Enfrentando o autoritarismo e o conservadorismo que ascenderam no Brasil, assim como em diversos países da América Latina e de outras partes do mundo, fomos às ruas no Dia Internacional de Luta das Mulheres, 8 de março, para denunciar a política de Bolsonaro e exigir mais democracia, mais direitos, trabalho digno e justiça para Marielle.
Conectando o enfrentamento a essa conjuntura, em que a vida das mulheres se precariza cada dia um pouco mais, com as lutas permanentes do feminismo, pelo fim do capitalismo e do patriarcado, nos manifestamos em todos os cantos desse país, marcando nossa diversidade e irreverência.
O 8 de março foi, também, data do lançamento da 5ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM). Por todo o mundo e em cada território, as mulheres organizaram atividades públicas, retomando a história do movimento e pautando os motivos para estar em marcha hoje. Com o lema “Resistimos para viver, marchamos para transformar”, a Ação Internacional celebra 20 anos desde que a Marcha foi às ruas pela primeira vez, dizendo não ao neoliberalismo e às políticas econômicas que atentam contra a vida das mulheres.
O 8 de março abre uma intensa agenda de mobilizações no país. Só neste mês, já estão agendadas manifestações nos dias 14 (por justiça para Marielle no marco dos dois anos de seu assassinato) e 18 (por democracia sob o mote “ditadura nunca mais!”). Sonia Coelho, da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo, fez uma convocação durante o ato de ontem: “quem foi que matou Marielle? Nós sabemos, mas queremos justiça! Então, chamamos todas para o dia 14. E, depois, porque somos mulheres, feministas, trabalhadoras, estaremos todas no dia 18, fazendo uma grande manifestação por democracia. Ditadura nunca mais! Fora Bolsonaro! Cada uma aqui deve convidar sua amiga, garantir a presença da sua organização. É só luta até pôr esse lixo autoritário para fora!”
O calendário da Ação Internacional da MMM também segue depois de março: em 24 de abril, por todo o mundo, a Marcha fará suas 24h de Solidariedade Feminista, denunciando as empresas transnacionais que exploram o trabalho e a vida das mulheres; e, entre 28 e 31 de maio, acontece uma grande ação nacional em Natal (RN), com presença de delegações de todos as regiões do Brasil.
Agora, confira como foram as mobilizações nos estados.
Rio Grande do Norte Em Natal, capital do Rio Grande do Norte, as mulheres da MMM participaram do ato que teve como mote “Mulheres em resistência: pela vida e por direitos”, que saiu da Praça das Flores e caminhou até a Praça dos Pescadores. Ao final, elas também lançaram a 5ª Ação Internacional da Marcha.
Já em Mossoró, A Caravana da Marcha Mundial das Mulheres percorreu os bairros da cidade dizendo que as mulheres querem trabalho digno, liberdade, democracia, Justiça para Marielle e fora Bolsonaro e toda a sua a sua política antipovo.
No Rio Grande do Norte, as mulheres se preparam para receber as militantes da MMM de todo o Brasil, que irão em maio para Natal, durante a Semana de Luta Anti-imperialista, para participar do momento nacional da 5ª Ação Internacional da Marcha.
Ceará
Dez mil mulheres estiveram presentes ontem (8) no Festival 8 de Março – Pela vida das Mulheres Contra o Fascismo, Machismo, Racismo e LBTfobia – Em Defesa dos Direitos e da Democracia, em Fortaleza.
Mulheres do movimento feminista, da periferia, do campo, mulheres estudantes, sindicalistas, partidárias e tantas outras estiveram presentes na atividade, que contou com debates, oficinas, caminhada pelas ruas da praia de Iracema e se encerrou na Praça do Centro Dragão do Mar com um ato político-cultural.
Com faixa, batucada, palavras de ordem e pirulitos, a Marcha Mundial das Mulheres do Ceará exibiu um grande Fora Bolsonaro em suas mensagens. “Quem está nesse governo está fazendo uma política de desmonte para a mulheres, é a política do capital”, afirmou Mitchele Meire, da MMM, durante o ato político.
Distrito Federal Em Brasília, as mulheres fizeram uma grande mobilização no dia 8, com a presença de diversos movimentos. A batucada puxou o ato, junto com uma grande faixa com o lema da 5ª Ação. O ato começou logo cedo, às 8h, com o mote “Pela vida de todas as mulheres contra o racismo, o machismo e o fascismo”. Uma hora antes, aconteceu o lançamento da 5ª Ação. Hoje (9), as mulheres do MST ocuparam o Ministério da Agricultura, denunciando as políticas violentas de Bolsonaro para o campo, como a privatização de terras, a liberação de agrotóxicos e os cortes em programas públicos.
São Paulo
Na capital paulistana, as atividades começaram já pela manhã, com o lançamento da 5ª Ação Internacional, na Avenida Paulista, onde aconteceu um piquenique agroecológico e intervenções culturais. Estavam presentes delegações de mais de dez cidades, como Registro, Barra do Turvo, Peruíbe, Campinas, Ubatuba, Sumaré, Diadema, São Bernardo, Guarulhos.
Em seguida, as mulheres se juntaram às mais de 40 entidades, movimentos, coletivos e partidos que organizaram o ato “Mulheres contra Bolsonaro! Por nossas vidas, democracia e direitos! Justiça para Marielle, Claudias e Dandaras!”. A chuva não impediu a presença de milhares de mulheres afirmando que queremos outro país e o fim da política de morte desse governo.
Em Campinas, o ato aconteceu no sábado (7) e também levou muitas mulheres para as ruas para manifestar a indignação coletiva com esse governo. Foram mais de 50 entidades construindo coletivamente a mobilização. As militantes da Marcha fizeram várias atividades preparatórias para o dia 8. Houveram panfletagens, oficinas de materiais e coleta de assinaturas em espaços públicos.
Em Ubatuba, as marchantes fizeram juntas uma atividade dinâmica de construção da linha do tempo da luta das mulheres brasileiras destacando, mais ou menos umas 20 mulheres, desde Dandara, liderança quilombola, até os tempos atuais de Dilma e Marielle. Também houve caminhada pela cidade.
São muitas pautas: em defesa da educação e saúde públicas, de denúncia das reformas trabalhista e da previdência, por uma vida livre da violência, contra as privatizações, pela autonomia sobre nossos corpos e sexualidades, pelo direito à moradia, pelo direito dos povos tradicionais caiçaras, quilombolas, indígenas, por trabalho com direitos, pela democracia, contra o fascismo etc.
Rio de Janeiro No Rio de Janeiro, o ato unitário do 8 de março acontece nesta segunda-feira (9), às 17h, na Candelária, na região central da cidade. No domingo (8), as militantes da MMM se reuniram para um ensaio da batucada feminista.
A batucada é um instrumento político de luta que expressa nossa ação feminista. Com a batucada, buscamos democratizar a fala nas ruas. Latas, mulheres, tambores e baquetas em ritmo contra o machismo. Os instrumentos da batucada são feitos prioritariamente de materiais reciclados ou que fazem parte do nosso cotidiano.
Espírito Santo No Espírito Santo, as mulheres fizeram uma caminhada pelo centro de Vitória na sexta (06), junto com outros coletivos de mulheres, com o tema “Basta de violências: Mulheres nas ruas por direitos!”. O ato foi marcado pelo posicionamento contrário ao machismo e ao governo Bolsonaro. A atividade contou com algumas intervenções culturais e panfletagem de convites para o ato cultural que aconteceu no Parque Moscoso, no centro da cidade, neste 8 de março.
Bahia
Dias antes do 8 de março, as militantes da MMM de Salvador já preparavam as latas para a batucada feminista que daria o tom do ato, que foi realizado na manhã deste domingo (8). “Resistência tem nome de mulher! Assédio não! Retirada de direitos não!” foi o mote da manifestação que levou uma multidão para o Farol da Barra.
Minas Gerais
A Marcha Mundial das Mulheres em Belo Horizonte construiu o 8 de Março em articulação com as organizações da Frente Brasil Popular e com os blocos de carnaval. Essa unidade vinha sendo tocada desde os atos do Ele Não na cidade. “Só da luta brota liberdade” foi o lema do ato, que começou pela manhã na Ocupação Pátria Livre. Em Juiz de Fora (MG), o ato unificado “É pela vida das mulheres” aconteceu no dia 7, com o Festival Marielle Franco, que contou com uma feira de economia solidária e feminista. O dia 8 ficou para o lançamento, com piquenique e batucada. Em Simonésia, teve manifestação no final da tarde, reunindo mulheres no centro da cidade. Em Viçosa, as mulheres organizaram uma apresentação artística, cultural e política.
Rio Grande do Sul No Rio Grande de Sul, houveram mobilizações em diversas cidades. Nova Prata, Canoas, Caxias do Sul, Viamão, Osório, Encruzilhada do Sul, Santa Maria e Porto Alegre, além de um ato binacional, da fronteira de Santana do Livramento e Rivera (Uruguai). Em consonância com as articulações nacionais, as mulheres se manifestaram contra o atual governo e também lançaram a 5ª Ação Internacional da MMM. Em Porto Alegre, o lançamento da Ação foi na Praça em frente à orla do Guaíba, junto com bloquinhos de carnaval. Em Santa Maria, as mulheres fizeram um evento junto às artesãs da economia solidária, e denunciaram a situação de desemprego e superexploração através de um “jogo da vida real”.
Marchantes em CanoasAtividades em Porto Alegre
Pernambuco
Em Recife, o ato unificado está marcado para segunda-feira (9). As mulheres da Marcha aproveitaram o 8 para fazer uma pré-mobilização em Brasília Teimosa, com batucada na rua e panfletagem. Em Caruaru, o lançamento aconteceu no Armazém do Campo, com show de Gabi da Pele Preta. O ato será no dia 12, com o lema “Nem ca mulésta!”. E a preparação está intensa: elas estão preparando cartazes elencando tudo aquilo que as mulheres não aceitam. Nem ca mulesta a ditadura, o conservadorismo, o feminicídio, a LGBTfobia, o racismo, o capitalismo… “Resistimos aos ataques do capital, ao conservadorismo, a violência, a opressão. E marchamos para transformar esse cenário social, político e econômico”, sintetizou a militante Ranuzia Netta.
Maranhão O lançamento da 5ª Ação Internacional em São Luís foi na Feirinha Benedito Leite, no Centro Histórico da cidade. Em um palco cheio de apresentações culturais feministas, a batucada entoou canções de luta.
Paraíba
Em João Pessoa, o lançamento da 5ª Ação aconteceu com um festival político-cultural, intitulado “Basta de violações! Juntas por direitos!”, que se estendeu pela tarde. Durante o festival, as mulheres fizeram uma homenagem a Paula Adissi, militante da Marcha que faleceu há poucos meses e deixou saudade nas companheiras. Em Cajazeiras também teve lançamento, com música e decoração de cartazes.
Paraná Em Curitiba, as mulheres foram às ruas. Nos cartazes, se evidenciou o tema da democracia e o rechaço aos golpes de Estado. “Contra os ataques da aliança neoliberal e conservadora”, presente em um dos cartazes, foi um destaque do chamado à 5ª Ação Internacional da MMM.
Sergipe As mulheres participaram da construção e da condução do ato em Aracaju, que se concentrou no terminal de ônibus na praia de Atalaia. Nas faixas e cartazes, além do lema da Ação, as frases: “pela vida das mulheres! Ditadura nunca mais” e “vivas por Marielle”.
Tocantins Em Palmas, a luta foi na Feira do Aureny I. As mulheres estiveram na Feira dialogando com as/os feirantes e moradores do setor sobre as reivindicações neste 8 de março. O lançamento da 5ª Ação Internacional também foi por lá. “Levamos nossa batucada, linguagem e irreverência feminista pra feira”, disse, satisfeita, a militante Carol Azevedo. Em Araguaína, a Marcha lançou sua 5ª Ação Internacional no decorrer da manifestação, reivindicando “a construção de um feminismo anticapitalista e antirracista concreto e em movimento na nossa cidade”, além de saúde, moradia, educação, soberania popular e uma vida sem violência.
Alagoas Em Maceió, as feministas organizaram um festival cultural de mulheres, com o nome “Mulheres unidas pelo direito de viver sem violência”. Na ocasião, elas promoveram diversas discussões, que aconteceram entre apresentações artísticas e falas políticas, marcadas pelo enfrentamento aos governos Bolsonaro, assim como estadual e municipais. Elas reafirmaram a denúncia a Braskem e fizeram um jogral da Marcha com todo ato.
