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  • Manifestante joga dinheiro falso em governador cassado do Amazonas

    Manifestante joga dinheiro falso em governador cassado do Amazonas

    Durante a abertura dos trabalhos do ano legislativo, o governador cassado do Amazonas José Melo (Pros) foi alvo de um protesto nesta segunda-feira (1) em Manaus na Assembleia Legislativa do estado.

    O estudante Hinaldo de Castro Conceição, militante do Levante Popular da Juventude, atirou imitações de notas de 100 reais, impressas com a foto do governador, e o chamou de “comprador de votos” durante uma coletiva de imprensa na ALE-AM. Segundo relatos de outros militantes que estiveram presentes, o estudante ficou detido em uma sala da assembleia, e em seguida foi acompanhado por parlamentares de oposição ao IML para a realização de exame de corpo de delito para averiguação de possíveis agresões físicas que teria sofrido durante a detenção.

    Na ocasião, militantes pró-Melo também se manifestavam em frente à sede da ALE-AM. O governador, em seu discurso de abertura fez fortes ataques contra seu adversário nas Eleições de 2014, o ministro de Minas e Energia Eduardo Braga, autor das ações que levaram Melo à julgamento no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AM).

    Melo teve o mandato cassado pelo TRE-AM na última segunda-feira (25), acusado de compra de votos.

  • Menos Dilma, mais Sheherazade! #SQN

    Menos Dilma, mais Sheherazade! #SQN

    Rachel Sheherazade, auto-intitulada cristã, jornalista e, agora, escritora percorre o País divulgando seu primeiro livro “O Brasil tem cura”. No último sábado (5) foi a vez de Manaus receber a tarde de autógrafos promovida pela editora Mundo Cristão, que publicou a obra.

    Quarenta minutos antes da chegada da jornalista, uma fila de pessoas visivelmente ansiosas pelo momento já se formava, enquanto outros transeuntes curiosos perguntavam o que haveria ali: “Sheherazade? Não sei quem é, mas deve ser famosa pelo tanto de gente, né?!”. Com alguns minutos de atraso, Rachel entra de mãos dadas com o marido e filhos, correspondendo a imagem de defensora da moral, dos bons costumes e da família tradicional brasileira. A recepção dos fãs é entusiasmada e juntos entoam gritos que pediam “menos Dilma, mais Rachel”.

    Sheherazade virou assunto nacional quando defendeu os “justiceiros” do Rio de Janeiro, em fevereiro do ano passado. Na ocasião — que a jornalista classificou como “legítima defesa coletiva”-, um garoto negro, suspeito de roubo, foi preso num poste e agredido pelo suposto crime. Sheherazade fez comentário opinativo, após a veiculação da notícia, discursando sobre a ineficiência do Estado em proteger seus “cidadãos de bem” como justificativa para a violência como solução.

    A repercussão do comentário da âncora do telejornal SBT Brasil rendeu, em setembro do mesmo ano, uma ação civil pública contra o SBT, ajuizado pelo Ministério Público Federal em São Paulo, por danos morais coletivos e exigia uma retratação da jornalista para esclarecer ao seu público que tal postura de violência não encontra legitimidade no ordenamento jurídico e constitui atividade criminosa ainda mais grave do que os crimes de furto imputados ao adolescente agredido. O caso foi visto por muitos jornalistas como um ataque ao Código de Ética do Jornalista. Alguns chegaram a afirmar que Rachel Sheherazade não é jornalista, pois “é dever do jornalista opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, justificou Leonardo Araújo em artigo no “Observatório da Imprensa”. Ainda assim, havia na grande fila da livraria estudantes de Jornalismo que a tomam como exemplo na profissão.

    Não por acaso, entre os simpatizantes presentes na tarde de autógrafos, estavam militantes do Partido Militar Brasileiro (PMBr), como o estudante de marketing, Eduardo Pimentel, 32, que acredita que as opiniões da jornalista incomodam a muitos pelo seu teor de ‘verdade’. “Rachel é uma jornalista comprometida com a verdade, honesta e representa os brasileiros que querem um país melhor. Por isso que ela é perseguida e buscam sempre calar sua voz”, disse.

    Curioso é que a claque de Sheherazade desconhece, ignora ou distorce deliberadamente a história da presidente e do País. Entre 1967 e 1970, Dilma lutou contra a ditadura enquanto militava no setor estudantil do Comando de Libertação Nacional (Colina). Ela foi presa e torturada nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e até no Rio de Janeiro. Em 2001, prestou depoimento ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), relatando a violência que sofrera durante o governo militar: apanhou de palmatória, levou choques e socos que resultaram em problemas na sua arcada dentária, além de ter sido colocada no pau de arara, símbolo da violência praticada nas torturas. Esses eram os métodos utilizados para calar a voz naquela época.

    Entre os admiradores de Sheherazade presentes, alguns conversavam sobre a mobilização do dia 13 de dezembro e sobre de que forma Rachel poderia ajudar a “causa”. A manifestação é convocada por organizações responsáveis pelos protestos pró-impeachment, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua (VPR), e ocorre na mesma data em que foi decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suspendeu garantias e direitos constitucionais e inaugurou a fase mais dolorosa da Ditadura Militar.

    A trajetória da jornalista paraibana Sheherazade é marcada por um discurso que contempla parte significativa da sociedade brasileira que está indignada com as crises econômica e política e que, por isso, rechaça o atual governo. Um dos admiradores de Sheherazade é o jardineiro Ilmar de Moraes, 25, que se considera de extrema-direita. Ilmar acredita que a jornalista é uma representante do povo brasileiro e afirma que votou no ex-presidente Lula, mas hoje está decepcionado com o Governo do PT por conta dos escândalos ao qual os integrantes do partido vem sendo associados. “Votei no Lula. Depois que eu terminei meu Ensino Médio, eu pude ter um melhor raciocínio e entendo que quanto mais pobre você é, melhor pra esquerda”, contou, a despeito das informações sobre a redução da miséria no País a partir dos programas sociais implementados na última década.

    Em setembro desse ano, a jornalista estreou como colunista do site Fato Online para escrever (e gravar em áudios) suas opiniões sobre política, semanalmente. O primeiro texto versa sobre o pacote de medidas apresentado pela presidente Dilma Rousseff para “sanar o rombo no orçamento”, já a postagem mais recente fala sobre corrupção (um resumo involuntário do conteúdo do seu livro) e sentencia que “dos males do País, é o pior”. Defensora dos “valores morais”, cita um ícone da política neoliberal: “Dama de um caráter irretocável, a conservadora inglesa Margareth Thatcher acreditava que as práticas geram os valores, os valores formam o caráter e o caráter sela o destino de uma nação”. Thatcher, conhecida como “Dama de Ferro”, recuperou a Inglaterra após a crise dos anos 70, mas suas medidas também abriram caminho para um colapso social com desemprego massivo, o aumento da desigualdade e a triplicação da pobreza infantil entre 1979 e 1995.

    Depois de tantos processos, discussões e polêmicas, é possível percebermos uma Rachel Sherazade exageradamente simpática e doce. Quando perguntada sobre uma Rachel mais descontraída, como no vídeo sobre uva passa, diz que “o jornalista deve ser sério, mas não sisudo o tempo todo”. Talvez esse seja o motivo pelo qual a maior parte do público era composta por adolescentes e jovens naquela tarde de sábado. Enquanto faziam selfies e aguardavam a “diva”, alguns confessaram: “A gente nem gosta de política”.

    A passagem de Rachel por Manaus antecede a polêmica visita do deputado Jair Bolsonaro (PP) para receber a Comenda Ordem do Mérito Legislativo do Amazonas, por indicação do vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM) e membro titular da Comissão de Direitos Humanos, deputado Platiny Soares (PV). Diferente do que pensam os admiradores está o professor de geografia Marcílio Colares, 36, que vê de forma preocupante o crescimento dos fãs de Rachel Sheherazade e até de Jair Bolsonaro em todo país. Enquanto olha os títulos disponíveis na seção de história da livraria, Marcílio desabafa: “Sheherazade e Bolsonaro têm um discurso fascista, eles são os representantes da direita brasileira, difundem o discurso de ódio. Isso é uma característica do fascismo e é preocupante, porque quanto mais o fascismo cresce, menos democracia existe no país”.

    Fazendo um resumo sobre a trajetória da jornalista até o sábado em que esteve em Manaus, trazemos a fala do professor universitário David Borges, quando, em fevereiro de 2014, analisou o discurso da jornalista em defesa dos “justiceiros” cariocas: “No final das contas, quando você concorda com Rachel Sheherazade isso diz muito mais a seu respeito do que a respeito dela”.

  • O que os gritos de #ForaCunha em Manaus têm a dizer sobre política no Amazonas

    O que os gritos de #ForaCunha em Manaus têm a dizer sobre política no Amazonas

     Por Allan Gomes, para os Jornalistas Livres

    Desde que assumiu a presidência da Câmara, no início deste ano, Eduardo Cunha e sua tropa agem como um rolo compressor. Suas posições são impostas na câmara lastreadas por um maioria consolidada por meios, no mínimo, duvidosos visto que conseguem vitórias em votações de uma forma que não tem relação com os posicionamentos dos partidos. Talvez a postura de Cunha seja só a face explícita de uma forma de se fazer política, a forma que sufoca opiniões e minorias para fazer parecer que essas não existem. No xadrez político nacional a região Norte é assim encarada, com suas demandas encontrando apenas ouvidos moucos e suas populações tendo que gritar cada vez mais para se fazer ouvir.

    Metáforas de lutas desiguais em que pequenos derrotam grandes se somam aos montes ao longo da história. É esse tipo de narrativa que impulsiona os poucos que erguem suas vozes na capital amazonense contra o projeto político que o presidente da Câmara representa. Nesse mês, em dois momentos, Manaus foi palco de manifestações contra Eduardo Cunha: na quarta-feira, 11, e na sexta-feira, 13.

    Mulheres marcharam em direção à Assembleia Legislativa do Estado, em Manaus. Foto: Junior Moraes/Mídia NINJA

    Somando-se a movimentações — também de pequenos, por serem “minorias” — por todo o país, mulheres de vários movimentos marcharam na quarta ao longo da avenida Recife, indo da frente da delegacia da mulher até o prédio da Assembleia Legislativa do Estado. Em suas pautas e demandas, vozes femininas do movimento sem teto, da juventude socialista e do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher. Antes de iniciar a marcha, uma grande roda com as palavras de ordem: “Oh companheira me ajude, que eu não posso andar só. Sem você eu ando bem, mas com você ando melhor” e esse foi o tom até à ocupação do plenário da ALE-AM.

    O que teria deixado as mulheres por todo o Brasil tão indignadas com Eduardo Cunha? Dentre a agenda de retrocessos que o deputado tem encabeçado a frente da Câmara como a Redução da Maioridade Penal, a revogação do Estatuto do Desarmamento, e até uma cínica reforma política que só reforça os vícios do sistema, certamente o PL 5069/13 é o que dá ares mais medievais para a atuação do congresso mais conservador da história brasileira.

    Representantes do movimento feminista compareceram ao ato. Foto: Kevin Tomé/Mídia NINJA

    Não a toa, dentre as faixas empunhadas uma se indignava “Não acredito que tenho que lutar por isso em pleno 2015”. O PL, de autoria de Eduardo Cunha, dificulta o acesso de vítimas de estupro à atendimento, além de dificultar o acesso a métodos contraceptivos, dentre outros retrocessos. Ora, essa proposta já não seria mais do que suficiente para que multidões se reunissem para impedir o ataque a direitos conquistados? Não com o véu de silêncio que há sobre o que se passa na Câmara dos Deputados.

