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Tag: Vale do Rio Doce

  • EUA deportaram 780 brasileiros em sete meses

    EUA deportaram 780 brasileiros em sete meses

     

     

     

    O 14º voo trazendo brasileiros deportados dos Estados Unidos chegou nessa sexta-feira, 24, no Aeroporto Internacional de Confins, na Grande Belo Horizonte. Desta vez desembarcaram 85 pessoas.  Desde outubro, foram repatriados 780 brasileiros que tentaram entrar nos EUA clandestinamente usando a fronteira com o México, a maioria de Minas Gerais.

    O desembarque foi monitorado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devido à pandemia do novo coronavírus. Segundo a BH Airport, ainda não houve nenhum passageiro sintomático em voos com deportados. Os Estados Unidos registram cerca de 50 mil mortes provocadas pela covid-19, liderando o ranking entre os países que lutam contra a doença.

    Vários brasileiros que vieram dos EUA em outros voos relataram maus-tratos, segundo o site G1. Muitos passam fome durante a prisão. Homens, mulheres e crianças, de vários estados do país, desembarcam apenas com a roupa do corpo, documentos e o que sobrou do dinheiro que levaram.

    Um casal de Guanhães, no Vale do Rio Doce, Leste de Minas, com cerca de 35 mil habitantes, vendeu a geladeira, o fogão, o sofá e até a cama. Semanas depois, o homem, a mulher e o filho de três anos estavam presos em um centro de detenção nos Estados Unidos. “A gente morava de aluguel, tinha muita dívida e decidimos tentar vida nova nos Estados Unidos, a exemplo de muita gente da minha região”, disse a mulher que preferiu se identificar apenas como Lidiana. “Ficamos 22 dias presos e meu filho passou fome. A gente só comia burrito (uma iguaria mexicana) e carne de soja. Foi muito sofrimento”.

    Sua família foi detida após atravessar um rio em Juarez, no México, fronteira com os Estados Unidos. “Me arrependo demais de ter ido pra lá. Vendemos todas as nossas coisas e voltamos só com a roupa do corpo”, contou Lidiana.

    Em outubro de 2019 o governo Bolsonaro alterou a política de trato de brasileiros nos EUA e a chegada do primeiro voo com deportados marcou a retomada de uma medida que não era aceita pelo Brasil desde 2006.

     

     

     

  • Lama com rejeitos de minério da Vale e BHP Billiton segue caminho do Rio São Francisco

    Lama com rejeitos de minério da Vale e BHP Billiton segue caminho do Rio São Francisco

    A Agência Nacional de Águas emite nota de alerta para o caminho que a lama composta por rejeitos de minérios de ferro traçou. Os rejeitos já correm junto as águas do Rio Paraopeba que tem sua foz no Rio São Francisco

    O crime humano e ambiental cometido pela Vale e BHP Billiton podem atingir grandes proporções nos próximos dias. De acordo com nota divulgada pela Agência Nacional de Águas – ANA, a lama juntamente com todos os materiais que arrastou é esperada na Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo e deve chegar por lá entre terça e quarta-feira.

    Esse será o primeiro ponto de contenção dos rejeitos e de todos os materiais arrastados pela onda composta por 12,7 milhões de metros cúbicos de lama. O percurso até a Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, são de 290 km de extensão. Estima-se que essa hidrelétrica será capaz de conter grande parte dos rejeitos, que continuaram a correr com as águas do Rio Paraopeba, em direção ao Rio São Francisco.

    Funcionários SPE – Sociedade de Propósito Específico, responsável pela UHE Retiro Baixo, já interromperam a operação da usina, realizaram testes de vertedouro e fecharam as tomadas de água para tentar preservar os equipamentos.

    O segundo ponto de contenção será a Represa Três Marias, a Agência Nacional de Águas – ANA, ainda não tem estimativa do tempo para o encontro da onda com a próxima represa, mas de acordo com Fabrício Coelho, diretor da Associação dos Bombeiros Voluntários de Três Marias, um alerta foi emitido pela Defesa Civil Estadual para que o monitoramento no local seja intensificado. O reservatório Três Marias fica no Rio São Francisco.

