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  • ELISA LUCINDA – “Só de sacanagem, vou explicar: Lula é inocente, limpo”

    ELISA LUCINDA – “Só de sacanagem, vou explicar: Lula é inocente, limpo”

     

    Ao proferir seu voto contra o ex-presidente Lula, o desembargador do TRF4 Leandro Paulsen citou trechos do meu poema que compõe título desse texto. Esclareço e reitero que o poema foi feito contra a corrupção, contra fascistas, contra homofóbicos e contra qualquer abuso de poder ou qualquer uso do dinheiro público em favor de alguns e que vá contra o povo brasileiro. Simples assim. Nunca autorizei o uso desse poema para eleger ou para contribuir para a vitória do novo governo federal que aí está. A imagem da cantora Ana Carolina com o número 17 descaradamente posto sobre sua face, circulou como uma grande fake news fartamente durante a última campanha presidencial nas redes. Quem via e não me conhecia ou não conhecia a Ana poderia pensar que se tratava de uma posição política nossa, alinhada ao pensamento dos que usaram indevidamente a nossa arte. Não confere. Na época, as irregularidades do que ficou conhecido como mensalão, foram punidas e coerentemente, vale ressaltar, o governo petista foi imparcial na investigação das denúncias, tivemos pela primeira vez uma polícia federal independente e autônoma. Este poema quer saber onde está Queiroz, o esquema daquele milhão, o depósito na conta da primeira dama. Este poema interroga se um juiz pode coordenar as peças de uma acusação no caso que vai julgar; meu poema quer saber quem mandou matar Marielle, quem punirá os quebradores da placa. Este poema não elogia torturadores, não quer a volta da ditadura, não avaliza quem pensa em AI-5. O “Só de Sacanagem” é um poema de combate e não quer fechar o congresso. Apoiado na Constituição e confiante na Democracia, a bandeira que esse poema estende não abraça corruptos, milícias, polícia genocida. Não. Digo isso aqui com todas as letras para que não restem dúvidas.

    Hoje, tudo que pode nos salvar é a Constituição. Eu acredito que é ela que vem dando limites à medidas provisórias descabidas e autoritárias, e nos guia dentro do caminho do desenvolvimento de todos baseado na igualdade.

     

    Sergio Camargo é o novo presidente da Fundação Palmares
    Sergio Camargo é o novo presidente da Fundação Palmares

    É inconstitucional, por exemplo, no meu entender, que um cidadão proclame o racismo, ataque seus defensores, sendo essa prática crime. Torna-se portanto duplamente inconstitucional se esse cidadão é nomeado para dirigir uma instituição com fins anti-racistas. Um cargo público não pode ferir o povo. Neste momento em que Marielles se multiplicam pelo Brasil, em que nunca fomos tão ouvidos, é um acinte a presença de um negro alienado dos princípios e das conquistas contemporâneas que combatem a necropolítica de Estado que nos assassina de norte a sul. É hora de nos mobilizarmos nacionalmente. Todas as instituições, todos os movimentos negros, todas as associações e organizações não-governamentais devem se unir e escancarar para o mundo tal escândalo. Não somos poucos. Respeitem os 54% dessa população brasileira. Negra, tal maioria, se avoluma consciente e não vai legitimar a presença desse senhor na Fundação Palmares. A desastrosa nomeação se deu no mesmo dia, em que resolvo me colocar publicamente como uma vítima intelectual de mais uma fake news deste governo e de seus defensores. Sigo indignada, como alguém que tem a sua arte usada em favor do que execra.

    Mas não estou só. Sei que quem me lê, quem consome a minha arte, quem frequenta meu teatro, quem me vê nas telas, nas entrevistas, nos atos públicos, não tem dúvida que estou com o povo brasileiro. No entanto, há os mais ingênuos, os que não se detêm a refletir, os que seguem enganados, achando que o “Governo Bolsonaro vai dar um jeito nesse país”, e é para esses que também escrevo. Pra mim não são maus. Só ainda não entenderam, perdidos entre as versões mais loucas, que incluíram um delírio chamado “mamadeira de piroca”, coisa que até numa ficção teria dificuldade de credibilidade.

    Quando se tem um governo que não se incomoda com o sofrimento e o homicídio de sua população jovem pobre, que não se comove com seus velhos, que tira direitos, aposentadorias e cidadanias, que ataca os defensores das matas e das populações ribeirinhas, como o “Saúde e Alegria” e vários guardiões, que não se importa com a alta taxa de desemprego, que não reconhece a metástase do racismo apodrecendo o nosso corpo social, que desfaz do nordestino construtor destas metrópoles todas, que faz declarações homofóbicas e desfila atitudes que autorizam tais crimes, não se pode esperar que venha paz dessa gestão. Como viria? Eu pergunto. Como haverá paz com o aprofundamento da desigualdade? Que matemática nos convencerá?