    Ato contra Cunha foi realizado no Centro de Manaus. Foto: Kevin Tomé/Mídia NINJA

    Historicamente a bancada federal do Amazonas foi incapaz de conectar o que se passa em Brasília com o dia a dia da população amazonense. Não é de se estranhar que muitos dos políticos de carreira considerem uma derrota um mandato na Câmara ou no Senado e busquem, logo que possível, retornar à disputa de cargos executivos locais. Essa desconexão acontece também em via dupla. Nenhum dos representantes amazonenses parece ouvir — ou se importar — com qualquer que sejam as demandas locais que possam repercutir em Brasília fora os interesses econômicos que sustentam a Zona Franca. Nesse contexto, não é de se espantar que nas principais votações de interesses de Eduardo Cunha a bancada do Amazonas vote em peso com o deputado.

    O que se viu neste mês não foi um fato isolado, afinal, além da mobilização de quarta-feira, na sexta, 13, diversos movimentos foram à Praça da Matriz para, novamente, marcar posição contra a pauta atual do Câmara, na figura do seu presidente. Se na primeira manifestação as vozes eram, em sua maioria, femininas, na segunda era a juventude que dava a tônica. O movimento de mulheres Olga Benário e o Levante Popular da Juventude se fizeram presentes, e fizeram barulho. Os trabalhadores populares da região, geralmente indiferentes às pautas política costumeiramente debatidas na praça, não se furtaram de também pedir o microfone do carro de som e apresentar suas demandas

     Ato contra Eduardo Cunha em Manaus. Imagens: Dirce Quintino/Jornalistas Livres

    Como todo momento de ebulição, os pedidos em Manaus pela saída de Eduardo Cunha transbordaram e atingiram o prefeito da cidade, Arthur Virgílio (PSDB-AM). Em dado momento uma vendedora ambulante tomou a palavra e aplaudiu o prefeito por “ter criado o maior banheiro público a céu aberto”. A ironia referia-se à obra de restauração da Praça da Matriz, prevista para ser entregue antes da Copa de 2014 e que até agora não foi concluída.

  • “A luta de classes nunca tirou férias neste país”

    “A luta de classes nunca tirou férias neste país”

     Em entrevista aos Jornalistas Livres e Brasil de Fato, o pesquisador e professor emérito da UFRJ, José Paulo Netto, analisa recentes manifestações de ódio contra determinados setores da sociedade a partir da formação social e da cultura política brasileira.

    Manifestações de ódio, racismo, declarações machistas e ameaças verbais e físicas contra lideranças da esquerda têm sido constantes no último período no país. Segundo o professor José Paulo Netto, essas atitudes têm relação com a tentativa das classes dominantes de “afastar a massa do povo dos centros de decisão política”.

    José Paulo Netto é doutor em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi vice-diretor da Escola de Serviço Social da UFRJ e do seu Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, tendo título de professor emérito na instituição. Tradutor e organizador de textos de autores clássicos como Marx, Engels, Lênin e Lukács, em que se destaca como grande especialista, produziu obras teóricas e políticas sobre o capitalismo, serviço social e marxismo. É membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e atua em parceria com movimentos sociais, como o MST.

    Em entrevista ao Brasil de Fato e aos Jornalistas Livres, ele faz uma análise das classes dominantes a partir da formação social brasileira, fala sobre o quadro político atual no país e sobre como atuam as elites em face da crise do capitalismo contemporâneo.

    Para Netto, é justamente em momentos de tensões políticas e econômicas que “todo esse porão da sociedade brasileira, com um forte sentimento antipovo, antipopular, antimassa, racista e discriminador, vem à tona”.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    Jornalistas Livres — Estamos presenciando a todo o momento ataques da direita brasileira que deixam explícitos o preconceito, o racismo e o sentimento de ódio contra determinados setores da sociedade. Como a nossa formação social pode nos ajudar a compreender essas atitudes?

    Se analisarmos com cuidado a história brasileira, vamos encontrar algumas constantes que são traços constitutivos da nossa formação social e que, portanto, são elementos constitutivos da cultura política brasileira. Um traço muito visível de meados do século XIX em diante tem sido a capacidade das franjas das camadas mais ativas das classes dominantes em afastar a massa do povo dos centros de decisão política. Mesmo quando tivemos, ao longo do século XX, momentos de institucionalização mais ampla da participação política, tivemos elementos, mecanismos, meios e modos que constrangeram ou limitaram essa participação política a processos adjetivos. Costumo dizer que tivemos no Brasil um processo tardio, lento, desigual e sinuoso de socialização da política.

    Isso ganhou certa magnitude com a derrota da ditadura instaurada em 1964. A constituição de 1988 consagrou direitos políticos essenciais, abriu caminho para se repensar direitos civis e, sobretudo, ampliou o leque dos direitos sociais no país. Com todas as desigualdades e assimetrias, creio que se pode dizer que no pós-1988 tivemos formalmente a institucionalização da cidadania moderna no Brasil. Entretanto, se observarmos o processo de luta contra a ditadura, de crise da ditadura e de transição democrática no Brasil, teremos a clara percepção dessa capacidade das franjas mais ativas das classes dominantes de encontrar meios de excluir a massa do povo de processos decisórios. Tivemos um processo de socialização da política, mas nem de longe um processo de socialização do poder político. Isso tem relação com o que eu chamo de linhas de continuidade na nossa história.

    O senhor pode citar alguns exemplos disso?

    O Brasil foi um país escravocrata. Em 1888 tivemos uma abolição inteiramente formal, em que não se criou nenhuma pré-condição para que o liberto pudesse construir sua vida autonomamente. Da noite para o dia foram libertos, mas sem ter terra, sem ter nada. Esta cultura escravocrata não desapareceu. Há exemplos recentes. As camadas médias (não necessariamente camadas oligárquicas) reagiram negativamente em face da legislação acerca do trabalho doméstico. Poderíamos citar outros exemplos como o acesso à universidade, historicamente elitista. É só observar a dimensão das nossas universidades e a população em condições etária e formal de ingressar ali.

    Deste modo, podemos perceber que a sociedade foi construída para que muito poucos usufruíssem dos direitos formais que ela veio (bem ou mal) escrevendo no seu ordenamento jurídico-político. Em momentos de crise ou em momentos de tensão, em que se agudiza abertamente a luta de classes (para utilizar um jargão da esquerda), todo esse porão da sociedade brasileira, com um forte sentimento antipovo, antipopular, antimassa, racista e discriminador, vem à tona. O processo de transição da ditadura fez com que amplos setores tivessem vergonha do seu conservadorismo. Mas isso acabou.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    Qual foi o impacto do PT na mudança dessa atmosfera política?

    Eu diria que o PT teve um papel duplo. Pensando no PT como força de governo, a partir de janeiro de 2003, foram tomadas providências de caráter emergencial, mas que foram apresentadas como políticas duradouras de Estado e que beneficiaram objetivamente a massa mais pobre. Isso foi muito positivo. Ao mesmo tempo, isso foi feito no marco de uma orientação macroeconômica que privilegiou os grupos financeiros do país, que não restringiu em absoluto a fome lucrativa dos monopólios nacionais e internacionais. Isso criou uma situação paradoxal que pode ser observada ao cabo do mandato do Lula. Mas as elites jamais suportaram o significado simbólico de ter um trabalhador que tomava cachaça e falava errado na Presidência da República. O efeito PT (quando Lula se elege) é enorme do ponto de vista simbólico. Enfim um sujeito aparentemente igual à maioria da população chega lá.

    “Marolinha”?

    Lula elege sua sucessora no marco de uma crise econômica internacional gravíssima, a qual ele caracterizou como uma “marolinha”. Só que os efeitos daquela crise rebateram na periferia de formas distintas. Sob o governo dele, uma orientação macroeconômica conseguiu driblar bem esses efeitos. A articulação de economia política que funcionou nos dois governos dele não funcionou no governo Dilma. Não foi por incompetência da equipe gestora. Houve sim falhas técnicas, mas elas não são as mais importantes. Mas é que a “marolinha” virou um “tsunami”. Neste momento, aqueles mesmos grupos que foram altamente beneficiados no governo Lula põem para fora todo o seu preconceito de classe que vem acompanhado de manifestações de ódio de classe, de marcas racistas e, sobretudo, de uma entrada em cena, sem qualquer tipo de maquiagem, do velho elitismo brasileiro. Penso que este é o quadro em que estamos vivendo hoje.

    Como este elitismo se expressa?

    Penso que o processo eleitoral mostrou isso com clareza. Tivemos uma vitória eleitoral democrática que mostrou uma sociedade dividida. Não ponho em dúvida a legitimidade de vitória de Dilma. Mas não há duvida nenhuma que há uma legitimidade expressa eleitoralmente muito estreita em termos de maioria e que, portanto, é muito vulnerável. Exatamente sobre esta vulnerabilidade atuam as elites. Também operam através de uma mídia historicamente oficialista e porta voz de tudo aquilo que atravanca a conquista, a realização e a ampliação de direitos.

    De 1888 a 2015, quando se tem uma crise (não no sentido de possibilidade de quebra do regime, mas uma crise financeira do Estado), se não há orientações claras e políticas claras em face desta dificuldade, o momento se torna ideal para que os segmentos mais retrógrados se apresentem como são. Temos uma composição do legislativo que me parece a mais anódina e amorfa dos últimos trinta anos e, portanto, facilmente catalisada com propostas de oportunismo meramente eleitoral. Os que querem desestabilizar tem um prato feito. Não sei como vai se desdobrar esse processo governativo, mas tenho a impressão de que a presidente Dilma vai travar uma guerrilha diária. Não se satisfaz a fome de leão do PMDB com alface.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    O senhor utilizou os termos “luta de classes”, “ preconceito de classe” e “ódio de classe”. Com toda a complexidade da divisão socioeconômica e das ramificações do trabalho na nossa sociedade, ainda podemos falar em classes sociais?

    Não tenho a menor dúvida. Classe social é uma categoria teórica que expressa elementos fundamentais da realidade em uma sociedade como a nossa. A sociedade brasileira tem hoje uma estrutura de classes muito complexa e eu desconheço qualquer estudo rigoroso e sério sobre isso. Não estou falando daqueles estudos publicitários que separam a nossa sociedade em classes A, B, C, D, etc., mas de estudos que tragam relações com os meios de produção e com a consciência de um projeto político. A luta de classes nunca tirou férias neste país. Ela esteve latente ou expressa ao longo desses últimos doze anos em manifestações referentes a determinados projetos de políticas públicas e em como fazer a orientação macroeconômica. Isso foi uma luta que atravessou o governo Fernando Henrique, o governo Lula e atravessa o governo Dilma. O que temos agora é uma emersão clara das posições de classe.

    E como é possível mediar essas tensões?

    Eu percebo um dilaceramento do tecido social brasileiro do ponto de vista político. O que é preocupante, porque não estão em jogo projetos políticos, mas projetos de nação. Que sociedade nós queremos? Nós queremos uma sociedade onde quem tem orientação diferente é objeto de espancamento e onde o dissenso político é resolvido com ameaças físicas? Vivemos uma conjuntura internacional difícil, com ajustamento na divisão internacional do trabalho. Nós vamos nos inserir nisso de maneira subalterna ou soberana? Temos que vir a público para determinar com clareza que tipo de sociedade nós queremos e para chegar lá são possíveis vários meios.

    Estamos com problemas que não vieram do governo Dilma, do governo Lula ou do governo Fernando Henrique. Eles vêm da nossa transição interrompida. Eu espero que tenhamos firmeza de princípios e sabedoria para resolvê-los sem romper um pacto civilizatório que fizemos pelos menos em 1988 e que, na minha opinião, está ameaçado por expressões de preconceito e ódio de classe. Não podemos repetir experiências traumáticas do passado, cujos resultados foram desastrosos para a massa do povo brasileiro, ainda que tenham sido excelentes para as suas elites.

    Nesse sentido, penso que temos que olhar a política brasileira para além das expressões institucionais abastardadas, onde se troca ministério por voto no Congresso Nacional. Isto não é o Brasil. Isto é a expressão institucional da política brasileira. A política brasileira está nas universidades, nas fábricas, nas usinas, nos escritórios, no comércio e nas ruas.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    O senhor é um grande especialista da obra de Marx, um nome que causa arrepio nas elites e nos setores mais conservadores da sociedade. Os intelectuais que se utilizam deste referencial teórico tem sido acusados de promover “doutrinação ideológica” nas universidades. O que o senhor pensa disso? É possível resgatarmos Marx para analisar a sociedade contemporânea?

    Uma das coisas que mais tem me divertido na exposição do pensamento da direita brasileira (se é que ela pensa) é imaginar que os comunistas estão no poder. Isso é coisa do Olavo de Carvalho, não é? É uma calúnia contra o PT e contra os comunistas, mas deixemos isso de lado. Primeiro, eu diria que no universo cultural, resultado de experiências históricas e da batalha de ideias sob a hegemonia burguesa, o marxismo andou muito desprestigiado e muito desacreditado. No final da década de 1990 houve um acantonamento do pensamento marxista. Isso mudou nos últimos dez anos na universidade e fora dela. Houve um interesse renovado pelas ideias de Marx, não apenas no Brasil. Segundo, eu acho que Marx é um incômodo contemporâneo para nós. Essa crise sistêmica que o capitalismo está experimentando (pelo menos desde o início do século) está trazendo a discussão sobre uma série de projeções que Marx fez. Ele é extremamente atual. É impossível tentar compreender com seriedade as mutações econômicas dos últimos 30, 40 anos sem Marx.

    Socialismo?

    Não há solução para a crise do capitalismo. Ela é global não no sentido do globo, mas por ser uma crise ética, política, econômica e ecológica. O padrão de civilização capitalista se exauriu. Não adianta dar carros para todo mundo, pois não haverá lugar para jogá-los fora. Nós não podemos continuar nessas cidades que crescem loucamente sem nenhum planejamento. O capitalismo só tem a oferecer mais insegurança, mais instabilidade e mais violência. Nesse sentido, esgotado o capitalismo, a única alternativa para ele é o socialismo. Não posso ser original: “Ou o socialismo ou a barbárie”. E a barbárie já está aí pertinho. Sob esse aspecto, o socialismo é extremamente atual. Agora a questão é se essa atualidade é transformada em viabilidade. E eu não vejo essa viabilidade em curto prazo. O que me torna muito pessimista, pois quanto mais tardia a alternativa do socialismo, maior será a destruição que o capitalismo pode realizar.

    Por que o senhor não vê essa alternativa no horizonte?

    Porque o socialismo não resulta da crise e da exaustão do capitalismo, mas de um duro, longo e difícil processo em que massas organizadas de homens e mulheres mudam o curso da vida coletiva e individual. Eu não vejo isso se desenhando em curto prazo no horizonte. Vou dizer algo que já foi dito por Antônio Gramsci e que é adequado para pensar o agora: “Quando aquilo que é velho ainda não morreu e aquilo que é novo ainda não emergiu, nesses tempos de transição, revelam-se fenômenos que são verdadeiras sociopatias”. Estou convencido de que a ordem do capital, que é o velho, ainda não morreu e a ordem do futuro ainda não emergiu. Então estes são períodos históricos que oscilam entre o trágico e o dramático.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    A esquerda fala em revolução, em protagonismo da classe operária e em tomada de consciência pela massa. Mas também defende que qualquer tipo de transição radical passa por uma formação séria dos trabalhadores. Como o senhor vê isso? E como essa formação de caráter teórico se transforma em prática?

    Eu não penso que as massas revolucionárias serão massas teoricamente muito ilustradas. O que leva os trabalhadores a querer mudar de vida é o momento em que suas vidas se tornam insuportáveis. É evidente que camadas de trabalhadores letradas e informadas são muito mais capazes de tomar consciência dos seus interesses do que camadas trabalhadoras rústicas, mantidas na ignorância pelas classes dominantes. Acredito que a questão central seja a formação política dos militantes. Líderes e dirigentes não fazem a revolução. É inteiramente irrealista imaginar que o conjunto das classes trabalhadoras vai se transformar em líderes da transformação social. Segmentos que vão constituir as suas vanguardas (no plural) é que podem dirigir um processo de transformação social. O investimento na formação desses segmentos é absolutamente essencial. É preciso formação política com base teórica. Aqui não me refiro à agitação e propaganda ou doutrinação, mas sim a conhecimentos de teoria social que permitam discernir e distinguir o essencial do acessório, o substantivo do episódico.

    Teoria e prática?

    A teoria é absolutamente indispensável para a formação de vanguardas que sejam capazes de, em momentos de ruptura e de tensão social, dar orientações claras, lúcidas, sérias e responsáveis às massas. Rupturas sociais são sempre processos traumáticos. Não apenas no sentido da violência material, mas elas envolvem rupturas ideológicas, intelectuais, éticas, etc. Se lideranças não tiverem competência teórica e sabedoria política, o resultado dessas rupturas pode ser catastrófico. Pode ser a derrota de bandeiras e demandas generosas e legítimas. Isso significa que ninguém avança no domínio do progresso social, da universalização de direitos, da criação de condições de uma consciência e de uma nova cultura política só pela militância operativa. É preciso formação teórica e cultural. Eu me atreveria a dizer que sem isso não caminharemos.

    Queria ser original, mas alguém já disse há cerca de 110 anos que “sem teoria revolucionária, não há revolução” [Lênin]. É preciso estudar, estudar e estudar para poder mobilizar e organizar com competência. Uma revolução não pode ser o arrebentar de uma represa de demandas reprimidas e de esperanças humilhadas. É sobre esse chão, sobre a indignação e sobre a revolta que corre a possibilidade de outro mundo. Mas ele tem que ser construído com cientificidade, competência e com uma palavra que está desgastada, que é a sabedoria.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
  • FHC, o intelectual das maracutaias

    FHC, o intelectual das maracutaias

    Por Fernando Castilho*, do Blog Análise e Opinião, colaboração para osJornalistas Livres

    Charge: Ziraldo
    Sua última entrevista ocorreu no programa Roda Viva de 26 de outubro de 2015, quando disparou: “Tinha que ter uma renúncia com grandeza. A presidente Dilma não pode desconhecer o que nós conhecemos, que a economia está em uma situação desesperadora, que há uma crise política. Ela tinha que dizer: ‘Eu saio, eu renuncio, mas eu quero que o Congresso aprove isso, isso e isso’”, sugeriu.

    Esse é o atual Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil que deixou seu segundo mandato com 23% de aprovação, usando e abusando de demagogia pura, uma vez que sabe que, no fim de seu mandato, só para citar apenas um índice econômico, as reservas do país eram de US$ 38 bilhões e atualmente, no governo Dilma, são de US$ 378 bilhões, dez vezes mais.

    Ele quer uma renúncia de Dilma “com grandeza”. Mesmo que ao fim da entrevista afirme que a presidente é uma pessoa honesta. Como explicar isso? Grandeza ele não teve ao ter batido às portas do FMI e quebrado o país duas vezes. E mesmo assim não renunciou.

    FHC também falou sobre o episódio da suposta compra de votos citada mais abaixo no texto, para aprovação da reeleição, durante o primeiro mandato de seu governo: “Se houve compra, não foi minha, não foi do PSDB. Se houve compra, foi coisa deles. Não duvido. Mas condenamos”, afirmou.

    “Deles’’ quem? Dos deputados? Qualquer um que estivesse junto aos jornalistas do programa pediria para que ele fosse mais direto e desse nome aos bois. Mas no Roda Viva…

    Se nem ele e nem o PSDB comprou os votos, quem comprou? Os próprios parlamentares compraram os votos deles mesmos?

    Como é que a turma do Augusto Nunes se contenta com uma “explicação’’ dessas? A claque só está lá mesmo para levantar a bola para um sênior que já não consegue expor nem alinhavar suas ideias com clareza. O ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo comentou: “Um ex-presidente não devia falar isso. Eu também acho que ele poderia ter renunciado quando comprou a reeleição.”

    FHC continua: “A segunda metade do governo Lula e o segundo mandato da Dilma têm mais a ver com o governo do general Geisel do que com o meu” .

    Bem, esse comentário eu fico devendo, como os os participantes do Roda Viva.

    Mas vamos conhecer um pouco mais desse curioso sociólogo, mais vaidoso que intelectual de fato. Fernando Henrique Cardoso talvez seja o político brasileiro que mais coleciona (e esconde) episódios “estranhos’’, expostos ao longo de uma extensa galeria de 84 anos de vida.

    Dissimulado, nunca comentou sobre sua aposentadoria aos 37 anos como professor de Ciências Políticas da USP. Há que se reconhecer que ele foi na verdade aposentado pelo AI-5, juntamente com Florestan Fernandes e outros. Mas, ao retornar do exílio em 1978, jamais tomou qualquer iniciativa ética de rever sua aposentadoria, que na época já era muito boa, vindo a evoluir em valores atuais a 22 mil reais por mês. Valores, segundo ele… razoáveis.

    Em seu depoimento à Comissão da Verdade, realizado no dia 27 de novembro de 2014, Fernando Henrique disse: “Estão servindo caviar, mas é amargo, porque o exílio é o exílio. É amargo porque você vive a maior parte do tempo imaginando o que está acontecendo no seu país e na expectativa de que tudo vai mudar.’’

    Mas, segundo o livro da escritora inglesa, Frances Stonor Saunders “Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura’’, com edição esgotada, embora considerado por seus pares socialista-marxista, FHC, no seu auto-exílio no Chile, foi admitido na CEPAL, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, órgão da ONU, recebendo alto salário em cargo de nível diplomático. Tinha direito a privilégios como isenção de impostos, vida abastada, bela casa em bairro nobre e carro Mercedes Benz com motorista. No retorno do seu auto-exílio, em 1978, desembarcou no Brasil com verba de 180 mil dólares, destinada ao CEBRAP, tudo por obra da Fundação FORD, um dos braços da CIA.

    Quem pagou a conta?

    Além disso, a autora acusa FHC de receber dinheiro da agência norte-americana de espionagem, para ajudar os EUA a “venderem melhor sua cultura aos povos nativos da América do Sul”. E o valor variava de 800 mil a 1 milhão de dólares, valores da época.

    Ruy Mauro Marini foi um dos intelectuais a sair do país por conta da ditadura militar. Juntamente com André Gunder Frank, Theotonio dos Santos e Vania Bambirra, são os autores da Teoria da Dependência, uma formulação teórica crítica e marxista não-dogmática dos processos de reprodução do subdesenvolvimento na periferia do capitalismo mundial, em contraposição às posições marxistas convencionais dos partidos comunistas e à visão estabelecida pela CEPAL.

     

    Durante o exílio de Ruy Mauro Marini, Fernando Henrique, juntamente com José Serra, viriam a protagonizar um dos episódios menos éticos de suas vidas adulterando o texto por eles assinado ao se referir a um conceito econômico de Marini. Leia detalhes aqui

    Em 1985, Fernando Henrique concorreu à Prefeitura de São Paulo. Durante o último debate da eleição, o então candidato deixou de responder objetivamente a pergunta “o senhor acredita em Deus?”, feita por Boris Casoy. Deu voltas e mais voltas e não conseguiu responder. Teria sido honesto de sua parte admitir que não, porém, sob risco de perder a eleição, não confirmou. Seu principal adversário, o ex-presidente Jânio Quadros, explorou ao fim da campanha a falta de crença de FHC, realizando uma campanha difamatória de cunho religioso. Posteriormente, FHC afirmou nunca ter sido ateu. Pode?

    Ainda, perto do final da campanha, quando as pesquisas de opinião davam sua vitória como certa, chegou a deixar-se fotografar sentado na cadeira de prefeito um dia antes da eleição. Derrotado, teve que assistir a Jânio Quadros, logo após ser empossado, desinfetar a cadeira com uma lata de inseticida, e dizer a todos os que estavam na sala: “Gostaria que os senhores testemunhassem que estou desinfetando esta poltrona porque nádegas indevidas a usaram”. E completou: “porque o senhor Henrique Cardoso nunca teria o direito de sentar-se cá e o fez, de forma abusiva. Por isso desinfeto a poltrona”.

    Vergonhoso. Humilhante.

    Em 19 de maio de 1993, FHC assumiu o Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco. Mais tarde o PSDB passou a propagar a todos os cantos do país, que o ex-presidente fora o autor do Plano Real.

    Antigamente Itamar Franco consentia com a ideia de tratar FHC como o “pai do Real”, e o apoiava. No entanto, mais tarde, passou a negar tal informação: “A parte principal que quero rebater é a afirmação de que quando ele deixou o Ministério da Fazenda para se candidatar, tudo estava pronto e feito. Isto é uma inverdade.” Em entrevista dada ao Jornal do Brasil, Itamar disse que o nome de Fernando Henrique surgiu por exclusão.

    FHC ainda viria a assinar de maneira irregular as cédulas da nova moeda Real, pois quando elas entraram em circulação ele já não era mais ministro havia 4 meses, estando em campanha para a presidência.

    Durante seu primeiro mandato como presidente, FHC tratou da aprovação de uma emenda constitucional para a reeleição para os cargos eletivos do Executivo, dentre os quais o dele próprio. Há várias denúncias de compra de votos dos parlamentares. O deputado Ronivon Santiago relatou a um amigo, em conversa gravada pela Folha de São Paulo, que recebera 200 mil reais para votar na emenda.

    Em 1997 FHC privatizou, entre tantas estatais, a Companhia Vale do Rio Doce, pelo valor atualizado de 8,5 bilhões de reais, valor considerado irrisório. Há ainda o agravante de o BNDES ter emprestado dinheiro ao comprador para que a aquisição fosse feita. Um escândalo. Hoje a companhia vale cerca de 300 bilhões de reais.

    O fim do segundo mandato de FHC foi marcado por uma crise no setor energético, que ficou conhecida como Crise do Apagão. A crise ocorreu por falta de planejamento e ausência de investimentos em geração e distribuição de energia e foi agravada pelas poucas chuvas.Com a escassez de chuva, o nível de água dos reservatórios das hidrelétricas baixou e os brasileiros foram obrigados a racionar energia. A crise acabou afetando a economia, e consequentemente provocou uma grande queda na popularidade de FHC. Parece que os tucanos são bons em racionamento, não?

    Conversas gravadas por meio de grampo ilegal em telefones do BNDES que foram obtidas pela Folha de S. Paulo em 1999, levantaram suspeitas que Fernando Henrique Cardoso participou de uma operação para tomar partido de um consórcio no leilão da Telebras em julho de 1998, vindo a cometer crime de responsabilidade ao autorizar o uso de seu nome para pressionar o fundo de pensão Previ a se associar ao consórcio do Opportunity. Todos os detalhes estão disponíveis no livro ‘’O Príncipe da Privataria’’, de Palmério Dória.

    No governo FHC houve inúmeras denúncias de corrupção, todas arquivadas pelo engavetador geral da República, Geraldo Brindeiro.

    Ainda durante seu governo, Fernando Henrique afirmou que “pessoas que se aposentam com menos de 50 anos são vagabundos, que se locupletam de um país de pobres e miseráveis’’.

    Fernando Henrique Cardoso escreveu ainda um livro com um título muito polêmico. “A soma e o resto’’ é cópia do título de um livro do marxista francês Henri Lefebvre, escrito em 1958: ‘’La somme et le reste”. É mole? Mais detalhes aqui.

    Durante a última campanha presidencial, o ex-presidente foi como que ressuscitado por Aécio Neves, que tentou ser sua nova versão, revista mas pouco atualizada. Após a derrota do tucano, FHC aproveitou para demonstrar mais uma vez todo seu preconceito e elitismo, ao dizer: ‘’O PT está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados.” Foi após essa triste observação que o Brasil ensaiou uma divisão entre Norte-Nordeste e Sudeste -Sul.

    O ex-presidente vive falando que sente vergonha do governo, uma vergonha que deveria ter sentido na época em que governava, quando verdadeiramente a corrupção se instalou na Petrobras, fato admitido em seu novo livro “Diários da Presidência vol. 1”, quando escreve que tinha conhecimento de um esquema de corrupção na estatal em seu primeiro mandato e nada fez para interrompê-lo.

    Cada vez que FHC fala, esquece-se da postura que deveria ter por já ter sido presidente.

    O intelectual das maracutaias falando, não é um poeta. Calado, muito menos.

    Atualizado em 28/10/2015


    *Fernando Castilho é arquiteto urbanista, professor e blogueiro. Analisa e comenta fatos importantes da vida política no país, fora da lente da grande mídia.
  • Um banco imaginário

    Um banco imaginário

    Por César Locatelli, especial para os Jornalistas Livres

    Vamos criar um banco para ajudar o Brasil a crescer?

    Nosso banco vai emprestar dinheiro para quem quer fazer investimentos. Vai emprestar por prazos longos, pois a maturação de certos investimentos cruciais para o país é longa, e vai cobrar taxas de juros mais baixas do que as taxas do mercado, para incentivar os empresários. Precisaremos de um banco muito grande para conseguir uma contribuição efetiva sobre uma economia de R$ 5,5 trilhões de reais como a nossa. Um banco que tenha algo como R$ 800 bilhões aplicados em empréstimos. O banco deverá ser público porque seu objetivo não é obter lucro, é ajudar a crescer nossa capacidade produtiva.