    As comunidades ribeirinhas do Rio Paraopeba podem sofrer falta de energia elétrica e corte da distribuição de água durante os próximos dias.

    Edição do Vídeo Joana Brasileiro

     

  • Mariana e a Síndrome de Estocolmo

    Mariana e a Síndrome de Estocolmo

    No dia 5 de novembro de 2015 o planeta Terra chorou a ganância do homem quando 60 milhões de metros cúbicos de lama química correram ao longo dos 700 km, entre o local da ruptura da barragem de Fundão e a foz do rio Doce, no Espírito Santo, causando danos ambientais e sociais irreparáveis para o Brasil.

    A jornada é pelo Rio Doce junto com o Eduardo Marinho – artista de rua e Isadora Zardin – fotógrafa, na Kombi chamada Celestina.

     

    Depois de 22 dias entre Maringá – RJ e Mariana – MG, com três paradas no mecânico, pois Celestina resolveu adoecer, três dias dormindo no Graal da Dutra com a Kombi quebrada, começa efetivamente uma jornada que me levará até a foz do Rio Doce, que deixou de ser doce para ser morto, em Linhares, no Espírito Santo. Uma investigação sobre os danos sociais e ambientais causados pela Samarco ao longo dos povoados que margeiam o rio.

    Dia 6 de Março, saio pelas ruas de Mariana, procuro sentir a cidade, entender as histórias e perguntar o que você sente em relação à Samarco. Surpreendo-me com as respostas, coitada da Samarco. Reflito. Como uma empresa pode receber um sentimento relacionado ao ser humano, como uma companhia especializada em mineração pode ser considerada coitada?

    Compreendo que o genocídio financeiro e cultural são as estruturas fundamentais para o processo de dominação de um povo. De acordo com Renato Cidrack, professor de história do Estado de São Paulo, “vivemos um sistema planejado e eficiente para adestrar, amansar, controlar e destruir”. Para chegar a esse trunfo é preciso também realizar a famosa lavagem cerebral. Entendo que em Mariana há uma ordem inversa, estou naquele local onde a culpa é da vítima, onde a síndrome do Estocolmo prevalece.

    Síndrome de Estocolmo é o nome dado para um estado psicológico particular em que uma pessoa, quando submetida à intimidação, passa a ter simpatia por quem a agride. São processos psíquicos inconscientes aliados a pequenos gestos gentis por parte dos agressores que fazem a pessoa não ter uma visão clara das ameaças. Situação típica em Mariana.

    A população local não fala sobre mineração. Quando abordados sobre o assunto Rio Doce, logo explanam sobre as dificuldades financeiras da cidade, a falta de emprego e a queda na economia. Vendas sutilmente colocadas nos olhos do povo local para que o medo prevaleça e os faça clamar, volta Samarco. Deixá-los financeiramente e emocionalmente instáveis são estratégias usadas pela mineradora. A diversificação econômica do município nunca foi levada em consideração pelos políticos locais, convenientes em servir aos interesses das multinacionais.

    Já os atingidos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo não falam muito, tentam passar despercebidos, há um entendimento que eles são os culpados pelas portas fechadas da Samarco, há acusações de que receberam mais do que tinham, como se micro-ondas, computadores ou aluguéis duzentos reais mais caros pudessem reparar as histórias levadas pela lama química.

     

    Uma parte da população culpa os atingidos pela drástica questão econômica que a cidade vive, não há entendimento que isso faz parte da estratégia de sobrevivência das mineradoras nas pequenas cidades. Minar qualquer outro tipo de fonte de renda e criar com o passar dos anos, a dependência econômica do município e a emocional da população, assim se tem um povo rendido à exploração travestida de caridade.

    A questão do silêncio é enorme por aqui, nem a universidade local se dá ao trabalho de envolver os universitários nas questões ligadas a mineração e as compensações ambientais e econômicas que deveriam ser de responsabilidade dessas exploradoras. Estudantes do curso de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP até fizeram uma publicação sobre o Rio Morto, mas não passou de uma edição especial da Revista Curinga, em 2016.

