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Tag: Reforma da Previdência

  • Governo mete a reforma no saco

    Governo mete a reforma no saco

    Meu pai e minha mãe usavam muito a expressão “meter a viola no saco”. O sentido era de ficar calado, ficar sem resposta, em uma situação embaraçosa, constrangedora. Pois bem, o governo meteu a reforma da previdência no saco.

    Mas a mudança de assunto foi rápida demais, da reforma da previdência para a intervenção no Rio. É que com a popularidade do governo ilegítimo tendendo a zero, buscou-se encontrar uma saída marqueteira. Com a derrota na reforma da previdência prestes a se concretizar, o grupo do poder optou por desviar nossa atenção.

    Precisamos, então, voltar um dedinho para trás e entender a razão da derrota.

    Eles aprovaram, sem qualquer empecilho, o congelamento dos gastos por 20 anos. É provável que a ausência de maior resistência tenha se dado porque muitos ainda acreditam que o Estado é, de fato, muito grande. As críticas constantes à saúde, à educação e à assistência social ofuscam seu valor real: o Brasil seria muitas vezes mais injusto com seus filhos se não fossem oferecidos esses serviços. Eles têm problemas e precisam se muito melhorados, nunca rebaixados.

    A luta para barrar a “Pec da Morte”, o congelamento dos gastos, não teve sucesso. Muitos chamamos os congressistas ao seu bom senso diante da estupidez e da maldade contidas na emenda. Eles revelaram não possuir o tal bom senso e, de quebra, mostraram desprezar profundamente os mais pobres, principais vítimas do congelamento.

    “Beleza, vamos com tudo para inserir o Brasil de volta na agenda mega-neoliberal”, pensaram PMDB e PSDB mancomunados no assalto ao futuro dos brasileiros. “Vamos emplacar a reforma trabalhista.” E assim, mesmo com as inúmeras evidências, internacionais ou não, de que precarizar os direitos dos trabalhadores não soluciona o desemprego, muito ao contrário, investiram contra a CLT e achincalharam o trabalhador e seus direitos.

    Houve resistência. Fomos às ruas, explicamos dos mais diversos modos o retrocesso que a “modernização” representava. Mas, novamente, pareceu que o discurso oficial apoiado pelos meios de comunicação conseguiu convencer muita gente de que os golpistas estavam certos. Ao invés de lutarmos unidos para formalizar mais da metade dos trabalhadores sem direitos do país, parte de nós parece ter se omitido da luta contra a retirada direitos dos trabalhadores formais como se eles fossem os privilegiados. Nova derrota.

    Os avanços do governo golpista do PMDB e do PSDB pareciam cada vez mais inexoráveis, implacáveis. “Vamos perder também a Previdência”, avaliávamos todos os indignados, “mas não será por falta de empenho, por falta de luta”. Cada um a seu modo resolveu agir. E, dessa vez, tinha muito mais gente revoltada contra o discurso do governo e de seus apoiadores.

    Foram feitos vídeos, cartilhas, memes, cartoons aos montes. O governo reagia com propaganda paga à mídia tradicional. Tentaram de todas formas semear o medo na população, a ideia de que não tinha saída. Sempre tentam disseminar o medo e, não raras vezes, conseguem.

    Porém, dessa vez, fomos a muitas manifestações nas ruas. As fotos dos deputados e senadores que apoiavam mais esse retrocesso contra os trabalhadores foram divulgadas pela internet, divulgadas em cartazes nas cidades onde foram eleitos: #sevotarnãovolta. Piscaram, subimos o tom.

    No final das contas, a reforma da previdência foi atropelada pela ação do povo brasileiro. A vitória pode não ser definitiva, mas nenhuma vitória é definitiva na luta social. Merecemos, de qualquer modo, um sonoro “Viva Nóis”.

     

     

  • Contra a Reforma da Previdência, manifestantes ocupam as ruas de Campinas

    Por Victória Cócolo, fotos Ana Carolina Haddad

    Ana Carolina Haddad/Jornalistas Livres
    Manifestantes protestam contra a Reforma da Previdência em Campinas.  (Foto: Ana Carolina Haddad / Jornalistas Livres)

    Contra a reforma da previdência, manifestantes vão  às ruas de  Campinas (SP), nesta segunda-feira (19), dia de paralisação nacional. O ato, convocado por movimentos sociais e sindicais teve início no Largo do Rosário e percorreu toda a região central, até a Prefeitura, onde os participantes se dispersaram, por volta das 20h.

