Manifestantes protestaram contra o PL 529, de Doria, que desmonta serviços públicos de São Paulo, deixa famílias desassistidas e ataca ciência e universidades
Por Guilherme Gandolfi e Lucas Martins
Contra o PL (Projeto de Lei) 529/2020, proposto pelo governo de João Doria, manifestantes fizeram um ato em frente a Alesp, em São Paulo. O projeto está em discussão na assembleia e já rendeu críticas de diversos parlamentares. O ato contou com centenas de manifestantes, que seguindo regras de proteção contra a covid19, se colocaram contra as propostas.
O PL, que foi enviado pelo governador em 13 de agosto, entre várias medidas coloca a extinção de pelo menos 10 empresas e autarquias do estado de São Paulo, entre elas Fundação Parque Zoológico de São Paulo, Instituto Florestal, FURP, CDHU, EMTU/SP e ITESP. Também propõe a retirada de dinheiro das três universidades paulistas, USP, Unicamp e UNESP. Milhares de empregos serão diretamente afetados.
Foto: Guilherme Gandolfi (@guifrodu) / AFITESP
O ato, organizado pelo Comitê de Luta Contra o PL (liderado pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo) contou com cerca de 80 entidades de diversos movimentos sociais, populares, estudantis e sindicatos. Também estavam organizados atos no interior, nas cidades de Presidente Prudente, Mirante do Paranapanema, Araraquara, Arara e Registro.
O diretor da associação de funcionários do ITESP (Instituto de Terras do Estado de São Paulo), Vinícius Paroni, explicou a importância do instituto “que é responsável pela política agrária e fundiária do estado, presta assistência técnica para mais de 9 mil famílias assentadas e comunidades assentadas”, um dos ameaçados por projeto de lei.
Foto: Guilherme Gandolfi (@guifrodu) / AFITESP
Por trás do protesto, que presencialmente nos portões da Alesp gritou contra o PL, também se manifestaram contra as propostas prefeitos de cidades do interior do Estado e ex-secretários de justiça do estado.
Fotos: Guilherme Gandolfi (@guifrodu) / AFITESP
Os manifestantes e organizações vão seguir pressionando os deputados para evitar os efeitos do PL. Doria quer que o projeto seja sancionado até o final desse mês e, assim, já entre no orçamento do ano que vem.
União
No ato estiveram dois candidatos pela prefeitura da capital, Guilherme Boulos (Psol) e Jilmar Tatto (PT). Mesmo sendo os principais candidatos progressistas da cidade, estiveram lado a lado, em momento simbólico da manifestação.
Ambos disputam um eleitorado similar, com muitos Petistas históricos tendo declarado votos na chapa do Psol. A disputa tem gerado discussões, de quadros dos dois partidos, sobre a união de partidos progressistas nas disputas pelas prefeituras. No RJ o PCdoB abdicou de sua candidatura para apoiar a candidata do PT, Benedita da Silva, na campanha pelo executivo municipal. Em Porto Alegre PT e PCdoB se uniram na candidatura de Manuela d´Ávila.
Em São Paulo as três principais candidaturas progressistas ainda estão divididas, com Boulos pelo Psol, Jilmar no PT e Orlando Silva no PCdoB.
PL
O PL, que tem mais de 60 páginas, foi justificado por conta da crise gerada pela crise do Coronavírus, segundo Doria. E até mesmo deputados aliados do governador têm reclamado de seu tamanho e complexidade. O texto teve mais de 600 emendas de deputados para alterá-lo.
No projeto coloca propostas de alteração das contribuições dos servidores para o Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE), venda de imóveis da Fazenda do Estado, alterações na Carteiras dos Advogados e das Serventias, reduzir os benefícios fiscais do ICMS e IPVA, alterar a “autorização para securitização de recebíveis tributários e não tributários”, um programa de Demissão Incentivada (PDI) para servidores, alterações de responsabilidade da atual Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP), alterações nas formas de “transação de créditos de natureza tributária ou não tributária”, alterar os valores de emissão da Carteira Nacional de Habilitação e do Licenciamento de Veículos e diminuir a validade dos “créditos da Nota Fiscal Paulista, de 60 (sessenta) para 12 (doze) meses”.
Também coloca a concessão da “exploração de serviços ou de uso, total ou parcial” dos parques Villa Lobos, Parque Candido Portinari, Água Branca, Parque Estadual do Belém Manoel Pitta, Parque Chácara da Baronesa, Parque da Juventude e Parque Ecológico do Guarapiranga além do Complexo Olímpico da Água Branca e do Conjunto Desportivo Baby Barioni.
E possibilita aos PMs ativos a “trabalharem nos períodos de descanso da escala de trabalho” e que policiais reformados retornem “ao trabalho em atividades-meio” além de conferir para a SPPREV competência “para o processamento da folha de pagamento do Sistema de Proteção Social dos Militares do Estado até a conclusão do processo de estruturação da Caixa Beneficente da Polícia Militar”.
CORREÇÃO: estava afirmado que a candidatura de Manuela d’Ávila era em Florianópolis, mas é em Porto Alegre.
O governo Doria enviou para a Assembleia Legislativa de São Paulo o Projeto de Lei (PL) 529/2020, que altera diversas estruturas do governo, autarquias e tributos. O projeto envolve mudanças radicais para o Estado e foi mandado com pedido de urgência. As justificativas para as mudanças foram a crise do coronavírus (Covid-19) e as contas do governo.
Em meio a pandemia o mundo viu milhares de vidas serem levadas pela doença e a maior parte das economias apresentarem resultados negativos. Mesmo se colocando em contraposição a forma de Bolsonaro conduzir a pandemia, João Doria apresenta um PL muito semelhante as propostas de enxugamento do Estado, na forma como o presidente tem feito.
O PL foi apresentado para a Assembleia no último dia 13 e recebeu 623 emendas. Uma entre as tantas propostas do texto original é a extinção de 10 empresas e fundações públicas, entre elas CDHU, Furp e EMTU. O projeto atinge também as universidades paulistas, limitando a capacidade de investimento da USP, Unicamp, Unesp e da fundação para financiamento de pesquisas, a Fapesp. Para os servidores públicos do Estado, o governador oferece aumento da contribuição obrigatória ao Iamspe e um Programa de Demissão Incentivada (PDI).