    Mineradoras não dão esmolas à população, elas desenvolvem uma atividade econômica onde se retira muito dinheiro, são mais de 500 anos escoando as riquezas do Brasil para outros países. Gerar emprego não é favor à população. As empresas precisam dos empregados para extraírem e explorarem as minas, mãos de obra são massas necessárias para que o corporativismo continue comprando o Brasil e seus políticos.

    Coincidentemente um levantamento feito pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, em 2015, mostrou que as mineradoras ocuparam o quarto lugar na lista de maiores doadores da penúltima campanha eleitoral, já que na última eleição foram proibidas as doações feitas por empresas.

    As primeiras posições são ocupadas respectivamente por companhias das áreas de alimentação, bancos e construções, juntas elas doaram R$ 32,7 milhões para os 15 partidos que disputaram uma vaga na câmara dos deputados por Minas Gerais, Pará e Bahia, as maiores especulações minerais do país. Vale ressaltar que somente a Samarco, responsável pelo maior dano socioambiental do Brasil, doou 22,6 milhões para políticos. Um jogo fácil de entender. Eu te coloco lá e você não me tira de cá.

    Pelas ruas de Mariana se vê a supremacia da exploração da Samarco marcada por um silêncio constrangedor.

  • A dor do Rio

    A dor do Rio

    por Carolina Rubinato

    Quem já sentiu no corpo e na alma a dor da falta do oxigênio, sabe entender o grito dos peixes ao sufocarem na lama contaminada da Samarco. Febre amarela, câncer, são pequenas amostras de Pachamama – a mãe natureza, da falta de respeito do capital pelo maior bem da humanidade.

    A contaminação pelos 60 milhões de metros cúbicos de lama química, que correram ao longo dos 700 km entre o local da ruptura da barragem e a foz do rio Doce, no Espírito Santo, causaram danos ambientais e sociais irreparáveis para o Brasil.

    No dia 5 de novembro de 2015, o planeta Terra chorou a ganância do homem, e de lá para cá, permitimos que Belo Monte se instalasse em Xingu e quase deixamos o governo liberar a Amazônia para a mineração.

    Colhemos o que plantamos, e perguntas ficam. Até quando empresas estarão acima de pessoas? Até qual década ter, será mais importante que ser?

    A partir de hoje, 14 de fevereiro, quarta-feira de cinzas, você poderá acompanhar por meio dos Jornalistas Livres, uma expedição pelo Rio Doce que trará histórias e fatos sobre os danos sociais, ambientais, econômicos e políticos, causados por um dos maiores desastres ambientais do mundo, originados pelo homem.

    Especialistas dizem que precisamos de pelo menos 100 anos para reparar os danos, mas nenhum desses anos vai recuperar a dor do povo do rio, dos pequenos agricultores, dos ex-pescadores, das famílias que foram destruídas pelas dificuldades, pela miséria, das mais de 80 espécies que desapareceram, sendo que 12 delas eram exclusivas desse habitat e podem ter sido extintas, dos índios Krenaks – os últimos povos botocudos do país, praticamente em extinção. Será que contribuímos para o fim deles?

    Neste caso plantamos destruição, há de pensar que nenhum capital do mundo pode mudar o fato de que sem água e ar, não sobreviveremos. Não há como viver, dia após dia, sem entender a dinâmica, a equação da vida, a única química necessária para sobrevivência humana O² e H²O.

     

    A Jornada pelo Rio Doce é somente uma iniciativa para mostrar o quão sofrida foi sua morte e

    como pode ser o destino do nosso Rio Xingu, com sua Belo Monte,

    e as tentativas de liberar a Amazônia para a mineração.

    A Celestina – uma Kombi, Eduardo Marinho, Hare Brasil e Carolina Rubinato, essa é a tripulação. Celestina de 1995, que ficou por dez anos abandonada, carcomida de ferrugem e renasceu com motor de Brasília 78, teve recentemente seu motor trocado, após o falecimento do antigo em dezembro 2017; Eduardo Marinho, um filósofo das ruas e primoroso artista plástico, capaz de nos fazer pensar com suas obras, e aqui coloco como minha singela opinião, um cara incrível, profundo conhecedor dos assuntos mundanos e da alma humana; Hare Brasil, sagaz produtor e um dos idealizadores do Via Celestina (O Filme), que nos encontrará durante a jornada, e por fim eu, Carolina Rubinato, jornalista e ativista social por amor e convicção.

