Por Katia Passos e Herminio Porto, dos Jornalistas Livres
Quantas vezes a gente ainda vai precisar fazer a conversa do racismo estrutural partindo da estaca zero? Milhares, acreditamos.
Quantas jornalistas negras estão na TV, nas redações hoje?
Falar em racismo estrutural, sem falar sobre a forma como é praticado na grande mídia, não fecha a conta dessa atrocidade.
Quantos jornalistas negras e negros você vê na TV hoje? Quantos ocupam espaços de destaque em jornais televisivos, novelas e outros produtos da grande mídia?
Mas já que os programas são produtos, para que colocar negras e negros nestes espaços? Produto é para vender, para girar a roda da economia, para trazer sorrisos e boas sensações à elite burguesa e branca. Então negros não são desejados nestes espaços porque simplesmente “encalham a mercadoria”: a cor e a carne negra é a mais barata do mercado, pois remete, na cabeça dos algozes racistas, ao perigo de ser assaltado, violentado e até assassinado.
Há negras e negros de pele mais clara que são “aceitos” nos espaços. Mas bastam assumirem suas raízes identitárias para se tornarem um verdadeiro incômodo. Na TV, se for jornalista ou atriz é colocada na famosa geladeira, ou aparece atrás de personagens subalternos a patrões brancos, no caso de telenovelas.
No jornalismo, pode ser a “moça do tempo”, aquela que aparece de vez em quando, para dizer se vai ou não chover e, desta forma, os chefões da oligarquia midíatica “cumprem a cota” de afrodescentes em seu quadro funcional. Mas que cota ridícula é essa?
Quem esqueceu do caso da Nayara Justino? A globeleza escolhida, conforme anunciado, por voto popular e que em menos de um ano foi simplesmente expurgada da TV? Na época, para dar aquela reafirmada básica no racismo estrutural, a Rede Globo simplesmente ignorou a escolha popular e “substituiu” Nayara por uma negra, de pele mais clara, obviamente.
Óbvio também que o fator objetificação do corpo, sexualização exacerbada desse personagem gera uma discussão à parte e um texto mais profundo sobre isso, deve ser feito.
Mas para piorar ainda mais a cena atroz e limpar sua barra temendo um processo judicial de racismo, a TV Golpe justificou o expurgo dizendo que a moça não tinha mérito artístico. Ora, bolas! Criar regras próprias para “maquiar” racismo, ignorando a escolha de seus clientes, o povo, agora chama-se ausência de mérito artístico?
Todo dia é assim, são vários negros e negras sendo expurgados das novelas e da TV, em seus eternos papéis de serviçal, ladrão, traficante, ou algo, que aos olhos da sociedade branca, racista e classista “não presta” pra entrar nos lares de milhares de cidadãos.
E falando em crimes, negros e negras, por outro lado, são instrumentalizados para aumentar o patrocínio a programas de televisão de teor sensacionalista de cunho policial. Por meio da propagação do medo gerado pela violência urbana, muitas vezes personificados em “suspeitos” cuja cor quase sempre é negra e os direitos são sempre negados.
Produtos para a segurança do carro ou que oferecem promessa de saúde para uma vida longa encontram o público certo. O retorno aos patrocinadores garante o financiamento de propaganda de ódio contra pessoas e direitos.
Já nos esportes, jogadores negros brilham com fama e salários exorbitantes. Outras marcas e outros patrocínios. De Pelé a Neymar Jr, há sempre um negro no hall da fama dos jogadores do Brasil (aqui e no Mundo). Mas quantos deles estão nas direções dos grandes clubes ou ocupando cargos técnicos? Para cada grande estrela da bola, quantos outros jovens negros têm negado o direito ao lazer e a práticas esportivas recreativas e saudáveis? A camisa 11 do Santos levava o nome de Neymar – e de um banco. Poucos negros são escolhidos para vender para muitos. E o jogo segue…
Este texto não foi escrito com o propósito de problematizar o “sucesso” dos poucos negros que encontram algum espaço na mídia. É preciso olhar para os invisíveis e os expostos à carnificina que garante que ¾ das vítimas de assassinato sejam negras.
Neste mês do dia da Consciência Negra, o Jornalismo Livre deve assumir, ainda mais, um compromisso em dar visibilidade sem expor e, acima de tudo, “dar fala” a quem é silenciado ou posto somente na posição de interrogado. Novas visões pluralistas de mundo e novas narrativas são os caminhos para a construção de uma consciência coletiva (mas não massificada) que supere as ideologias racistas que são assimiladas e reificadas na cabeça de cada brasileiro e brasileira.