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  • “URSAL” – Loucos? Pero no mucho…

    “URSAL” – Loucos? Pero no mucho…

    por Fernando Horta especial para os Jornalistas Livres

    Vladimir Ilitch Ulianov (Lênin), em agosto de 1915, numa revista russa chamada Sotsial-Demokrat, argumentava pela criação dos “Estados Unidos da Europa”. Lênin afirmava que a Europa NECESSARIAMENTE precisaria se unir para sobreviver. Seja em torno de um projeto capitalista, para manter a competição capitalista em mínima igualdade com os EUA, seja em torno do projeto socialista/comunista, a única solução para a Europa, de acordo com Lênin, seria a unificação. Não deixa de ser interessante que, dois anos antes da Revolução de Outubro, o principal pensador socialista do século XX, e também o principal líder revolucionário, tenha dado não apenas o caminho, mas as razões pelas quais a Europa viria a se unir em 1993 pelo Tratado de Maastricht.

    Mapa da União Europeia

    Os projetos de unificação dos espaços geográficos, geralmente passando por cima dos “nacionalismos”, apesar de terem sido uma política internacional de diversos partidos comunistas, não se restringe somente a eles. Desde o século XIX, unificações e uniões dinásticas aumentavam os territórios e acumulavam suas capacidades econômicas para fortalecer as burguesias e o capitalismo. O primeiro exemplo é de Napoleão Bonaparte e toda a reorganização do mapa Europeu com a criação da Confederação do Reno e do Reino da Itália. Não fosse pela oposição britânica e pela fuga de D. João VI para o Brasil, o imperador francês teria unificado também (e de novo) a península ibérica.

    Em 1815, no Congresso de Viena, desfazem-se as unificações de Napoleão, apenas para se criarem outras, como os “Países Baixos”, o “Reino da Baviera” ou o “Reino das Duas Sicílias”. Mais adiante, no final do século XIX, as unificações de Alemanha e Itália, promovem outras formas de associações de estados pequenos em unidades maiores, frequentemente desconsiderando todas as diferenças culturais, étnicas e políticas com o objetivo de criar estados que pudessem resistir às investidas econômicas e militares de outros. No final da primeira guerra e, também da segunda, a mesma ideia foi colocada em prática pelos vencedores criando-se, por exemplo, a Tchecoslováquia e a Iugoslávia.

    Na América, a própria independência dos EUA é um caso de união de unidades administrativas menores em um corpo político maior, cujo objetivo era – ainda que passando por cima de diferenças culturais – fortalecerem-se frente ao imperialismo inglês. Simon Bolívar vai criar a “República de la Gran Colômbia” entre 1819 e 1830, unindo Equador, Colômbia e Venezuela e não escondia o desejo de criar na América “a maior nação do mundo” com o nome “Colômbia”, que reuniria todas as antigas colônias espanholas.

    Cena do filme Libertador, que narra a história de Simón Bolivar, libertador das americas

    No último debate presidencial, a pergunta de um candidato de direita sobre o “plano para criar a URSAL” está movimentando as redes. Segundo o candidato, haveria um planejamento “pela esquerda” da criação da “União das Repúblicas Socialistas da América Latina” e contra tal plano, o candidato asseverou fortemente que seria contra. Afinal, o que é a “URSAL” e contra o quê efetivamente o candidato se insurgia?

    O termo “URSAL” surge entre 2007 e 2008, em postagens de um conhecido colunista de direita de uma revista brasileira para expressar o desespero que este conservador sentia diante da vitória eleitoral de tantos candidatos de esquerda. Álvaro Colom, na Guatemala, Daniel Ortega na Nicarágua, Oscar Árias na Costa Rica, Hugo Chavez na Venezuela, Mauricio Funes em El Salvador, Rafael Correa no Equador, Evo Morales na Bolívia, Michelle Bachelet no Chile, Fernando Lugo no Paraguai, Tabaré Vázquez no Uruguai, Cristina Kirchner na Argentina se juntavam a Lula no Brasil e Raúl Castro em Cuba. Ao invés dos conservadores perceberem este movimento como a negação clara e objetiva do fracassado projeto neoliberal dos anos 90, eles preferiram criar uma teoria da conspiração em âmbito mundial. Aproveitando-se do que foi a guerra de propaganda que os EUA impuseram no mundo a partir dos anos 60, a histeria comunista foi resgatada por uma geração que foi educada sobre esta sombra.

