Jornalistas Livres

Tag: negras

  • Transforma MP: Seleção com vagas exclusivas para negros e negras é legal

    Transforma MP: Seleção com vagas exclusivas para negros e negras é legal

    Transforma MP: Seleção com vagas exclusivas para negros e negras é legal

    Do face do coletivo Transforma MP

    O COLETIVO TRANSFORMA MP reafirma a legalidade e constitucionalidade das medidas afirmativas no âmbito da iniciativa privada, para que se concretize o direito à igualdade de oportunidades no trabalho (artigo 4º da Lei 12.288/2010 c/c artigos 3º e 5º, CF e Convenção da ONU pela Eliminação da Discriminação) e conclama a todo o setor empresarial, em observância aos princípios que regem a atividade econômica, notadamente o da função social, da redução das desigualdades sociais e do pleno emprego (artigo 170, III, VI, CF), para que efetivem medidas de contratação de profissionais negros, para reduzir desigualdades raciais verificadas na composição dos seus quadros funcionais. Veja o que diz o Estatuto da Igualdade Racial – Lei 12.288/2010 sobre ações afirmativas:
    Art. 4o A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de:
    (…) II – adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa;
    (…)
    V – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada;
    (…)
    VII – implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, *trabalho* , moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.
    Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País.

    Negros e Negras :Nota pública do MPT defende ações afirmativas para promoção da igualdade no mercado de trabalho e combate ao racismo

    Veja nota técnica do ministério Público do Trabalho sobre o Tema:

    Documento reforça Nota Técnica do Grupo de Trabalho de Raça que serve de base ao Projeto Nacional do MPT de Inclusão Social de Jovens Negras e Negros no Mercado de Trabalho


    Procuradoria-Geral do Trabalho – 20/09/2020

    O Ministério Público do Trabalho emitiu neste domingo, 20 de setembro, uma nota pública para reforçar a importância das ações afirmativas destinadas à promoção de igualdade de oportunidades, ao enfrentamento ao racismo e à promoção da igualdade racial no mercado de trabalho.

    O documento reforça Nota Técnica do Grupo de Trabalho de Raça publicada em 2018, que serve de base ao Projeto Nacional do MPT de Inclusão Social de Jovens Negras e Negros no Mercado de Trabalho.

    Confira aqui a íntegra da nota pública divulgada hoje (20).

  • Coletivo da UFMT lança vídeo sobre populações negras e Covid-19

    Coletivo da UFMT lança vídeo sobre populações negras e Covid-19

    Nós do Coletivo Negro Universitário da UFMT lançamos esse vídeo “Realidades das Populações Negras sobre o coronavírus (COVID-19)” com a intenção de refletir sobre esse momento de pandemia e isolamento social, considerando nossas realidades enquanto população negra. Nosso objetivo é pensar uma maneira mais eficaz de combater o Covid-19, tendo como centro a experiência de nosso povo.

    No dia 18 de março o CNU lança e envia uma nota para canais de comunicação de MT na qual pedimos que quando tais veículos realizassem matérias sobre as consequências do vírus e da pandemia, considerassem aqueles e aquelas que devido às desigualdades raciais e sociais existentes no Brasil estão mais expostos ao vírus.

    É necessário pensarmos informes que considerem as realidades tanto da população negra quanto das demais populações em situação de vulnerabilidade a fim de que possamos encontrar uma forma de seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Para suprir esta demanda por informação, elaboramos este material logo após a publicação da referida carta.

    Neste vídeo contamos com os relatos de Frederic Nozil, pastor em Porto Príncipe capital do Haiti e de Iracena Marques Vieira, estudante de Administração e Gestão de Recursos Humanos, de Guiné-Bissau. Recebemos o vídeo de Frederic no dia 26 de março e de Iracema no dia 02 de maio de 2020. O link da matéria com novas informações do Haiti do site “O Globo” é do dia 03 de maio de 2020.

    Portanto, esperamos que este material possa ajudar a dar mais atenção para aqueles e aquelas que pensam na realidade vivida pelos povos africanos e por seus descendentes em meio à pandemia.

    Agradecemos a parceria com a Associação de Defesa dos Haitianos Imigrantes e Migrantes em Mato Grosso (ADHIMI-MT), com a página Cultura, História e Língua Haitiana (@culturahistorialinguahaitiana ) e o apoio do Coletivo Negro Audiviosual Quariterê (@quaritere ) pela edição deste material.

  • Colégio da PM não quer alunas com trança ‘box braid’

    Colégio da PM não quer alunas com trança ‘box braid’

     

    E eis, que, de repente, as alunas do Colégio Tiradentes, mantido pela Polícia Militar no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, estão sendo impedidas de usar tranças tipo ‘box braid’, atingindo de cheio as mulheres negras, que reclamam de racismo. Diante disso, nessa quarta-feira as estudantes realizaram um ato de protesto para denunciar o problema (Confira o vídeo abaixo). Curiosamente, o jornal “O Tempo”, um dos maiores de Minas, e um dos raros veículos a noticiar o fato, omitiu na longa reportagem que o colégio pertence à PM.

    Tudo começou quando, na terça-feira, as alunas foram chamadas para ter uma conversa sobre a padronização de penteados, quando foram orientadas a não usarem as tranças ‘box braids’ usadas por várias delas. A proibição fez com que uma delas desabafasse: “Agora me perguntam o motivo das fotos chorando, meu amigos, foram ANOS de aceitação, ANOS que demorei para aceitar minha cor, meu cabelo, minha ancestralidade”, escreveu na postagem que viralizou. “Dói em mim, em  pleno 2018, época em que todo dia vejo histórias de preconceito, um lugar onde deveria propagar o respeito às diferenças entre raças me manda ocultar quem sou de verdade”, acrescentou a aluna nas redes sociais. “Querem obrigar as meninas a tirar suas tranças, qual o problema ter tranças? Pode parecer besteira, asneira, mas não é. Algumas pessoas não sabem o que isso significa pra nós, meninas negras” desabafou a garota no Facebook. 

    Outra aluna contou que estava na aula quando foi chamada por um assistente de turno, junto com uma colega de turma que também usa tranças, para ir ao auditório. Quando chegaram lá, um grupo de meninas com penteados semelhantes estava no local aguardando para conversar com uma major, identificada como Lylian, e com a vice-diretora, Cláudia Boldoni. “A major e a vice-diretora estavam conversando com as meninas falando que o nosso cabelo não está no padrão da escola. Comecei a chorar, já tinha medo de isso acontecer há um tempo. Depois que falaram isso, algumas alunas foram liberadas e outras ficaram”, contou ao portal BHZ.

    “A major, o tempo todo, falou que fazer trança estraga o cabelo, não sei de onde ela tirou isso. Disse que as tranças estragam a raiz do cabelo e eu expliquei que era até por uma questão de autoestima. Aí ela perguntou se eu já tinha alisado o cabelo. Uma outra menina respondeu por mim ‘é o cabelo dela, não vai alisar’ e a major disse que estava conversando comigo e não com ela”, contou a estudante. Voltei para a sala e comecei a chorar”, acrescentou. 

    Punição

    Caso não cumpram a determinação de mudar o modelo das tranças até o próximo dia 22, quando termina o recesso escolar, as alunas poderão ser penalizadas com um Formulário de Registro Disciplinar (FRD). O acúmulo de FRD’s pode gerar suspensões e até mesmo a expulsão do colégio.

    “Eu uso trança desde abril do ano passado e nunca reclamaram assim. Já falaram para prender o cabelo e reclamaram do tamanho. Eu uso porque melhora minha autoestima, não me sinto bem sem as tranças e não quero voltar a alisar o cabelo”, disse uma adolescente. “Eu estava pensando em falar com a vice-diretoria para que a nova regra fosse colocada para o ano que vem, por exemplo. Tem uma menina que colocou no fim de semana, custa no mínimo R$ 180, e, do nada, falam para tirar? Penso até em sair do colégio. As tranças fazem bem para a autoestima”, ressaltou a estudante, que tem o apoio da família para manter o penteado.  “O cabelo é a autoestima dela, ela sempre sofreu bullying e, quando encontramos algo que a faça feliz, vem isso. Tem que olhar se a nota é boa, se é bem educada. Minha filha está arrasada, com o olho inchado”, disse a mãe da jovem.

    O pior é que após a reunião, as meninas passaram a ser alvo de racistas. Em um áudio enviado pelo WhatsApp, um garoto se refere a elas como “macacas”. “Sai fora, suas macacas. Vocês não querem aceitar as regras, sai fora do colégio”, disse. No status do WhatsApp, outra manifestação discriminatória: “A interpretação das negrinha: ‘Colégio Machista opressor! #mimimi”, escreveu um estudante em tom pejorativo.

    Regulamento

    A direção do Colégio Tiradentes alega que não apenas as alunas que usam tranças foram chamadas, mas estudantes com cabelos tonalizados, topetes e outros fora do padrão imposto pelo regimento. “Diversos alunos foram chamados para falar sobre a adequação dos penteados, não só as meninas que usam tranças. Existe um regulamento que deve ser seguido. Então, se o cabelo está fora do padrão, que tem a ver com os valores da instituição, a mudança é necessária”, explicou a tenente-coronel Lívia Azevedo ao BHZ, sem explicar por que só agora o colégio está se preocupando com o penteado das alunas.

    Quanto às manifestações racistas, a tenente-coronel disse que já tem uma equipe responsável pela identificação dos autores. “Ao serem Identificados, os alunos serão punidos conforme o código de ética do colégio. Trata-se de uma questão disciplinar”, afirmou.

    Na manhã de terça-feira, estudantes de diferentes turmas se reuniram em um ato de apoio às colegas que usam trança, quando foram para a quadra, durante o intervalo, e deram as mãos. Após uma contagem regressiva, gritaram: “Uma por todas e todas por uma”, “Somos todas tranças!”. Em seguida, deram as costas e revelaram estar todas de trança, um modelo de penteado bastante usado por elas.

     

  • TODOS OS PARTIDOS DE ESQUERDA SÃO RACISTAS?

    TODOS OS PARTIDOS DE ESQUERDA SÃO RACISTAS?

    Imaginemos um partido de esquerda que, de uma hora para outra, deixasse de ser racista. Quantos dirigentes teriam que dar espaço aos negros e negras na direção dos partidos? Os palanques e revistas teriam que ter oradores e colunistas negros para falarem de – pasmem! – Economia, filosofia-política, urbanismo, marxismo, sociologia, tática & estratégia! Os coletivos teriam que pensar em lugares melhores que a Vila Madalena, e em horários melhores que “segunda-feira a tarde” para reuniões!  Os recursos partidários seriam empregados para a eleição de homens e mulheres negras… Nem a Lava Jato causaria impacto tão grande na política brasileira!

    Sejamos sinceros: O Estado é uma criação europeia, e os partidos também. A nossa República foi criada em oposição à Abolição. A “Democracia” formalmente fundada em 1988 é genocida do povo negro… Enfim: se o racismo é parte fundamental do capitalismo, tudo que foi inventado pela burguesia (Estado e partido) é essencialmente racista. Se quisermos pensar em “liberdade política” para negros e negras, não olhemos para os partidos, mas para os Quilombos!!! Democracia representativa não representa nem branco pobre, que dirá negro! Só uma política verdadeiramente antirracista poderá dar uma resposta real, na perspectiva de classe, para brancos pobres. 

    Não que eu diga que devemos abolir os partidos de esquerda, e que partidos de esquerda e direita não têm diferença, ou que uma pessoa negra não deva votar, se filiar, exercer militância com companheiros brancos ou até se candidatar e ser eleita… NADA DISSO! Enquanto a gente não destrói o velho e cria o novo, nós negros devemos ocupar todos os espaços de poder (mas é difícil quando se tem que viver entre a dicotômica necessidade de trabalhar e existência política).  

    Apesar de ser colunista do Jornalistas Livres e não do BuzzFeed, acho interessante propor uma lista para saber você identificar se seu partido-coletivo é ou não racista. Tenha em mente que cerca de 54% da população brasileira se autodeclara negra ou parda. Esta lista não esgotará todos os meios possíveis de identificação de racismo estrutural. 

    PERGUNTAS PARA SABER SE SUA ORGANIZAÇÃO DE ESQUERDA É RACISTA

    1 – A proporção da direção (partidária, sindical, ou do movimento social) é igual ou superior a 54%? Se “horizontal”, a proporção de negros e negras é suficiente para garantir influência na toda de decisões?  

    2 – Sobre o que os negros são chamados para falar, na maioria das vezes, nos eventos promovidos pela sua organização? Se o “LUGAR DE FALA” do negro for só para falar da questão racial, desconfie: não querem te ver falando de economia e outros assuntos “relevantes”.