    Teremos como meta fazer mais de um milhão de transações com cerca de 300 mil clientes. Um banco que desembolse R$ 200 bilhões por ano nessas operações. Assim, de cada R$ 100 investidos no Brasil, o banco deve contribuir com R$ 12. Somando recursos do banco com os recursos dos clientes, nosso banco apoiará cerca de 20% de todos os projetos de investimentos no país.

    O banco deverá estar em 2/3 dos projetos de geração de energia elétrica e em 80% dos projetos de aumento da capacidade de movimentar passageiros em aeroportos. Ainda, terá de contribuir para a construção de 3.500 quilômetros de ferrovias, a aquisição de cerca de 500 locomotivas, 15.000 vagões e 400 composições para transporte urbano sobre trilhos. Deverá participar da construção ou duplicação de cerca de 9 mil quilômetros de rodovias.

    Imagine que o banco que financiará perto de 1/5 das exportações de bens de capital e peças. E que aumentará sua atuação quando o crédito ao comércio exterior diminuir e desacelerará quando o mercado estiver em expansão, cumprindo um papel de atuar contra os ciclos econômicos.

    O banco financiará projetos de engenharia realizados por empresas brasileiras no exterior, desde que contenham produtos brasileiros em sua construção. Deverá atuar em cerca de meia centena de países e ter, rigorosamente, zero de inadimplência nesses financiamentos.

    Na carteira total do banco, deveremos limitar a inadimplência a 0,05% de inadimplência, mesmo tendo em conta que a média do sistema financeiro nacional está próxima a 3%.

    Bem, esse banco existe: é o BNDES. E todos os dados citados acima são bem próximos aos dados reais.

    O que a ONU pensa do BNDES?

    A UNCTAD, órgão das Nações Unidas para o comércio e o desenvolvimento, em seu relatório de 2015 aponta que “o desenvolvimento transformador requer, entre outras coisas, projetos de larga escala e longa maturação, que envolvem riscos que os bancos privados não querem assumir, especialmente quando seus passivos são de curto prazo”. A quase totalidade das aplicações financeiras no mercado brasileiro é para prazos curtos.

    O relatório prossegue afirmando que muitos dos grandes projetos promovem “retornos sociais maiores do que retornos privados”. Essa distinção é importante para avaliarmos que tipo de retorno esperar de bancos de desenvolvimento como o BNDES. O retorno pode ser um benefício para toda a sociedade e não especificamente um lucro privado.

    Os bancos de desenvolvimento “podem, também, ser capazes de sustentar, ou mesmo aumentar, os empréstimos durante choques econômicos, como quedas agudas nos preços das commodities ou desastres naturais. Isso, por sua vez, pode ajudar o país a manter seu nível de renda e sua atividade econômica. Esse fato ficou evidente durante a crise financeira global [que começou em 2008], por exemplo, quando os empréstimos tanto do CDB, Banco de Desenvolvimento da China, como do BNDES foram grandes o bastante para contrabalançar o declínio provável do investimento durante a crise”, conclui o relatório.

    Quanto custaria esse banco para a economia brasileira?

    Pela quantidade de benefícios que alcançaríamos poderíamos pensar em gastar 1 % do PIB nesse projeto, não é?

    Para conseguir cumprir seu papel no desenvolvimento do país e acelerar sua atuação, o Tesouro tomou recursos no mercado financeiro e os transferiu para BNDES com taxa de juros menor. Isso implica um custo para o Tesouro.

    Em artigo de agosto de 2015, a Folha de São Paulo, citando suposto estudo do Ministério da Fazenda, estampa que “empréstimos subsidiados do BNDES custam R$ 184 bilhões à União”. Dentro da matéria descobre-se que essa estimativa foi feita para os próximos 40 anos. Vamos imaginar que esse número (R$ 184 bi) seja uma boa estimativa. Conclui-se que o custo acima é R$ 4,6 bilhões por ano, menos de 0,1% do PIB. Não é um custo tão alto para todos os benefícios que listamos acima, concorda?

    Vamos fazer uma comparação. Em doze meses, de setembro do ano passado até agosto desse ano, o governo gastou, com juros, R$ 484,4 bilhões, ou 100 vezes o custo anual do BNDES estimado pelas hipóteses usadas pelo Ministério da Fazenda.

    Ainda assim, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, fez outro cenário que leva em conta a margem cobrada dos clientes, deduzindo-se os custos administrativos do banco: “ao incorporar-se a margem do BNDES, porém, o custo cai para R$ 44,5 bilhões”. Por 40 anos, esse valor representaria pouco mais de R$ 1 bilhão por ano. É plausível, ainda, deduzir-se o imposto que os novos projetos pagarão, mas fiquemos por aqui.

    Num país em que a taxa de juros é constantemente a mais alta do mundo e em que inexistem empréstimos de longo prazo no setor financeiro privado, o modelo atual de negócios do BNDES é vital para a economia e seu custo não é alto se comparado aos benefícios.

    A maioria dos economistas cita o baixo investimento como causa central para o crescimento econômico menor do que o desejável. Eles entram em evidente contradição quando exageram o custo do BNDES e criticam sua atuação. A luta política está fazendo o que pode para tirar os dois mais importantes tubos de oxigênio da economia brasileira: BNDES e Petrobras.

    Para ter acesso aos dados do BNDES veja:http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/download/AF_DEPCO_Portugues.pdf

    O artigo de Luciano Coutinho avaliando o custo do BNDES para o Tesouro está em: http://www.pt.org.br/luciano-coutinho-o-bndes-e-o-tesouro-nacional

    O relatório da UNCTAD, em inglês, está disponível em: http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/tdr2015_en.pdf