    Não poderia ser o neoliberalismo e seus efeitos a causa da vitória da esquerda. Afinal, na cabeça destes conservadores, os dados objetivos do aumento da fome, da miséria, das dívidas com fundos internacionais e a destruição dos empregos junto com o rebaixamento de países à condição de meros fornecedores de matérias-primas não foram resultado das terríveis políticas neoliberais implementadas. A partir de 2008, após a grande crise do capitalismo mundial, era preciso limpar a história do neoliberalismo. Dizer que tudo o que o Brasil e a América Latina tinha experimentado, nos penosos anos 90, eram fruto de desgovernos e “populismo”, mas não de planos e objetivos equivocados e, entre eles, o neoliberalismo.

    Ali começava um trabalho de reescritura do passado, cujo objetivo era não permitir que a crise de 2008 desse ainda maior espaço para as críticas da esquerda a respeito do capitalismo. Narrativas de conspiração foram criadas, e entre elas, o pânico da integração Latino-Americana ganhava as páginas de revistas conservadoras. A criação da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), criada em 2004 e com tratado de comércio em 2006 e a UNASUL, criada em 2008 precisavam ser atacadas. Não pelas iniciativas de cooperação e diminuição de tarifas e barreiras entre os países do sul e, no caso da ALBA, do Caribe, mas pelo risco que este bloco trazia aos interesses capitalistas.

    Do ponto de vista de um colunista conservador, semi-informado, lunático e, provavelmente, sem seus medicamentos neurolépticos, todo este movimento não poderia ser explicado pela negação do povo aos efeitos maravilhosos do capitalismo (entre eles a fome, a miséria, desemprego, inflação, dívida e etc.). Era preciso que se instilasse o medo. Era preciso criar o mesmo gatilho que os pais e avós desta geração vivenciaram. O comunista “comedor de criancinha”, aquele que viria tomar a sua casa e o carro (no caso hoje, o seu Iphone e computador), aquele barbudo fumador de ervas extravagantes que não tinha nenhum apreço pelos valores do ocidente como “democracia”, “liberdade” ou mesmo o salutar banho.

     

    Capa do Dossiê Ursal, que “denunciava” a criação da URSAL, ainda em 2007

    Entre 2007 e 2008, o acrônimo “URSAL” surge ligado a sites de militares (como o “brasilacimadetudo.com”) ou a grupos conservadores (como a midiasemmascara.org) como uma ferramenta para compreender a guinada à esquerda de toda a América Latina. O termo ganha até uma página falsa, feita por conservadores, para parecer real (http://www.socialismobrasil.xpg.com.br/URSAL.html) com direito a banner com letras russas e foto de Karl Marx, Lenin e Che Guevara. O devaneio conta também com a ajuda do presidente Lula que, numa das reuniões do Foro de São Paulo, após a morte de Chavez, afirma que as eleições de progressistas na América Latina “não poderiam ter acontecido sem o Foro de São Paulo”. Pronto! Não apenas os nossos Sherlock Holmes tinham desvendado o mistério, mas tinham agora um vídeo do Professor Moriarty confessando tudo. A URSAL era o plano diabólico final da união entre a ALBA e a UNASUL, trazendo o comunismo soviético de volta e deixando os “homens de bem” em desespero. Era preciso, na visão sem haloperidol, destes colunistas, “acordar a classe média”. Era preciso salvar a família, o capitalismo e a “liberdade”.

     

    O governo Lula sequer foi o primeiro governo a olhar para o Sul com uma visão mais agregadora e cooperativa. Jânio Quadros e João Goulart já haviam feito isto com a PEI (Política Externa Independente). A bem da verdade, até a política externa do ditador militar Ernesto Geisel foi mais voltada para o Sul do que o desastre neoliberal de Fernando Henrique. A subserviência de Luiz Felipe Lampreia e Celso Lafer entraram para a história das Relações Internacionais do Brasil e eram um modelo (a não ser seguido) até os desastres maiores de José Serra e Aloysio Nunes no comando do Itamaraty.

    Por um lado, a URSAL é um delírio de conservadores brasileiros a explicarem porque o povo de toda a América Latina votou massivamente em projetos progressistas de esquerda a partir do fracasso das políticas neoliberais. Por outro lado, a URSAL é a comprovação da incapacidade da equipe do presidenciável que fez a pergunta de, pelo menos, buscar um tipo de ajuda profissional psiquiátrica ou psicológica ANTES de assumirem a responsabilidade do trabalho de assessorar um candidato. Contudo, há também um outro lado nesta história … A URSAL, afinal, nos parece uma grande ideia … Uma ideia de união dos povos que remonta a Lênin e Bolívar. Uma ideia contra a qual o capital internacional desesperadamente gasta milhões para convencer jovens pobres, esfomeados, sem emprego e perspectiva que eles não devem buscar uma mudança política, pois esta mudança lhes resultará num mundo sem, comida, emprego e perspectiva.

    Pois é preciso que digamos: bem-vinda a ideia da URSAL! Que possamos nos unir e nos tornar mais fortes, afirmando nossas peculiaridades e nossa crença que um futuro mais igual, social e economicamente, é possível. Como disse o maior dos comedores de criancinha, na grande “bíblia vermelha” (O Manifesto Comunista): “Os proletários não têm nada a perder, a não ser e talvez, suas próprias correntes. E tem o mundo a ganhar.”

  • Argentinos marcham contra o FMI em celebração ao aniversário de independência do país

    Argentinos marcham contra o FMI em celebração ao aniversário de independência do país

    Uma grande manifestação acontece hoje pela Avenida 9 de julho em Buenos Aires no dia em que se comemora o aniversário de independência do país, onde organizações sociais e políticas protestam contra o FMI e as políticas de ajuste do Governo.

    Mais de 40 organizações sindicais, sociais, de direitos humanos, políticas, religiosas e multissetoriais convocaram a manifestação contra os abusivo aumento nos preços dos serviços básicos e o corte no setor estatal que tem trazido várias demissões.

    Foto La Campora

    Um palco com uma grande tela instalada aos pés do Obelisco foi montado pelos organizadores desta convocação, à que se somaram também um grupo de atores com um video no que convidaram a somar à mobilização, entre eles Pablo Echarri, Liliana Ferreiro, Cecilia Roth, Leonardo Sbaraglia e Darío Grandinetti.

    ‘Neste 25 de maio a Pátria está em perigo. Dizemos não ao FMI, à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos) e ao ajuste neoliberal da Aliança Mudemos, instrumentos para a dominação do povo argentino. Não os deixaremos passar’, escreveu em twitter o prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel.

    Espera-se a leitura de uma proclamação popular, redigida por várias organizações, e que todos em uníssono cantem o hino nacional nesta data histórica.

    Via: Prensa Latina
    Fotos:  La Campora

  • Fidel Castro, o líder da revolução cubana

    Fidel Castro, o líder da revolução cubana

    Por Julio Turra, da corrente O Trabalho, do PT

     

    Aos 90 anos de idade – afastado há 10 anos do exercício direto do poder em Cuba – Fidel já havia deixado seu nome marcado na História e, em particular, na memória dos povos oprimidos de todo o mundo, por haver desafiado o imperialismo mais poderoso com a revolução cubana de 1959, realizada a apenas 100 km dos EUA, e a resistência ao seu cerco, embargo econômico e agressões sucessivas por décadas.

    A revolução cubana rompeu, nos fatos, com a lógica da “coexistência pacífica” entre o imperialismo dos EUA e a burocracia dirigente na ex-URSS (União Soviética), liderada então por [Nikita] Khrushchov, de divisão do mundo em “zonas de influência” na chamada “guerra fria”. Afinal, Cuba, desde de sua independência da Espanha (1898), tornara-se uma virtual colônia dos EUA e jamais a burocracia soviética teve planos de romper o equilíbrio mundial (“não mexe no meu, que não mexo no teu”) numa ilha tão próxima de Miami.

