por João Fellet – Da BBC News Brasil em São Paulo.
À medida que o novo coronavírus se alastra pelo Brasil, crescem os temores de que comunidades indígenas sejam dizimadas pela covid-19, a doença causada pelo patógeno.
Doenças respiratórias já são a principal causa de morte entre as populações nativas brasileiras, o que torna a pandemia atual especialmente perigosa para esses grupos.
Há ainda preocupações quanto ao desabastecimento de muitas comunidades indígenas que compram alimentos em cidades e dependem de programas sociais como o Bolsa Família, mas estão sendo orientadas a evitar os deslocamentos para impedir o contágio.
Apesar da gravidade do cenário, associações indígenas e entidades que os apoiam afirmam que órgãos federais não têm adotado providências para proteger as comunidades – e que há falta de materiais básicos, como máscaras, para lidar com eventuais casos nas aldeias.
“Há um risco incrível de o vírus se alastrar pelas comunidades e provocar um genocídio”, diz a médica sanitarista Sofia Mendonça, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Dra. Sofia Mendonça, em pesquisa ação, na aldeia Moygo, no Médio Xingu.
Mendonça é a atual coordenadora do Projeto Xingu da Unifesp, pelo qual a universidade atua na promoção da saúde de povos indígenas da bacia do rio Xingu (no Mato Grosso e no Pará) há meio século.
Ela afirma que o novo coronavírus pode ter para povos indígenas brasileiros impacto comparável ao de grandes epidemias do passado, como as causadas pelo sarampo.
“Todos adoecem, e você perde todos os velhos, sua sabedoria e organização social. Fica um buraco nas aldeias”, afirma.
Mendonça diz, por outro lado, que a memória de epidemias passadas pode estimular comunidades que vivem em territórios extensos a se dividir em grupos menores e buscar refúgio no interior da mata.
“Provavelmente alguns vão se munir de materiais que precisam para caçar e pescar e vão fazer acampamentos, esperando lá até a poeira baixar”, afirma.
Mendonça diz que métodos usados em áreas urbanas para reduzir o contágio – como higienizar as mãos com álcool gel – são impráticaveis em muitas aldeias. Por isso ela defende concentrar os esforços em impedir que o vírus chegue às comunidades e isolar eventuais infectados.
Mendonça, assim como várias organizações indígenas brasileiras, tem difundido mensagens no WhatsApp e por rádio orientando as comunidades a suspender as idas às cidades e impedir a entrada de visitantes.
Nas últimas semanas, vários grupos cancelaram reuniões e rituais abertos a turistas. O Acampamento Terra Livre – principal evento do movimento indígena brasileiro, que ocorre em Brasília a cada mês de abril – foi suspenso.
Mesmo assim, Mendonça diz que há chances consideráveis de que o vírus chegue às aldeias – e que será preciso isolar os doentes antes que eles infectem os parentes.
Segundo ela, os modos de vida de vários povos indígenas – que incluem compartilhar utensílios como cuias e morar em habitações com muitas pessoas – tendem a ampliar o poder de contágio de doenças infecciosas.
Em 2018, segundo o Ministério da Saúde, doenças infecciosas e parasitárias – tipos de enfermidades considerados evitáveis – foram responsáveis por 7,2% das mortes ocorridas entre indígenas, ante uma média nacional de 4,5%.
Entre crianças indígenas com menos de um ano, doenças respiratórias foram responsáveis por 22,6% das mortes registradas em 2019, índice só inferior ao de mortes causadas por problemas no período perinatal (24,5%).
Reclusão
Mendonça tem orientado as comunidades a adotar práticas de reclusão – normalmente usadas em ritos de passagem – para isolar as pessoas com sintomas da doença.
Nesses rituais, diz a médica, várias comunidades costumam usar barreiras físicas, como paredes de palha, para que o recluso não tenha contato com os demais membros do grupo.
Mendonça afirma que também é preciso agir para impedir que o vírus chegue a grupos que vivem em isolamento voluntário. Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), há 107 registros de grupos indígenas não contatados na Amazônia brasileira.
Muitos territórios habitados por esses grupos são alvo de madeireiros, garimpeiros, caçadores e missionários, que podem levar o vírus até as comunidades.
Mendonça diz que a Funai deveria reativar bases encarregadas de proteger essas áreas que foram fechadas nos últimos anos em meio à redução do orçamento do órgão.
Ela defende ainda que indígenas que estejam nas cidades e apresentem sintomas associados à covid-19 sejam submetidos a exames. Se não houver confirmação da doença, deveriam voltar rapidamente à aldeia, reduzindo as chances de contágio na cidade.
Por ora, no entanto, a Secretaria Especial de Saúde Indígena não dispõe de testes para detectar a covid-19, segundo profissionais de saúde entrevistados pela BBC News Brasil na condição de anonimato.
Uma servidora que atua em Mato Grosso diz que também faltam máscaras e outros itens básicos proteção para lidar com eventuais casos nas aldeias.
Ela afirma que procedimentos médicos não urgentes entre indígenas foram suspensos, e que só pacientes em estado grave estão sendo enviados a hospitais, para reduzir os riscos de contágio. Os demais casos estão sendo tratados nas aldeias.
Diante da falta de recursos e ações governamentais para enfrentar a pandemia, ela afirma que servidores estão se organizando por conta própria, arrecadando entre conhecidos itens de limpeza e alimentos para enviar às comunidades.
CERIMÔNIA YANOMAMI EM RORAIMA, EM 2015. POVOS TRANSFRONTEIRIÇOS SEGUEM AMEAÇADOS
Uma história sobre municipalização de verbas, jatinhos em Roraima, inquérito da PF e Romero Jucá
Onze indígenas reuniram-se na quinta-feira 9 com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para reclamar de mortes ocorridas na comunidade deles, em Roraima, por falta de atendimento médico. Houve choro na sala. Não de Mandetta, deputado conservador que praticou seu esporte favorito no momento: condenar o gasto público com a saúde dos povos tradicionais.
O sonho do ministro é fechar a Secretaria de Saúde Indígena, criada em 2010. Ele diz que há muita corrupção na chamada Sesai, dona de 1,3 bilhão de reais por ano. De fato, fraude parece não faltar ali. Uma história que põe em risco a vida de indígenas. Resvala perigosamente na escolhida por Mandetta para comandar a Sesai. E tem lugar de honra para o presidente do MDB, Romero Jucá.
A Polícia Federal (PF) requereu à Sesai nos últimos dias cópias de 15 contratos. Abriu inquérito após receber uma denúncia de desvio de verbas. Uma das citadas pelo denunciante como participante de falcatruas é Verbena Lúcia Melo Gonçalves. Funcionária pública licenciada, Verbena foi chefe de gabinete da secretaria de 2011 a 2016. E voltará a ser, se depender da nova secretária, Silvia Nobre Waiãpi.
BOLSONARO ANUNCIA SEU MINISTRO DA SAÚDE, LUIZ HENRIQUE MANDETTA (FOTO: DIVULGAÇÃO
Empossada em 24 de abril, Silvia mandou o nome de Verbena à Casa Civil da Presidência, para análise. No inquérito em curso, a PF talvez comprove algo dito por quem conhece a Sesai por dentro. Verbena teria sido capturada no passado por interesses escusos. E teria se aproximado de Silvia para dar-lhe apoio político em troca de que tudo fique como está.
Em 3 de maio, Verbena foi com Silvia ao Pará visitar uma unidade de saúde para indígenas. Viajou sem ter sido nomeada e, segundo o ministério da Saúde, teve as despesas pagas por uma entidade privada, o Instituto Espinhaço. Ali, Silvia cobrou os indígenas por problemas de gestão e financeiros. Ouviu que o governo em Brasília tinha culpa também. Verbena foi apontada com o dedo pelo acusador.
Durante a viagem, Silvia autorizou, à distância, pagar 4,9 milhões a uma empresa que tinha cobrado a Sesai por transporte aéreo. Em regiões isoladas como a Amazônia, não é raro um paciente ser levado de avião e helicóptero. A cobrança partiu da Voare Táxi Aéreo, por um trabalho no distrito sanitário dos Yanomami, na divisa de Roraima com o Amazonas.
O contrato da Voare com a Sesai estava vencido, mas a empresa diz ter trabalhado de 10 de janeiro a 31 de março de 2019, razão da fatura enviada à administração do distrito, que por sua vez teve de prestar contas a Brasília. No ministério, o diretor do Departamento de Gestão da Saúde Indígena, Marcelo Alves Miranda, era contra pagar. Botou isso em um ofício enviado a Silvia em 26 de abril.
Silvia reconheceu os problemas, como o valor da hora de vôo cobrada pela Voare, de 2 mil reais —na vigência do contrato, custava 1,8 mil. Em nota a CartaCapital, o ministério diz haver um parecer de 16 de abril da Advocacia Geral da União (AGU) que respaldou o pagamento autorizado por Silvia.
Uma esquadrilha de suspeitas
A Voare é citada em outra denúncia de irregularidades no distrito sanitário Yanomami, que possui administração local e reporta-se à Sesai em Brasília. Um dos citados é o ex-senador Romero Jucá, ex-chefe da Funai nos anos 80 que sabe muito dos intestinos federais na área indígena. Essa queixa, feita em 8 de outubro do ano passado ao Tribunal de Contas da União, levou o tribunal a ordenar, no mês seguinte, uma auditoria em contratos de transporte aéreo da Sesai. O material foi enviado à PF e ao Ministério Público.
Segundo o denunciante, cujo nome é mantido em segredo, o distrito contrata transporte aéreo sem licitação e aeronaves em mau estado. Põe os aviões a serviço de garimpos, para levar trabalhadores e mantimentos. E trata os garimpeiros nos locais de saúde indígenas, um risco à vida dos nativos, sem imunidade para enfrentar doenças trazida pelos “brancos”. Também pagou por um helicóptero sem necessidade (em áreas não isoladas, o avião resolve).
Tudo foi feito, diz a denúncia, com o conhecimento e a benção do diretor do distrito sanitário Yanomami, Rousicler Jesus de Oliveira, que tinha casa com poço de água cavado enquanto falta água para indígenas. Em Brasília, comenta-se que Rousicler é um apadrinhado de Jucá. Mas o ex-senador, via assessoria de imprensa, nega tê-lo indicado.
É a repetição, segundo o denunciante, de um velho esquema com transporte aéreo em saúde indígena descoberto em Roraima e que terminou a prisões durante a Operação Metástase, em 2007. Na época não havia Sesai: a saúde indígena era obrigação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O chefe da Funasa em Roraima era um indicado de Jucá, Ramiro Teixeira e Silva. Foi um dos 32 presos.
Um exemplo de irregularidade mencionada na denúncia ao TCU é de 14 de agosto de 2018. Como publicado no Diário Oficial da União, Oliveira autorizou contratar sem licitação a Icarai Turismo Táxi Aéreo. Motivo: necessidade emergencial no distrito sanitário Yanomami. Valor a ser pago à empresa: 6,3 milhões de reais.
A Icaraí tem sede em Araucária, cidade do Paraná. Foi aberta em 1992. No papel, seus sócios e administradores são Rodrigo Martins Mello e Paulo Brittes Martins. Fora do papel, pertenceria aos empresários Hissam Hussein Dehaini e Rihad Hissam Dehaini, segundo a denúncia ao TCU. Hissam foi um dos presos na Operação Metástase, há 12 anos.
Uma das origens daquela operação foi uma investigação sobre o envolvimento de Hissam com tráfico de drogas. Em 2000, o empresário foi preso durante uma diligência em Araucária feita pela CPI do Narcotráfico que acontecia no Congresso. Será que o transporte aéreo que deveria ser usado para tratar indígenas doentes se presta a levar drogas?