    Durante o percurso, a população campineira disse não a Reforma da Previdência, além de pedir por greve geral e criticar duramente o governo municipal de Jonas Donizette (PSB). Houve também, gritos de ordem pela saída de Michel Temer, e contra a intervenção militar no Rio de Janeiro.

    Os manifestantes foram informados, logo após o início da passeata, sobre a suspensão da tramitação de todas as propostas de emenda à constituição (PEC), entre elas a da Reforma da Previdência, mas decidiram continuar o ato.

    O evento levou um público diverso às ruas, dentre jovens, adultos e idosos. Entre as participações mais marcantes, os moradores da Ocupação Nelson Mandela, lembraram de pautas relacionadas ao direito à moradia.

    Segundo a CUT, compareceram aproximadamente 1 mil manifestantes no ato.

    Veja mais fotos da manifestação:

    (Foto: Victória Cócolo/Jornalistas Livres)
    (Foto: Ana Carolina Haddad / Jornalistas Livres)
    (Foto: Ana Carolina Haddad / Jornalistas Livres)
    (Foto: Ana Carolina Haddad / Jornalistas Livres)
    (Foto: Ana Carolina Haddad / Jornalistas Livres)
  • RESISTÊNCIA AO GOLPE

    RESISTÊNCIA AO GOLPE

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia*

    Resistência, temos aí aquele tipo de palavrinha bonita, que não tem como ter conotação negativa. A resistência é sempre bem-vinda, cercada de certo romantismo. É na resistência que nascem os heróis. “Estar na resistência” é sempre visto como algo positivo, seja a “resistência” comandada pela princesa Leia, a resistência francesa de De Gaulle, ou a resistência de Mandela e Malcom X.

    É sobre a tal resistência que escrevo, com interesse específico na resistência à brasileira em tempos de golpe. Temos aqui aquele tipo de assunto meio casca de banana, que faz muita gente boa escorregar.

    Os intelectuais progressistas costumam cometer dois erros graves sempre que falam sobre “resistência”. Os erros apontam para duas interpretações opostas do fenômeno que possuem a mesma origem: a colonização intelectual, o que na prática nada mais é do que a tentativa de interpretar a realidade brasileira com ideias que foram produzidas em função de outras realidades.

    Em síntese os erros são:

    1) Diante da ausência de resistência direta, alguns endossam a velha tese da apatia popular. O povo brasileiro seria passivo, indolente, preguiçoso e pouco dado ao ativismo político. Temos aqui um caso patológico de colonização intelectual, pois o modelo de “resistência” é dado pela história das sociedades europeias, pela organização da sociedade civil em partidos políticos, sindicatos, pela ação direta do “povo” nas ruas, pressionando o poder público.

    Como o povo não atende ao chamado, a tese da apatia popular surge quase como a consequência lógica de uma expectativa frustrada. Ah, as expectativas, sempre inimigas da análise.

    2) Do outro lado, estão aqueles que negando a tese da apatia popular acabam idealizando as ruas, estando sempre à espera da ‘acontecença’ da revolução. Qualquer movimentação popular nas ruas se torna a antecipação do futuro revolucionário, ainda que seja carnaval ou jogo do Flamengo. Também aqui há colonização intelectual, mas pelo caminho inverso: como o modelo de resistência popular ainda é o europeu, a tentativa, por vezes desesperada, é aplicá-lo ao Brasil, forçando a realidade a se enquadrar na categoria que já está dada.

    Pra escapar dos dois escorregões, meu objetivo aqui é pensar a resistência nos termos que me parecem adequados à experiência brasileira e pra isso lanço mão de uma categoria fundamental: “imaginário”.

    Vários estudiosos da sociedade já utilizaram o conceito imaginário nas suas reflexões. Entre todos esses usos, a definição proposta pelo filósofo grego Cornelius Castoriadis (1922-1997) é que mais me inspira no esforço de interpretar o Brasil contemporâneo. É claro que Castoriadis não estava estudando a realidade brasileira e por isso a reflexão que ele propõe serve como inspiração e não como um modelo rígido a ser aplicado no Brasil.

    Em resumo, Castoriadis define o imaginário como uma forma de pensar distribuída socialmente e formada por ideias que “já estão aí há muito tempo”. Essas ideias, por diversos motivos, “funcionaram e funcionam na sociedade”, ganharam adesão popular e passaram a configurar o pensamento das pessoas.

    Ao menos na minha avaliação, a resistência à brasileira nestes tempos de golpe está no plano do imaginário e vem se mostrando a única força capaz de retardar o desmonte do Estado brasileiro. Não é porque o povo não está nas ruas, participando dos atos que organizamos com todo amor e carinho, que ele está apático.

    E não, não adianta dizer que MTST, MST, CUT, UNE que estavam nas ruas defendendo Dilma e que estão nas ruas defendendo Lula, dão conta daquilo que é o “povo brasileiro”. São movimentos sociais organizados importantes, fundamentais para o nosso experimento democrático, mas possuem capacidade de mobilização bastante reduzida. Isso não é culpa dos dirigentes desses movimentos.

    Vivemos hoje, no Brasil e no mundo, tempos de desmobilização. As agendas coletivas não mobilizam mais. As pessoas olham umas para as outras e enxergam mais diferenças que semelhanças. Mas isso é assunto para outra reflexão.

    Retomando o fio…

    Fato, fato mesmo é que o “o povo brasileiro”, o povão mesmo, ainda não foi às ruas tomar partido nos conflitos que desde 2013 desestabilizam a cena política nacional. Nem os movimentos “coxinhas”, impulsionados pela mídia hegemônica e por movimentos sociais como o MBL, e nem os atos convocados pelos movimentos sociais tradicionais de esquerda foram capazes de mobilizar o “povão”, aquela camada da sociedade que vive com salário mínimo. Até aqui, nas ruas, o conflito foi travado entre frações da classe média.

    O povão, povão mesmo, até fez-se presente na cena dos conflitos, nas ruas, vendendo cerveja, bandeiras vermelhas e bandeiras do Brasil, dependendo da ocasião. De bobo, o povão não tem nada. E vejam que não se trata aqui de apatia. Essas pessoas estão ocupadas sobrevivendo, plantando no almoço pra colher na janta. Elas já apanham da polícia todos os dias. A galera não tá a fim de levar bala de borracha no lombo e gás de pimenta na cara.

    Mas isso não significa que o povão não esteja participando do jogo, pois o jogo não é jogado apenas nas ruas, na ação política direta. O jogo é jogado também no imaginário, e aqui o campo progressista está vencendo, vencendo de lavada, e não é uma vitória pouco importante. Dois fatores apontam para essa vitória.

    Fator 1 – A sobrevivência política de Lula.

    Lula é alvo da maior perseguição midiática da história do Brasil. Os ataques da mídia hegemônica às lideranças populares não é nenhuma novidade. Se nos debruçarmos sobre o Brasil moderno, de 1930 pra cá, veremos a artilharia da mídia hegemônica mirando em Getúlio, Jango, Arraes, Brizola, Dilma e no jovem Lula. Quem não lembra daquele fatídico debate manipulado pela Globo em 1989?

    Mas o que está acontecendo com Lula desde 2013 é de uma intensidade singular. Os operadores da grande mídia foram para o tudo ou nada e tomaram a destruição da figura pública de Lula como grande objetivo. Mas Lula não morreu e todas as pesquisas mostram que sua popularidade cresce a cada dia. Hoje, Lula partiria pra corrida eleitoral com 30% das intenções de voto, assim, sem campanha. É muita coisa.

    É que a manipulação midiática tem limites, meus amigos. Ao se tornar o alvo predileto do golpe de Estado levado a cabo pela aliança entre a mídia hegemônica e o judiciário, Lula tornou-se também o principal antagonista do golpe. E como o golpe é neoliberal, tendo como objetivo o desmonte do Estado, Lula encarnou a imagem do Estado provedor de direitos, que é o valor mais importante no imaginário político brasileiro.

    Desde os anos 1930 que o Estado brasileiro tem essa função: prover direitos sociais aos mais pobres, ainda que de forma autoritária, ainda que às custas dos direitos civis e dos direitos políticos. Intuitivamente, a população mais vulnerável entendeu que Michel Temer representa a desregulamentação, o ataque ao Estado e que Lula personifica a função social do Estado.

    Juntemos isto à memória recente de que na “Era Lula” a vida estava melhor e entenderemos a sobrevivência política de Lula, mesmo que muitos de seus potenciais eleitores não estejam plenamente convencidos de sua inocência. Tem muita gente que vota em Lula mesmo achando que ele seja corrupto.

    Fator 2 – A derrota do projeto da Reforma da Previdência.

    A Reforma da Previdência é projeto natimorto pela mesma razão que explica a sobrevivência de Lula. Os parlamentares estão com medo de colocar sua assinatura em um projeto que violenta aquele que é o princípio basilar do imaginário político brasileiro: a definição do Estado como agente provedor de direitos sociais.

    O povão pode até não tá montando as charmosas barricada nas ruas que tanto embalam os devaneios revolucionários da esquerda brasileira, mas ainda tem título de eleitor, ainda vota e, ao que parece, o golpe não ousou (ou não foi capaz) de alterar o calendário eleitoral.

    O que tentei fazer neste texto foi dizer algo simples, talvez até mesmo óbvio: a resistência popular já está acontecendo, mas não na receita das sociedades europeias. A resistência está acontecendo no plano do imaginário, nesse “já está aí há muito tempo”. A resistência é conservadora, no sentido mais básico do termo.

    É claro que o imaginário se transforma historicamente, não é fácil e não é rápido, mas se transforma. É isso que a mídia hegemônica, representando os interesses do neoliberalismo nacional e internacional, está tentando fazer.

    Cada vez que Gerson Camarotti tenta convencer os garçons brasileiros que a reforma trabalhista irá lhes permitir fazer “trabalho intermitente” em mais de um restaurante, é o imaginário quem está sendo atacado.

    Sempre que Fátima Bernardes traz no seu programa uma empreendedora negra que se “libertou da opressão do patrão” abrindo seu próprio negócio, é a imagem da cidadania se definindo pelo trabalho formal que está sendo atacada.

    Cada vez que, no Fantástico, Lima Duarte e Fernanda Montenegro são representados como símbolos da saúde laboral na terceira idade é a imagem da previdência social pública que está sendo atacada.

    Sim, meus amigos, o imaginário também se transforma e as forças motoras do golpe estão apostando todas as suas fichas nisso. Porém, as pesquisas sobre opinião pública sugerem que esse esforço não está sendo eficaz. É que tá tendo resistência. O povo brasileiro já está resistindo ao golpe, do seu jeito, nas suas possibilidades. Se a resistência está aquém da expectativa é porque problema está nas expectativas.

    (*) Com ilustração de Paulo Stocker
  • Macri descarregou seu ódio de classe contra a multidão mobilizada

    Macri descarregou seu ódio de classe contra a multidão mobilizada

    Via: La Izquierda Diário
    Tradução: Juliana Medeiros

    Dezenas de milhares se mobilizaram até o Congresso, horas antes de começar a sessão que trataria da contrareforma da previdência.

    Embora a CGT não tenha chamado para a mobilização, nesta segunda-feira uma multidão composta por dezenas de milhares de jovens trabalhadoras e trabalhadores, de aposentados e estudantes se mobilizaram e ocuparam os arredores do Congresso Nacional.

    Após uma ordem judicial, o ‘Governo de Cambiemos’ tomou a decisão de realizar uma operação repressiva diferente da última quinta-feira, quando o governo foi forçado a suspender a sessão em meio a uma brutal repressão da Gendarmeria Nacional.

    Segunda-feira, em uma segunda tentativa oficial para que os legisladores aprovassem a lei, Horacio Rodríguez Larreta ordenou uma operação apenas com a Polícia da Cidade, aquela à qual se somaria, em uma segunda etapa repressiva, a Polícia Federal. A Gendarmeria estaria impedida de intervir, embora, em um momento da tarde, fosse vista preparando-se para o caso de que fosse convocada.

    Havia também uma mudança na cerca. Ao contrário da quinta-feira, desta vez o Parlamento foi cercado com cercas de dois metros de altura que impediram a aproximação do prédio a menos de 200 ou mesmo a 300 metros. Um convite à raiva e indignação daqueles que queriam se aproximar do Congresso para repudiar o plano de ajuste de pensões de Macri.

    A sessão começaria às 14 horas. Poucos minutos antes, os manifestantes acompanhavam através de seus celulares o que estava acontecendo dentro do Parlamento. A garantia de que Cambiemos conseguiria quórum foi aquecendo o clima daqueles que haviam chegado à praça realmente indignados. A Polícia foi passando de uma atitude (estranhamente) passiva para outra que expressa o que eles realmente sabem fazer.

    Depois de duas horas sem avançar, finalmente, do Ministério de Segurança e Justiça de Buenos Aires, se baixou a ordem de descarregar a repressão. Balas de borracha, gases lacrimogêneos e cacetadas a quem lhes cruzava pela frente.

    Já iniciada a sessão, muitos deputados da oposição pediram que se suspendesse porque ao redor do Congresso se desencadeava uma dura repressão policial. As cercas em um momento foram inúteis e a Polícia começou a atacar a população mobilizada.

    Por volta da 15h, o presidente da Câmara, Emilio Monzó, propôs um quarto intervalo e chamou a seu gabinete os líderes de blocos para avaliar como continuar. Depois de se comunicar com a Casa Rosada, Monzó anunciou que a sessão deveria continuar e a lei deveria ser votada.

    Foi então quando Monzó disse, sem eufemismos, que havia “agressões na rua, mas os agentes estimavam controlá-las na próxima meia hora”. O que Monzó quis dizer com “controlá-las”?

    Como se tudo estivesse planejado, Monzó apenas disse isso e na praça se desencadeou uma caçada. As forças policiais (já somadas às patrulhas da Polícia Federal) voltaram a disparar novamente balas de borracha e gases. Perseguiram os manifestantes, os espancaram e levaram vários detidos.

     

     

    Havia carros de patrulha, motocicletas e até viaturas policiais que, como se tivessem recebido a mesma ordem, passaram por cima das pessoas em vários pontos da geografia central da cidade. Algumas das vítimas, de jovens a aposentados, tiveram de ser hospitalizadas com graves ferimentos.

    Havia feridos por atropelamento, por balas de borracha, pelos efeitos dos gases de pimenta e lacrimogêneos e pelas pauladas que antecediam a detenção.

    Pelo menos quatro manifestantes perderam um dos olhos: um trabalhador do Estaleiro Rio Santiago que se mobilizara desde a Ensenada junto com 700 companheiros, um militante da Frente das Organizações em Luta (FOL) e dois da Coordenação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP).

    Entre os feridos/detidos está ainda Carlos Artacho, operador de telefone, líder do PTS e membro (pela minoria) da comissão diretiva da Foetra Buenos Aires. Por horas a polícia o manteve preso sem atenção médica, apesar do fato de que seu rosto foi quebrado a pauladas.

    Havia muitas queixas sobre um modus operandi da Polícia: cada mulher ou homem que caía nas mãos dos efetivos recebia uma bateria de golpes e insultos do tipo “nós vamos matá-los” ou “você vai desaparecer”.

    Vários jornalistas foram atacados e outros foram detidos durante a cobertura dos eventos. De acordo com a agência Télam, foi relatada a detenção de trabalhadores da FM La Patriada e as feridas sofridas pelo jornalista Mauro Fulco do C5N, “alcançado pela repressão policial nas proximidades do Congresso”, bem como um jornalista da Crónica TV.

    Por sua vez, o sindicato Sipreba denunciou a agressão policial contra dois fotógrafos da Página12, Bernardino Ávila (ferido com um corte na testa) e Leandro Teysseire (ferido no rosto pelo impacto de uma bala de borracha).

