Jornalistas Livres

Tag: Pec 55

  • 13 de dezembro de 2016 – O começo do fim do mundo

    13 de dezembro de 2016 – O começo do fim do mundo

    Em 13 de dezembro de 1968, o regime militar que governava o país com o apoio do empresariado local e os serviços de inteligência dos Estados Unidos, sócios no golpe de estado que derrubou o presidente João Goulart, promulgava o Ato Institucional Número 5, o AI5. Uma resposta aos movimentos populares, especialmente de estudantes, que clamavam por mais liberdade, trazia em seu preâmbulo a mentira oficial de seu objetivo: “com vistas a encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país”. Entre seus artigos, suspendia a garantia do habeas corpus e previa o confisco de bens considerados de origem ilícita (como pedem atualmente os procuradores da Lava-Jato), permitia ao presidente-general intervir nos estados e municípios, cassar mandatos parlamentares e suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão suspeito de subversão. No dia seguinte o Congresso foi fechado e somente reaberto quase um ano depois para referendar a escolha do próximo presidente militar. Foi o início do período mais duro da ditadura, com prisão, desaparecimento, tortura, morte e exílio de milhares de brasileiros.

    Recepção em Brasília - 13/12/2016 - Protesto contra a #PECdoFimDoMundo
    Recepção em Brasília – 13/12/2016 – Protesto contra a #PECdoFimDoMundo

    No dia 13 de dezembro de 2016, o Senado Federal, sob a liderança de um réu no Supremo Tribunal Federal por desvio de dinheiro público, aprovou em segunda votação com os votos de dezenas de senadores igualmente acusados de corrupção, com fartas provas, a Proposta de Emenda Constitucional 55, a PEC55, enviada por um vice-presidente que deu um golpe de estado apoiado pelos setores empresariais e financeiros transnacionais. A lei de arrocho constitucionalizado, algo que nenhum outro plano de “ajuste fiscal” no mundo, mesmo em países com crises econômicas muito mais graves, realizou prevê o congelamento por 20 anos de todas as despesas primárias do governo federal. Isso significa que os investimentos em saúde, educação, segurança pública, cultura, infraestrutura, pagamentos de funcionários públicos, etc, será reajustado nesse período apenas pela inflação do ano anterior. Os gastos com juros dos títulos públicos, por outro lado, ficam livres do garrote. Assim, os confrontos entre setores da sociedade pelo mesmo montante de dinheiro são inevitáveis, da mesma forma que e a deterioração dos serviços públicos e a revolta dos setores mais vulneráveis. A opção do governo para controlar o país foi demonstrada com a intensa repressão vista em todo o Brasil, com manifestações em oito capitais.

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    Em Brasília, os atos estavam marcados para o horário previsto para o início das discussões, 17:00. Mas ao chegarmos à Capital Federal, já encontramos o Congresso cercado com policiais revistando as mochilas e a notícia da mudança do horário de votação para as 10:00. De fato, mesmo com um atraso, antes das 14:00 a PEC 55 fora aprovada por 53 votos a 16, frustrando milhares de ativistas que percorreram centenas de quilômetros para pressionar o Senado mudar de posição. Com isso, as pessoas andavam desnorteadas pela Esplanada dos Ministérios. A maior aglomeração era a fila da esperança de ganhar na loteria. Apenas uma ou outra manifestação isolada denunciava a morte da saúde e educação com a PEC55.

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    Perto das 17:00, horário marcado para as manifestações, anarquistas e BlackBlocs começam a ficar impacientes vendo que a polícia não deixará grupos, bandeiras ou carros de som passarem até o Congresso para a legítima manifestação. Sentem que a repressão espera apenas uma desculpa, como aconteceu dia 29/11. Mas dessa vez, atraiçoados pelo Senado que mudou o horário da votação para desestimular qualquer reação popular, não pretendem recuar.

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    Enquanto aguardam alguns ônibus detidos no caminho, brincam de pular fogueira para passar o tempo.

    Quando já não há o que fazer, numa última tentativa de atravessar o bloqueio policial sem confronto, uma manifestante oferece flores e filosofia à polícia. O oficial da primeira barreira a deixa passar apenas para ser barrada três metros adiante. É exigido dela que tire a máscara e o policial mal aguenta segurar o dedo no gatilho do gás de pimenta, o que efetivamente faz minutos depois e para todos os lados.

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    O grupo de policiais sem equipamento de proteção para o confronto (interessante essa estratégia, não?) que agrediu os manifestantes com gás de pimenta recua sob pedradas. Uma delas realmente atingiu um policial que sangra na cabeça. É a senha para o avanço da tropa de choque que lança uma nuvem de bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. E, na sequência planejada, a cavalaria.

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    O contraste dos cavaleiros vestidos de negro e armados com longos cassetetes em frente as curvas delicadas nas estruturas em concreto branco da Catedral de Brasília dá o tom de um tempo que deveria ter acabado há 31 anos.

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    O contingente policial é impressionante (e ainda havia fuzileiros navais em alerta atrás do Congresso). Mas pela primeira vez, não foram apenas os manifestantes e transeuntes inocentes que sofreram com as bombas de gás. Também a polícia teve sua dose de ardor nos olhos e garganta. Dois fatores concorreram para isso: o vento a favor dos manifestantes e o fato de que vários usavam luvas para jogar de volta as bombas ou as chutavam.

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    Impedidos de protestar na Esplanada dos Ministérios, local construído para manifestações democráticas, e sem qualquer chance de se aproximarem do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (a opção proposta por alguns grupos para pedir a anulação do impeachment e da inconstitucional PEC55) os manifestantes se espalham pelas ruas de Brasília. A polícia vai atrás, intimidando qualquer um que cruzasse seu caminho e distribuindo fartas quantidades de gás de pimenta.

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    Alguns Black Blocs derrubaram caçambas, incendiaram lixo, um ônibus e depredaram agências bancárias e uma concessionária de veículos enquanto tentavam se reagrupar.

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    E reagrupar de fato era uma necessidade. Por mais de três horas a polícia percorre as ruas da cidade literalmente caçando quem prender. Mas não investe contra grupos grandes, apenas jovens desacompanhados ou em número de no máximo três. Aí, qualquer indício de participação na manifestação poderia ser motivo para revistas e detenções.

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    No final, mais de 70 jovens foram detidos e até agora segue a controvérsia sobre do que serão acusados e em que lei serão enquadrados: se na Lei de Segurança Nacional da Ditadura, em depredação do patrimônio ou na nova lei de terrorismo. Mas depois de uma presidenta legítima ter sofrido impeachment sem um crime de responsabilidade ou qualquer acusação de corrupção, e o presidente do Senado ter recusado uma ordem judicial do Supremo Tribunal Federal sem qualquer consequência, não parece que as leis valem grande coisa nesse país. Ganha quem grita mais alto.

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    Um exemplo é que qualquer pessoa que filmasse as detenções ou questionasse os motivos também era intimidada e ameaçada de ser levada para a delegacia como testemunha e ter seu equipamento apreendido como prova, apesar desse procedimento ser francamente ilegal. Isso aconteceu duas vezes com esse repórter, pelo menos uma com um aluno e mais uma vez com professores da Universidade Federal de Uberlândia que, aliás, foram revistados por duas vezes por grande quantidade de policiais no ponto de encontro com os alunos apesar de nenhum ter participado de qualquer ato de depredação ou confronto em nenhum momento do dia.

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    Felizmente mesmo os cinco alunos detidos no começo do dia por portarem vinagre e máscaras contra gazes (apreendidas nas revistas às quais se submeteram sem reação por não portarem nada ilegal) foram liberados rapidamente e todos retornamos bem a Uberlândia.

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    Da próxima, talvez não tenhamos tanta sorte. Afinal, assim como em 1968 com o AI5, a PEC 55 é apenas o prenúncio de tempos terríveis. As TVs e grandes jornais e revistas alardeiam o tempo todo que essa é a única forma de encontrar “os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país”. Mas já ouvimos essa história há 48 anos e sabemos o que aconteceu no passado não tão distante…

     

  • A PEC 55 é uma burrice!

    A PEC 55 é uma burrice!

    A PEC 55 é excludente!

    Desde Adam Smith, sabemos que os donos do capital, ao decidir por um investimento, preocupam-se exclusivamente com seu próprio lucro. Contudo, Smith foi além: a taxa de lucro dos capitalistas não sobe com a prosperidade e cai com o declínio da sociedade. Ao contrário, a taxa de lucro é naturalmente baixa em países ricos e alta em países pobres e é a mais alta de todas em países que se encaminham rapidamente para a ruína. O interesse da classe empresarial não tem a mesma conexão com o interesse geral da sociedade como tem o interesse trabalhador e do dono da terra, concluía ele.

    Ao apoiar o engessamento das finanças públicas por 20 anos, a elite empresarial está dizendo em alto e bom som que o bem-estar da sociedade brasileira não lhe diz respeito. Importa capturar parcela maior do orçamento público, importa criar fontes de lucro com a privatização de funções do Estado. O país, que começou recentemente a incluir seus pobres, voltará a excluí-los.

    A PEC 55 é antidemocrática!

    O programa econômico eleito, através da presidenta Dilma, não contemplava esse asfixiamento das finanças públicas. O teor da emenda não passou pela aprovação do voto popular. O poder executivo que lidera a proposta, com apoio das elites empresarial, política, do judiciário, da procuradoria e da grande mídia, não tem a legitimidade conferida pela população. Usam um golpe de estado, perpetrado contra o desejo manifesto da população na eleição de 2014, para impor a vontade de um grupo. O desprezo, deste grupo, à democracia é incontestável.

    A PEC 55 é desumana e cruel!

    A proposta coloca em risco o direito à vida dos mais pobres. As deficiências que sabemos existir na saúde e na educação públicas perdem relevância diante da possibilidade de falência completa desses serviços. O aumento de eficiência nunca foi, nem nunca será conquistado com estrangulamento de investimentos.

    A PEC 55 é uma traição!

    A possibilidade de nos aproximarmos dos países mais desenvolvidos diminui consideravelmente com o congelamento dos gastos públicos. Essa emenda destrói nossas esperanças em um país mais justo, que tenha sua força econômica derivada do consumo interno. Os direitos à saúde, à educação, à assistência social ficam instantaneamente reduzidos e, com eles, o próprio desenvolvimento econômico. É uma traição aos interesses da nossa nação retardar, deliberadamente, seu avanço.

    A PEC 55 é uma burrice!

    A retomada do crescimento econômico fica mais distante com a aprovação do congelamento do investimento público. O consumo pelos trabalhadores está retraído pela perspectiva de aumento do desemprego, o investimento pelos empresários está parado à espera de sinais de volta do crescimento e, com a emenda de agora, o governo está anunciando que, de sua parte, não sairá o impulso para reverter a recessão. Não há termo mais adequado do que burrice para qualificar a ação que dificulta acentuadamente a saída da debilidade econômica em que nos encontramos.

    Políticos, empresários, juízes, procuradores e donos dos meios de comunicação que aprovaram a PEC 55 ficarão marcados como egoístas, antidemocráticos, desumanos, cruéis, traidores e, sobretudo, burros.

    Nota

    “The plans and projects of the employers of stock regulate and direct all the most important operations of labour, and profit is the end proposed by all those plans and projects. But the rate of profit does not, like rent and wages, rise with the prosperity and fall with the declension of the society. On the contrary, it is naturally low in rich and high in poor countries, and it is always highest in the countries which are going fastest to ruin. The interest of this third order, therefore, has not the same connection with the general interest of the society as that of the other two.”

    (Adam Smith – https://www.marxists.org/reference/archive/smith-adam/works/wealth-of-nations/book01/ch11c-3.htm )

  • Solidariedade e luta contra a opressão em Brasília

    Solidariedade e luta contra a opressão em Brasília

    Saímos de Campina Grande, Paraíba no domingo, dia 27. Éramos três professores: um do IF e dois da UEPB, e os demais 42 eram estudantes secundaristas e universitários. No dia da nossa chegada, nos concentramos na UNB.

    No dia seguinte, fomos ao local das atividades. Após concentração e distribuição do almoço no MEC, assistimos a fala da Maria Lúcia Fatorreli.

    Em seguida, caminhamos para a concentração no Museu e de lá caminhamos em direção ao Senado. Nunca tinha visto tanta gente na rua lutando pela mesma causa. Não sou a melhor pessoa para números, mas acredito que tínhamos 50.000 pessoas na rua. A energia era forte, uma mistura de determinação e esperança. Nosso grupo rapidamente chegou ao gramado que antecede o espelho d’água. Sem identificação aparente, os policiais já estavam posicionados para nos receber. Até então não houvera nenhum tipo de embate, apenas algumas pessoas dentro da água. Do lado oposto, uma mulher dizia algo para os policiais. Nesse momento tive a idéia de abrir a bolsa e pegar o celular. Nessa fração de segundo ouvi uma vaia generalizada e levantei os olhos: a mulher estava inerte na água. Todos se revoltaram com o fato do policial jogar spray de pimenta algumas vezes e ela não recuar. No entanto, a maior revolta foi a agressão física que a fez desmaiar na água: enquanto jogava o spray, ele a chutou no rosto. Lembrem- se que ela estava no nível mais baixo ( na água) e ele no terraço do Senado. Sim, a polícia provocou e começou as agressões. Aí, tudo virou um caos. Um grupo virou um carro branco, acendeu o fogo e em seguida o empurrou em direção aos policiais, numa espécie de barricada para tentar resgatar a moça. Outras pessoas foram de mãos para cima para tentar negociar a retirada garota, mas também levaram spray de pimenta.  Nesse momento, as bombas de gás lacrimogêneo começaram a cair por todos os lados. Uma caiu na nossa frente, saímos de lá com aquela sensação de queimor insuportável, mas, ao mesmo tempo, já estávamos com pequenas quantidades de vinagre (como o leite de magnésio, vinagre é eficaz para os sintomas causados pelo gás). Todas essas recomendações recebemos e propagamos na viagem, bem como as estratégias de rota de fuga ( com uma montagem de um mapa do plano piloto) em caso de embate com a polícia, dispersão ou desencontro.

    A medida em que recuávamos, a polícia avançava. Ela não poupava ninguém. Quando o protesto começava a tomar corpo, já se aproximava do fim o expediente dos trabalhadores. Ninguém foi poupado. Vi idosos, mulheres com crianças, e nós, os militantes, apanharmos muito. O desespero era fugir do gás e, simultaneamente, retirar quem estivesse atingido ao lado: foi a maior lição de solidariedade que vivi.

    Nossa janela de fuga (sim, porque 95% das pessoas que lá estavam não foram preparadas para uma guerrilha urbana) foi proporcionada pelos Black Blocks. Eles retardaram o avanço da polícia e criaram, junto com alguns militantes mais experientes, barricadas para conter o avanço policial. Eles também apanharam muito. Carros foram queimados para distrair atenção dos agressores, painéis e alguns prédios de ministérios foram quebrados na tentativa de diminuir as agressões e salvar as pessoas feridas.

    Nesse momento percebemos os helicópteros (contei 4 diferentes). No início eu achei que era apenas para acompanhamento da movimentação da massa. Já no início da noite, algumas aeronaves começaram a fazer voos mais baixos, logo seguidos do estouro de uma nova bomba. Não vi cair nenhuma bomba dos helicópteros, mesmo porque o inferno estava no solo, mas a polícia estava muito longe para que as bombas chegassem a nós. O pior aconteceu quando a cavalaria entrou em ação. O pânico tomou conta. As pessoas corriam enlouquecidas com medo de serem pisoteadas pelos cavalos. E o confronto seguiu nesse terror. Estávamos assustados demais para reagir e, em nosso grupo, a prioridade era proteger os alunos já que a maioria deles nunca tinham presenciado embates tão duros. Hoje percebo que o país inteiro não tinha vivido tão recentemente tamanha truculência.

    Conseguimos enviar boa parte do grupo para o ônibus, mas ainda tínhamos que pegar os outros no nosso ponto de fuga. Criou-se assim uma espécie de equipe de resgate. Nesse momento trocamos de blusas, tiramos botons/adesivos e jogamos as bandeiras fora. O mais importante era restabelecer em segurança o grupo. As bombas continuavam a cair. Um dos impactos que a bomba causa é o impacto psicológico: elas têm um som ensurdecedor e treme o chão quando toca o solo. Ainda assim, depois de juntarmos quase todos e o clima aparentemente ter acalmado, ainda tínhamos os desaparecidos. Só tínhamos duas alternativas: hospital ou cadeia. A ajuda dos companheiros que não estavam no protesto foi fundamental. Eles nos ajudaram a localizar várias pessoas, entre elas, nossa companheira desaparecida que estava no hospital da UNB. Ela foi socorrida por uma enfermeira que tinha na mão o magnésio e a achou desacordada debaixo de uma árvore. Não sabemos seu nome, apenas que salvou nossa aluna. Para esta pessoa os meus mais sinceros agradecimentos. Não são todos que se dispõem a salvar a vida do outro, colocando a sua própria em jogo. Não podemos esquecer da equipe médica que a atendeu. Não tenham dúvidas de que foi um belíssimo trabalho, já que nossa aluna possuía uma fragilidade pulmonar que complicou os sintomas do gás em seu corpo. Obrigada equipe médica da UNB.

    Ao acordar, nossa aluna conseguiu passar as informações para o pessoal do hospital, que entraram em contato com familiares e professores de sua unidade de ensino que, por sua vez, entraram em contato conosco. Ela nos relatou que o hospital estava cheio e que, em sua maioria, mulheres eram as principais vítimas, sobretudo as que estavam com os seios desnudos. Impossível não fazer um leitura sociológica desse fenômeno.  Ela também nos relatou um caso de uma criança que aparentava 10 anos. Ela e sua mãe estavam muito machucadas: a mãe com marcas roxas pelo corpo causado pelo cacetete, a criança com 15 pontos na boca, em direção às maçãs do rosto. A mãe foi buscá-la na escola vestindo uma camisa do “Fora Temer” e, por azar, estava no olhou do furação. A mãe foi agredida pelo policial que, não satisfeito com o espancamento, partiu para agredir a criança.

    Pude perceber que existia prazer em alguns policiais em agredir as pessoas, outros, nos indicavam com um olhar uma rota de fuga. Pessoas e pessoas.

    Não posso deixar de mencionar o papel de alguns cidadãos de Brasília. Mesmo não estando no protesto, eles nos indicavam os possíveis caminhos para fugir daquela insanidade. Muito obrigada.

    Já passava das 21h e ainda tínhamos alunos desaparecidos. Ficamos sabendo que a polícia tinha fechado a rodoviária e estava prendendo militantes dentro dos ônibus estacionados nas imediações da rodoviária. Ao mesmo tempo, dois dos nosso alunos estavam em outra localidade com uma delegação diferente. Decidimos pegar um táxi e entrar na rodoviária para procurarmos o último desaparecido. Para nossa sorte, recebemos mensagem de que ele tinha encontrado nosso transporte e estava a salvo. Assim retornamos ao ônibus e saímos de Brasília naquele mesmo momento.

    Sentimos falta da presença da CUT e MST.  Acredito que se eles estivessem lá o resultado poderia ser diferente. No entanto, as entidades que estavam, nos deram maior apoio possível, inclusive, de ordem tática. Não foi a toa que a polícia deu voz de prisão aos manifestantes que estavam no alto do trio elétrico chamando a militância a resistir ao avanços dos policiais.

    Acredito que o protesto de ontem e seus desdobramentos deram início a outro momento na história do país. E o protagonismo será da juventude. Cabe a nós, os professores, o papel de elaborar proteger, orientar, salvar, zelar e agir por nosso jovens.

    Desculpem-me eventuais erros e equívocos, mas ainda estamos na estrada rumo ao nosso destino.  Neste momento, 20:56 do dia 30/11/16, em algum lugar desta enorme Bahia, a caminho de casa, decidi escrever esse texto como forma de informação, mas também de expurgo para a compreensão geral dos chocantes acontecimentos de ontem.

    É impressionante o crescimento individual deste grupo de alunos. Eles estão mais coesos e solidários. No início da viagem houve pequenos ruídos por causa dos posicionamentos de um grupo de alunos com outro grupo que tinha orientação LGBT. Neste exato momento estou sentada entre dois grandes grupos que estão debatendo questões específicas. Os rapazes mais conservadores estão discutindo gênero com parte do grupo LGBT e o outro discutindo formas de exploração do trabalho. Se tornaram homens e mulheres, literalmente, do dia pra noite. Eu apenas os observo, afinal quem mais está aprendendo aqui sou eu. E meu coração está inundando de amor e felicidade.

    A PEC passou e irá passar. Mas o sentimento de que fiz (fizemos) tudo que estava ao meu (nosso) alcance me conforta, mas não me resigna. Saio mais convicta da necessidade da luta.

    *Mauriene Freitas é professora do Departamento de Letras e Humanidades da Universidade Estadual da Paraíba.

    Brasília, 29/11/2016. Foto: Maxwel Vilela
    Brasília, 29/11/2016. Foto: Maxwel Vilela
  • O povo contra a PEC 55, a polícia contra o povo.

    O povo contra a PEC 55, a polícia contra o povo.

    Brasília, 29 de Novembro de 2016: dia da votação da PEC 55 no Senado Federal. A emenda constitucional que prevê o congelamento de investimentos públicos em diversas áreas, inclusive saúde e educação, por 20 anos. Caravanas de toda parte do Brasil e de diversos movimentos sociais se mobilizaram em direção à Esplanada dos Ministérios. Lá, em frente ao Congresso Nacional, manifestaram sua indignação e contrariedade à medida. Mas um governo golpista renega a democracia, a liberdade de expressão, o direito à livre manifestação. A sua marca é intolerância, o silenciamento, a truculência. Em vez de diálogo, a resposta é a violência policial.

    Segundo relatos de estudantes presentes no local, a confusão começou quando um policial atirou spray de pimenta no rosto de uma mulher. De braços erguidos e pedindo para não sofrer agressões gratuitas, a mulher foi golpeada pelo policial com um chute no rosto. Estudantes que foram socorrê-la se tornaram alvos para bombas de gás.
    Atitude desumana vinda de uma polícia fascista que ataca gratuitamente estudantes, trabalhadores, mulheres e idosos.

    A crueldade faz parte da rotina da polícia no Brasil.

     

  • Pernambuco se une para discutir reformas Fiscal e do Ensino Médio

    Pernambuco se une para discutir reformas Fiscal e do Ensino Médio

    Por Jonatas Campos, especial para os Jornalistas LIvres

    O plenário da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) não comportou os cerca de 500 estudantes, professores e representantes de entidades educacionais que estiveram presentes à audiência pública que tratou das ocupações nas instituições,tanto do ensino médio quanto universitário. A reunião teve que ser transferida para o estacionamento do Palácio Joaquim Nabuco, onde foi montada uma estrutura com microfone e som para que a audiência fosse realizada.

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    Os estudantes têm ocupado escolas, institutos e universidades federais como forma de protesto à reforma do Ensino Médio, proposta pela Medida Provisória nº 746, e à PEC nº 55, também conhecida como PEC do Teto dos Gastos Públicos,que institui um Novo Regime Fiscal que deve vigorar por 20 anos e que, se aprovada no Senado, vai afetar as áreas da saúde, educação e previdência social. As iniciativas são do Governo Federal.

    A reunião, promovida pelas Comissões de Educação e Cultura e de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular, resultou na formação de um grupo de trabalho composto por representantes das comissões do Poder Legislativo, da OAB, do Ministério Público, das ocupações e da Secretaria de Educação do Estado, que também será convidada a participar. O primeiro encontro do grupo será na terça-feira (22), às 10h, no Ginásio Pernambucano.O objetivo é acompanhar o andamento das ocupações.

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    A audiência pública encaminhou ainda algumas ações, como oficiar ao Senado Federal a necessidade de suspender o processo legislativo da PEC nº 55 e possibilitar a participação da sociedade civil, sugerir à Câmara dos Deputados a rejeição da MP nº 746 e recomendar ao Governo do Estado que se abstenha de qualquer medida de força para promover as desocupações das escolas.

    Os presidentes das comissões, Teresa Leitão (PT) da Educação e Edilson Silva (PSOL) da Cidadania, afirmaram que a Alepe é um espaço democrático, em que todos têm voz. O parlamentar do PSOL defendeu o “debate republicano” como essencial para fortalecer ademocracia. Já Teresa Leitão afirmou que “não é possível governar sem ouvir quem é alvo e sujeito das políticas governamentais”. A audiência pública contou ainda com a presença da deputada Priscila Krause (DEM) que defendeu as iniciativas do atual governo e afirmou que a PEC é necessária.

    Os parlamentares ouviram estudantes que estão ocupando as escolas e universidades, bem como alunos que defendem o fim das ocupações. Também se manifestaram,membros de entidades sindicais e professores contra e a favor do movimento estudantil. Representantes da OAB e do Ministério Público de Pernambuco ressaltaram que a democracia precisa ser respeitada e que os estudantes têm o direito de se manifestar. Eles ressaltaram ainda que não será admitida violência policial contra os ocupantes das instituições de ensino.

  • Ana Júlia: a voz que simboliza a luta da educação

    Ana Júlia: a voz que simboliza a luta da educação

    Por Ricardo Gozzi, especial para os Jornalistas Livres.

    De Curitiba

    A estudante paranaense Ana Júlia se despontou na tarde de 26 de outubro como símbolo nacional do movimento de ocupação das escolas públicas. Os holofotes voltaram-se para a secundarista quando, do alto de seus 16 anos, fez um comovente discurso em defesa da escola e da educação públicas.

    Por alguns minutos, ela silenciou os deputados que assistiam à sessão daquela tarde na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). De quebra, a jovem mitou ao confrontar com um humilde pedido de desculpas – mas sem se intimidar nem retirar suas palavras – a truculência com que o presidente da casa, Ademar Traiano (PSDB), ameaçou cortar antecipadamente sua palavra e encerrar a sessão.

    A presença de Ana Júlia na tribuna da Alep, no entanto, pode ser chamada de acidental. É muito provável que o discurso daquela tarde nem ao menos tivesse acontecido se, nos dias que antecederam à intervenção da jovem, a direita raivosa não tivesse agido como é de seu costume ao tratar das ocupações.

    A semana do discurso de Ana Júlia começou com uma tragédia. Dois dias antes, o estudante Lucas Eduardo de Araújo Mota, também de 16 anos, foi morto por um colega no Colégio Estadual Santa Felicidade, uma das mais de 800 escolas públicas ocupadas pelos estudantes naquele momento no Paraná. A mídia tradicional e a direita não pensaram duas vezes antes de tentar tirar proveito da tragédia.

    Até aquela segunda-feira, mais de mil escolas públicas e universidades haviam sido ocupadas em todo o Brasil, mas o assunto só virou “notícia” nacional quando Lucas foi assassinado. E o enfoque principal desses noticiosos foi a morte na escola ocupada, e não as mais de mil escolas ocupadas em todo o país naquele momento.

    Antes mesmo de serem conhecidas as circunstâncias do assassinato de Lucas, o governador do Paraná, Carlos Alberto Richa (PSDB), foi o primeiro a tentar tirar proveito da situação. “É uma tragédia chocante, que merece uma profunda reflexão de toda a sociedade”, escreveu Richa em suas redes sociais. “Renovo o meu apelo para que os pais redobrem o cuidado com seus filhos. Peço ainda, mais uma vez, que os estudantes encerrem esse movimento”, prosseguiu.

    A morte de Lucas levou os estudantes do Colégio Santa Felicidade a encerrarem a ocupação. Nas demais escolas, porém, a mobilização estudantil seguia ganhando corpo, mesmo com membros do MBL atuando na condição de milícia pró-governo ao tentarem desocupar escolas à força, especialmente em Curitiba.

    Em 25 de outubro, dia seguinte à morte de Lucas, o deputado estadual Hussein Bakri (PSD), que preside da Comissão de Educação da Alep, montou um circo de horrores na Assembleia. A convite do deputado, o estudante de jornalismo Patrick Egnaszevski e o professor da rede estadual de ensino Gilmar Tsalikis, ambos integrantes do Movimento Desocupa Paraná, usaram a tribuna da Alep para defender a desocupação das escolas na esteira da morte do jovem Lucas, que só teve uma roupa para o sepultamento graças a uma vaquinha.

    O Movimento Desocupa Paraná é parte de uma contraofensiva organizada pelo MBL às ocupações das escolas pelos estudantes. À tribuna da Alep, Patrick subiu envolto em uma bandeira do Brasil e leu o que chamou de “manifesto contra a morte de um estudante”. Em resumo, o manifesto lido por Patrick responsabiliza pela morte de Lucas os alunos engajados nas ocupações, por ele chamadas de ridículas e “famigeras”, líderes sindicais e uma tal “ideologia fálida”. Patrick encerrou o discurso padrão do MBL exigindo uma CPI da APP-Sindicato, entidade que representa os professores da rede pública estadual do Paraná. Depois foi a vez do professor Gilmar seguir uma linha parecida. Em nenhum momento de seus discursos, porém, Patrick ou Gilmar citaram o nome de Lucas. Quem quiser entender por que o discurso de Ana Júlia viralizou e os de Patrick e Gilmar não, é só tomar um sonrisal e ouvi-los:

    https://www.youtube.com/watch?v=3Pe0XqVKYpM

    https://www.youtube.com/watch?v=aMULS2CVyo0

    Na sequência das exposições contrárias às ocupações, os deputados governistas, que desde o fim de 2014 acostumaram-se com a rotina de serem vaiados quando saem em defesa dos sucessivos pacotes de maldades oriundos do Palácio Iguaçu, deram início a uma verdadeira peregrinação à tribuna para disparar uma sequência de discursos fascistóides na tentativa de arrancar aplausos dos integrantes do Movimento Desocupa Paraná que ocupavam as galerias.

    (Vídeo da sessão na íntegra)

    Quando deputados da oposição subiram à tribuna para discursar em favor dos secundaristas, o público presente passou a hostilizá-los incessantemente. Traiano precisou intervir mais de uma dezena de vezes para pedir silêncio nas galerias, quase todas elas sem se exaltar. Os xingamentos foram tantos que o deputado Tadeu Veneri (PT) convenceu Traiano a abrir espaço no dia seguinte para que a oposição levasse dois convidados para expor a visão dos secundaristas contrários à MP 746.

    Até aquele momento não havia nada programado para a sessão do dia seguinte. Para dificultar ainda mais, a União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes) teria assembleia durante todo o dia em 26 de outubro e não poderia mandar nenhum representante. Foi a partir de conversas com pessoas ligadas às ocupações que assessores de Tadeu Veneri chegaram a duas adolescentes sem vínculo com nenhuma entidade estudantil, mas antenadas ao movimento.

    Na tarde de 26 de outubro, as estudantes Ana Júlia e Nicole chegaram à Alep acompanhadas dos pais. No gabinete da Liderança da Oposição, mal conseguiam controlar a ansiedade, mas em nenhum momento pensaram em recuar da possibilidade de falar ao plenário.

    Assim apareceram Nicole, estudante do Colégio Estadual Santa Felicidade, e Ana Júlia, aluna do Colégio Estadual Senador Manoel Alencar de Guimarães. A fala de Nicole, apesar de mais concisa, em nada ficou a dever à de Ana Júlia, mas a emoção incontida e o confronto com Traiano colocaram a segunda em destaque.

    É plausível afirmar que sem a tentativa da mídia de criminalizar as ocupações, sem as ações violentas do MBL para desocupar as escolas, sem o show de horrores da sessão legislativa de 25 de outubro de 2016, hoje talvez não conhecêssemos a voz de Ana Júlia, mas seus questionamentos encontrariam eco em alguma outra voz: “De quem é a escola? A quem a escola pertence?”

    Assista ao discurso de Nicole:

    Assista ao discurso de Ana Júlia: