Pelo visto, tudo indica que desta vez a Praça Tiradentes será do povo neste 21 de Abril, em Ouro Preto, assim como o céu é do condor. A histórica cidade contará com duas solenidades distintas neste sábado: a tradicional entrega das Medalhas da Inconfidência pelo governo mineiro acontecerá pela primeira vez no Centro de Artes e Convenção da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), no bairro Pilar, enquanto os movimentos populares vão se concentrar na Praça da Rodoviária a partir das 8h30, e dali marcham rumo à Praça Tiradentes, onde haverá a entrega da Medalha ‘Quem Luta Educa – Lula Livre’ a diversas personalidades populares.
Este ato, previsto para as 11 horas, deverá contar com a presença de Lurian, que representará o pai, Luiz Inácio Lula da Silva. Ela será homenageada ao lado de representantes do movimento popular como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Memorial da Anistia, representes do povo sírio e da vereadora Marielle Franco, executada no Rio de Janeiro, e entidades dos trabalhadores, entre outras.
Já a entrega da Medalha da Inconfidência ocorrerá em local fechado e contará também com a presença de diversas personalidades, como o argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980, uma representante da vereadora Marielle Franco, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), o cartunista Laerte Coutinho, a filósofa e artista plástica Márcia Tiburi, Sílvio Neto, da direção do MST; o representante da Escola de Samba Paraíso Tuiuti, do Rio, Renato Ribeiro, o garçom do restaurante Casa do Ouvidor, Zé Preto, e Aline Ruas, do Movimentodos Atingidos por Barragens, entre muitas outras pessoas a serem homenageadas.
Segundo o governo mineiro, a entrega das Medalhas da Inconfidência ocorrerá no Centro de Convenções da Ufop a pedido da comunidade e da Prefeitura de Ouro Preto.
Na última sexta-feira, 30, o diretor do Departamento de Posturas da Prefeitura de Ouro Preto, em Minas Gerais, José Geraldo, esteve pessoalmente na Ocupação Chico Rei e ameaçou demolir as casas que estão sendo construídas no lugar.
Segundo Natália de Cássia, uma das coordenadoras da Ocupação, a ameaça foi feita na presença de mais de 20 pessoas. “Ele veio aqui, acompanhado de outros fiscais e de guardas municipais e disse que voltaria em breve para jogar as casas no chão”.
Natália disse, ainda, que os ocupantes estão dispostos a resistir até à morte. “Nós só sairemos daqui mortos. Seria o fim do mundo, a gente ter que sair e deixar as terras para os grileiros. Cada família, aqui, só quer 150 m² para morar e estamos dispostos a pagar um valor que caiba no nosso orçamento. Um lote em terra firme em Ouro Preto custa mais de R$ 150 mil”.
Foto por Patrick C. Souza, para os Jornalistas Livres
A Ocupação Chico Rei está instalada, há um ano, em uma pequena parte de um terreno de 271,5 hectares, pertencente ao estado de Minas Gerais e que está cedido à prefeitura da cidade desde 1997, em regime de comodato. O termo de cessão vem sendo renovado sucessivamente e o último, assinado em 2012, prevê que as terras ficarão com a prefeitura até 2032 (????).
Cerca de 99% deste terreno já foi grilado.
A ocupação é formada, hoje, por aproximadamente 120 famílias. Dessas famílias, apenas 6 moram no lugar. As outras marcaram lotes e frequentam atividades na Ocupação, dentre elas, as reuniões ordinárias que são realizadas todas às sextas-feiras, às 18h, em frente à sede do movimento (uma casa recém construída de pau-a-pique). As paredes de mais 5 casas estão sendo levantadas.
A maioria das famílias da Ocupação Chico Rei mora de aluguel, de favor e em áreas de risco alto, segundo classificação da Carta Geotécnica de Ouro Preto.
A Universidade Federal de Ouro Preto desenvolve cinco projetos de extensão no lugar.
As casas estão sendo construídas de forma ordenada, respeitando-se, por exemplo, os espaços onde serão construídas ruas de 7 m de largura e calçadas de 1,5 m.
