Especialistas na área de Segurança Pública são categóricos ao afirmar que a permissão dada pelo Estado brasileiro para que um cidadão tenha uma arma em casa, conforme decreto assinado nesta terça-feira (15) pelo presidente Jair Bolsonaro, deve aumentar os índices de violência no país.
Na autorização assinada por Bolsonaro, cidadãos brasileiros com mais de 25 anos poderão comprar até quatro armas de fogo para guardar em casa. O texto regulamenta o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição no país, uma das principais promessas de campanha do presidente.
No Rio Grande do Norte, proporcionalmente um dos estados mais violentos do país, nos últimos 10 anos foram 15.366 assassinatos registrados no Estado, aproximadamente 90% dos crimes foram cometidos com arma de fogo. O destaque negativo é para o ano de 2017, quando 2.408 pessoas foram assassinadas, o recorde num único ano.
Os números foram levantados pelo Observatório da Violência (Obvio) que cataloga desde 2011, mas possui uma base de dados a partir de 2003 com dados das mortes violentas no Rio Grande do Norte.
Diretor do Obvio e coordenador de Informática e Estatística da secretaria de Estado de Segurança Pública, Ivênio Hermes chama a atenção para a ausência, entre os critérios, do curso básico de tiros. Ele também acredita que a permissão para a posse será um atrativo a mais também para o criminoso:
– O problema da falta de segurança dificilmente será resolvido com a liberação de armas para a população. Primeiro porque a maioria esmagadora dos estudos sobre o tema aponta que não existe relação entre a posse e a segurança efetiva. Nesse ponto, o decreto pode aumentar a sensação de segurança para aqueles que vierem a possuí-la, contudo, por outro lado, pode aumentar a vulnerabilidade, haja vista que se tornará um atrativo a mais para o criminoso que quiser acesso às armas”, analisou.
O especialista chama a atenção ainda para a inviabilidade financeira da posse por cidadãos que não têm dinheiro para comprar sua arma:
– Outro grande problema que poderemos ter é a geração de mais uma divisão entre os brasileiros: aqueles que podem e aqueles que não podem ter armas, afinal de contas, com o brasileiro ganhando um salário mínimo tão baixo, a flexibilização somente privilegiará quem puder dispor de uma média de R$ 4 mil para ter uma arma.
Em 4 de janeiro, antes da solenidade de posse dos secretários de Estado, a agência Saiba Mais questionou o secretário de Segurança Pública Francisco Canindé Araújo sobre a possibilidade da edição do decreto que permite a posse de arma no país. No entanto, ele afirmou que não se estenderia na parte política:
– Eu não posso me estender na parte política. A minha parte é da execução da atividade de polícia. O ordenamento jurídico que for instituído pelos poderes nós iremos cumprir, assim como a legislação que está em vigor.
O que muda
O que muda com o novo decreto é que não há necessidade de uma justificativa para a posse da arma. Antes esse item era avaliado e ficava a cargo de um delegado da Polícia Federal, que poderia aceitar, ou não, o argumento.
Além de militares e agentes públicos da área de segurança ativos e inativos, poderão adquirir armas de fogo os moradores de áreas rural e urbana com índices de mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes, conforme dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Donos e responsáveis por estabelecimentos comerciais ou industriais também poderão adquirir o armamento, assim como colecionadores de armas, atiradores e caçadores, devidamente registrados no Comando do Exército.
Citando o referendo de 2005 em que a população rejeitou a proibição do comércio de armas de fogo, Bolsonaro argumentou a necessidade do decreto.
“O povo decidiu por comprar armas e munições, e nós não podemos negar o que o povo quis naquele momento. Em toda minha andança pelo Brasil, ao longo dos últimos anos, a questão da arma sempre estava na ordem do dia. Não interessa se estava em Roraima, no Acre, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina ou Rio de Janeiro”, disse o presidente.
Com informações da agência Brasil
Bolsonaro terceiriza segurança pública para o cidadão, avalia especialista
Na avaliação do cientista social e especialista em Segurança Pública Francisco Augusto, ao liberar o acesso à posse de arma aos cidadãos, o presidente Jair Bolsonaro transfere para a população o dever de garantir a própria segurança.