    3 – No debate sobre política de drogas, qual discurso predominante: [I] autonomia do corpo e recreação (Olha aqui o liberalismo!!!); ou [II] genocídio do Preto Pobre de Periferia (somos tão massificados que nos colocam até em siglas!)? Se for uma análise séria sobre o genocídio da população negra, temos um bom começo para o debate.

    4 – Entre falas de negros e brancos, qual é obrigado a apresentar mais referências (inclusive bibliográficas) para ter as ideias aceitas como verdade? 

    5 – Quanto a tempo dispensado para trabalho e política, quem é obrigado a dedicar mais horas ao trabalho (como única fonte de sustento)?

    6 – Quais são as principais referências políticas e teóricas no seu meio?   

    Estas são só algumas perguntas para refletirmos no espaço político dos negros em organizações de esquerda. Creio que, a maior parte delas, poderia ser usada para tratar da questão de gênero, e identificar o quão machista é a instituição ou movimento em que se está inserido. 

    Para todos os partidos e sindicatos de esquerda, e a maior parte dos coletivos, o racismo é uma ideologia mais determinante que a própria ideia de socialismo. Em outros termos: estruturas burocráticas e auto-organizadas [supostamente] à esquerda podem seguir existindo sem o “espectro do comunismo“, desde que sejam tão somente “liberais” melhores que os “liberais-fascistas” da direita. Um hipotético “Partido Social-Liberal” se passaria tranquilamente por socialista e libertário, e seria bem-vindo nos círculos universitários mais “vanguardistas”, sem sequer ser relevante para negros pobres e brancos pobres do país. 

    A direita é um caso perdido na questão de classe, gênero e raça. Mas há muito o que se trabalhar pela esquerda, com vistas à superação de todas as formas de exploração. A liberdade de negros e negras depende da luta real contra o Capitalismo. É preciso que todos façam parte disto. Não ser racista não é “gostar” de negro. Precisamos de muito mais que camaradagem. 

    A esquerda não se “salva” e nem revoluciona sem superar o Racismo. Sem utopias: o trabalho começa agora!

  • Dandara vive

    Dandara vive

    Com a mesma força com que lutou e resistiu Dandara, a companheira de Zumbi dos Palmares, a histórica Marcha das Mulheres Negras levou milhares de mulheres à capital do país. A manifestação pauta as demandas do movimento de mulheres negras para os próximos 20 anos e mostra que é preciso um novo pacto civilizatório. São as Dandaras de hoje.

    Reportagem: Maria Carolina Trevisan
    Fotos:
    Vinícius Carvalho / Vídeo: Mídia NINJA
    Especial para Jornalistas Livres

    A Marcha das Mulheres Negras avançava lentamente em direção ao Congresso Nacional levando cerca de 15 mil pessoas pelas avenidas de Brasília (DF). Na linha de frente, em respeito à ancestralidade que ancora as religiões de matriz africana, estavam as mulheres mais velhas, abrindo os caminhos sob a proteção dos orixás. Vestiam seus trajes sagrados. Ao apontar na beira do gramado da Esplanada dos Ministérios, as senhoras entoaram em coro o “Canto das três raças”, canção eternizada na voz de Clara Nunes. Foi um dos momentos mais emocionantes do ato.

    A música lembra que o povo desta terra ainda “canta de dor”.

    Screen Shot 2015-12-29 at 3.30.10 PM

    As senhoras negras precisaram ultrapassar o acampamento dos manifestantes a favor da intervenção militar para chegar diante da Câmara dos Deputados. O choque de ideologias gerou confusão. Um dos acampados (depois se soube que é um policial civil que já havia sido preso com munição letal há algumas semanas) deu tiros no meio da multidão e dos três caminhões de som. Justificou-se dizendo ter se sentido ameaçado pelas mulheres negras que marchavam por direitos.

    A ação — triste e também reveladora — foi simbólica da violência a que esse grupo social é submetido diariamente. Em nenhuma manifestação de rua, desde 2013, um participante sacou uma arma no meio do ato. Mas contra a marcha de mulheres negras, sim. É como se os corpos negros continuassem, seguidamente, a não ter valor algum. “Nós decidimos que vamos viver. Vamos fazer isso tendo condições de decidir no poder. Não vamos delegar nossa representação a ninguém”, afirma a socióloga Vilma Reis, ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia. “Essa é a grande virada que a Marcha das Mulheres Negras faz.”

    A atitude da Polícia Militar do DF — muito mais de controlar o cortejo do que de proteger quem estava ali, oposta ao festival de selfies nos protestos da direita — demonstra também a violência de Estado a que estão sujeitas as personagens brasileiras com mais história de resistência e de luta do país. É o racismo explícito e que mata. “O racismo no Brasil insiste em cobrar em vida”, afirma a advogada Ana Luiza Flauzina, doutora em Direito e pós doutora pelo Departamento de Estudos Africanos e da Diáspora Africana da Universidade do Texas. “Aquele momento é muito simbólico para compreendermos o que é a vida das mulheres negras neste país. É uma vida completamente desprotegida, que pode ser assaltada até no momento em que esse sujeito político está, de alguma forma, empoderado, gritando suas reivindicações na Esplanada dos Ministérios”, completa Flauzina.

    O som dos estampidos ecoa noite e dia, ensurdecedor.

    Por instantes, a agressão fez do canto de alegria “um soluçar de dor”. Acontece que não existe História do Brasil sem considerar a participação das mulheres negras. Sua força é muito maior do que a crueza do racismo brasileiro. Como a de Dandara, guerreira do Quilombo dos Palmares que resistiu à escravidão. Naquele momento, as mulheres que marchavam cuidaram umas das outras e, quando se certificaram de que estavam todas bem, seguiram adiante. Com a mesma dignidade com que enfrentam o dia a dia. “Certamente nós carregamos sobre os nossos corpos um conjunto de contradições e determinações que se superadas são pré-requisitos para fazer deste país uma verdadeira democracia racial, com igualdade e justiça social”, afirma a filósofa e doutora em Educação Sueli Carneiro, fundadora do Geledés Instituto da Mulher Negra de São Paulo e importante liderança do movimento negro.

    “Ser mulher negra é estar localizada estrategicamente nesse lugar de onde se tem que compreender todos o processos de exclusão, desigualdade e marginalização social. Mas é também o lugar em que pode estar a condição de libertação de todos e de todas nós.” Sueli Carneiro.

    Contra o racismo, a violência e pelo Bem Viver

    Desde 2008, as mulheres negras são maioria no Brasil: correspondem a 50% do total de brasileiras. Em 2009, segundo o “Dossiê Mulheres Negras”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), já havia cerca de 600 mil negras a mais que brancas. Representam 25,5% do total de pessoas no país. A população negra (pretos e pardos) é composta por quase 104 milhões de pessoas, cerca de 51% da população total do Brasil. Portanto, a Marcha das Mulheres Negras não se refere a reivindicar políticas para uma minoria. Trata da maioria da população brasileira. Esse é o ponto de partida.

    “É a primeira vez que mulheres negras ousam ir às ruas para apresentar um novo pacto civilizatório para o povo brasileiro e não apenas para as mulheres negras”, explica Valdecir Nascimento, do Odara — Instituto da Mulher Negra, de Salvador (BA). “Se for bom para as mulheres negras será bom para todo o povo brasileiro”, completa. Uma das demandas específicas da marcha diz respeito à situação de violência que esse grupo social vem sofrendo. A violência letal contra mulheres no Brasil tem taxa muito elevada. Segundo o Mapa da Violência 2015, são 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, índice 48 vezes maior do que no Reino Unido.

    As vítimas de homicídio feminino são predominantemente negras. Foram quase 2.875 mulheres negras assassinadas em 2013. O estudo também mostrou que enquanto a violência letal contra mulheres brancas vem diminuindo, entre 2003 e 2013, houve 54% de aumento no número de homicídios contra mulheres negras. Significa que ser mulher e ser negra, nessa sobreposição que se junta à opressão de classe, é o lugar mais vulnerável da sociedade brasileira.

    Ao mesmo tempo, são elas que abrigam as maiores fortalezas da nossa estrutura. “Nós estamos nos piores extratos sociais, com menor nível de salário, com menor acesso à educação e à saúde, com menor mobilidade social”, alerta a psicóloga Maria Lucia Silva, do Instituto Amma — Psique e Negritude, de São Paulo. “Nós, mulheres negras, fomos o esteio e a construção deste país. Queremos ocupar um lugar de poder, de mobilidade e de acesso para que a gente possa dizer como a gente pensa o Brasil democrático e efetivamente bom para brancos, negros, indígenas, para todos os grupos sociais.