A Ocupação Chico Rei começou em 25 de dezembro de 2015, com a ocupação das terras da siderúrgica Novelis/Hindalco, do grupo indiano Adhitya Birla, sucessora da canadense Alcan, ambas produtoras de alumínio, e está hoje na região da antiga Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor) de Ouro Preto.
Foto: Wanderley Kuruzu
Segundo Patrick Souza, do Movimento Mudança, “a ocupação está inserida no movimento de luta por moradia e planejamento urbano, que existe na cidade desde 2004. Chegamos a ter mais de 500 pessoas nessa ocupação. Tomamos reintegração de posse e migramos para as terras da antiga Febem, que hoje são do estado de Minas, cedidas à prefeitura desde 1997.”
Foto: Wanderley Kuruzu
Com o lema “Terras de Ouro Preto para preservar o patrimônio cultural e natural, melhorando a vida das pessoas”, os passos do movimento hoje giram em torno de encontrar terras que não cumprem sua função social e torná-las aptas para moradia, já que há uma falsa informação de que a região de Ouro Preto é de difícil ocupação devido ao terreno íngreme. Ao contrário do que é dito, o Movimento afirma que há terras suficientes para não ser necessário que ninguém more em áreas de risco alto de desastre.
Foto: Wanderley KuruzuO nome da Ocupação é em homenagem a uma grande liderança negra. Chico era rei de uma tribo na África, foi capturado, trazido para o Brasil, feito escravo, juntou dinheiro e comprou sua liberdade e de seus companheiros. Sobre a articulação no local, Patrick explica: “São cerca de 30 pessoas permanentes. Mais uma 200 que frequentam nossas reuniões. Não é nosso interesse ter uma multidão no lugar. Queremos a construção de moradias nessas terras, quem sabe um bairro novo, bem planejado, numa cidade patrimônio cultural da humanidade, onde os pobres foram empurrados para áreas de risco alto e mto alto, principalmente para a Serra de Ouro Preto, de onde foi extraído o ouro que ajudou a financiar a Revolução Industrial. Essa classificação de áreas de risco está na Carta Geotécnica de Ouro Preto, de 2013. Mas nosso principal objetivo é chamar atenção para o problema e ajudar a mostrar soluções. Estamos de olho também no passivo ambiental deixado pelos canadenses, dentre eles, uma barragem de rejeito que fica acima da cidade e que contém, inclusive, soda cáustica.”
O feriado de Tiradentes é tradicionalmente um dia pomposo em Minas Gerais, sobretudo em Ouro Preto. Todo ano nesta data o governo mineiro homenageia com a Medalha da Inconfidência as “personalidades e entidades que contribuíram para o desenvolvimento de Minas Gerais e do Brasil”. A cerimônia ocorre na Praça Tiradentes, no centro histórico da cidade e é bem principesca, preservando todo o militarismo da cosmologia da Proclamação da República, com 21 tiros ao ar e cadentes marchando em traje de gala. No entanto, a edição deste ano teve um personagem que não combina muito com tanta ostentação: o ex-presidente e atual senador do Uruguai José “Pepe” Mujica.
Selecionado como convidado solene e orador do evento, ele foi premiado com o “Grande Colar”, a maior honraria do estado de Minas Gerais. Ao lado do governador Fernando Pimentel (PT), ele caminhou pelo tapete vermelho entre os militares mostrando o porquê foi chamado de “o presidente mais humilde do mundo”. Um espectador desinformado estranharia aquela figura baixinha e idosa, de calça jeans e moletom, cercado das pessoas mais ilustres do segundo maior estado do Brasil e no meio de um rito tão suntuoso.
Depois da entrega das medalhas, José Mujica foi ao microfone e discursou ao público. Pela sua fala, o pequeno senhor cresceu e reverberou para as centenas de pessoas que o ouviam. Atrás da Praça e das grades de proteção, além dos curiosos, havia uma multidão de ativistas de diferentes movimentos sociais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento sem Terra (MST) e o Levante Popular da Juventude que marcavam presença com os gritos “Não vai ter golpe” e “Fora Cunha”.