    Durante a jornada pelas margens do Rio Doce, vamos parando por aí, pelos municípios do entorno ouvindo histórias, registrando, apresentando a arte e o conhecimento de Eduardo Marinho em exposições e palestras, o financiamento da viagem é esse, a venda dos trabalhos que Eduardo faz à mão. Nesse contexto colaborativo nossa primeira parada será em Penedo, no dia 15, para um bate papo no Não é Hostel, às 18h, seguido de exposição e música.

    Se você mora entre Maringá – RJ, local de onde partiremos, e Regência – ES, local de chegada, acompanhe nosso diário de bordo e nos encontre para uma conversa, vamos adorar partilhar. O mundo só funciona no coletivo.

    “Perverso – O governo? As mineradoras e seu poder econômico, apoiado por bancos, com base na ignorância e desinformação minuciosamente aplicadas e mantidas. Por um sistema social armado pra isso mesmo. Governos são peças num tabuleiro dos vampiros sociais, os mais podres de ricos. E as instituições são decorrência disso. É tempo de percepção”, Eduardo Marinho

    Manifesto da Águas

    “A água pertence bem mais à economia dos bens comuns e à partilha da riqueza,

    do que à economia de acumulação privada e individual e da predação da riqueza do outro”, Ricardo Petrella

    Esperamos vocês nessa jornada!

    • Ilustração por Hélio Carlos Mello
  • Privatizar pode ser bom, mas pode ser um desastre

    Privatizar pode ser bom, mas pode ser um desastre

    Ao ler o recente estudo do DIEESE sobre a atual política de desestatização, lembrei-me do desastre do Rio Doce, a privatizada Vale era sócia da Samarco. Lembrei-me de que as grandes financiadoras de imóveis nos Estados Unidos nasceram pela mãos do Estado, passaram para mãos privadas e voltaram para o Estado com a enorme crise de 2008. Essas idas e vindas que acontecem pelo mundo indicam que há, no capitalismo, negócios que podem ser deixados em mãos privadas e aqueles que não devem sair das mãos do Estado.

    O pré-candidato à presidência pelo PSDB, Geraldo Alckmin, disse ontem (07/02) que defende a ampliação da iniciativa privada na economia e é favorável à privatização de toda a Petrobras, se houver bom marco regulatório. Não se trata, porém, apenas de ser contra ou a favor das empresas estatais. A discussão precisa subir um degrau para descobrirmos se certas empresas promoverão ganhos maiores para a sociedade se ficarem nas mãos do Estado. Discussão que não aconteceu quando o presidente do país era o companheiro de partido de Alckmin, Fernando Henrique Cardoso, e não acontece agora no governo apoiado pelo PSDB. Quais problemas não são resolvidos ou são agravados com as empresas privadas? É o que tentaremos responder aqui com ajuda da nota técnica do Dieese, de onde foram extraídas as citações aqui feitas.

    O mercado falha

    Os economistas chamam de falha de mercado os defeitos, as anomalias, as imperfeições que o mercado apresenta. Em alguns casos, a falha de mercado é caracterizada pela ausência de certo produto no mercado. Aqui, pode-se citar a energia elétrica e a telefonia que não chegam a regiões mais ermas do país.

    As situações em que certo mercado promove ganhos para seus participantes privados e, simultaneamente, custos ou prejuízos para toda a sociedade também podem ser aqui incluídos. São falhas originadas pela incapacidade do mercado de atender certas demandas sociais. O mercado, deixado livre, não mantém, por exemplo, o ar e os rios limpos.

    Um exemplo fundamental de falha de mercado brasileiro é a ausência de financiamento de investimentos de longo prazo. O sistema financeiro brasileiro não oferece empréstimos de longo para que as empresas possam, com custos razoáveis, investir em projetos que demorem para começar a dar retornos, chamados projetos de longa maturação. O BNDES tem cumprido esse papel solitário de emprestador de longo prazo nos Brasil, assim como os bancos de desenvolvimento de inúmeros países.

    A feira livre e os monopólios

    Quando imaginamos o mercado, tendemos a pensar em bens e serviços com muitos produtores e consumidores, envolvidos negociações em que nem vendedores nem compradores tem o poder de determinar os preços. Uma feira livre é, talvez, o exemplo mais próximo desse mercado.

    Esse mercado “ideal” onde prevalece a livre concorrência está, entretanto, muito longe de ser o tipo mais frequente nas nossas economias. Olhando à nossa volta, percebemos que os monopólios, em que serviços ou bens são produzidos por uma só empresa, e os oligopólios, em que poucas empresas detêm o controle sobre grande parcela do mercado, são mais fáceis de serem encontrados.

    Os economistas chamam esse poder de influenciar os preços de poder de mercado. A ausência do Estado nos mercados em que uma ou poucas empresas detenham alto poder de mercado gerará distorções danosas à economia como um todo. Não há saída, por exemplo, para os consumidores frente aos altos preços da energia elétrica ou da água. Se quiser consumir será no preço determinado pelo monopólio provedor.

    “Para assegurar a oferta e preços adequados, é preciso considerar que alguns setores têm estrutura de mercado muito concentrada: quando não são monopólios naturais, são segmentos de poucos participantes com expressivo poder de mercado (oligopólios), principalmente devido às barreiras à entrada de novos competidores. Essa é uma razão adicional para que o Estado tenha participação significativa nesses mercados, por meio de empresas que possam assegurar um nível de concorrência adequado (oferta e preço), possibilitando a implantação de diretrizes governamentais relacionadas a metas ambientais, escolhas tecnológicas, desenvolvimento regional, patamares mínimos de investimento, expansão da oferta e preços módicos.”

    Lucro econômico e lucro social

    Quando uma empresa privada determina seus investimentos e sua linha de atuação, o objetivo principal é o lucro de seus acionistas ou seus donos. A atividade da empresa pode gerar ganhos ou perdas para a economia e para a sociedade como um todo, mas esses ganhos ou perdas sociais não são os fatores decisivos que levam a realização ou não do empreendimento privado. O resultado para a empresa é o fator fundamental para a decisão de investimento.

    Existem, ainda, certas atividades econômicas que têm grande risco, alta probabilidade de gerar prejuízos, mas que são essenciais para o crescimento e desenvolvimento econômico dos países. Aqui, em que pesem eventuais prejuízos para a empresa, são gerados lucros sociais, lucros para a economia e para a sociedade como um todo, lucros para a soberania do país ao reduzir sua dependência de outras nações.

    No Brasil, assim como na maioria dos países, um conjunto relevante de bens e serviços foi e é produzido por agências públicas ou empresas sob o controle estatal. Esse foi o caso da Companhia Siderúrgica Nacional, construída no governo Getúlio Vargas, iniciativa fundamental para o processo de industrialização do país. Seria impensável, à época, um investimento de tal envergadura sem o protagonismo estatal. Processo similar ocorreu recentemente com o pré-sal, hoje considerada a terceira maior reserva de petróleo e gás do mundo, mas cujos custos de exploração foram considerados inviáveis pelo setor privado alguns anos atrás. Considerando-se os elevados riscos envolvidos, sua descoberta só foi possível por meio da decisão de uma empresa pública, a Petrobras, de persistir em pesquisas e na confirmação desta descoberta.

    Muitos setores de atividade econômica, devido a suas características intrínsecas, necessitam de investimentos vultosos e de longo prazo de maturação, que pode se estender por décadas, tais como as estradas e as ferrovias. Em muitos casos, embora possam não ser de interesse para a exploração privada, são fundamentais ao desenvolvimento econômico e social de um país e, por esta razão, a sociedade decide arcar com os custos de sua realização.”

    Atuação contracíclica

    Em momentos de crise, como o que vivemos desde 2015 até esse início de 2018, os investimentos feitos pelas empresas privadas se reduzem enormemente, todos os planos de implantação ou ampliação dos negócios são adiados para um momento futuro, momento em que se consiga enxergar um horizonte favorável. Da mesma forma, os consumidores, que perdem seus empregos ou percebem risco de desemprego, se retraem e passam a consumir somente o que consideram essencial.

    Com a retração do investimento e do consumo privados, resta somente a atuação do Estado como motor para tirar a economia do atoleiro. Se o Estado tiver empresas sob seu comando poderá atuar mais fortemente na reversão da crise, atuar de modo contracíclico. De outro modo, a crise perdurará.

    “A atuação e os investimentos estatais também podem ser fatores de estabilização econômica, do nível de emprego e da renda, à medida que, por não obedecerem apenas à lógica de mercado, asseguram um mínimo de expansão da demanda agregada, atuando como instrumento de políticas anticíclicas. Foi o que se viu no Brasil durante a crise financeira internacional de 2008, quando os bancos públicos, por meio da expansão do crédito e da redução dos juros, exerceram importante papel anticíclico.”

    Mercadorias e serviços essenciais à vida

    Os economistas consideram que mercadoria é todo bem ou serviço que se compra e se vende. Do mesmo modo que entendemos claramente que a vida não é uma mercadoria, deveríamos entender que os bens e serviços essenciais à vida também deveriam estar fora dessa classificação e, portanto, serem garantidos a todos.

    Ocorre que as sociedades, nesses tempos de predomínio da ideologia neoliberal, vêm diminuindo os serviços e bens que deveriam ser públicos e convertendo-os em mercadorias produzidas e geridas por empresas privadas.

    “Há, por sua vez, algumas atividades que proveem serviços essenciais à vida – como captação, tratamento e distribuição de água e geração, transmissão e distribuição de energia elétrica – e que, sob pena de colocarem em risco a economia do país e a própria sobrevivência da população, não podem ser tratados como uma mercadoria qualquer. Na maioria dos países, procura-se assegurar, como questão estratégica e de segurança nacional, o provimento de tais serviços na quantidade e qualidade necessárias e a preços acessíveis tanto para consumo da população, quanto dos diversos setores de atividade econômica. Ademais, os problemas no atendimento à população, associados à ineficiência da gestão privada desses serviços têm sido a principal justificativa para sua reestatização generalizada nos países em que foram privatizados. Destaca-se o setor de água e esgoto, que registra mais de 240 casos de reestatização em países como os Estados Unidos (58 casos), França (94 casos), Alemanha (9 casos), entre outros (15).

    No Brasil, o próprio texto da Constituição Federal de 1988 define o provimento de uma série de bens e serviços como propriedade/competência da União e, em alguns casos, de estados e municípios. Dentre eles, podem ser mencionados as jazidas e demais recursos minerais; potenciais de energia elétrica; tratamento e distribuição de água e coleta de esgoto; gestão dos recursos hídricos; infraestrutura aeroportuária; serviços e instalações nucleares; serviços de transporte; e serviços postais.”

     

    Os ataques às empresas estatais

    As empresas estatais têm sofrido ataques diários dos meios de comunicação tradicionais. Afirmam e reafirmam que há corrupção e que são ineficientes. No entanto, é preciso colocar na balança também os benefícios que essas empresas geram

    As empresas estatais, ressalta a nota técnica do DIEESE, são vitais para:

    i. promover investimentos vultosos de longo prazo;
    ii. prover serviços essenciais à vida;
    iii. assegurar um nível de concorrência adequado (oferta e preço) em mercados concentrados;
    iv. realizar investimentos em ciência, tecnologia e inovação; atuar como instrumento de políticas anticíclicas;
    v. assegurar o controle de bens escassos e que são insumos essenciais para o conjunto da estrutura produtiva;
    vi. atuar em nome do interesse e da soberania nacional; e
    vii. tomar decisões empresariais orientadas pelo interesse coletivo.

    Se concordamos com a importância da atuação das estatais, trata-se de criar outras soluções mais inteligentes do que simplesmente repassá-las para o controle privado.