    O governo montou um teatro. Na primeira cena das horas anteriores, a operação policial parecia estar muito mais relaxada do que o planejado pela ministra Bullrich, que enviou um exército de gendarmes no dia da sessão falida da última quinta-feira.

    Na segunda cena, se mostravam pessoas jogando pedras e a “polícia inofensiva que não conseguia agir”. Muitos líderes das organizações mobilizadas denunciaram a presença de infiltrados. O ex-deputado Claudio Lozano pôde verificá-lo em sua própria carne.

     

     

    O governo montou esse cenário de provocação para deslegitimar a mobilização maciça que expressava o ódio de um setor muito amplo da sociedade sobre essas medidas anti-trabalhadores.

    A imprensa oficial reproduziu o livreto de Cambiemos. Eles falaram o dia inteiro sobre a violência. Não a do governo e suas forças repressivas, mas de alguns manifestantes que, depois que homens uniformizados começaram a caçar, se defenderam jogando pedras.

    Um confronto assimétrico entre o Estado armado até os dentes e manifestantes que só tem para se defender galhos de limão e algumas pedras.

    Falam de manifestantes violentos mas, como disse a legisladora porteña do PTS-FIT, Myriam Bregman, em um programa do C5N, “Macri fala de violência quando ele e sua família durante a ditadura passaram a ter entre 7 e 47 empresas”.

    Aqueles que apoiaram o genocídio e hoje roubam 17 milhões de pessoas e suas já escassas rendas lançam através da mídia viciada, que também apoiou o genocídio – como o Grupo Clarín e o La Nación – campanhas macartistas contra manifestantes e a esquerda que defende os aposentados.

    A FIT levou mais de um milhão de votos nas últimas eleições e se mobilizou para impedir que esta lei fosse aprovada. Nicolás del Caño disse que apenas à ponta de pistolas se poderia aprová-la porque mais de 70% da população se opõe a isso.

    As leis anti-trabalhadores, medidas regressivas que procuram retroagir os direitos adquiridos que custaram ao movimento trabalhista décadas de luta para conquistá-las, são a base para entender por quê um setor dos manifestantes tentou impedir as leis colocando seu corpo. Arriscando sua vida.

  • Manifestações na Argentina e “isto aqui não é Brasil”: Qual a síntese possível?

    Manifestações na Argentina e “isto aqui não é Brasil”: Qual a síntese possível?

    Por Rosane Borges*, especial para os Jornalistas Livres

    Nas últimas semanas, um amigo argentino, que mora em Buenos Aires, Rodrigo Alvarez, me “achou” no Instagram. Imediatamente reiniciamos interlocução sobre literatura, política e cinema, temas que partilhamos mutuamente há pelo menos uma década. A intensificação dos colóquios coincidiu com a eclosão das manifestações contra as reformas trabalhista, fiscal e da Previdência, o chamado “pacote de ajustes”, proposto pelo governo de Mauricio Macri. O episódio, como era de se esperar, foi o tema principal das nossas conversas.

    Entre vídeos curtos e comentários enviados por Rodrigo, eu fiz menção à frase que teria sido enunciada pelos insurgentes: “Isto aqui não é o Brasil!” (expressão que me levou, machadianamente, a pensar com meus botões – a mim e à torcida do Flamengo, vide a enxurrada de posts e comentários nas redes sociais). Como é sempre fácil ser sábio no dia seguinte, comecei a desfiar um rosário de justificativas para o paralelo estabelecido: “é preciso lembrar que uma das tradições argentinas mais fundas é a máxima de que a rua manda na política”, falei entusiasmada. Continuei: “estamos examinando a expressão aqui no Brasil criticando grupos e pessoas que a reproduzem para atestar uma certa apatia nossa, o que não é verdade”, disparei mais à frente.

    Em meio ao rosário, Rodrigo, entre atônito e descrente, me interrompeu: “Mas, Rosa [como costuma me chamar], eu estava nas manifestações e em nenhum momento eu escutei frase desse gênero”. No que retruquei: mas a manifestação teve dimensão alargada, será que você não deixou escapar frações do levante pela sua incapacidade física de testemunhar todas as ações in loco”? Ele ponderou: “É possível, mas acho muito improvável. Acompanhei a cobertura da manifestação no Twitter e todas as palavras de ordem lá, no Twitter, tiveram reverberação” Provocativo, continuou: “acho estranho uma frase dessa chegar no Brasil e não ser captada por nenhum instrumento de comunicação local que deu visibilidade aos gestos e palavras das pessoas na rua”.

    A essa altura, a ponderação de Rodrigo me fez pensar (de novo, machadianamente!) mais do que a frase que aqui ressoou como palavra de ordem. Enquanto conversava com ele, abri diversas abas na Internet, até aonde o computador permitiu sem travar, à procura da ocorrência e nada encontrei como prova testemunhal.

    Um site, reconhecido por detectar fakenews, comentou: “Não encontramos nenhuma referência a essa frase nos jornais argentinos e tampouco nos jornais de outros países. Nem mesmo no Twitter essa frase aparece nas buscas em espanhol e, curiosamente, só aparece nas buscas em português!”

    “Isto aqui não é o Brasil”

    De fato, algo me inquietou na frase reputada aos manifestantes. Espalhando-se rapidamente nas redes sociais, tais como os incêndios florestais, ninguém parece saber de onde a informação adveio originalmente. Pareceu que a força das ruas em Buenos Aires tinha que ser traduzida livremente por parte da nossa imprensa como um recado para o Brasil. A pergunta que insiste, aparentemente ingênua, é: mas por que, do ponto de vista jornalístico, não perseguimos o poder das manifestações na Argentina (repito, que já se tornou uma tradição) ao invés de atribuir-lhes enunciado que serviriam de exemplo/lição para o nosso país?

    Ao invés de insistirmos na síntese “Isto aqui não é Brasil”, ganharíamos muito em perseguir o acontecimento na forma como se mostrou. O acontecimento é a própria lição. Carrega sentido próprio. A potência do acontecimento, bem ao modo do filósofo Gilles Deleuze, é a matéria-prima para a exploração jornalística. Insisto novamente: temos a História e os fatos cotidianos para estabelecer comparações, parâmetros, análises pontuais…

    Entender como a “rua manda na política” na Argentina poderia ser um portal de entrada para possíveis comparações com o estado da arte da política no Brasil. Fazer isso por meio de atalhos, carimbando uma manifestação com uma expressão que, pelo visto, não foi pronunciada, resulta em prejuízo informativo. Buscar compreender parcial e provisoriamente o fenômeno também não significa desconsiderar o poder das transformações sociais e políticas aqui no Brasil por meio das manifestações populares (exemplos temos vários), mas nos leva a pensar, por exemplo, como o clamor das ruas aqui nem sempre é ouvido pelos governantes com a rapidez que deveria.

    Reatualizar essa tradição (de que a rua manda na política) não corresponde afirmar que no país vizinho está tudo tranquilo e favorável: Macri tinha os votos para levar a reforma adiante. Ainda possui amplo apoio dos congressistas, o que o faz persistir no avanço das reformas. A distância que o separa da crise de 2001, que aconteceu também em dezembro, é telescópica. Lembremos: naquele ano o grito “fora todos” provocou uma cascata em que cinco presidentes diferentes governaram o país em duas semanas e a morte de 38 pessoas nas ruas. Sem falar no chamado corralito (retenção dos depósitos bancários). Nenhum desses elementos compõe o cenário atual.

    Mesmo com a repressão crescente aos manifestantes, a força das ruas na Argentina maculou em definitivo um pacote de medidas que se anunciava como o remédio para melhorar a vida de todos. As imagens violentas tiveram o papel pedagógico de mostrar ao mundo que medidas impopulares estão sendo rechaçadas pela população que faz da insurreição uma via inescapável para correção de rota.

    Sem sombra de dúvidas, as manifestações solicitam: ouçamos o que as ruas dizem e como se movimentam. Tentemos captar os germes desta insurreição que poderá, em muito, lançar luz no terreno arenoso da política brasileira.

     

    *Rosane Borges, 42 anos, é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).

  • AÉCIO NEVES NÃO FOI O PRIMEIRO A SER COMIDO, SÓ FOI CHEIRADO!

    AÉCIO NEVES NÃO FOI O PRIMEIRO A SER COMIDO, SÓ FOI CHEIRADO!

    Após ter sido gravado em declarações nada republicanas, o senador mineiro Aécio Neves (PSDB) teve seu pedido de prisão preventiva negado pelo STF, que entendeu pelo afastamento do senador, implicado em graves acusações de corrupção, tendo contra si substanciosas provas. O Senado Federal, por sua vez, restabeleceu o mandato de Aécio por 44 votos favoráveis a si.

    O Senador Romero Jucá (PMDB), líder do Governo no Senado, que foi flagrado em escuta falando que “o primeiro a ser comido” seria o Aécio, foi um dos 44 senadores que votaram a favor do senador tucano. O líder do Governo, comandante da tropa de choque do retrocesso, disse com precisão que o governo Temer é um grande “pacto nacional” que conta “com o Supremo [Tribunal Federal], com tudo”. É sintomático o alinhamento de interesses: Aécio e Temer tiveram suas máculas expostas no mesmo dia, a partir do acordo de delação dos irmãos Batista, da JBS.

    Aécio poderia estar preso cautelarmente, nos termos da Lei; Temer deposto. Ambos, ocupando importantíssimas funções políticas no nosso sistema político, representam risco à condução do processo, e inclusive à integridade física de testemunhas (haja vista a menção clara que o Aécio fez a homicídio). O que dizer sobre isto numa país que generalizadamente prende provisoriamente?

    Um Levantamento publicado em janeiro pelo Conselho Nacional de Justiça apresentou o número de 654.372 pessoas presas no Brasil, sendo 221.054 presos provisoriamente, ou seja, 34% dos presos brasileiros não foram sequer julgados. Se tomarmos em conta o os Estados da federação, tomando o exemplo de Aécio, Minas Gerais, o índice aumenta para 39,88. A maior parte das prisões se dão por envolvimento com venda de entorpecentes. Estes números dão conta de levantamentos feitos em Tribunais de Justiça de cada Estado. Aécio Neves, por ser senador, só pode ser julgado no STF. Mas servem de exemplo.

    Se tomarmos em conta a periculosidade ao andamento de um processo criminal, é fácil perceber que há uma grande diferença entre o grau de influência de um Senador e um “aviãozinho do tráfico”. Qual dos dois pode intimidar mais testemunhas? Qual dos dois recebe ligações e visitas de ministro do Supremo? Qual dos dois é amigo do Perrella, cujo helicóptero foi apreendido com 455 kg de cocaína? Mas Aécio não é acusado de vender entorpecentes para quem quer comprar, é acusado de receber propina para beneficiar empresários que sugam cofres públicos, enquanto pobres, como o mesmo aviãozinho do exemplo acima, padecem com serviços públicos precários e, depois, em prisões precárias.

    Aécio Neves ser preso melhoraria a situação carcerária no país? Não! Na verdade, poderia ser usado para legitimar um encarceramento em massa que, após a Lava Jato, posa de democrático. Mas não existe democracia sem garantia de liberdades. Talvez o Aécio ser comido não saciaria nossa “fome” de “justiça”. Eu não desejo para ninguém o que os negros e pobres sofrem nas prisões brasileiras: nem para gente como Aécio.

    Afastá-lo de suas funções, para que não gozasse de seu poder seria um mínimo para dar alguma segurança às investigações e julgamento. Mas nem isto. Foi salvo pelo grande “pacto”. Aécio perdeu para Dilma em 2014 por cerca de três milhões de votos. Por pouco este homem, que exigia milhões em dinheiro e ameaçava matar testemunhas, não foi o nosso presidente. Eleita Dilma, esta sofreu um golpe comandado por seu vice, Michel temer, interessado em salvar o Aécio de ser “comido”. Ficou só no cheiro!

    Por enquanto, a Lava Jato ainda existe, salvo exceções, para garantir que lideranças políticas da esquerda sejam perseguidas com a ameaça constante de condenações sucessivas, prisões e inelegibilidade. Não é por moralidade. Se quer mesmo saber o porquê Aécio Neves está solto e é seu senador, responda para si mesmo: Como ele vota em relação a retirada de direitos de trabalhadores nas Reformas Trabalhista e Previdenciária?