Foto: Sô Fotocoletivo / Jornalistas Livres
Este público sofreu uma grande derrota na Câmera dos Deputados no domingo passado, 17/04, com a aprovação do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rouseff. Ciente da baixa moral, Pepe abriu seu discurso com uma forte mensagem de coragem para os mineiros que o ouviam naquele instante e para os brasileiros que enfrentavam uma situação tão difícil:
“Se a vida me ensinou alguma coisa, foi que os únicos derrotados são aqueles que deixam de lutar.”
Foto: Sô Fotocoletivo / Jornalistas Livres
Com sua grande oratória, nos quinze minutos de sua fala Pepe Mujica, deu uma aula sobre diversos ideais da esquerda contemporânea: a união dos povos do sul e da América Latina, a igualdade entre todas as pessoas, a expansão dos direitos e o fortalecimento da democracia. No entanto, o ex-presidente do Uruguai explica que, mesmo diante dos cenários mais apocalípticos, sempre se deve lutar por um mundo melhor e por uma vida mais digna.
“A mensagem que quis transmitir hoje é que, no pior dos mundos, temos que persistir e começar de novo. Por quê? Porque a luta e a vida continua. (…) Estive 15 anos preso com meus companheiros. Começamos de novo e seguimos em frente. Mudamos o mundo? Não, mas melhoramos alguma coisa. (…) Nunca se vai trinfar totalmente e tão pouco estará totalmente derrotado. Por isso, se deve que ter fé e compromisso. E ter compromisso significa trabalhar um pouco mais.”
Em coletiva de imprensa, quando perguntado se concordava com a tese da atual presidenta brasileira que seu impeachment consistia em golpe, ele respondeu que não tem competência para comentar sobre o funcionamento institucional ou sobre a legislação brasileira. No entanto, ele fez uma ressalva:
“Não gosto que se rompa com o voto do povo. Porque, às vezes o povo erra, mas ele é o único que tem o direito de errar porque ele é quem paga o custo de seu erro. Este é um problema que vocês, brasileiros, têm que resolver.”
Leia o discurso de Pepe Mujica na integra e traduzido a baixo:
Se a vida me ensinou alguma coisa, foi que os únicos derrotados são aqueles que deixam de lutar. Vocês tem que saber que não há um prêmio no final do caminho. O prêmio é o próprio caminho, é a própria caminhada. Nossa luta é muito velha e são falsos os termos “esquerda” e “direita”. São apenas invenções da revolução francesa. Na realidade, são lados permanentes da condição humana, como os lados de uma moeda, que fluem e refluem permanentemente na historia. Nossos irmãos mais distantes Asoka, Epaminondas, Jesus, todos os que em seu tempo lutaram por um pouco mais de igualdade. E quem são, mineiros, que talvez nesta luta eterna, com fluxos e refluxos, com pontos de partida, com caídas, que voltam a se levantar? Há que aprender que, em uma vida desordenada, se necessita ter a coragem de sempre voltar a começar.
Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA
Sou do sul, venho do sul e represento o sul, os eternos esquecidos do planeta. Ser do sul não é uma posição geográfica, mas um resultado histórico. Venho do sul e cultivei amigos no Brasil, porque a América será livre com a Amazônia ou não será. Por quê? Porque, se não, permanecerá a vantagem da ciência e do conhecimento que o mundo central nos roubou, porque soubemos perder nossos melhores filhos, porque lhes pagam melhores salários no mundo central. Porque estamos entrando em outra era, globalizada, de comunicação, onde a fronteira mais tem haver com os negócios do que de amparo e de justiça ao povo.
E todos sabemos que a democracia nunca será reconhecida como perfeita e não poderá ser. Porque é uma construção humana e nós seres humanos não somos deuses. Por isso, porque somos diferentes, porque nascemos de lugares distintos, porque pertencemos a classes distintas, porque geneticamente temos matrizes em nosso DNA, porque nossa história pessoal nos dá ou nos tira… Seja o que for, nós homens somos semelhantes, mas cada um é particular e diferente. Porque não somos perfeitos, a sociedade tem e terá sempre conflitos.
No entanto, não podemos viver em solidão. Nós somos seres sociais. Ninguém pode viver em solidão. Precisa-se de cardiologista, precisa-se de mecânico, precisa de professores para seus filhos, precisa de alguém que dirija o ônibus, precisa-se de alguém que lhe cuide, precisa-se de parteiras quando se nasce e coveiros quando se morre. Porque somos sociais e temos defeitos. Porque somos diferentes, temos conflito. Por isso, precisamos da política.
Aristóteles tinha razão quando dizia que o homem é um animal político. Porque a função da política não é gerar confusão e aborrecer a gente. A função da política é dar um limite à dor e às injustiças. A função da política é lutar por um mundo melhor, mas, buscando conciliar permanentemente as inevitáveis diferenças. A função da política não é apagar, mas negociar as diferenças sociais. E por que me fixo nisso, mineiros?
Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA
Porque poderá ser que o resultado deste conflito que vive Brasil para as novas gerações é que muita gente jovem termine com esta conclusão: “A política não serve para nada e somos todos iguais”. E essa juventude se recolha e pensa que cada qual vai ficar na sua. Isso não é outra coisa que criar a selva de todos contra todos. Deve-se salvar a política. Deve-se elevar a altura da política e isso não é um problema de um partido, é um problema do Brasil.
Pior do que as derrotas é o desencanto. Viver é construir esperança, esperança em um mundo melhor. O que seria da vida sem utopias e sonhos? Que seria nossa existência se não um negócio, uma mercadoria que se compra e que se vende? Não! A espécie humana é outra coisa, é contraditória. Ela tem que sentir e tem sentimentos. Se você tiver um par de filhos, de 3 ou 4 anos, e lhe der um brinquedo a apenas um deles, vai ver que o outro terá inveja porque se sente que não foi tratado com igualdade. Por quê? Porque, companheiros, a igualdade é algo que temos de dentro, antropologicamente.
Não pensa que a igualdade é um desejo de ser ladrilho, tudo igual, tudo o mesmo. O sentimento de igualdade é ter o direito traçado em uma mesma linha na penitência da vida. E quanto nos falta, latino americanos, de poder dar oportunidade aos milhões que faltam encontrar um caminho em nossa pobre América.
Por tudo isso, eu com minha companheira, passamos 30 anos presos juntos, mais ou menos. E a vida nos deu o prêmio de viver. E não há nada mais bonito que viver. Especialmente os jovens sabem que a vida deve ser cuidada, ser aproveitada e ser posta ao serviço de uma causa nobre. Tem que saber que a cada dia que passa, a vida está correndo e, com dinheiro ou sem dinheiro, os anos de vida não se compram. E, no dia que ela termine, não se pode levar o dinheiro ao caixão. Aprende a viver e você tem que trabalhar para viver, porque se não, viverá a custa de alguém que trabalhe.
Mas, a vida não é só trabalhar. Tem que assegurar tempo para viver, para o amor, para os filhos, para os amigos… Porque, nesta vida, felicidade não é acumular dinheiro, é acumular carinho. E esta que é a grande diferença, a diferença nas nossas entranhas, é a diferença de sentir. A diferença é como vemos a vida. Se a vida é só egoísmo ou se a vida é também solidariedade. Se é hoje por ti e amanhã por mim.
Mineiros, o Brasil é muito grande e muito forte. Mas, chega muito atrasado e tem muitas feridas. Vocês tem que defendê-lo, mas tem que entender que não estamos mais no século passado. E o desafio é outro. Estão construindo unidades mundiais, de caráter gigantesco, como a Comunidade Econômica Europeia. Se nós latino americanos não conseguirmos uma voz comum, nos conselhos internacionais seremos nada, ainda que seja um dos os países mais gigantescos como o Brasil. Digo isto não só por um ideal, mas também por necessidade. Em um mundo que não se vêm de cima, os fracos precisam se unir aos fracos para serem menos fracos. E, é isso que as burguesias que conduzem a economia devem começar a entender: não se pode sair a colonizar, tem que juntar aliados porque esta batalha é no mundo inteiro. Esta vai ser a discussão dos anos que vêm.
Me sinto muito uruguaio e sou brasileiro, porque sou americano, porque sou da América Latina. Minha pátria se chama América Latina e meus irmãos são todos os povos esquecidos da América Latina. Os que não chegaram a nenhum lado, os que são apenas um número, os estigmatizados, os perseguidos, os abandonados. Porque democracia não é simplesmente votar a cada quatro anos. Democracia é maximizar o sentimento de igualdade básica e fundamental entre os homens.
O dia de Tiradentes é comemorado em Minas Gerais com a entrega da Medalha da Inconfidência desde 1952, maior honraria concedida pelo estado. Todos os anos, no dia 21 de abril, acontece em Ouro Preto a cerimônia que condecora “a personalidades e entidades que contribuíram para o desenvolvimento do Estado e do Brasil”, segundo o governo mineiro.
Joaquim Xavier da Silva, o Tiradentes, é tido como herói nacional e mártir da Revolta dos Inconfidentes, que lutou contra os impostos cobrados pela Coroa Portuguesa. Diz-se que o movimento, considerado libertário, muito contribuiu com a independência do Brasil. O que a gente não ouve falar e nem aprende nos livros de história, é que ele era formado por elitistas, que nunca ousaram lutar pela abolição da escravatura. Pelo contrário, consideravam a escravidão necessária para o desenvolvimento do Brasil.
Tiradentes, o que possuía menos riqueza com relação aos outros companheiros, foi o único a pagar pelo preço, tendo o corpo esquartejado e exibido em praça pública.
Talvez pelo fato de a Inconfidência ter sido protagonizada por heróis elitistas, a cerimônia de entrega da medalha não seja, definitivamente, um evento para o povo. Talvez. Tapete vermelho, praça fechada para o grande ato, e muitos militares com os melhores trajes.
O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, do PT, em seu discurso se referiu orgulhoso a uma praça lotada pelo povo. Talvez ele se referia a manifestantes do MST e da CUT que acompanhavam o ato isolados por grades de ferro (por segurança, claro!) ou dos integrantes de movimentos sociais e alguns professores que puderam adentrar à praça, mas ao contrário da imprensa e de outros convidados, ficaram sob um sol forte e quase estonteante. Nem por isso deixaram de entoar, o tempo todo, gritos contra o golpe, assim como contra a mídia golpista, a Rede Globo e contra políticos golpistas, como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro. Talvez, em governos anteriores, movimentos nem se atreviam a se aproximar tanto.
Um militarismo desnecessário por vezes assustou quem acompanhava a cerimônia. Pelo menos umas dez vezes, militares atiraram para cima. Os agraciados, 148 neste ano, eram na sua maioria da elite: desembargadores, políticos, empresários, e como não podia faltar, policiais militares e civis…alguns poucos representavam o povo brasileiro, como professores, integrantes de alguns movimentos sociais e o rapper Flávio Renegado. UMA LEMBRANÇA INCONVENIENTE
À menos de duzentos metros da Praça Tiradentes, onde a cerimônia solene decorria, e depois das grades de proteção, um grupo de jovens lançavam lama nos próprios corpos, enquanto recitavam, como poemas, trechos de falas dos que testemunharam suas casas serem destruídas durante o rompimento da barragem de Fundão, a mais de cinco meses atrás.
“Hoje a gente está aqui passando lama no corpo, no rosto, no amigo, nas imagens que referenciam a grande tragédia que aconteceu aqui, em diversas outras cidades, no Brasil e no mundo”, explica Gabriel Cafuzo, membro do grupo dos jovens artistas.
A performance foi feita por estudantes do curso de artes cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e consistiu em uma manifestação artística em memória aquilo que foi considerado o maior desastre ambiental do país: a Tragédia de Mariana, localizada a poucos quilômetros da cidade de Ouro Preto. “Acho importante dizer que nunca vamos desistir. Estamos aqui para manifestar e relembrar este acontecido em um lugar onde se reúnem diversas personalidades da política que poderiam atender nossas demandas”, acrescenta Gabriel Cafuzo.
No dia 5 de Novembro de 2015, a barragem de Fundão, controlada pela mineradora Samarco, da Vale S.A. e da BHP Billiton, se rompeu, liberando 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração ao meio ambiente. Considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil, a avalanche de lama percorreu mais de 850 km desde o município de Mariana até Linhares, no litoral do Espírito Santo, deixando um rastro de destruição à fauna, à flora e às comunidades que estavam no caminho. A ruptura resultou em 19 mortes; mais de 600 desabrigados somente nas comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo; no corte de água de milhares de pessoas, além de uma enorme mortandade de espécies de plantas e peixes na bacia do Rio Doce, um dos maiores afluentes do Brasil. Até hoje, ninguém foi preso pelo desastre.
ORADOR CONVIDADO: PEPE MUJICA
A grande estrela da cerimônia neste ano e que gerou grande expectativa, foi o ex presidente do Uruguai, José Mujica. Ele foi agraciado com o Grande colar e também participou como orador do evento.
Logo no início, como dizem as atuais gírias das redes sociais, lacrou: ” Sou do Sul, venho do Sul, os eternos esquecidos do planeta. Venho ao Brasil porque a América vai ser livre com a Amazônia, ou não será “.
Seus discursos, conhecidos por emocionar quem ouve, principalmente uma juventude ávida por uma política mais moral e mais limpa, fez com que todos prestassem muita atenção à fala. Ele mais um vez falou o óbvio: “os anos de vida não se compram, a vida não é só trabalhar, tem que ter tempo para viver, para amar”.
Se referiu a burguesia, dizendo que ela comanda a economia, e também falou sobre a atual situação do país: ” No fundo, o problema do Brasil não é de esquerda nem direita, é o problema do mundo: o capitalismo”
Depois da cerimônia, Mujica concedeu uma rápida e tumultuada coletiva à imprensa. Quando questionado por algum jornalista sobre qual conselho daria à presidenta Dilma Rousseff, disse, muito bem humorado, que não estava mandando nem na própria casa. E foi logo retirado por assessores do evento.
“Se a vida me ensinou alguma coisa, foi que os únicos derrotados são aqueles que deixam de lutar. Vocês tem que saber é que não há um prêmio no final do caminho. O prêmio é o próprio caminho, é a própria caminhada”
“Para mim, sou do sul, venho do sul e represento o sul, os eternos esquecidos do planeta. Ser do sul não é uma posição geográfica, é um resultado histórico. Venho do sul e cultivei amigos no Brasil, porque a América será livre com a Amazônia ou não será. “
“Aristóteles tinha razão quando dizia que o homem é um animal político. Porque a política não é gerar confusão e aborrecer a gente. A função da política é dar um limite a dor e às injustiças. A função da política é lutar por um mundo melhor. Mas, é buscando conciliar permanentemente as inevitáveis diferenças. A função da política não é apagar, mas negociar as diferenças sociais”
” Hai que salvar a política. Há que dar estatura a política e isso não é um problema de um partido, é um problema do Brasil”
“Pior do que as derrotas é o desencanto. Viver é construir esperança, esperança em um mundo melhor. O que seria da vida sem utopias e sonhos”
“Porque, companheiros, a igualdade é algo que temos de dentro, antropologicamente.”
“Porque, nesta vida, felicidade não é acumular dinheiro, é acumular carinho”
“Me sinto muito uruguaio e sou brasileiro, porque sou americano, porque sou da América Latina. Minha pátria se chama América Latina e meus irmãos são todos os povos esquecidos da América Latina. Os que não chegaram a nenhum lado, os que são apenas um número, os estigmatizados, os perseguidos, os abandonados. Porque democracia não é simplesmente votar a cada quatro anos. Democracia é maximizar o sentimento de igualdade básica e fundamental entre os homens.”