A Icaraí, sediada no Paraná, tem algo em comum com aquela empresa que Silvia Nobre mandou pagar recentemente, a Voare, sediada em Boa Vista, a capital de Roraima. As duas empresas atualizaram pela última vez seus dados cadastrais perante a Receita Federal no mesmo dia: 3 de novembro de 2005.
É a mesma data da última atualização feita por outra empresa de táxi aéreo, a Seta Norte. Esta empresa é do Amazonas, onde há uma parte territorial do distrito sanitário Yanomami. Pertence a Milton Carlos Veloso, um piloto. Veloso foi funcionário de Jucá no Senado e no escritório político do emedebista em Roraima. Costumava pilotar aviões usados pelo ex-senador.
Segundo uma notícia de 2012, Veloso e Jucá aproximaram-se em 2006. Ano posterior aos últimos arranjos cadastrais de Icaraí, Voare e Seta Norte. E anterior ao estouro da Operação Metástase. Não surpreende que, em Roraima e em Brasília, muita gente diga que o verdadeiro dono dessas empresas seria Jucá, ocultado por laranjas. “O ex-senador não tem empresa. Somente agora tem uma consultoria, após o término do mandato”, diz a assessoria de imprensa do emedebista.
Em maio de 2016, Neudo Campos, ex-governador de Roraima, entregou-se à polícia, para cumprir pena por corrupção no escândalo conhecido como “gafanhotos”, e declarou que Jucá era dono de um jato de uma outra empresa de táxi aéreo, a Rico. “Ele é tão vaidoso que até o prefixo do avião é PRJ. Esse jatinho está alugado para a Rico Táxi Aéreo, que aluga eventualmente lá para o governo do estado do Amazonas. Tem jato, tá riquíssimo, Romero Jucá é a maior fortuna do estado de Roraima. E ganhou isso de onde? Do erário público. E nas vistas de todo mundo.”
No papel, a Rico tem como sócios administradores os irmãos Átila e Metin Yurtsever. A exemplo de Icaraí, Seta Norte e Voare, foi em 2005 que atualizou pela última vez seus dados informados à Receita Federal, em 7 de maio.
A Voare tinha outro nome até 2017: Paramazonia. Mudou após uma sequência de notícias ruins. Um avião seu caiu e causou quatro mortes (piloto e três fiscais do Ibama). Um outro caiu em terra Yanomami com o piloto e um técnico em enfermagem. Ambos sobreviveram, mas um helicóptero da empresa foi resgatá-los e deixou cair no rio um deles, que desapareceu. O piloto do helicóptero era diretor da empresa e foi condenado logo em seguida por fraudes em contratos públicos.
Saúde indígena em risco
A grana embolsada pelas empresas de táxi aéreo com serviços aos indígenas engordou desde a criação da Secretaria de Saúde Indígena, em 2010. A verba da Sesai saiu de 360 milhões em 2011 para 1,3 bilhão em 2019. Os dois maiores aumentos de um ano para o outro se deram justamente quando Jucá foi o relator do orçamento. Em 2013 (245 milhões a mais) e 2015 (300 milhões).
O ministro da Saúde acha que é dinheiro de mais e põe na mesa as suspeitas de corrupção como argumento. Para ele, os recursos deveriam ser dados às prefeituras, para elas tratarem dos indígenas. Mandetta propôs publicamente a municipalização em março, mas foi pressionado por movimentos indígenas e, por ora recuou.
“O governo fala que existe corrupção, mas nós também queremos saber se tem“
Movimentos e especialistas não querem ouvir falar em municipalização. E nem no fim de um sistema de de saúde próprio para os indígenas. “A cidade é o lugar onde a gente sofre mais discriminação. Nossos povos são sempre os últimos nas filas [do SUS], diz Valéria Paye Pereira, uma das coordenadoras das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
“O governo fala que existe corrupção, mas nós também queremos saber se tem. A gente não está contente com a saúde indígena, na minha região há mais de um ano não tem profissional de saúde”, completa. Kaxuyana, a região dela, fica entre Amazonas e Pará.