    Depois da caminhada até o Congresso Nacional, um grupo de representantes formado majoritariamente pelas senhoras da Irmandade da Boa Morte (as anciãs, em respeito à ancestralidade) puderam se encontrar com a presidenta Dilma Rousseff. Ela recebeu a “Carta das Mulheres Negras: o Bem Viver como nova utopia”, documento que detalha as proposições do movimento de mulheres negras e demarca as prioridades para os próximos 20 anos. O conceito de “Bem Viver”, no qual se baseia a Marcha, é uma construção conjunta com mulheres indígenas da América Latina e se caracteriza pela luta coletiva que prioriza a complementaridade, em que todos têm direitos. “Marchamos pelo direito de estar no mundo sem violência e sem racismo. Nós marchamos pela vida e não pela sobrevivência”, explica a enfermeira, blogueira e militante Emanuelle Góes, no texto Dialogando sobre o Bem Viver e as Mulheres Negras.

    Ponto de inflexão

    Há 20 anos, a primeira Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida reuniu 30 mil pessoas em Brasília. Naquele momento, o movimento negro denunciava a ausência de políticas públicas para a população negra. Marcou também os 300 anos do assassinato de Zumbi, principal liderança do Quilombo dos Palmares, um território de resistência na capitania de Pernambuco (que se tornaria Alagoas), durante o regime escravista.
    A primeira marcha rompeu com o mito da democracia racial e evidenciou as graves desigualdades a que essa parcela da população estava submetida. Pela primeira vez, o Brasil reconheceu seu racismo. Dez anos depois, aMarcha Zumbi + 10 voltou a juntar milhares de pessoas na capital do país. Começaram aí as primeiras ações afirmativas, que culminaram nas cotas para ensino superior e no Estatuto da Igualdade Racial, entre outras conquistas.

     Screen Shot 2015-12-29 at 3.30.29 PM

    Agora, a Marcha das Mulheres Negras, que começou a ser articulada há três anos, pretende dar um passo firme, ser um ponto de inflexão nas conquistas de direitos para a população negra no Brasil. “Essa marcha não tem uma pauta conjuntural. É para falar de uma situação histórica no Brasil, que apesar dos avanços que a gente possa perceber no nível sócioeconômico de exclusão social, as mulheres negras continuam na base da pirâmide”, explica Tricia Calmon, socióloga e militante do movimento negro na Bahia.

    Para Vilma Reis, a Marcha organizou a pauta para os próximos 20 anos. “O objetivo é termos mulheres negras dirigindo as empresas públicas e de capital misto, que são as maiores do Brasil, com equilíbrio na representação política, nas artes e produção de conteúdos de comunicação, e, definitivamente, dando fim ao genocídio”, explica Reis.

    Significa que a Marcha das Mulheres Negras amplia uma concepção de reivindicações isoladas para um conjunto de condições que seriam necessárias na sociedade brasileira, não apenas para um processo de inclusão das mulheres negras, mas da população negra em geral e dos outros grupos que compõem a sociedade brasileira. São demandas mais complexas. “Não se trata de trabalhar especificamente determinados pontos ou determinadas áreas que são desvantajosas para as mulheres negras, mas uma concepção de que a situação da mulher negra só se modifica na medida em que a sociedade brasileira se modifica também”, explica Luiza Bairros, doutora em Sociologia e ex-ministra chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), entre 2011 e 2014. “O racismo não está mais protegido pela ideia da existência de uma democracia racial. Portanto, fica agora muito mais evidente que a questão negra não é uma questão específica. Precisa ser tratada no âmbito das grandes questões nacionais. Chegamos num determinado limite em termos das conquistas para a população negra no Brasil”, diz Bairros.

    O recado da Marcha das Mulheres Negras está dado: para que o país avance, a presença negra nos espaços de tomada de decisão é fundamental. “A ocupação do poder político institucional eu vejo como sendo a parte central da nossa estratégia daqui para frente. Ou você faz que essas concepções que o movimento negro construiu ao longo do tempo cheguem nas instituições através das pessoas que têm efetivamente esse tipo de interpretação e análise da sociedade brasileira, ou então você não vai muito mais adiante. Não tem mais como você pensar o país desconsiderando a população negra, que é a maioria da população. Você não estaria fazendo nada, não estaria pensando nada”, afirma Bairros.

    Salve a força negra do Brasil.


    Assista as entrevistas: