“URSAL” – Loucos? Pero no mucho…

por Fernando Horta especial para os Jornalistas Livres

Vladimir Ilitch Ulianov (Lênin), em agosto de 1915, numa revista russa chamada Sotsial-Demokrat, argumentava pela criação dos “Estados Unidos da Europa”. Lênin afirmava que a Europa NECESSARIAMENTE precisaria se unir para sobreviver. Seja em torno de um projeto capitalista, para manter a competição capitalista em mínima igualdade com os EUA, seja em torno do projeto socialista/comunista, a única solução para a Europa, de acordo com Lênin, seria a unificação. Não deixa de ser interessante que, dois anos antes da Revolução de Outubro, o principal pensador socialista do século XX, e também o principal líder revolucionário, tenha dado não apenas o caminho, mas as razões pelas quais a Europa viria a se unir em 1993 pelo Tratado de Maastricht.

Mapa da União Europeia

Os projetos de unificação dos espaços geográficos, geralmente passando por cima dos “nacionalismos”, apesar de terem sido uma política internacional de diversos partidos comunistas, não se restringe somente a eles. Desde o século XIX, unificações e uniões dinásticas aumentavam os territórios e acumulavam suas capacidades econômicas para fortalecer as burguesias e o capitalismo. O primeiro exemplo é de Napoleão Bonaparte e toda a reorganização do mapa Europeu com a criação da Confederação do Reno e do Reino da Itália. Não fosse pela oposição britânica e pela fuga de D. João VI para o Brasil, o imperador francês teria unificado também (e de novo) a península ibérica.

Em 1815, no Congresso de Viena, desfazem-se as unificações de Napoleão, apenas para se criarem outras, como os “Países Baixos”, o “Reino da Baviera” ou o “Reino das Duas Sicílias”. Mais adiante, no final do século XIX, as unificações de Alemanha e Itália, promovem outras formas de associações de estados pequenos em unidades maiores, frequentemente desconsiderando todas as diferenças culturais, étnicas e políticas com o objetivo de criar estados que pudessem resistir às investidas econômicas e militares de outros. No final da primeira guerra e, também da segunda, a mesma ideia foi colocada em prática pelos vencedores criando-se, por exemplo, a Tchecoslováquia e a Iugoslávia.

Na América, a própria independência dos EUA é um caso de união de unidades administrativas menores em um corpo político maior, cujo objetivo era – ainda que passando por cima de diferenças culturais – fortalecerem-se frente ao imperialismo inglês. Simon Bolívar vai criar a “República de la Gran Colômbia” entre 1819 e 1830, unindo Equador, Colômbia e Venezuela e não escondia o desejo de criar na América “a maior nação do mundo” com o nome “Colômbia”, que reuniria todas as antigas colônias espanholas.

Cena do filme Libertador, que narra a história de Simón Bolivar, libertador das americas

No último debate presidencial, a pergunta de um candidato de direita sobre o “plano para criar a URSAL” está movimentando as redes. Segundo o candidato, haveria um planejamento “pela esquerda” da criação da “União das Repúblicas Socialistas da América Latina” e contra tal plano, o candidato asseverou fortemente que seria contra. Afinal, o que é a “URSAL” e contra o quê efetivamente o candidato se insurgia?

O termo “URSAL” surge entre 2007 e 2008, em postagens de um conhecido colunista de direita de uma revista brasileira para expressar o desespero que este conservador sentia diante da vitória eleitoral de tantos candidatos de esquerda. Álvaro Colom, na Guatemala, Daniel Ortega na Nicarágua, Oscar Árias na Costa Rica, Hugo Chavez na Venezuela, Mauricio Funes em El Salvador, Rafael Correa no Equador, Evo Morales na Bolívia, Michelle Bachelet no Chile, Fernando Lugo no Paraguai, Tabaré Vázquez no Uruguai, Cristina Kirchner na Argentina se juntavam a Lula no Brasil e Raúl Castro em Cuba. Ao invés dos conservadores perceberem este movimento como a negação clara e objetiva do fracassado projeto neoliberal dos anos 90, eles preferiram criar uma teoria da conspiração em âmbito mundial. Aproveitando-se do que foi a guerra de propaganda que os EUA impuseram no mundo a partir dos anos 60, a histeria comunista foi resgatada por uma geração que foi educada sobre esta sombra.

Não poderia ser o neoliberalismo e seus efeitos a causa da vitória da esquerda. Afinal, na cabeça destes conservadores, os dados objetivos do aumento da fome, da miséria, das dívidas com fundos internacionais e a destruição dos empregos junto com o rebaixamento de países à condição de meros fornecedores de matérias-primas não foram resultado das terríveis políticas neoliberais implementadas. A partir de 2008, após a grande crise do capitalismo mundial, era preciso limpar a história do neoliberalismo. Dizer que tudo o que o Brasil e a América Latina tinha experimentado, nos penosos anos 90, eram fruto de desgovernos e “populismo”, mas não de planos e objetivos equivocados e, entre eles, o neoliberalismo.