A população indígena tem hoje cerca de 770 mil indivíduos, distribuídos por 5,3 mil aldeias e que falam umas 270 línguas. Talvez fossem mais, não houvesse tido 8,3 mil mortes entre eles por perseguição na ditadura, segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Há três razões básicas para manter um sistema específico para os indígenas, diz o médico Douglas Rodrigues, professor da Unifesp, pioneira em curso de especialização em saúde indígena. Uma é a territorialidade. Os povos tradicionais não se organizam com a mesma geografia das cidades. Há parte de uma aldeia ou reserva num município, parte em outro. O Parque do Xingu, por exemplo, espalha-se por nove cidades do Mato Grosso.
o médico Douglas Rodrigues, professor da Unifesp, em atendimento na aldeia Samaúma, na Terra Indígena do Xingu.
Outra razão é que os indígenas têm estruturas medicinais próprias, com raízes, plantas, pajelança. A medicina convencional, via SUS, não pode ser aplicada a eles como a pacientes “brancos”. “Tem de oferecer serviços que sejam complementares e adequados ao sistema deles”, afirma Rodrigues.
Por fim, é preciso levar em conta as diferenças entre indígenas e brancos. Entre os primeiros, a mortalidade infantil, por exemplo, é maior — morre-se muito por diarreia, em virtude de uma questão de hábitos tradicionais, por falta de saneamento.
No Xingu, área acompanhada mais de perto por Rodrigues, cresceu o número de casos de obesidade e de diabetes, graças a mudanças de hábitos alimentares trazidas pelo contato maior com os “brancos”. “Eles não têm a mesma informação, acham que ser gordo é bom.”
O ministro Mandetta acha que tirar dinheiro da saúde indígena também é bom.
Vieram em dez naus e três caravelas, trazendo 1500 pessoas. Invadiu-se a terra dizendo que era descoberta, coisa sem dono. Colonizaram povos diversos.
Tantos séculos decorridos e anunciam desejos de nova expansão sobre as etnias.
Caminhada dos povos indígenas durante o 14º Acampamento Terra Livre, em 2017.
O presidente chama de farra o enorme empenho dos indígenas a se reunirem na capital, todos os anos, em abril. O Acampamento Terra Livre, após quinze edições, é chamado de encontrão de índios, por Bolsonaro. Diz que é público o dinheiro e suor para organizar tal mobilização.
Nem sei se pensa o ex-capitão. Desaforo não é pensamento, é acinte.
Quer ser marujo ou bandeirante a conquistar novas terras?
Querem também cancelar a Conferência Nacional de Saúde Indígena, esvaziar o mês de maio de toda palavra, canto ou conversa sobre a saúde do índio.
O que teme o poder? O debate, a vida?
A terra em transe, o santo guerreiro, o dragão da maldade.
Na última quinta-feira (28), o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, após reunião com lideranças indígenas, disse que vai manter a Sesai – Secretaria Especial de Saúde Indígena. Logo depois de assumir, Mandetta havia apresentado projeto que extinguia a Sesai, municipalizando a Saúde Indígena
A Sesai administra os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas, responsáveis pelo atendimento específico da saúde indígena, considerando os recortes culturais e religiosos dos povos indígenas e suas especificidades. Nos dias 27 e 28 deste mês, milhares de indígenas realizaram atos em todo o Brasil, em defesa da manutenção da Sesai e contra a municipalização da saúde indígena.
“A luta é para que a Sesai não fique embutida na Secretaria Nacional de Atenção Básica. Os indígenas devem ficar em estado de alerta, mobilizados. A qualquer momento, voltamos às ocupações, porque como não tem nada escrito, não dá pra confiar que o ministro vai cumprir com a palavra dele. O povo [governo] não tem nenhum temor de voltar atrás no que diz”, disse Sonia Guajajara, ex candidata a presidência da república (na chapa com Guilherme Boulos, do MTST) em 2018 e coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB.
Após a reunião, Sônia Guajajara falou, ao lado de Cacique Raoni e Megaron e outras lideranças. Veja o vídeo:
CARTA PARA O PREFEITO BRUNO COVAS ENVIADA PELOS GUARANIS DA TERRA INDÍGENA DO JARAGUÁ
Nós, Guaranis da Terra Indígena do Jaraguá, localizada na zona Oeste de São Paulo, viemos, hoje, 27/03/2019, até a Prefeitura de São Paulo, com 300 pessoas da aldeia, crianças, mulheres, jovens e idosos, com o intuito de denunciar a municipalização da Saúde Indígena.
Em 2010 os povos Indígenas de todo o país através de conferência, consultas aos Caciques líderes de todo o território nacional elaboraram o projeto da criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI.
Com a implementação da SESAI o atendimento nas aldeias passaram a ter um atendimento diferenciado e respeitoso com os indígenas, com sua cultura, língua e toda especifidade dos povos originários.
O Governo Federal representado pelo Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, na tentativa de sucatear e boicotar a saúde indígena com a intenção do extermínio dos povos indígenas, apresentou durante 313 reunião ordinária do Conselho Nacional de Saúde Indígena – CNS, realizada em 31 de janeiro e dia 1 de fevereiro ao Fórum dos Presidentes de Condises a proposta de municipalização da saúde indígena e usa como argumento o atendimento do município de São Paulo à Terra Indígena Jaraguá, alegando que a municipalização na Terra Indígena funciona e serviria de modelo para todos os outros povos.
Nós da terra indígena Jaraguá, viemos por meio desta, manifestar que o Município de São Paulo jamais respeitou nossos direitos garantidos na Constituição Brasileira, não respeita a Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, conhecida como lei Arouca e não respeita a Convenção 169 da OIT que nos garante a consulta prévia de qualquer ação que venha a impactar o nosso dia-a-dia na comunidade. O Estado tem a obrigação de nos consultar sobre qualquer questão que verse sobre nossa comunidade. O município de São Paulo nunca dialogou com nossa comunidade sobre as licitações que envolvem contratações dos servidores que trabalham dentro de nossa comunidade. O contrato feito na área de saúde que atende a Terra Indígena Jaraguá segue um padrão que não leva em consideração as especificidades dos povos indígenas, e de acordo com o artigo 19 E da Lei 8.080, os estados e municípios e outras instituições governamentais e não-governamentais poderão atuar complementarmente no custeio e na execução das ações. Porém, sendo responsabilidade do governo federal no organismo da Secretaria Especial de Secretaria Indígena – SESAI, a atenção primária às comunidades indígenas e as demais ações devem ser articuladas dentro do subsistema de atenção à saúde indígena.
Afirmamos que a municipalização é um retrocesso à anos de luta, retirando o direito do indígena de ser acompanhado de forma diferenciada, e que respeita o modo de vida de cada povo.
Temos registros de óbitos que casos que eram reversíveis, e por falta de conhecimento e respeito ao modo de vida da população indígena do Jaraguá, o munícipio não soube atuar de forma correta e vidas foram perdidas. Exigimos que o senhor Prefeito Bruno Covas se manifeste em relação à municipalização e reconheça que os municípios do Brasil não são abertos e preparados para atender de forma diferenciada os povos Indígenas.
Exigimos que:
1) que o Prefeito Bruno Covas reconheça e se manifeste de forma pública contrário a municipalização.
2) que o contrato da conveniada com a UBS Aldeia Jaraguá seja rediscutido com a comunidade, levando em consideração as reivindicações de forma de contratação dos funcionários.
3) que o modelo de contratação de segurança da UBS volte a ser 12/36,
4) que a UBS tenha funcionários também indígenas.
5) que o contrato da SPDM/PAIS seja transferido para SPDM – Saúde Indígena que atua com povos indígenas em várias regiões, inclusive, no Hospital São Paulo.
6) que os recursos para o financiamento da Saúde Indígena sejam transferidos do governo Federal e que a fiscalização e os processos decisórios tenham participação direta da comunidade indígena.