Santa Catarina Em Florianópolis, o lançamento da 5ª Ação foi realizado durante o 1º Encontro Nacional das Mulheres Indígenas Guarani Yvyrupa. Em uma tenda, as mulheres organizaram uma programação de falas, atividades culturais, música e batucada feminista. Do Encontro, saiu um manifesto das mulheres guarani. Em Blumenau, as marchantes fizeram uma manifestação junto às demais organizações feministas, sindicais e populares. Teve brechó, pintura de camisetas e batucada. Na cidade de Lages, também teve lançamento: na praça, junto a uma feira de economia solidária, com roda de conversa e exposição de cartazes.
Nota da ABI – Bolsonaro mente na ONU e envergonha o Brasil
No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.
No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional. Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente afirmou que seu governo pagou um auxílio emergencial no valor de mil dólares para 65 milhões de brasileiros carentes, durante a pandemia. O auxílio foi de 600 reais. Bolsonaro mentiu O presidente responsabilizou, ainda, índios e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que alcançam níveis nunca antes vistos no País. Todas as investigações, inclusive de órgãos oficiais, indicam que fazendeiros estão na origem das queimadas. Como se vê, de novo Bolsonaro mentiu. O presidente transferiu a responsabilidade para governadores e prefeitos pelos quase 140 mil mortos vítimas do coronavírus. Todo o país é testemunha de sua leviandade, ao classificar a pandemia de “gripezinha” e ir na contramão dos procedimentos defendidos pelas autoridades de Saúde. Assim, mais uma vez Bolsonaro mentiu. A ABI, com a autoridade de seus 112 anos de existência em defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania nacional, repudia esse comportamento que vem se tornando recorrente e conclama o povo brasileiro a não aceitar o verdadeiro retrocesso civilizatório que o governo está impondo ao País. Paulo Jeronimo – Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
Sem papas na língua. Juliano Medeiros no Dialogando de hoje
Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!
Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? No Programa Dialogando desse domingo (26/07), 18h, o Pastor Fábio recebe Juliano Medeiros, presidente do PSOL para um papo sobre eleições e aprendizados da pandemia que passa por uma das fases mais críticas do momento, onde prefeituras e governos de vários Estados do país programam reabertura de mais uma parcela considerável de setores, enquanto isso, a mídia normaliza as curvas ascendentes do número de infectados pelo Coronavírus.
Outra pergunta que precisa ser respondida é qual é o sentido das eleições serem realizadas ainda neste ano? Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!
Assista, compartilhe. comente e mande perguntas no Facebook.
Juliano Medeiros é um jovem dirigente político da esquerda brasileira e desde janeiro de 2018 ocupa a presidência do Partido Socialismo e Liberdade. Historiador e Mestre em História pela Universidade de Brasília, é Doutor em Ciências Políticas pela mesma instituição.
Co-autor e organizador de Um Mundo a Ganhar e Outros Ensaios (Multifoco, 2013), Um Partido Necessário – 10 anos do PSOL (Fundação Lauro Campos, 2015) e Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017), colabora com sites, jornais e revistas no Brasil e exterior.[2]
Em 2018 coordenou a campanha de Guilherme Boulos à Presidência da República pelo PSOL[3] e, no segundo turno, após decisão do partido, passou a integrar a coordenação da campanha de Fernando Haddad[4]. Desde a vitória de Jair Bolsonaro, participa do Fórum dos Presidentes de Partidos de Oposição[5].
Durante mais de uma década Juliano Medeiros foi dirigente da corrente interna Ação Popular Socialista – Corrente Comunista do PSOL. Em Junho de 2019, a APS-CC se fundiu com o Coletivo Rosa Zumbi e mais oito coletivos regionais para fundar a Primavera Socialista, atualmente maior tendência do PSOL, da qual Juliano também é dirigente.[6]
Fábio Bezerril Cardoso é Pastor, cientista social, ativista social e Cofundador & Coordenador da Escola Comum e atualmente apresenta o Programa Dialogando, todos os domingos, às 18h. É um dos pastores progressistas que têm lutado pela defesa dos povos periféricos e costuma não ter papas na língua para falar sobre a realidade desses lugares. A produção é de Katia Passos, com arte de Sato do Brasil.
Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno
Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.
Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.
A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.
Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!
No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.
O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.
Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.
No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.
No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.
Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.
Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.
Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…
A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.
O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.
Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.
Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.
Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.
Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.
Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.
Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!
Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.
A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.