Ali começava um trabalho de reescritura do passado, cujo objetivo era não permitir que a crise de 2008 desse ainda maior espaço para as críticas da esquerda a respeito do capitalismo. Narrativas de conspiração foram criadas, e entre elas, o pânico da integração Latino-Americana ganhava as páginas de revistas conservadoras. A criação da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), criada em 2004 e com tratado de comércio em 2006 e a UNASUL, criada em 2008 precisavam ser atacadas. Não pelas iniciativas de cooperação e diminuição de tarifas e barreiras entre os países do sul e, no caso da ALBA, do Caribe, mas pelo risco que este bloco trazia aos interesses capitalistas.

Do ponto de vista de um colunista conservador, semi-informado, lunático e, provavelmente, sem seus medicamentos neurolépticos, todo este movimento não poderia ser explicado pela negação do povo aos efeitos maravilhosos do capitalismo (entre eles a fome, a miséria, desemprego, inflação, dívida e etc.). Era preciso que se instilasse o medo. Era preciso criar o mesmo gatilho que os pais e avós desta geração vivenciaram. O comunista “comedor de criancinha”, aquele que viria tomar a sua casa e o carro (no caso hoje, o seu Iphone e computador), aquele barbudo fumador de ervas extravagantes que não tinha nenhum apreço pelos valores do ocidente como “democracia”, “liberdade” ou mesmo o salutar banho.

 

Capa do Dossiê Ursal, que “denunciava” a criação da URSAL, ainda em 2007

Entre 2007 e 2008, o acrônimo “URSAL” surge ligado a sites de militares (como o “brasilacimadetudo.com”) ou a grupos conservadores (como a midiasemmascara.org) como uma ferramenta para compreender a guinada à esquerda de toda a América Latina. O termo ganha até uma página falsa, feita por conservadores, para parecer real (http://www.socialismobrasil.xpg.com.br/URSAL.html) com direito a banner com letras russas e foto de Karl Marx, Lenin e Che Guevara. O devaneio conta também com a ajuda do presidente Lula que, numa das reuniões do Foro de São Paulo, após a morte de Chavez, afirma que as eleições de progressistas na América Latina “não poderiam ter acontecido sem o Foro de São Paulo”. Pronto! Não apenas os nossos Sherlock Holmes tinham desvendado o mistério, mas tinham agora um vídeo do Professor Moriarty confessando tudo. A URSAL era o plano diabólico final da união entre a ALBA e a UNASUL, trazendo o comunismo soviético de volta e deixando os “homens de bem” em desespero. Era preciso, na visão sem haloperidol, destes colunistas, “acordar a classe média”. Era preciso salvar a família, o capitalismo e a “liberdade”.

 

O governo Lula sequer foi o primeiro governo a olhar para o Sul com uma visão mais agregadora e cooperativa. Jânio Quadros e João Goulart já haviam feito isto com a PEI (Política Externa Independente). A bem da verdade, até a política externa do ditador militar Ernesto Geisel foi mais voltada para o Sul do que o desastre neoliberal de Fernando Henrique. A subserviência de Luiz Felipe Lampreia e Celso Lafer entraram para a história das Relações Internacionais do Brasil e eram um modelo (a não ser seguido) até os desastres maiores de José Serra e Aloysio Nunes no comando do Itamaraty.

Por um lado, a URSAL é um delírio de conservadores brasileiros a explicarem porque o povo de toda a América Latina votou massivamente em projetos progressistas de esquerda a partir do fracasso das políticas neoliberais. Por outro lado, a URSAL é a comprovação da incapacidade da equipe do presidenciável que fez a pergunta de, pelo menos, buscar um tipo de ajuda profissional psiquiátrica ou psicológica ANTES de assumirem a responsabilidade do trabalho de assessorar um candidato. Contudo, há também um outro lado nesta história … A URSAL, afinal, nos parece uma grande ideia … Uma ideia de união dos povos que remonta a Lênin e Bolívar. Uma ideia contra a qual o capital internacional desesperadamente gasta milhões para convencer jovens pobres, esfomeados, sem emprego e perspectiva que eles não devem buscar uma mudança política, pois esta mudança lhes resultará num mundo sem, comida, emprego e perspectiva.

Pois é preciso que digamos: bem-vinda a ideia da URSAL! Que possamos nos unir e nos tornar mais fortes, afirmando nossas peculiaridades e nossa crença que um futuro mais igual, social e economicamente, é possível. Como disse o maior dos comedores de criancinha, na grande “bíblia vermelha” (O Manifesto Comunista): “Os proletários não têm nada a perder, a não ser e talvez, suas próprias correntes. E tem o mundo a ganhar.”

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