Além de analisar pontos do projeto consultamos o deputado estadual Teonilio Barba (PT) e Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa, advogado e professor, para entender o projeto e suas consequências.
Deputado Teonilio Barba(Foto: Divulgação)
Para o deputado Barba, o PL é “um projeto de desmonte do Estado, como ele havia prometido na campanha”. Sobre os efeitos diretos, Barba estima que mais de 5 mil trabalhadores serão afetados pela extinção das empresas: “ele propõe um PDI, o governo indica quem vai em embora e é isso, com um bônus, mas não fala de valores. Se ele privatizasse no lugar de extinguir, e não estou defendendo a privatização, poderia propor que os trabalhadores fossem incorporados, mas não tem nada disso”.
Já entende Costa o projeto como inconsequente “não se administra o Estado como uma instituição privada. Primeiro, a finalidade de uma empresa privada é dar lucro e a finalidade do Estado é cuidar da população. Está ideologia furada de que o Estado tem que dar lucro é contra a própria instituição do Estado”.
O tamanho do PL 529
O projeto, que no texto original conta com mais de 60 páginas, envolve diversas áreas do Estado. Segundo Barba, se fosse separado pelos objetos que contém e as áreas que afeta, caberiam, no PL 529/2020 , 15 projetos de lei. A justificativa do projeto é assinada por Henrique Meirelles (ex-ministro da fazenda no governo Temer), secretário da Fazenda e Planejamento, e Mauro Ricardo Machado Costa, secretário de Projetos, Orçamento e Gestão.
A justificativa do governo é tentar contornar um rombo de cerca de 10 bilhões no caixa de São Paulo causado ela pandemia, mas o texto, mesmo sendo longo, apresenta poucas estimativas, estudos ou dados. Para Costa o tamanho do projeto é incomum “não há limites legais para um PL. Existem mais longos, do que este, mas não é usual. Vai dar trabalho mesmo e exigir um grande tempo, se for tratar de cada ponto individualmente”.
As principais propostas são
A) “Extinção de entidades descentralizadas” que busca dar “descontinuidade e/ou transferência para outros órgãos e entidades da administração pública estadual ou, em casos específicos, à iniciativa privada” para 10 entidades (Fundação Parque Zoológico de São Paulo; Instituto Florestal; FURP; FOSP; CDHU; EMTU/SP; SUCEN; IMESC; DAESP e ITESP);
B) A alteração das contribuições dos servidores para o Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE);
C) Venda de imóveis “da Fazenda Pública do Estado de São Paulo e de autarquias”;
D) Alterações na Carteiras dos Advogados e das Serventias;
E) Repasse para a conta do Tesouro estadual superávit financeiro de fundos de despesa, “autarquias, inclusive as de regime especial, e das fundações”;
F) Reduzir os benefícios fiscais do ICMS e IPVA;
G) Altera a “autorização para securitização de recebíveis tributários e não tributários”;
H) Programa de Demissão Incentivada (PDI) para servidores;
I) Alterações de responsabilidade da atual Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP);
J) Concessão da “exploração de serviços ou de uso, total ou parcial” dos parques “Villa Lobos, Parque Candido Portinari, Parque Fernando Costa – Água Branca, Parque Estadual do Belém Manoel Pitta, Parque Chácara da Baronesa, Parque da Juventude – Dom Paulo Evaristo Arns, Parque Ecológico do Guarapiranga e o Complexo Olímpico da Água Branca, Conjunto Desportivo Baby Barioni”;
K) Alterações nas formas de “transação de créditos de natureza tributária ou não tributária”;
L) Possibilitar aos PMs ativos a “trabalharem nos períodos de descanso da escala de trabalho” e que policiais reformados retornem “ao trabalho em atividades-meio”;
M) Atribuir à SPPREV competência “para o processamento da folha de pagamento do Sistema de Proteção Social dos Militares do Estado até a conclusão do processo de estruturação da Caixa Beneficente da Polícia Militar”;
N) Alterar os valores de emissão da Carteira Nacional de Habilitação e do Licenciamento de Veículos e
O) Diminuir a validade dos “créditos da Nota Fiscal Paulista, de 60 (sessenta) para 12 (doze) meses”.
O deputado Barba aponta a contradição do projeto com o orçamento do governo
“está aprovado na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021 a renúncia fiscal de 23 bilhões. Ou seja, enquanto o governador dá para os empresários, ele quer neste projeto tirar a desoneração fiscal da compra de automóveis e produtos para pessoas com deficiência. Pessoas com deficiência que compram o carro adaptado não vão ter mais renúncia sobre o IPVA. João Doria é amigo dos empresários, temos que ter claro isso. Ele vai fazer tudo que beneficie os empresários”
“é uma aberração jurídica e deveria-se colocar cada ponto em legislação própria. O que for para legislação complementar deve ser arguido em legislação complementar. O que for arguido em legislação ordinária deve ser legislação ordinária e o que for para constituição Estadual que seja proposto por emenda constitucional estadual”
Tropa de CHOQUE da PM na Alesp durante a votação de reforma da previdência estadual
Agora, as bancadas de oposição, junto com deputados que, mesmo sendo da base de Doria, são contrários ao PL 529/2020, tentam garantir que o debate das propostas e ganhar tempo para que haja mobilização da sociedade. É possível desmontá-lo, conta Barba, “nosso primeiro objetivo é obstruir o projeto. E vamos tentar fazer uma batalha igual à da reforma da previdência e à dos precatórios. Na dos precatórios perdemos por um voto. E a batalha da previdência perdemos por dois votos. Estamos dialogando e buscando apoio”.
Diversos deputados se manifestaram contrários ao projeto, seja por seu tamanho e complexidade para serem tratados dentro de um só PL ou pelos ataques aos serviços públicos e seus servidores. Mesmo deputados que se distanciam das posições defendidas pelos partidos progressistas se colocaram contra o projeto. É o caso da Janaina Paschoal (PSL) que se manifestou contra o fechamento do Oncocentro e do Imesc e da deputada Valeria Bolsonaro (PSL) que se coloca contra os artigos 14, 16 e 17 por considerar que eles retiram “um grande volume de recursos de diversos Fundos Especiais de despesa, financiamento e investimento” e que “as universidades estaduais paulista e a Fundação de amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP terão um impacto grave nos recursos”.
Mesmo assim a batalha não será fácil, “Doria tem uma condição de apoio que chega próximo de 50 deputados. Chegou em 57 votos na reforma da previdência, no primeiro turno, e 59, no segundo, em função do PSL ter dado no entorno de 11 ou 12 votos. A base aliada faz barulho, mas depois vota como ele manda, já que tem cargos no governo, e se não votar ele tira os cargos” conta o deputado petista.
Saúde?
A justificativa para o projeto é a pandemia, mas se destacam as propostas que buscam extinguir órgãos de saúde. Furp, Oncocentro e Sucen são entidades do governo diretamente ligadas ao atendimento e à pesquisa em saúde e serão extintas com o PL 529. Também é colocado no projeto o Iamsp.
Sobre o aumento da contribuição dos servidores ao Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, o deputado Barba diz que “o Iamspe tem que ser sustentado em conjunto pelo governo do Estado e seus servidores. Mas o que Doria quer fazer? Quer aumentar essa alíquota para que o governo não tenha que colocar a sua parte. Mais uma vez é o Doria atacando os serviços públicos, mas nas costas dos servidores”. O instituto em questão
A Furp, ou Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima”, é um laboratório farmacêutico estadual responsável pela produção de remédios de baixo custo, criado em 1968. Hoje conta com duas unidades, em Guarulhos e Américo Brasiliense, e produz cerca de 38 medicamentos, segundo a empresa. Em 2019, o governo já tinha proposto sua extinção.
Para Barba, o motivo de sua extinção é que
“com certeza deve ter algum amigo dele no setor de fármaco que absorverá a produção desses remédios. É um dos setores mais ricos do mundo e do Brasil. Os custos de produção da Furp são muito baixos. Não só da Furp, mas de fármacos em geral. O que é caro? Os investimentos em pesquisa. Com certeza os amigos do João Doria estão comemorando”
No texto do PL 529, a justificativa para o fim da Furp é que a “demanda por esses medicamentos pode ser suprida pelo mercado produtor privado”.
A Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), criada em 1970, é responsável por controlar e acompanhar as endemias no estado. Entre as principais doenças que acompanha estão: Arboviroses, Doença de Chagas, Malária, Febre Maculosa, Febre Amarela, Esquistossomose, Leishmaniose Tegumentar Americana, Leishmaniose Visceral e relacionadas aos Animais Incômodos e Peçonhentos. Em 2019, Doria também havia tentado fechar a empresa e agora, no PL 529, a justificativa foi que a Secretaria Estadual de Saúde vai assumir as responsabilidades. “A Sucen é extremamente importante para o combate aos borrachudos na Baixada Santista, por exemplo. Nesse combate [aos borrachudos] você tem que ir nas nascentes dos rios, nas serras, e colocar os remédios nas nascentes. Além de que, é um momento de pandemia quando ele coloca isso”.
A Fosp (Fundação Oncocentro de São Paulo) foi fundada em 1967 por professores da USP e adquiriu sua forma atual em 1986. Desde então, tem focado em pesquisar “ações médico-assistenciais em oncologia”, segundo o site da instituição. Para justificar seu fim o governo menciona que os hospitais universitários e o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo realizam as mesmas atividades.
Universidades
Nos artigos 14, 15, 16 e 17 do capítulo 5 estão colocados dispositivos que podem retirar o superávit (saldo positivo) das três universidades paulistas (USP, Unicamp e Unesp) e da Fapesp, que seleciona projetos de pesquisa nas universidades e oferece bolsas para sua elaboração. Juntas, as três instituições de ensino superior têm a maior produção em pesquisa do país.
O artigo 14 estabelece que “o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial das autarquias, inclusive as de regime especial, e das fundações, será transferido ao final de cada exercício à Conta Única do Tesouro Estadual”. Já o artigo 16 coloca que “todos os fundos especiais de despesa e fundos especiais de financiamento e investimento poderão destinar as receitas arrecadadas” e o artigo 17 finaliza estabelecendo que o “superávit financeiro apurado em balanço ao final de cada exercício dos fundos do Poder Executivo será transferido à Conta Única do Tesouro Estadual”.
Ato de estudantes da Unesp em frente a Reitoria da Universidade , em 2019 (Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres)
USP, Unicamp e Unesp são autarquias especiais que detêm autonomia financeira. A cada ano, elas recebem uma cota estabelecida do que foi arrecadado com ICMS no Estado. Assim, podem planejar o manejo de recursos e realizar investimentos ou reservas. Para Costa “o superávit tem que ser discutido em LDO. É possível de se fazer, mas na LDO. Essas instituições tinham uma verba, mas de uma hora para outra quer se retirar [o superávit]. Eu entendo que seja direito adquirido e as instituições podem entrar com [pedido de] inconstitucionalidade”.
Barba endossa esse entendimento: “Quando você elabora e formula uma pesquisa, ela não é feita em cinco dias. Não é pesquisa eleitoral. É investimento em novas descobertas e tratamentos. Se você separa um milhão de reais para fazer uma pesquisa, por exemplo, para descobrir formas de tratar o coronavírus, isso demora sete, oito meses… até um ano ou mais. Você não separa quinhentos mil e investe de uma vez. Vai sendo feito por etapas, conforme a pesquisa vai avançando. Ele [Doria] está dizendo que, no caso das universidades, o dinheiro que sobrar vai ser devolvido para o tesouro. Ele diz que não pode ter dinheiro nas universidades”.
Efeitos do PL
Milhares de pessoas sentirão os feitos do PL 529 no Estado de São Paulo. Todos que são atendidos pelos serviços oferecidos, direta ou indiretamente, terão suas vidas afetadas. Com as demissões de servidores o projeto pode causar um efeito contrário ao que propõe “isso pode significar ineficiência. Por exemplo, alguém do instituto florestal que entende muito sobre legislação ambiental. Aí se acaba com todo a estrutura de preservação ambiental do estado, esse funcionário vai ser colocado em que órgão? Ele tem que ser reabsorvido”, explica Costa.
Com o fim do Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo), que trabalha com regularização fundiária e assistência técnica, poderá deixar nove mil famílias desassistidas, com impactos negativos sobre a garantia da segurança alimentar e a inclusão produtiva.