– O Brasil é um país violento, onde a violência doméstica tem um dos maiores índices do mundo. Não há garantia de que a segurança pública será reforçada com esse decreto. O monopólio do uso da violência é do Estado e nesse modelo liberal, o Estado está transferindo para as pessoas a garantia da sua própria segurança. Com isso, e com a queda do estatuto do desarmamento muito em breve, deve haver um pico do número de homicídios. Temos uma cultura extremamente violenta. O acesso às armas vai aumentar as estatísticas da violência doméstica. Até porque grande parte dos crimes ocorridos no espaço privado de casa são por armas de fogo. Vai aumentar o número de conflitos e entraremos numa estrutura que, talvez, seja irreversível”, diz.
Augusto cita o exemplo dos estados norte-americanos que convivem com chacinas e homicídios para pontuar o erro que está sendo cometido pelo governo Bolsonaro com a liberação da posse de armas.
– Os estados americanos onde o acesso as armas é garantido e se pode comprar um revólver com facilidade são os que mais convivem com chacinas e homicídios. Isso sem falar que esse decreto foi assinado sem nenhum tipo de debate com a sociedade. (O Governo) não conhece estatísticas e está fazendo isso para acertar uma promessa de campanha. Estamos construindo a casa pelo telhado em vez de começar pela base”, afirma.
PT vai tentar barrar decreto na Justiça
Do portal do PT
“O PT é frontalmente contrário a esse decreto. Vamos ao Judiciário para entrar com uma Adin. Também vamos propor um Decreto Legislativo porque acreditamos que a medida extrapola os limites da competência do Executivo, estipulados pela lei. O decreto das armas invade a competência do Poder Legislativo”, aponta Pimenta.
O líder do PT também esmiuçou os trechos do decreto de Bolsonaro ao longo da coletiva, e explicou que com a autorização de portar armas no ambiente de trabalho, a violência aumentará. “Tem um artigo do decreto que autoriza a compra e posse de armas em estabelecimento comercial. O cidadão poderá ter arma no local de trabalho, desde que ele seja o proprietário. O taxista e o motorista de Uber tem nos carros os seus locais de trabalho. Então, imagina vocês que tem filho jovem, que sai para se divertir. Como você vai se sentir em saber que ele pode pegar um Uber e o motorista vai estar armado?”, critica o deputado.
Pimenta também explicou que é preciso esperar o fim do recesso parlamentar para propor o Decreto Legislativo e ainda revelou que deputados da base do governo podem apoiar a medida. “Acredito que podemos ter apoio de parlamentares da base do governo, porque eles mesmos estavam perplexos com o decreto. Imaginavam que seria o caso de liberar a posse dentro de casa e de uma única arma, como se falava na campanha eleitoral. Esse decreto é um escárnio, pois liberou que cada pessoa possa ter quatro armas e de grosso calibre como fuzis de repetição”, destaca o deputado.
Para o líder do PT, a volta da circulação de armas pela sociedade pode favorecer o acesso de criminosos às armas de fogo, e com isso elevar os índices de homicídios. “O PT quer alertar a sociedade brasileira que esse decreto mergulhará o país em caos e violência, em uma espécie de faroeste, onde quem tem dinheiro poderá adquirir grandes quantidades de armas e munição. As pessoas de menor poder aquisitivo serão as vítimas”.
“Muitas pessoas serão assaltadas para que os criminosos consigam mais armas. Isso é uma irresponsabilidade e é para atender o lobby das indústrias de armas, que estão com as ações explodindo. E se saqui 60 dias chegarmos à conclusão de que isso foi um erro, como faremos para recolher as armas que estarão disseminadas pelo país”, critica Pimenta.
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Decreto
Leia abaixo a íntegra do decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro.
DECRETO Nº , DE DE DE 2019
Altera o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM e define crimes.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003,
DECRETA:
Art. 1º O Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 12. …………………………………………………………………………………………
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VIII – na hipótese de residência habitada também por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, apresentar declaração de que a sua residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento.
- 1º Presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade a que se refere o inciso I do caput, a qual será examinada pela Polícia Federal nos termos deste artigo.
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- 7º Para a aquisição de armas de fogo de uso permitido, considera-se presente a efetiva necessidade nas seguintes hipóteses:
I – agentes públicos, inclusive os inativos:
- a) da área de segurança pública;
- b) integrantes das carreiras da Agência Brasileira de Inteligência;
- c) da administração penitenciária;
- d) do sistema socioeducativo, desde que lotados nas unidades de internação a que se refere o inciso VI do caput do art. 112 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; e
- e) envolvidos no exercício de atividades de poder de polícia administrativa ou de correição em caráter permanente;
II – militares ativos e inativos;
III – residentes em área rural;
IV – residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública;
V – titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais; e
VI – colecionadores, atiradores e caçadores, devidamente registrados no Comando do Exército.
- 8º O disposto no § 7º se aplica para a aquisição de até quatro armas de fogo de uso permitido e não exclui a caracterização da efetiva necessidade se presentes outros fatos e circunstâncias que a justifiquem, inclusive para a aquisição de armas de fogo de uso permitido em quantidade superior a esse limite, conforme legislação vigente.
- 9º Constituem razões para o indeferimento do pedido ou para o cancelamento do registro:
I – a ausência dos requisitos a que se referem os incisos I a VII do caput; e
II – quando houver comprovação de que o requerente:
- a) prestou a declaração de efetiva necessidade com afirmações falsas;
- b) mantém vínculo com grupos criminosos; e
- c) age como pessoa interposta de quem não preenche os requisitos a que se referem os incisos I a VII do caput.
- 10. A inobservância do disposto no inciso VIII do caput sujeitará o interessado à pena prevista no art. 13 da Lei nº 10.826, de 2003.” (NR)
“Art. 15. …………………………………………………………………………………………
Parágrafo único. Os dados de que tratam o inciso I e a alínea “b” do inciso II do caput serão substituídos pelo número de matrícula funcional, na hipótese em que o cadastro no SIGMA ou no SINARM estiver relacionado com armas de fogo pertencentes a integrantes da Agência Brasileira de Inteligência.” (NR)
“Art. 16. …………………………………………………………………………………………
………………………………………………………………………………………………………
- 2º Os requisitos de que tratam os incisos IV, V, VI e VII do caput do art. 12 deverão ser comprovados, periodicamente, a cada dez anos, junto à Polícia Federal, para fins de renovação do Certificado de Registro.
……………………………………………………………………………………………..” (NR)
“Art. 18. …………………………………………………………………………………………
………………………………………………………………………………………………………
- 3º Os requisitos de que tratam os incisos IV, V, VI e VII do caput do art. 12 deverão ser comprovados, periodicamente, a cada dez anos, junto ao Comando do Exército, para fins de renovação do Certificado de Registro.
………………………………………………………………………………………………………
- 5º Os dados de que tratam o inciso I e a alínea “b” do inciso II do § 2º serão substituídos pelo número de matrícula funcional, na hipótese em que o cadastro no SIGMA ou no SINARM estiver relacionado com armas de fogo pertencentes a integrantes da Agência Brasileira de Inteligência.” (NR)
“Art. 30. …………………………………………………………………………………………
………………………………………………………………………………………………………..
- 4o As entidades de tiro desportivo e as empresas de instrução de tiro poderão fornecer a seus associados e clientes, desde que obtida autorização específica e obedecidas as condições e requisitos estabelecidos em ato do Comando do Exército, munição recarregada para uso exclusivo nas dependências da instituição em provas, cursos e treinamento.” (NR)
“Art. 67-C. Quaisquer cadastros constantes do SIGMA ou do SINARM, na hipótese em que estiverem relacionados com integrantes da Agência Brasileira de Inteligência, deverão possuir exclusivamente o número de matrícula funcional como dado de qualificação pessoal, incluídos os relativos à aquisição e à venda de armamento e à comunicação de extravio, furto ou roubo de arma de fogo ou seus documentos.” (NR)
Art. 2º Os Certificados de Registro de Arma de Fogo expedidos antes da data de publicação deste Decreto ficam automaticamente renovados pelo prazo a que se refere o § 2º do art. 16 do Decreto nº 5.123, de 2004.
Art. 3º Para fins do disposto no inciso V do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, consideram-se agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência os servidores e os empregados públicos vinculados àquela Agência.
Art. 4º Fica revogado o § 2º-A do art. 16 do Decreto nº 5.123, de 2004.
Art. 5º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, de de 2019; 198º da Independência e 131º da República.