    “É possível gerir empresas estatais de forma eficiente, sob a perspectiva do interesse público. A análise das experiências de países desenvolvidos mostra a viabilidade de diferentes tipos de gestão no setor público, com controle social, que possibilitam reduzir acentuadamente problemas relacionados à corrupção e à apropriação indevida por interesses privados.”

    Nota
    Para ler a Nota Técnica 189, “Empresas estatais e desenvolvimento: considerações sobre a atual política de desestatização”, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), veja https://www.dieese.org.br/notatecnica/2018/notaTec189Estatais.html

  • “Onde fica o povo mineiro na comemoração do dia 21 de abril?”

    “Onde fica o povo mineiro na comemoração do dia 21 de abril?”

    O dia de Tiradentes é comemorado em Minas Gerais com a entrega da Medalha da Inconfidência desde 1952, maior honraria concedida pelo estado. Todos os anos, no dia 21 de abril, acontece em Ouro Preto a cerimônia que condecora “a personalidades e entidades que contribuíram para o desenvolvimento do Estado e do Brasil”, segundo o governo mineiro.

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    Joaquim Xavier da Silva, o Tiradentes, é tido como herói nacional e mártir da Revolta dos Inconfidentes, que lutou contra os impostos cobrados pela Coroa Portuguesa. Diz-se que o movimento, considerado libertário, muito contribuiu com a independência do Brasil. O que a gente não ouve falar e nem aprende nos livros de história, é que ele era formado por elitistas, que nunca ousaram lutar pela abolição da escravatura. Pelo contrário, consideravam a escravidão necessária para o desenvolvimento do Brasil.

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    Tiradentes, o que possuía menos riqueza com relação aos outros companheiros, foi o único a pagar pelo preço, tendo o corpo esquartejado e exibido em praça pública.

    Talvez pelo fato de a Inconfidência ter sido protagonizada por heróis elitistas, a cerimônia de entrega da medalha não seja, definitivamente, um evento para o povo. Talvez. Tapete vermelho, praça fechada para o grande ato, e muitos militares com os melhores trajes.

    O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, do PT, em seu discurso se referiu orgulhoso a uma praça lotada pelo povo. Talvez ele se referia a manifestantes do MST e da CUT que acompanhavam o ato isolados por grades de ferro (por segurança, claro!) ou dos integrantes de movimentos sociais e alguns professores que puderam adentrar à praça, mas ao contrário da imprensa e de outros convidados, ficaram sob um sol forte e quase estonteante. Nem por isso deixaram de entoar, o tempo todo, gritos contra o golpe, assim como contra a mídia golpista, a Rede Globo e contra políticos golpistas, como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro. Talvez, em governos anteriores, movimentos nem se atreviam a se aproximar tanto.

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    Um militarismo desnecessário por vezes assustou quem acompanhava a cerimônia. Pelo menos umas dez vezes, militares atiraram para cima. Os agraciados, 148 neste ano, eram na sua maioria da elite: desembargadores, políticos, empresários, e como não podia faltar, policiais militares e civis…alguns poucos representavam o povo brasileiro, como professores, integrantes de alguns movimentos sociais e o rapper Flávio Renegado.
    UMA LEMBRANÇA INCONVENIENTE

    À menos de duzentos metros da Praça Tiradentes, onde a cerimônia solene decorria, e depois das grades de proteção, um grupo de jovens lançavam lama nos próprios corpos, enquanto recitavam, como poemas, trechos de falas dos que testemunharam suas casas serem destruídas durante o rompimento da barragem de Fundão, a mais de cinco meses atrás.

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    “Hoje a gente está aqui passando lama no corpo, no rosto, no amigo, nas imagens que referenciam a grande tragédia que aconteceu aqui, em diversas outras cidades, no Brasil e no mundo”, explica Gabriel Cafuzo, membro do grupo dos jovens artistas.