A extinção da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) também deixará marcas. Criada em 1949, ela é responsável por desenvolver projetos de habitação popular e ajudar no planejamento urbano. A justificativa para seu fim é que “com as Parcerias Público-Privadas na área da habitação, a CDHU perdeu espaço na operação direta de construção e financiamento habitacional”.
Página de rede social do governador João Doria em que anuncia entregas de casas da CDHU (Foto: Divulgação)
Outro efeito, segundo Costa, serão as possíveis ações que podem ser movidas contra o estado
“mesmo se passar o PL, vão se seguir um sem número de ações de inconstitucionalidade que podem durar anos. O Doria pode conseguir agradar seus financiadores privatistas, mas depois os custos desses processos vão para o Estado, não para a iniciativa privada. No Brasil as privatizações são assim, privatizasse o lucro e o prejuízo é do Estado. Vai sobrar para o contribuinte”
Valdir Baptista, que morreu de infarto em São Paulo, era um grande lutador pelas causas sociais, pela comunicação e pelo cinema brasileiro. Ele foi, por exemplo, um dos diretores do filme “Memórias da Boca” (2014) e desenvolveu diversas pesquisas sobre temas como Fausto no Cinema e Vídeo em Saúde Pública.
Jornalista, Mestre em Comunicação e Semiótica, Doutor em Saúde Pública e Pós-Doutorando pela ECA-USP, Valdir foi coordenador do Curso de Rádio e Televisão e de Cinema da Universidade Anhembi-Morumbi e professor da FIAM-FAAM-FMU, onde, depois das aulas, tive o prazer de dividir com ele longos papos sobre política e várias cervejas em noites de sexta na Rua Vergueiro. Vez ou outra ainda nos trombávamos em manifestações de rua pela democracia.
Ele também deu aulas na pós-graduação do Celacc (Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação da ECA-USP), onde firmou parcerias com Angola, e na Universidade de São Paulo. Atualmente ele ainda colaborava como professor da disciplina Conceitos e Gêneros do Jornalismo, na ECA-USP. Os alunos de sua última turma, interrompida pela pandemia do novo coronavírus publicaram uma homenagem a ele que trazemos abaixo:
HOMENAGEM DOS ALUNOS DE JORNALISMO DA USP
Olá, somos os alunos do 3º semestre do curso de Jornalismo da ECA e tivemos a oportunidade de cursar a disciplina Conceitos e Gêneros do Jornalismo com o professor Valdir Baptista durante este semestre. Apesar da interrupção das aulas presenciais, pudemos aprender muito neste período e admirar o trabalho e a pessoa do professor Valdir, sempre muito dedicado e solícito no ensino e atendimento de cada aluno. Seu cuidado em responder o email de cada um de nós, sua delicadeza e sua terna compreensão com nossas dificuldades neste momento de pandemia serão sempre lembrados.
Ficamos continuamente impressionados e admirados com seu extenso conhecimento, tão generosamente compartilhado conosco através de suas aulas, recomendações e referências. Lembraremos dele com muito carinho, e gostaríamos de prestar nossa solidariedade à sua família e desejar muita força neste momento extremamente difícil.
Tentando arrumar o caos de palestras e eventos dos quais participei ao longo dos anos, para arranjar uma lista disso no meu canal, topei com este, da nossa mesa no ano passado em São Paulo, em homenagem à nossa querida Jerusa que nos deixou. Jamais imaginaria que agora ia fazer o obituário aqui do Valdir Baptista, querido amigo que a essa altura já deve estar batendo papo sobre cinema com Jerusa e o também querido e saudoso Carlão Reichenbach, já falecido há alguns anos.
A morte de Valdir é irreparável perda pois se tratava de um um homem de raro saber e de grande generosidade.
Dele posso dizer que talvez a dedicação ao trabalho tenha abreviado a vida, tão ansioso que era de sempre estar à altura de todas as tarefas que se impunha. Não há como comparecer pessoalmente para prantear o amigo, mas penso nele como alguém que sempre estará na nossa lembrança, pessoa excepcional que era. Estou realmente muito triste com essa notícia.
Mesmo em meio a pandemia do coronavírus (COVID19) o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mantém seus ataques contra a educação e pesquisa no Brasil. Desde que assumiu, em 2019, Bolsonaro não apresentou nenhum plano para a educação, além de sua destruição. Nas últimas semanas, seguiu com seu plano em dois ataques claros às ciências humanas: dificultou o acesso para bolsas de Iniciação Científica (IC) e vetou projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador. Para entender melhor o cenário de ataques à ciência e as humanidades, em especial, conversamos com o professor Luis Felipe Miguel.
O MEC (Ministério da Educação) já teve dois ministros que, ao lado de Bolsonaro, já identificaram as humanidades como problemas ou inúteis em diversas falas. Mas, além da pasta da educação, o ataque agora vem por meio do órgão federal responsável por financiar as pesquisas no país, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). No dia 23 de abril o CNPq divulgou que irá selecionar áreas “prioritárias do MCTIC” nas quais são listados eixos: Tecnologias Estratégicas, Tecnologias Habilitadoras, Tecnologias de Produção, Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável e Tecnologias para Qualidade de Vida, para bolsas de Iniciação Científica (IC), nas graduações. A divulgação menciona as “humanidades e ciências sociais” que “contribuam, em algum grau, para o desenvolvimento das Áreas de Tecnologias Prioritárias do MCTIC”.
Os reitores das três maiores universidades do país – USP, Unicamp e Unesp – soltaram nota conjunta sobre a divulgação, na qual se dizem preocupados com a possibilidade de que, ao estipular essas prioridades, o “CNPq exclui do programa de bolsas uma parcela significativa e importante da pesquisa nacional, a saber, todas as pesquisas, básicas ou aplicadas, que não tenham por foco as áreas elencadas na portaria, o que inclui também a absoluta maioria das pesquisas em artes e humanidades”, e ressaltam que, com a medida, “o CNPq contribuirá para uma drástica redução dos projetos de pós-graduação nessas áreas e, a longo prazo, da própria pesquisa”.
Para o professor isso se dá por conta
do modelo econômico do bolsonarismo. Esse modelo quer a projeção de um país absolutamente dependente e exportador de commodities. Um país, que na visão deles, não precisa produzir ciência, já que nosso posição no mercado internacional é a de consumir tecnologia, assim investir em ciência é um desperdício. Uma visão de país colonizada
Em seguida, no dia 27 de abril, Bolsonaro vetou integralmente o Projeto de Lei (PL) 368/2009 que regulamenta a profissão de historiador. O projeto, proposto em 2009, pelo senador Paulo Paim (PT-RS) só precisava ser sancionado pelo presidente para regularizar a profissão dos historiadores. Agora cabe ao congresso conjuntamente decidir se o veto será derrubado ou não. Estava estipulado no projeto que as atribuições da profissão seriam: magistério da disciplina de História nos estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior; planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica; elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos e que seria necessário diplomação de instituições reconhecidas pelo MEC.
Miguel entende que o
veto diz que o governo não julga esse conhecimento e formação sejam relevantes. A não regulamentação também abre espaço para redução dos custos na educação. Isso vem desde a reforma do Temer, onde se reduz a exigência de especialização nas áreas, e abre a brecha para suprir as necessidades das escolas com profissionais menos capacitados e mais baratos
O veto se deu pela interpretação, do planalto, de que a regulamentação ofenderia “o direito fundamental previsto no art. 5º, XIII da Constituição da República, por restringir o livre exercício profissional” e configura censura, segundo teriam se manifestado o Advogado da União e o Ministério da Economia. A Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH) disse em nota que o veto “não nos surpreende” uma vez que “lidamos com frases e ações diárias de um governo que fere os princípios mais básicos do direito à vida, à informação e à cultura. Além disso, seu principal projeto é o aparelhamento de estruturas autônomas de uma sociedade democrática. A ciência, a história, a justiça, o parlamento só têm valor para este governo se servem aos seus interesses particulares e muitas vezes obscuros”.
Para apontar mais significados e consequências dessas ações o professor Luis Felipe Miguel, que é titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê) discutiu com os Jornalistas Livres.
Veja a entrevista completa abaixo:
Jornalistas Livres – Miguel, esse ataques recentes de Bolsonaro contra as ciências humanas se colocam em um cenário maior, no qual o presidente é um negacionista de qualquer ciência, mas em especial das humanidades. Ele já atacou verbas e institutos de pesquisa, como você entende essas ações?
Luis Felipe Miguel – Temos um governo, no Brasil, que tem uma grande dificuldade de aceitar a ciência. Um governo que mantém sob constante ataque até mesmo as ciências duras, que têm mais prestígio social. Vemos isso com muita clareza durante a pandemia, esse desprezo pelas recomendações dos cientistas e epidemiologistas ou profissionais de saúde. Mas já vimos isto em diversos momentos, como foi o caso do monitoramento da devastação ambiental com o INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais]. Para esse governo, qualquer verdade inconveniente tende a ser rechaçada como furto de algum interesse político adversário. Como a ciência frequentemente apresenta verdades inconvenientes, ela se torna alvo. Além de ser um governo que se apoia, como tem acontecido na extrema-direita mundial, em teorias bizarras da conspiração, terraplanismo, negacionismo da teoria da evolução.
JL – O negacionismo científico é um dos pilares dessa nova direita mundial?
LF – Exatamente. E não é por acaso. O conhecimento científico sempre se afirma contestando o senso comum. E o que essa extrema direita quer é que os preconceitos arraigados no senso comum, se tornem cada vez mais reforçados, por isso eles [extrema-direita] tem uma ojeriza ao conhecimento científico.
JL – E como isso funciona no Brasil?
No caso do Brasil o ataque às ciências, qualquer que seja a disciplina, vem do modelo econômico do bolsonarismo. Esse modelo quer a projeção de um país absolutamente dependente e exportador de commodities. Um país, que na visão deles, não precisa produzir ciência, já que nosso posição no mercado internacional é a de consumir tecnologia, assim investir em ciência é um desperdício. Uma visão de país colonizada. Mas existe uma diferença com as ciências humanas. Nós das ciências humanas temos sempre uma dificuldade para justificar socialmente a nossa existência, uma vez que os frutos do nosso trabalho tendem a ser menos autoevidentes. Isso vale para nós e também para a área de pesquisa básica das ciências naturais, ou seja, aquelas que não são voltadas para a obtenção de um benefício imediato. A matemática, a física teórica, a astronomia, por exemplo. Estas que podem entregar um instrumental para prover avanços tecnológicos, mas são, em sua maior parte, motivadas pelo desejo de conhecer.
O caso das humanidades é agravado pelo fato do nosso papel, enquanto conhecimento científico produzido, ser o de desnaturalizar a vida social. Dizer que a sociedade é fruto de processos históricos e as instituições que vemos como naturais, não são necessariamente naturais, que as relações não se dão naturalmente. Ou seja, é um conhecimento que desestabiliza essa reprodução automática do mundo social. E, quando bem utilizado, é uma ferramenta na mão de grupos que buscam a emancipação social. Isso incomoda. Por exemplo, onde estão concentrados muitos dos ataques nas Humanidades? Nas questões sobre gênero. Porque os conhecimentos produzidos nas ciências humanas sobre questão de gênero, servem para desnaturalizar hierarquias, para colocar em xeque relações que se mostram opressivas. É claro que um projeto político que tem como ponto central a reprodução dessas opressões vai ter problemas com as humanidades.
JL – Sobre os cortes nas bolsas de pesquisas, essa última comunicação do CNPq, como ela afeta as humanidades?
LF – Existe uma política do governo, de redução geral no financiamento das pesquisas, isso também vem desde o governo Temer. Tem relação com a visão de que a pesquisa é desnecessária para um país nas condições do Brasil. O investimento em pesquisa científica, normalmente, está vinculado a uma noção de soberania nacional. A crise do coronavírus mostra isso. Ficamos em uma situação muito vulnerável se não temos nossa própria pesquisa, nossos próprios cientistas, nossos próprios laboratórios para produzir nossas respostas. Ficamos reféns de outros países que vão nos colocar em segundo plano, porque a prioridade vai ser defender a si próprio primeiro. A gente tinha investimento, sobretudo centralizado pela fundação Oswaldo Cruz, que apontava para uma autossuficiência brasileira para a produção de medicamentos, mas foi tudo desfeito. A intervenção contra a Oswaldo cruz já foi forte no governo Temer e no Rio [de Janeiro] temos o Witzel [governador do estado] propondo privatizar Universidades. O Bolsonaro é só a vocalização mais radical de um projeto, que parece atravessar o campo direito todo. Então, o subfinanciamento das pesquisas é geral, mas as humanidades são apresentadas como a parcela mais dispensável e, de forma aberta nesse governo, como desperdício de recursos.
No mundo todo a pesquisa é profundamente dependente do financiamento estatal e as humanidades mais ainda. Sem esse investimento vamos ter um refluxo muito grande, daquilo que já conseguimos construir em termos de sistema de ciência no Brasil, e nas ciências humanas em particular. estão cortando bolsas de mestrado e doutorado que são fundamentais para que as pessoas se dediquem pelas pesquisas na pós-graduação, onde se tem a formação dos pesquisadores. As bolsas têm valor bem reduzido, que bate por volta de um salário mínimo e meio, no mestrado. Mas são fundamentais para que possam se dedicar. Para alguns é impossível trabalhar e realizar o mestrado, e o corte atrapalha a vida de alguns e impede o seguimento do curso de outros. Muitos desse pós graduandos das bolsas, muitas vezes devolvem dando aulas. Teremos uma retração nas pós. E agora cortaram todas as bolsas de iniciação científica para a áreas de humanas e pesquisa básica. A bolsa de IC é fundamental porque pega o estudante, na graduação, que mostra algum interesse ou potencial para a pesquisa e ele, então, verifica se esse interesse é sólido. em essa entrada, uma boa parte do talento para a pesquisa no Brasil vão ser desperdiçados, sem poder se familiarizar e testar o seu interesse pelo trabalho científico. O que temos é um impacto imediato, uma vez que essas bolsas são fundamentais para o andamento das pesquisas. As iCs tendem a ser a principal fonte de remuneração para assistentes de pesquisa. Mas o impacto maior vai ser no futuro, já que vamos perder uma geração com o corte das ICs. Lembrando que uma bolsa de IC é de cerca de quatrocentos reais, com um dia do socorro do [ministro da economia, Paulo] Guedes aos bancos no começo da crise teríamos dez ano de ICs, chutando.
JL – Sobre o veto presidencial à regularização da profissão de historiador, entra no conjunto dos ataques. Qual é a importância dessa regularização?
LF – A regulamentação significa o reconhecimento, a validação pelo Estado, do conjunto que a formação universitária dá às pessoas. Ela não implica em uma censura, só significa o reconhecimento da capacidade de desempenhar uma atividade profissional para quem teve a formação naquela especialidade. Muitas vezes o que acontece é um desprezo pelos nossos conhecimentos específicos. Todo mundo fala sobre política e tem direito sobre falar sobre política, não quero negar esse direito para ninguém. No entanto, quem tem uma formação em ciência política vai ter um conjunto de ferramentas para aprofundar sua investigação sobre fenômenos políticos que pessoas sem essa formação não tem. Com os historiadores é a mesma coisa. Todos podemos contar as histórias, como as da nossa família, mas o historiador profissional é aquele que foi capacitado com um conjunto de ferramentas para fazer a investigação histórica em um patamar diferente de um simples leigo. Cabe ao estado brasileiro reconhecer isso, uma vez que esse leigo vai poder publicar seus livros ou o que quiser, mas quando quisermos a contratação de um historiadores, para formar outras pessoas ou que vai produzir um trabalho especializado, vamos reconhecer que existe uma diferença entre quem teve uma formação específica e quem não teve. É a validação dos conhecimento específicos que uma ciência humana, no caso a história, fornece a quem a cura. O veto diz que o governo não julga esse conhecimento e formação sejam relevantes. A não regulamentação também abre espaço para redução dos custos na educação. Isso vem desde a reforma do Temer, onde se reduz a exigência de especialização nas áreas, e abre a brecha para suprir as necessidades das escolas com profissionais menos capacitados e mais baratos.
JL – Sobre a possibilidade de mensurar a capacidade de efeitos das ciências sociais, isso se deve a falta de comunicadores das ciências humanas?
LF – Acho que falta. É uma série de questões envolvidas. Embora as universidades sejam, evidentemente, uma instituição central para produção de pensamento crítico e da pesquisa, mas temos uma série de incentivos para o isolamento da universidade. A gente têm incentivo para que as pesquisas fiquem entre pares, que se use um vocabular excludente. Os esforços para a divulgação e diálogo com a sociedade não são valorizados. Temos uma dificuldade de mostrar o que fazemos. Toda a arquitetura do mundo social é permeada pelos conhecimentos produzidos pelas ciências sociais. Em sociedades tão complexas, como são as sociedades contemporâneas, a nossa vida, sem os aportes que as humanidades fornecem, seria muito difícil. Em momentos de crise, como este que estamos vivendo, as respostas estão fundadas nos conhecimentos das ciências médicas, mas a gestão social da crise depende do aporte das humanidades.
JL – Qual o papel das grande empresas de comunicação na divulgação de pesquisas e ciências, em geral, e sobre humanidades?
LF – Os meios de comunicação de massa, no Brasil, são desinteressados dessa pauta de maneira geral e em relação às ciências humanas, de maneira particular. É curioso, uma vez que frequentemente especialistas são chamados para, simplesmente dar uma posição de autoridade sobre determinadas questões, mas não existe atenção para o que está se fazendo como pesquisa, produção de conhecimento, sobre o mundo social. É um jornalismo mais factual, ao meu ver, baseado no dia a dia mais imediato e celebridades de opinião. Então pautas que fujam disso tendem a ficar em segundo plano. Não sabemos até que ponto as coisas permanecem depois que a crise passa, mas acho que nesse momento, com essa irracionalidade galopante no combate ao coronavírus, percebo em vários setores, como na impressa, que acendemos um sinal de alerta quanto a essa absoluta incapacidade de uma grande parcela da população de lavar em conta o conhecimento científico.
JL – Você citou o caso do diretor do INPE, que foi colocado pelo presidente como um adversário depois que divulgou dos dados do desmatamento e colocou seu, então, diretor como autoridade, sendo chamado para um papel de destaque. Esse episódio pode ser repetido ou melhorado depois do coronavírus?
LF – Da parte do governo a gente vê a manutenção desse mesmo tipo de procedimento. Não se criou uma resposta social suficientemente forte para inibir esse tipo de ação interessada de agentes da extrema-direita. Hoje, o debate sobre a cloroquina serve de exemplo. Existe uma politização do debate científico, mas uma politização no sentido mais rasteiro, em que você fica contra ou a favor, torce para um lado ou para outro. O que, na estratégia discursiva da direita foi muito inteligente, porque parece que a esquerda está torcendo contra a cura. E na verdade, o que se tem é que, todos os setores que mantém a racionalidade, não estão torcendo contra a cura, mas afirmando que qualquer cura tem que ser comprovada cientificamente e não só basta a vontade de ter uma cura. E isso se torna um debate de uma irracionalidade absurda, com os atores da extrema-direita com uma relação quase que mística com a cloroquina. Isso também é um problema, que aponta para as dificuldade que as escolas têm para universalizar um determinado patamar mínimo de conhecimentos. Como o analfabetismo científico, na grande maioria das pessoas, que não conhecem o método científico. Não entendem como esse método tem que ser aplicado. Não são capazes de entender um gráfico ou estatística simples, para entender o que significa a pandemia. É o tipo de conhecimento, que para uma pessoa se situar no mundo moderno, ela precisa dominar. A gente precisa ver, todo dia no Brasil, como isso falta para uma parcela gigantesca da população.
JL – Sobre educação. Muitas das formações de Humanidades, nas universidades brasileiras, são voltadas para o magistério, para preparar o professor. Existe uma correlação, entre esse papel das humanidades da formação dos professores, com descrédito das ciências humanas, uma vez que os professores viraram inimigos do governo?
LF – Sim. Tivemos, ao longo dos anos, o aumento do pseudomovimento, de caráter obscurantista, que é o Escola Sem Partido (ESP) que prega a destruição de tudo que, na instituição escolar, pode servir para fornecer instrumentos para uma apreciação crítica do mundo. Isso já vinha da reforma do período Temer e se agrava no governo Bolsonaro. Com esse palhaço no MEC [o ministro Abraham Weintraub], mas isso é a doutrina do ESP, que é a ideia de que o papel da escola é: prover as pessoas de habilidades básicas, para que sejam empregadas. Não existe o interesse para oferecer instrumentos para o pensamento crítico. Corta-se as disciplinas ligadas a esse pensamento, todas as Humanidades. Corta-se a Sociologia, História, Filosofia e Literatura. Mas mesmo as outras ciências são deixadas em segundo plano. Só é importante que a pessoa faça as quatro operações e saiba ler e escrever, para ser mão de obra pouco qualificada. Afinal, o projeto de país deles é um país atrasado, exportador de matéria prima e essas são as vagas de trabalho que vão surgir. A gente viu isso em conjunto com a ideia de que a escola corrompia as crianças, por aumentar a capacidade delas de pensar autonomamente. Isso leva a uma situação de muita tensão nas instituições de ensino. Vamos ver se, com as escolas fechadas e as crianças em casa, os pais valorizam um pouco mais a existência da escola. Mas consolidou-se, em uma grande parcela da população, a ideia de que os pais têm autoridade absoluta sobre os filhos e que a escola não pode apresentar nenhum conteúdo que os pais não aprovarem. Porém, é importante ressaltar isso, uma das funções das escolas é contribuir para emancipar os filhos de seus pais. Fazer com que esse indivíduo, essa criança, entenda que ele vive em um mundo maior que sua própria família, no qual vai ter que conviver com diferenças, outras crenças e visões de mundo e aprender a respeitar. Assim, a função da escola, é fazer com que as crianças possam, elas próprias, escolher seus próprios caminhos.
JL – Como as universidades e as humanidades poderiam mudar esse cenário?
LF – Não tenho um resposta. Tenho uma percepção. Estamos sob ataque faz muito tempo e muitas vezes a tendência tem sido reagir fingindo que mantemos uma certa normalidade e julgando que esse teatro da manutenção da normalidade vai trazer, de alguma maneira esse normalidade de volta. Você faz apelos aos ministro da educação para que ele reconheça a importância das humanidades ou trata vários ataques como sendo fruto de falta de informação. e não é nada disso e temos que parar. Estamos diante de um governo que quer destruir a universidade. Não quer simplesmente controlar ou subfinanciar. É um governo que tem ódio do conhecimento. Temos que entender que a batalha, sem querer ser dramático, de vida ou morte. Não vão ser apelos ao bom senso que vão resolver a questão. Precisamos, nesse momento, fortalecer o apoio disseminado na sociedade para aquilo que fazemos e sensibilizar atores importantes fora do governo para se juntarem a nós na defesa do patrimônio que é a ciência e a universidade no Brasil.
O deputado Daniel José (NOVO-SP) aproveitou a notícia de que pesquisadores da USP produziram um respirador, mais barato que a maior parte das máquinas disponíveis para atender as vítimas do coronavírus (COVID19), e defendeu cobranças de mensalidade na instituição pública.
Daniel já falou que na rede estadual de ensino médio existem professores bêbados e faz parte do conselho consultivo da Universidade de São Paulo representando a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) desde julho do ano passado.
O deputado, que assumiu o cargo na Alesp em 2019, coloca como uma das principais defesas de seu mandato a educação. Desde que foi empossado ele tem defendido bandeiras de controle fiscal e pautas liberais, como a reforma previdenciária estadual e reformas tributárias.
Em artigo, postado em suas redes sociais após a menção do respirador criado na universidade, são colocadas formas de “Modernizar Financiamento Da USP”, no qual ele defende “cobrança de mensalidades para quem tem condições de pagar” e “aproximação do setor privado dos departamentos de pesquisas”.
Postagem em rede social na qual que defende a cobrança
Neste artigo não há definição dos quais seriam os critérios para definir o que é “condições de pagar”. A universidade já mantém relações com empresas privadas para financiar pesquisas que podem ser realizada por meio das faculdades, institutos e outros órgãos da Universidade, como a
Agência USP de Inovação.