    O jovem Fidel não era socialista. O papel que veio a jogar na revolução cubana combinou-se com o movimento próprio das massas no país. Como estudante, combatia a ditadura pró-EUA de Fulgêncio Batista com um ideário democrático, tendo sido preso após o “assalto ao quartel de Moncada” em 1953 e anistiado dois anos depois. Ao fundar, em 1955, o Movimento Revolucionário 26 de julho (M-26-7) – a organização política que dirigiu a revolução cubana – Fidel e seus companheiros de então afirmaram uma plataforma “democrática e humanista” ao mesmo tempo que organizaram a guerrilha que, entre 1956 ao início de 1959, derrubou Batista.

    O partido cubano que seguia as ordens de Moscou – PSP à época – que já havia apoiado e participado com ministros de governos de Batista, foi hostil e denunciou o M-26-7 como aventureiro. E só somou-se aos guerrilheiros às vésperas da entrada triunfal de Che Guevara e Camilo Cienfuegos em Havana.

    O processo que levou ao surgimento do PC Cubano

    Foi a própria dinâmica da revolução que provocou a adesão, anunciada apenas em 1961, de Fidel e seus companheiros ao socialismo. Para obter o apoio das massas camponesas e dos trabalhadores urbanos (Havana estava em greve geral quando o ditador Batista fugiu para Miami), os revolucionários aplicaram um programa democrático radical que se chocou com os interesses dos EUA na ilha. A reforma agrária implicava expropriar grandes empresas “gringas” que controlavam os latifúndios exportadores de cana de açúcar e tabaco. A reação de Washington às expropriações foi brutal: armou mercenários para a fracassada invasão da Baía dos Porcos e, depois, decretou o embargo econômico a Cuba, que perdura até hoje.

    Assim, num país dominado pelo imperialismo, a realização de tarefas democráticas e de libertação nacional, se combinaram com tarefas socialistas de expropriação do grande capital para introduzir uma economia centralmente planificada e baseada na propriedade coletiva dos meios de produção.

    Como o próprio Fidel disse no 1º congresso do Partido Comunista Cubano (1975): “O imperialismo não podia tolerar sequer uma revolução de libertação nacional em Cuba. (…) mas a nação cubana não tinha outra alternativa, o povo não podia e não queria mais retroceder. Nossa libertação nacional e social estavam indissoluvelmente ligadas. ”

    O Partido Comunista Cubano (PCC) resultou da fusão do M-26-7 de Fidel, do Diretório (estudantes) e do PSP. Diante do embargo dos EUA, a URSS apresentou-se como parceira econômica de Cuba e aumentou sua pressão para alinhar Havana com sua política externa. O que provocou não poucas tensões e crises.

     

    Fidel com Nikita Khrushchov: stalinismo joga com Cuba na “guerra fria”
    Fidel com Nikita Khrushchov: stalinismo joga com Cuba na “guerra fria”

    Na verdade, não foram os “homens de Moscou” que vieram a dirigir no início o PCC e o Estado cubano, mas sim os veteranos da guerrilha – Guevara, Raúl e o próprio Fidel – como ficou explícito no episódio da prisão de Aníbal Escalanteem 1962 (dirigente stalinista do PSP, que manobrava para cavar posições no aparelho do estado cubano).

    A direção cubana nunca foi um simples “apêndice de Moscou”, pois, como na Iugoslávia ou na China, ela havia feito uma verdadeira revolução que não estava nos planos da URSS. O que explica que, pelo menos até a morte do Che nas selvas da Bolívia em 1967, Havana tivesse uma política externa distinta dos partidos comunistas ligados a Moscou, de submissão do movimento operário e popular da América Latina à burguesia nacional e ao imperialismo.

    Já a burocracia da URSS encarava Cuba como uma “peça” de seu jogo de “guerra fria” com os EUA, como ficou claro na “crise dos mísseis” de 1962. Khrushchov instalou mísseis na ilha para “defender Cuba”, provocando a reação de [John F.] Kennedy, que exigiu sua retirada, ameaçando com uma guerra. Passando por cima de Fidel – que era contra ceder à ameaça dos EUA – a URSS retirou os mísseis.

    Mas a tentativa de extensão da revolução para outros países da América Latina pela via dos “focos guerrilheiros”, encabeçada pela OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), fracassou, pois, as condições particulares em que se deu a revolução cubana não existiam em outros países. Foi o que levou Cuba, isolada no continente, a depender da URSS para sua sobrevivência.

    A partir daí ocorreu um alinhamento com a política de Moscou por parte da direção cubana, que levou Fidel a apoiar a invasão da Tchecoslováquia pelos tanques russos em 1968 e depois a condenar a luta dos trabalhadores poloneses em 1981 e até a apoiar o massacre da praça da Paz Celestial pela burocracia chinesa em 1989.

    Com a queda do Muro de Berlim e o desaparecimento da URSS (1989-91), Cuba viveu o pior momento econômico de sua história, com o povo passando privações imensas. Iniciou-se então, um processo de “reformas” que envolveram uma abertura a investimentos estrangeiros no setor de turismo e daí para outros setores econômicos em associação com o estado cubano. Um processo que continua com altos e baixos até hoje.

    Esse processo de abertura ao mercado capitalista provoca divisões e hesitações entre os próprios dirigentes cubanos, pois ele ameaça as conquistas da revolução cubana no campo da saúde e educação, por exemplo. Ele começou com Fidel e nos últimos 10 anos foi assumido por Raúl Castro.

    Fidel e Hugo Chavez
    Fidel e Hugo Chavez

    Cuba obteve um respiro com o surgimento de governos na América Latina que foram fruto da resistência das massas à política do imperialismo dos EUA, como a Venezuela de Chávez. Mas hoje esses governos estão em crise ou foram derrubados, como no Brasil, por não terem levado até o fim uma política de ruptura com o imperialismo, tal como a própria Cuba fez nos primeiros anos da sua revolução.

    Obama restabeleceu relações diplomáticas com Cuba, mas o embargo não foi rompido e agora, com Donald Trump presidente dos EUA, abre-se um período de incertezas.

    Sobre a normalização das relações com os EUA, Fidel, já retirado da cena principal, comentou no ano passado: “Não confio na política dos EUA nem troquei nenhuma palavra com eles, sem que isso signifique tampouco, uma rejeição à solução pacífica dos conflitos ou perigos de guerra”.

    A 4ª Internacional e a Revolução Cubana

    A 4ª Internacional desde sempre, e independentemente das divergências que tem com o regime de partido único: a ausência de liberdade sindical e do modelo burocrático existente na ilha e, independentemente de divergências em relação à política externa da direção cubana, colocou-se, e sempre se colocará, na defesa intransigente das conquistas da revolução cubana contra as ameaças do imperialismo. Em 1998, na cidade do México, várias de suas seções no continente, no marco das ações do Acordo Internacional dos Trabalhadores e do Povos, contribuíram para realizar uma Conferência Continental em Defesa das Conquistas da Revolução Cubana.

    Fidel Castro certamente passará para as gerações futuras como um líder que ousou desafiar o imperialismo mais poderoso, confiando na capacidade das massas de fazer a revolução. Um exemplo de luta, apesar das contradições que marcaram a sua trajetória política.

    As conquistas da revolução cubana estão hoje ameaçadas por todo o desenvolvimento da situação mundial. Mas, ao mesmo tempo, elas serão defendidas pelas massas de Cuba e de outros países como pontos de apoio para a necessária contraofensiva à política de guerra e destruição do imperialismo.

    A 4ª Internacional se faz e se fará presente neste combate decisivo para o futuro da humanidade.

  • O golpe é contra a América Latina!

    O golpe é contra a América Latina!

    Palavras de José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, em ato promovido pela central sindical PIT-CNT de Montevidéu em apoio a Dilma Rousseff e contra o golpe no Brasil, no dia 31 de agosto de 2016.

    Tradução livre de Eduardo Mejía Toro (eamejiat@unal.edu.co) e Marcos Paulo T. Pereira (marcosptorres1@gmail.com)

    Eu acho que, fundamentalmente, nós, uruguaios,

    temos uma tarefa: informar bem, curtinho,

    ao pessoal com quem falamos.

    Porque tem muitíssimo ruído, mas pouca informação.

    Não é para confundirmos barulho com criação de pensamento. O que temos que transmitir ao povo uruguaio, em primeiro lugar, é a motivação mecânica deste golpe.

