Maria! Livrai-nos da Maldição do Aborto!”
Marcha Mulheres Contra Cunha em São Paulo. Foto: Mídia NINJA
Bom, mas vamos à linda resistência feminista contra esses maníacos inquisidores modernos…
Pelas redes sociais, marcou-se o ponto de encontro: praça dos Ciclistas, ali na esquina das avenidas Paulista e Consolação –impossível não sentir os ecos das jornadas de luta contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô de 2013.
Foto: Lina Marinelli / Jornalistas Livres
Mulheres pintadas, mulheres de sutiã, mulheres sem, mulheres cis, mulheres trans, mulheres negras, brancas e indígenas. Feministas históricas ao lado de meninas secundaristas. Mulheres valentes. Mulheres gordas. Mulheres magras. Peitudas e sem peito. Mulheres Frida, Simone (de Beauvoir, viu?), Nina e Olga. Mulheres livres, andando ao lado de homens libertários e também inimigos das fogueiras e dos instrumentos de tortura.
Em todas as vozes, o grito:
“Vai cair, vai cair… O Cunha vai cair!”
Foto: Mídia NINJA
Milhões de mulheres já decidiram fazer um aborto ou conhecem alguém que já o fez. Isso sempre ficou em segredo, no silêncio doído e solitário das escolhas difíceis, clandestinas e estigmatizadas. Algo mudou.
Uma das redes de solidariedade mais impressionantes dos últimos dias é a que se formou em torno da hashtag #PrimeiroAssédio, com as mulheres rompendo as convenções opressoras ditadas pela vergonha e pela humilhação. “Deixa estar… Melhor esquecer… Bola pra frente… Como você vai provar?” –que vítima nunca escutou esse tipo de conselho? Mas eis que, de repente, tudo aquilo que se tentou enterrar no passado aflorou como em uma erupção.
Foto: Mídia NINJA
E nós começamos a falar! E dessa fala veio a solidariedade, a compaixão, a sensibilização, uma se identificando com as outras… Com todas.
Juntas somos fortes.
Surpresa! Nem Cunha e nem o católico Gussi esperavam por isso…
Motivado, o formigueiro feminino e feminista se conectou e, em poucos dias, organizou um ato #MulheresContraCunha, tag que rapidamente ganhou milhares de adeptos nas redes sociais.
Foto: Lina Marinelli / Jornalistas Livres
Ato Mulheres Contra Cunha em Belo Horizonte. Foto: Caio Santos / Jornalistas Livres
Priscila, 28 anos, técnica arqueológica que é contra esse projeto de lei, conta que esteve ali pelo direito ao corpo, pela legalização do aborto e pela descriminalização da pílula. Ela diz que tem uma amiga que, aos 12 anos de idade, foi estuprada “violentamente” pelo padrasto e engravidou. A menina teve que passar duas vezes por atendimento médico-cirúrgico pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e até os dias de hoje sofre com o trauma. Uma história. Tantas histórias.
O ato seguiu pela avenida Brigadeiro Luís Antonio até a Catedral da Sé, no centro da capital. Sob as estátuas de santos, debaixo da cruz, defronte às imensas portas fechadas da igreja, fechadas para nós, milhares de mulheres carregando faixas, cartazes, bateria, gritos, ovários e garra avisávamos:
“Não vamos desistir até o Cunha cair!”
“Tirem seus rosários dos meus ovários!”
“Amanhã vai ser maior”
Assim seja.