    Nos trabalhos que fazemos, nós da Casa Poema, junto à OIT e aos Ministérios Públicos do país, dentro da sócio-educação, fica tão claro que a condenação só bate no lombo de quem sempre apanhou. Nas cadeias, nos morros, nos hospitais públicos, como se fosse um “blackout”, só se vê a maioria negra. E isso não é coincidência. Nada por acaso. A maioria dos santos católicos é branca e chegaram ao cúmulo de embranquecer as imagens dos orixás. Não há limite? As 7 crianças mortas nas comunidades cariocas dentro de um governo que toda hora fala em nome de Deus e da Família são todas pobres e negras. Seria coincidência? Nenhuma delas tem sobrenome importante e por isso não virou um escândalo seu extermínio. Então os que postulam e aprontam em nome de Deus enfiaram em que parte o “Vinde a mim as criancinhas…” Ninguém percebeu que, com o aumento da desigualdade, não haverá proteção de nenhuma parte? O Deus citado está sabendo disso? Fake news com a palavra de Deus????!

    É surreal que eu esteja escrevendo essas linhas. É absurdo que um desembargador do tribunal regional federal cite meus versos, se arriscando a cometer tamanho equívoco, uma vez que está em todas as minhas redes exposto o meu pensamento comprometido com o bem estar e contra a imensa desigualdade que oprime e maltrata o povo brasileiro. A citação do meu poema é um mico. Sou aquela que puxou a campanha #votecomumlivro no professor Haddad, sou aquela que se sente envergonhada a cada declaração dos representantes desse governo no cenário internacional. Sou aquela que acha Lula inocente e o melhor presidente até agora nesta terra só de elites no poder. Sou aquela que empresta sua voz todo o dia contra o feminicídio, contra o machismo tóxico, contra o racismo, em favor da diversidade. , é verdade, mas também faz uma bagunça na cabeça de quem tem dificuldade de ler esta doida realidade virtual, lugar em que a mentira se mimetiza em verdade e, o faz com tamanha desfaçatez, a ponto de relativizar o fato de haver ou não verdade naquela mentira vestida de verdade. É grave.

    Meu poema “Só de Sacanagem” sempre servirá à liberdade de pensamento, e jamais assinará embaixo qualquer forma de abuso ou de opressão. Mesmo tendo usado sem a minha permissão, sem autorização de imagem e voz de Ana Carolina que o gravou, o poema sobrevive firme e parece até uma sacanagem que seus usurpadores não o tenham compreendido. Parece uma piada. Provocaria risos se não fosse trágico. Talvez não se tenha percebido logo. Talvez os desavisados de plantão, na pressa de embaralhar as narrativas se atropelaram a tal ponto em usá-lo como exemplo que nem se aperceberam, e nem se sentiram atingidos pelas palavras.

    Está explicado então. Meu poema concordar com tais atrocidades não pode parecer o normal.

    Escrevo porque sei que “se a gente quiser, vai dar pra mudar o final”.

     

    Elisa Lucinda,quase verão, 2019

     

    Leia outras colunas de Elisa Lucinda:

    Elisa Lucinda: Quero a história do meu nome

     

    Elisa Lucinda: Cercadinho de palavras

     

    Elisa Lucinda: Quero minha poesia

  • Lula em nós!

    Lula em nós!

    Hoje meus olhos se abriram mais uma vez. Despertei, bocejei, me troquei.
    ‘Segundona’ brava! Corinthians, campeão!
    Minhas pernas saíram cedo para comprar pão.
    Meus lábios e minha boca sorveram um café quente.
    Passei rápido um creme nos dentes.
    Meus olhos leram manchetes, vitrines, fios de alta tensão, muros, outdoors, postes, prédios e arranha céus, rodovias e terminais.
    Peguei condução, metrô, ônibus e a rabeira de um caminhão.
    Meus braços levantaram sacos de cimento e depois rodaram uma criança ao vento.
    Eu corri, andei, pelejei e apeei.
    Eu brinquei e depois sosseguei.
    Eu gritei!
    E por mais que estivesse entediado com as nuvens do céu, hoje corri veloz, subi um topo, quase sem folego, e depois, voei.
    Eu pulei amarelinha, desci morro, lavei dois tanques de roupa, fiz frango com ora pro nobis.
    Tava tudo verde, verdinho. Tava tudo bem arrumadinho. Tinha altar e vela acesa. Teve até uma reza. Teve inté uma oferenda para deusa que vem do mar
    Onde eu tava tinha vassoura de atrás da porta, chinelo virado, que é para mãe de ninguém vir a morrer
    Hoje ainda corri “prum” velório, acompanhei o cortejo e o sepultamento. Passei os olhos de lágrimas na lápide certeira. Percebi o resto de sol antes de sair.
    Ainda hoje paguei boleto vencido, cortei cabelo, fiz a unha e a maquiagem. Passei tudo no cartão. Fiz barba, cabelo e bigode.
    Comprei banana, cigarro e depois tomei um trago. Dei um pouco “pro” santo, que devia estar em qualquer canto.
    Cantei…e cantei de novo…no carro e no supermercado.
    Sonhei e depois joguei no bicho. Para valer mais um pouco, fiz uma fezinha no galo.
    Brinquei com o cachorro, fiz um afago no gato.
    Tomei chá, fiz caminhada. Dancei as três da tarde. Mandei mensagem, recebi telegrama, fiz um bolo, busquei criança na escola. Fiz até papel de bobo.
    Dei cambalhota, pirueta, sou acrobata!
    Plantei feijão, colhi algodão. Ilustrei mais um quadrinho. Fiz um verso pequenininho.
    Postei carta, recebi logo depois um recado.
    Fui atrasado, apressado e ainda cheguei de bom grado.
    Fiz aniversário bem no dia em que nasci.
    Li um artigo, refiz um capítulo. Editei mais um parágrafo. Escrevi outro poema.
    Lavei o chão, remarquei o preço passado. Aferi a pressão, dei medicamento, e depois atestado. Eu desisti do tratamento, estava era com “esgotamento”
    Cantei o hino, joguei mais uma partida de vídeo game, e outra de buraco. Postei vídeo na net.
    Eu chorei outra vez. Eu choro todo dia.
    Eu me consolei. Segui. Comi pastel e tomei refri.
    Peguei uma conexão, e corri para não perder o busão.
    Vesti a melhor roupa. Fiz uma nova tatuagem.
    Senti o vento na cara.
    Fiz amor. Trepei e depois gozei.
    Hoje eu tomei tiro, várias porradas e bombas.
    Eu agitei uma bandeira. Empunhei um grito de ordem.
    Acariciei o asfalto quente. Acordei de repente.
    Hoje eu falei, dei bronca e até argumentei.
    Viajei , dei palestra e conversei. Ah, eu reclamei…muito mesmo.
    Hoje me diplomei.
    Fiz um gol, e virei um rei.
    Hoje eu me mudei.
    Hoje eu pensei, discordei e voltei. Revi amigos. Eu me filiei.
    Eu denunciei. Hoje eu panfletei.
    Eu olhei para céu. Eu vi um bem te vi. Construí uma ponte. Atravessei um canal. Eu nadei.
    Hoje eu enfrentei. Olhei no olho. Eu encarei.
    Hoje eu abracei o melhor abraço! E descansei meu último cansaço.
    Hoje eu até sonhei. Eu consolei e fui consolado.
    Cada afago e sorriso dado, eu pensava, é para ele!
    Ah, hoje eu fui ele!
    Ontem eu fui ele.
    E amanhã serei de novo, ele.
    Porque ele agora anda pelas minhas pernas, pensa com minha cabeça, fala pela minha boca.
    Ele são muitos eus.
    Incapaz de sermos detidos.
    Porque somos o que o ódio não consegue ser!

  • Poema do desterro

    Poema do desterro

    Os dias de abril vão acabando com a gente

    17 em 2016

    04 em 2018

    E outro ainda virá neste mesmo ano

    Para lembrar o abaixo de tudo a que nos relegam.

    Para que gargalhem as hienas, abutres  e vermes

    Não aguento mais o dia seguinte

    Não tenho mais coração

    Arrancaram-no com o Power-point  da desfaçatez

    As balas do ódio

    O  jejum manipulador de mentes

    A colheita das provas necessárias à condenação política

    Os twittes dos milicos ameaçadores em cadeia nacional

    Não me peçam um coração para refazer o mundo

    Só tenho flecha

    Machado

    Alforje e cabaça

    Chamem os Orixás  à Terra

    À guerra e seus infindáveis começos