    A motivação mecânica – não a motivação profunda – consiste na existência de um senhor, Eduardo Cunha, ex-presidente do parlamento brasileiro. Ao que parece, alguém que passou pela Suíça lhe deixou 5 milhões de dólares em seu nome, mas ele não sabe quem foi… Como isso vazou, o próprio parlamento começou a investigá-lo. Esse senhor, para se defender, foi falar com a presidenta e pediu para ela que o pessoal do PT não apoiasse a comissão investigadora.

    Foto por Leandro Taques
    Foto por Leandro Taques

    Entretanto, o PT decidiu respaldar a comissão investigadora. Então, esse senhor lembrou-se que numa gaveta tinha arquivado um requerimento, de três advogados que tinham estudado o último orçamento e que tinham encontrado elementos para fazer uma acusação jurídica. Ao que ele falou: “se me entregam na comissão eu vou estourar isso”.

    E qual foi o “erro” do PT e da presidenta?

    Não comprar a ideia dele de esconder um ninho de corrupção.

    Isto é o que está em primeiro lugar: esta mulher está sendo

    condenada por não ter entrado na corrupção.

    É claro, esta é a motivação mecânica de como aconteceram as coisas. Havia muito mais por detrás: as derrotas eleitorais, as reformas sociais, a redistribuição da renda que tinha acontecido durante treze anos e a chegada a um momento de crise pela situação mundial, que limitava a economia brasileira… Então tinham que conspirar por baixo.

    Simplesmente, derrotados nas eleições, certos grupos não aceitaram a realidade política de sofrer uma derrota e ir preparar os seus respectivos partidos para a próxima disputa eleitoral. Não…

    Cuspiram na cara da democracia!

    O que demonstra, mais uma vez, que são democratas quando lhes convém, nem tanto quando não lhes convém – em primeiro lugar está o bolso, querido.

    Naturalmente, é um processo que tem muitas lições e isso também tem que ser dito. A companheira Dilma não teve como entrar no jogo para negociar e, sobretudo, desagradou muitas pessoas da sua militância, porque quis aliviar o peso da crise econômica com algumas medidas econômicas relativamente conservadoras, sem discutir primeiro com seu povo. Quer dizer, uma resposta técnica demais e pouco política. Para além disso, ela não era dada a conversar com a oposição, parece que Dilma não é simpática com os seus opositores, contrariamente a Lula, um cara que consegue lidar com qualquer um. Mas a velha experiência sindical de negociador de Lula é outra história.

    Foto por Leandro Taques
    Foto por Leandro Taques

    Mas estes são fatores de segunda ordem, que têm que ser aproveitados para aprender que nunca se pode acreditar que por que se ganhou uma eleição e se tem o apoio da maioria, se tem o controle absoluto do poder. E é também uma demonstração de que estas questões não são um problema de gerenciamento técnico, não é que seja possível desprezar a qualidade técnica e o seu gerenciamento, mas é necessário que a política ajude nas decisões técnicas.

    Vimos, queridos companheiros,

    a consumação de um GOLPE DE ESTADO,

    que já tinha sido anunciado faz tempo.

    Aqui veio o chanceler do Brasil, há pouco tempo, e disse para nós, com todas as letras, que estava decidido, quer dizer, que todo esse debate parlamentar foi uma grande encenação, a decisão já estava tomada, num outro lugar. Fizeram todo um cenário de trapaçaria para a opinião pública e o olhar geral, com toda a aparência de um julgamento, mas desde o primeiro momento tudo já estava decidido. Daí, quando os companheiros falam de um golpe de estado, é um golpe de estado mesmo! E, se não for um golpe de estado, é como aquela charada, de que tem patas, tem isto e tem aquilo … parece que é, e se não é, é como se fosse.

    É, também, uma decisão política da direita de agredir este governo… Quer dizer, uma escolha política que procurou reacomodar o arcabouço jurídico para poder se apresentar ante a opinião da cidadania e, sobretudo, do mundo. Como disse o presidente do senado: “Se nós erramos, que nos corrija a democracia!”. Parece que no subconsciente sabia, tinha bem claro, a trapaça que estava fazendo. Existe um quê subconsciente no pessoal que votou essa decisão, porque isto tinha um segundo capítulo, uma segunda intenção, que não era outra senão proibir a atividade política da presidenta por anos, mas muitos não tiveram a cara para participar desse crime.

    Não tenho dúvidas que isto é uma perda imensa

    para a América Latina.