O próprio respirador que o deputado elogiou teve uma fase de testes realizada com parcerias entre a universidade, setores de pesquisa público e privado na FAPESP SHELL Research Centre for Gas Innovation.
Respiradores
O projeto, que já viralizou na internet, de respirador pulmonar chamado de “Inspire” pode ser construído em algumas horas e tem a estimativa de custar R$1.000,00.
Ele já passou por testes e está sendo encaminhado para aprovação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O dispositivo foi desenvolvido por pesquisadores da Escola Politécnica (Poli).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou nesta quarta-feira (11) a doença causada o novo coronavírus (Sars-Cov-2), a Covid-19, como uma pandemia. Trata-se de uma medida técnica, que não afeta as ações atuais. “A descrição da situação como uma pandemia não altera a avaliação da OMS da ameaça representada por esse vírus. Isso não muda o que a OMS está fazendo, nem o que os países devem fazer”, declarou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.
Segundo o médico sanitarista Pedro Tourinho, pandemia nada mais é do que declarar que um vírus se espalhou e tem potencial de contaminar milhares de pessoas no mundo todo. Nesse sentido ele explica que a declaração da OMS tem um papel fundamental para fortalecer as ações governamentais na criação de medidas para conter a difusão do vírus.
“Não há razão para pânico, mas temos que ter clareza de que o vírus vai se espalhar por todo o Brasil. Isso significa que vai morrer todo mundo? Não. A mortalidade do vírus é baixa. Mas é de suma importância criar políticas para proteger grupos específicos da contaminação, como pessoas idosas”, explicou Tourinho, que também é professor na faculdade de medicina da PUC-Campinas.
Em coletiva de imprensa, o diretor-executivo do programa de emergências da OMS, Michael Ryan, pontuou que é preciso desenvolver políticas específicas para a situação em cada país. “A declaração de uma pandemia não é como a de uma emergência internacional – é uma caracterização ou descrição de uma situação, não é uma mudança na situação”. Segundo ele, é hora dos países seguirem para além da mitigação, estratégia de saúde pública que busca sobretudo cuidar dos doentes e públicos prioritários.
MORTALIDADE
A mortalidade da gripe no Brasil é de 0,1%, ou seja, uma pessoa a cada mil, mas ninguém se preocupa em morrer de gripe, exemplificou Tourinho. A medida de contenção, como está ocorrendo na Itália, é importante para pessoas com mais de 80 anos, já que nesses casos a chance de morte chega a 14%, ou seja, 140 pessoas para cada 1.000 infectadas. O coronavírus mata oito vezes mais na Itália do que na Coreia do Sul porque 22% da população tem mais de 65 anos – o país tem a população mais velha da União Europeia. Quando contabilizamos também as pessoas com menos de 40 anos a mortalidade cai pra 2 mortes a cada mil infectados.
COMO EVITAR A CONTAMINAÇÃO
É importante manter a higiene respiratória. Evitar levar a mão ao rosto e lavar sempre as mãos com bastante água e sabão. É imprescindível o uso de máscaras para quem está tossindo. Mas no caso de não ter uma à disposição, é importante usar um lenço ou tossir próximo ao cotovelo – nunca usar as mãos. Evitar aglomerações também é recomendado, uma vez que nesses lugares a chance do vírus se proliferar é ainda mais alta.
Cancelar eventos é uma medida prudente e não motivo de pânico, explica Tourinho. “Não quer dizer que é preciso deixar de trabalhar, mas esses lugares com muitas pessoas facilitam muito a disseminação do vírus”.
Na primeira imagem abaixo vemos uma curva que representa “um pico” de contaminação, que resulta na sobrecarga no serviço de saúde. Já na segunda podemos ver que a contaminação aconteceu de forma mais gradual, fazendo, assim, com que o sistema de saúde consiga desafogar, então é possível mitigar a situação.
IMAGEM 1: Curvas exemplificadas no texto sobre contaminação por cornonavírus
IMAGEM 2: Curvas exemplificadas no texto sobre contaminação por cornonavírus
O médico sanitarista afirma que não há razão para desespero, mas que também não dá pra tratar como “só uma doideira midiática”. “Não precisamos pensar em quarentena no Brasil, mas a expectativa é que exista um pico de contaminação do coronavírus dentro de 2 a 4 semanas. Tudo depende das políticas adotadas pelo governo”, explica.
A IMPORTÂNCIA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
O desmonte do SUS iniciado no governo de Michel Temer, que assumiu a presidência depois de um golpe de estado, pode ser um fator importante na contaminação por coronavírus da população brasileira.
“Essa situação do coronavírus é um momento muito importante pra gente compreender a importância do sistema de saúde estar funcionando bem e com um bom financiamento. Atualmente o sistema tá sendo estrangulado pela falta de recursos. Só no ano passado ele perdeu 20 bilhões de reais em termos orçamentários – em relação ao que seria a legislação de financiamento antes da Emenda Constitucional 95, de 2016, criada por Michel Temer, e esse ano vai perder mais 9 bilhões. Estamos vivendo um momento que é preciso uma revisão – e vários países do mundo vão fazer isso – das normas draconianas de austeridade impostas pelo sistema financeiro, pelas estruturas do capital internacional que, diariamente, estrangulam o sistema de proteção social. Então é uma oportunidade pra gente fazer essa reflexão e tomar medidas que revertam esse tipo de situação”, explicou o médico.
Nesse sentido, o fortalecimento dos sistemas públicos de saúde, como é o caso do SUS brasileiro, é fundamental. Assim, diferente do que está sendo apresentado para votação urgente no Congresso, não é hora de ameaçar cortes nos salários e jornadas de funcionários públicos, como proposto pela PEC Emergencial, e muito menos de diminuição do piso de investimentos na saúde, como prevê a PEC do Pacto Federativo.
MEDIDAS NO BRASIL
Segundo o Ministério da Saúde até ontem 34 pessoas estavam infectadas pelo coronavírus no Brasil. Hoje, um estudante do Departamento de Geografia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH USP, foi confirmado como portador do vírus. O Conselho Departamental da universidade decidiu suspender todas as atividades no dia de hoje, 11, e avisou aos estudantes por e-mail que novos encaminhamentos seriam enviados por este canal.
E-mail enviado aos alunos sobre caso de coronavírus no Departamento de Geografia