    A performance foi feita por estudantes do curso de artes cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e consistiu em uma manifestação artística em memória aquilo que foi considerado o maior desastre ambiental do país: a Tragédia de Mariana, localizada a poucos quilômetros da cidade de Ouro Preto. “Acho importante dizer que nunca vamos desistir. Estamos aqui para manifestar e relembrar este acontecido em um lugar onde se reúnem diversas personalidades da política que poderiam atender nossas demandas”, acrescenta Gabriel Cafuzo.

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    No dia 5 de Novembro de 2015, a barragem de Fundão, controlada pela mineradora Samarco, da Vale S.A. e da BHP Billiton, se rompeu, liberando 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração ao meio ambiente. Considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil, a avalanche de lama percorreu mais de 850 km desde o município de Mariana até Linhares, no litoral do Espírito Santo, deixando um rastro de destruição à fauna, à flora e às comunidades que estavam no caminho. A ruptura resultou em 19 mortes; mais de 600 desabrigados somente nas comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo; no corte de água de milhares de pessoas, além de uma enorme mortandade de espécies de plantas e peixes na bacia do Rio Doce, um dos maiores afluentes do Brasil. Até hoje, ninguém foi preso pelo desastre.

     

    ORADOR CONVIDADO: PEPE MUJICA

    A grande estrela da cerimônia neste ano e que gerou grande expectativa, foi o ex presidente do Uruguai, José Mujica. Ele foi agraciado com o Grande colar e também participou como orador do evento.

    Logo no início, como dizem as atuais gírias das redes sociais, lacrou: ” Sou do Sul, venho do Sul, os eternos esquecidos do planeta. Venho ao Brasil porque a América vai ser livre com a Amazônia, ou não será “.

    Seus discursos, conhecidos por emocionar quem ouve, principalmente uma juventude ávida por uma política mais moral e mais limpa, fez com que todos prestassem muita atenção à fala. Ele mais um vez falou o óbvio: “os anos de vida não se compram, a vida não é só trabalhar, tem que ter tempo para viver, para amar”.

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    Se referiu a burguesia, dizendo que ela comanda a economia, e também falou sobre a atual situação do país: ” No fundo, o problema do Brasil não é de esquerda nem direita, é o problema do mundo: o capitalismo”

    Depois da cerimônia, Mujica concedeu uma rápida e tumultuada coletiva à imprensa. Quando questionado por algum jornalista sobre qual conselho daria à presidenta Dilma Rousseff, disse, muito bem humorado, que não estava mandando nem na própria casa. E foi logo retirado por assessores do evento.

    “Se a vida me ensinou alguma coisa, foi que os únicos derrotados são aqueles que deixam de lutar. Vocês tem que saber é que não há um prêmio no final do caminho. O prêmio é o próprio caminho, é a própria caminhada”

    “Para mim, sou do sul, venho do sul e represento o sul, os eternos esquecidos do planeta. Ser do sul não é uma posição geográfica, é um resultado histórico. Venho do sul e cultivei amigos no Brasil, porque a América será livre com a Amazônia ou não será. “

    “Aristóteles tinha razão quando dizia que o homem é um animal político. Porque a política não é gerar confusão e aborrecer a gente. A função da política é dar um limite a dor e às injustiças. A função da política é lutar por um mundo melhor. Mas, é buscando conciliar permanentemente as inevitáveis diferenças. A função da política não é apagar, mas negociar as diferenças sociais”

    ” Hai que salvar a política. Há que dar estatura a política e isso não é um problema de um partido, é um problema do Brasil”

    “Pior do que as derrotas é o desencanto. Viver é construir esperança, esperança em um mundo melhor. O que seria da vida sem utopias e sonhos”

    “Porque, companheiros, a igualdade é algo que temos de dentro, antropologicamente.”

    “Porque, nesta vida, felicidade não é acumular dinheiro, é acumular carinho”

    “Me sinto muito uruguaio e sou brasileiro, porque sou americano, porque sou da América Latina. Minha pátria se chama América Latina e meus irmãos são todos os povos esquecidos da América Latina. Os que não chegaram a nenhum lado, os que são apenas um número, os estigmatizados, os perseguidos, os abandonados. Porque democracia não é simplesmente votar a cada quatro anos. Democracia é maximizar o sentimento de igualdade básica e fundamental entre os homens.”