    Tenho algumas ideias, companheiros, acredito que a integração da América Latina está na frente de tudo … que nunca teremos massa crítica para lutar no mundo que a gente vive se não conseguimos a integração! Mas a integração não é apagar as fronteiras, nem apagar o hino, nem mudar a bandeirinha da pátria, nem nada disso, a integração é ter força coletiva como sociedade para poder dizer alguma coisa e ter peso no mundo em que vivemos!

    Em todos estes anos, apostamos, sem conseguir, que o Brasil, pelas suas dimensões e, por isso, pela sua responsabilidade que tem com América Latina, congregaria essa integração, porque ela só se dará com a Amazônia ou não se dará. E sem integração não se tem massa crítica para fazer desta América um mundo melhor.

    Já tivemos, companheiros, há mais de cem anos, a discussão acerca da construção do socialismo num país só. Já a tivemos, já assistimos essa fita, já sofremos com ela, temos que aprender com a história. Se acreditarmos que no mundo de hoje, com a explosão tecnológica, seja possível para os pequenos países conseguir um sinal libertador, que permita chegar perto do socialismo, estamos mais que sonhando. Então, o primeiro problema é a integração das nossas universidades, de nosso conhecimento, porque ali se está formando o que vai ser a classe trabalhadora do futuro.

    O desenvolvimento tecnológico do mundo vai impor uma qualificação para os trabalhadores do futuro, necessariamente de tipo universitária, não por vontade do mundo capitalista, mas por uma necessidade tecnológica. Essa massa que está ingressando nas faculdades da América hoje é, potencialmente, revolucionária. Nossa luta pela integração é uma luta por integrar a inteligência latino-americana. Ter um sistema de pesquisa nosso e ter uma consciência universitária que pertencem às aflições do continente.

    Tenho visto muita poesia,

    muito fervor revolucionário,

    e tenho visto muitos castelos de ilusão caírem no solo.

    Não quero mentir para as novas gerações, não, a humanidade está na frente de um desafio do tamanho que o homem nunca viu acima da terra. O homem tem que demonstrar, como espécie, se é capaz, deliberadamente, de criar uma sociedade melhor ou não. Ou sucumbir. É isso o que temos, companheiros, a luta gigantesca, extremamente volumosa e difícil, e não vamos conseguir com quatro gritos. Precisamos de uma profissionalização de nossas vidas, de nossa entrega, da construção de times, de um sentido de compromisso com uma humanidade melhor. Não é fácil porque o mundo está se globalizando e aparecem para nós contradições por todas as partes.

    A companheira falava contra as multinacionais, dentro em pouco vamos estar arrasados pelo populismo das direitas da Europa, que também estão contra as multinacionais, mas são fascistas. Nada podemos esperar desse ultranacionalismo, o de Trump, o de Le Pen, o que liderou o processo da Inglaterra… Esses não são nossos companheiros.

    Então, é bem claro que a luta pelo Brasil não é só um questão de solidariedade, é uma questão de tremendo interesse como latino-americano.

    O problema não é só do Brasil é um problema nosso. Nós estamos jogando com a história, o futuro da Amazônia, por quê? Porque sem Brasil não teremos jamais massa crítica para poder negociar no mundo que virá. Vocês podem imaginar, compatriotas, negociar com esse continente que se chama China, ou Índia, ou Estados Unidos (com a sua terra prometida de costas para o Canadá), ou com a Europa que, apesar de tudo, são setecentos milhões de cidadãos com desenvolvimento do primeiro mundo.

    Nós os latino-americanos isolados num monte de repúblicas vamos poder equilibrar essa balança? Não, companheiros, isto tem que ser compreendido por todos: para atuar no jogo diplomático se precisa de massa crítica, tem que ter peso para que as suas razões tenham validade, tem que ter o peso da massa por trás de capacidade socioeconômica, de capacidade científica, para que seja possível ganhar o direito de defender alguma coisa ou impor alguma coisa… Não é simples. É possível? Não sei, os fatos demonstrarão…

    É belíssimo, temos que lutar por isso… Temos que dar conteúdo a nossa existência! A gente não pode construir uma sociedade de escravos, conscientes de que somos determinados pelo que passa no mundo rico, sem ter capacidade de sermos nós mesmos. Acredito nas possibilidades do continente, nos desafios do continente, por isso o pedido feito aos companheiros: este não é um problema da Dilma, do Brasil ou do PT, é um problema de todos nós! E nossa também é a luta da Bolívia, do Equador, do povo argentino, temos que começar a ficar cientes de que cada vez mais precisamos pensar como espécie, com dimensões de espécie, para defender a vida, ali onde se apresenta e onde houver que a defender.

    E temos que considerar que temos que ser inteligentes, que precisamos de aliados, e que os aliados não somos nós mesmos, os aliados têm diferenças, mas sem aliados não se pode fazer política transcendente. Porque isso é o que fazem os orgulhosos, viciados no poder. Ter aliados é tentar procurar buscar – ao máximo – aqueles setores da sociedade que, sem pertencer a nós, tem contradições com esse mundo. Temos que ver quais são esses grupos, esses setores que às vezes estão afetados e que vivem sem as distintas formas de propriedade de nossos países, que também são vítimas. E não é para dá-los de presente (aos adversários), por esquematismos, multiplicando a força deles, multiplicando seus aliados potenciais somente por medo, porque não têm que ter medo, os pequenos comerciantes, não ter que ter medo as camadas da classe média, da América latina, do Uruguai…Não é essa a luta! A luta é outra, a luta é contra a gigantesca concentração de riqueza no mundo contemporâneo, onde a taxa que gera capital a nível mundial é mais importante que a taxa de crescimento da economia mundial. O que demonstra que a riqueza está se multiplicando, mas se está concentrando muito mais do que se multiplica.

    Por isso, essa luta do Brasil é nossa.

    Vamos acompanhá-la!

    Eu tinha aqui um envelope, uma carta do Lula que chegou para mim antes de ontem, que tornei pública. Curiosamente não apareceu na imprensa…acontece … não tive sorte. Esse é nosso problema. A resposta é o boca a boca, é o comunicarmos entre nós! Há uma parte importante do nosso povo que está confundida ou que pode estar confundida pela enorme pressão que tem uma informação distorcida, que mais que dizer verdades diz meias-verdades. É um jeito de torturar não dizendo verdades. As partes fundamentais deste drama não aparecem… Aparecem seus sucessos, mas não as partes fundantes do drama e acredito que é papel dos companheiros tratar de difundir a verdade.

    Finalmente, companheiros, sem derrotismos. Temos veteranos aqui … que podem ter sido enganados, e certamente o foram, mas que se lembram de quando estávamos no caralho da ditadura, lembrem-se! Não vão conseguir tão fácil. Para eles também não vai ser simples, porque apesar do orçamento, da manipulação da mídia, tem uma coisa que está presente: eles não têm razão, no fundo não têm razão, pelo enorme egoísmo que contém este conjunto de escolhas. E nossa luta tem razão, apesar dos erros, dos sonhos, das utopias, e das bobagens que fazemos, porque não podemos deixar pelo caminho as limitações da nossa condição humana.

    O que tem de maior valia em nós não é nem nosso talento, nem o grau de verdade, senão a razão histórica, por razões da generosidade de acreditar que o homem tem capacidade de criar, apesar de todos os pesares, um mundo melhor.

    A nossa visão não é genocida do homem, pois não acreditamos que o homem pode ser o lobo do homem. O homem pode ser a expressão da solidariedade, no conjunto da humanidade. O homem é o fator criador de civilização. Reconhecemos essa quota de egoísmo que todos levamos, mas nossa luta é por aprender a dominar esse egoísmo que levamos para conseguir criar uma civilização melhor do que a nossa. Este é nosso senso: nunca vamos tocar o céu com as mãos e ter um mundo perfeito… Vamos subir escadas civilizatórias numa humanidade melhor. Não somos deuses, temos que administrar nossas contradições e aprender a direcioná-las, porque precisamos de civilização e da sociedade. Isto é o que eles não têm, porque estão fechados num egoísmo desesperado para justificar e aumentar a riqueza, é bom que percebamos isto, porque não é que sejamos bons, mas porque bom é o caminho que escolhemos para viver sem atrapalhar aos outros.

    Obrigado.

    Montevidéu, 31 de agosto de 2016