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  • A Travessia no Barco da Coragem – Uma Carta à Carolina de Jesus

    A Travessia no Barco da Coragem – Uma Carta à Carolina de Jesus

    O Instituto Moreira Salles, que guarda o acervo de Carolina de Jesus, pediu à escritora Cidinha da Silva que escrevesse uma carta simbólica à autora de “Quarto de Despejo” – publicado em meados do século passado. Dos anos em que Carolina Maria de Jesus escreveu suas obras aos dias de hoje, muita coisa mudou, e nada mudou. Essa linda “crônica-carta” de Cidinha Silva é o duro retrato de um Brasil que, apesar de tudo, não perde a suavidade e a esperança.

    Leia abaixo e, se quiser, chore como nós choramos.

    *Por CIDINHA DA SILVA

    São Paulo, 8 de julho de 2020.

    Carolina, bom dia!

    Dia de sol nesse inverno de pandemia em São Paulo. Como você está? Espero que esteja em paz. Do lado de cá, temos feito a travessia no barco da coragem, como a vida exige.

    Te escrevo da varanda da d. Ruth, ela foi passar dois dias no sítio em  Parelheiros, enquanto eu limpo a casa, centímetro por centímetro, como ela recomendou. Ela foge das notícias de morte, não quer saber sobre os cinco corpos enterrados numa mesma vala, dos coveiros que trabalham tanto que não têm tempo para ter medo de contaminação pelo vírus silencioso e aniquilador. D. Ruth tem necessidade de paz para escrever. Você deve estar surpresa, mas a verdade é que precisei voltar ao trabalho doméstico. Esse mundo que se dilui no numerário das notícias desaba sobre minha cabeça e eu luto para respirar.

    Consegui terminar a universidade em 2016, financiada por aquele programa do governo, dei aulas como professora eventual, mas mantinha algumas faxinas porque o salário miserável só era pago quatro meses depois da assinatura do contrato e, quando regularizou, fizemos greve por melhores condições de trabalho e os salários foram cortados. Eu ainda não consegui passar em concurso, não tenho tempo nem cabeça para estudar e, no tempo que tenho, trabalho para pagar os boletos e mandar o dinheiro das meninas. Agora, na pandemia, não tenho mais aulas, interromperam o contrato, trabalho três dias fixos aqui e atendo mais três casas de vez em quando.

    O serviço aqui é tranquilo e eu adoro limpar livros, você sabe. Essa casa da d. Ruth me faz lembrar muito de você, lembrança do avesso. Ela é escritora, não como você, mas é. A única coisa que vocês têm de parecido é o amor pelos livros e a venda em escala, ela sempre fala disso, é muito preocupada com as questões do mercado editorial. Esse apartamento é tão grande que ela faz caminhada aqui dentro, você acredita? Roupa de ginástica, tênis, alongamento por quinze minutos, caminhada durante meia hora, pedal por quinze minutos e alongamento por mais dez. Endorfinas, ela diz, endorfinas.

    Tomar sol eu tomo aqui, na casa dela. Coloco a tábua de passar na varanda e deixo as roupas dela impecáveis para as lives. Cato feijão, pico verduras, cuido das plantas, tudo na varanda para aproveitar o sol na pele. Lá em casa, você sabe, não entra sol e mina água da parede. Meus livros e roupas mofam e ainda não tenho perspectivas de me mudar de lá, os aluguéis estão custando o olho do cara nos lugares melhores.  Olhando por esse prisma, acho bom as crianças não estarem comigo.

    O Onirê está com quinze anos, bonito que só. Um menino decente, amigo, que respeita as meninas. No enterro do primo, há três anos, o pai pediu para levar e eu deixei. Eu e o Jeferson não demos certo como casal por incompatibilidade de gênios e de gêneros, acho até que a gente se ama ainda, mas não conseguimos ser felizes juntos. Amor pelo filho então, nem se fala, ele sempre amou esse menino acima de qualquer coisa e no enterro ele percebeu o olho de revolta do Onirê pelo assassinato do primo, que todo mundo sabia quem matou, por bobagem, como são todos os assassinatos dos meninos negros. Aí ele conversou comigo e nós concordamos que era mais seguro levar o Onirê para viver longe do Canindé Teimoso. Sinto muito falta dele, mas nos falamos todos os dias, hoje mesmo ele já mandou mensagem comentando sobre o novo ministro da Educação que não durou cinco dias no posto. Um ministro negro que mentiu no currículo em meio a um governo que se estrutura na mentira e na manipulação de informações. Os outros ministros que mentiram sobre a trajetória acadêmica continuam sentados em suas cadeiras, nem preciso te dizer que são todos brancos, não é?

    A escritora Carolina de Jesus
    A escritora Carolina de Jesus

    As gêmeas, Deborinha e Yasmin, estão com doze anos e eu as levei para morar com minha mãe no interior. Quero ir para lá também, só preciso passar num concurso do estado para ter chances de remoção.  Código de boa vizinhança na favela é coisa antiga, não existe mais. Teve mudança no comando do tráfico no Canindé Teimoso e os homens que estão lá agora gostam de ter harém, eles escolhem as meninas e moças e mandam buscar em casa, pagam um dinheiro para a família e levam. Tem pai, irmão, que resiste e eles matam, tem pai e irmão que torce para que as meninas da casa sejam escolhidas para receber o dote, como eles dizem. Eu já não dormia com medo disso acontecer com as minhas meninas; deixá-las trancadas em casa no contraturno da escola não era uma opção; levá-las comigo para o trabalho, também não; ficar com elas em casa, sem trabalhar, não nos protegeria se os caras resolvessem levá-las e, antes disso, passaríamos fome. O pai delas é diferente do Jeferson, não dá para contar de verdade, tenho só aquela pensão de 250,00 reais por cabeça que ele dá, chorando. Agora em julho tem a humilhação imposta pelo juiz, solicitada por ele, eu devolvo metade da pensão, porque as meninas passam quinze dias na casa da avó, a mãe dele. No mês de janeiro também, já devolvi. Em fevereiro tem que comprar material escolar e em julho, roupa de inverno, cabeça de juiz não leva em conta essas coisas.

    Por falar em mãe que precisa levar filho para o trabalho, teve um acontecimento tenebroso por esses dias. A Mirtes, que não tinha com quem deixar o filho e precisava trabalhar durante a pandemia, levou o Miguel, de cinco anos, para a casa da patroa. Mirtes saiu para passear com os cachorros da casa e deixou o menino com a patroa, Sari, o nome dela. Miguel chorou querendo a mãe e ela o levou até o elevador para ir atrás da Mirtes. Miguel foi parar no nono andar e despencou de lá. Sei que você imagina a dor dessa mãe quando voltou para o trabalho com os cachorros e abriu espaço entre curiosos que olhavam alguém que caiu do prédio e descobre que é o corpo de seu filho de cinco anos que está ali. A Sari, que tem o sobrenome Corte Real, deu depoimento na TV dizendo que fez tudo o que podia para cuidar do garoto e, se pudesse voltar no tempo, voltaria. Precisava ver, Carolina, voz serena e compungida, franjinha no cabelo, sem maquiagem, e ainda tinha um terço de reza nas mãos. Num grupo de Whats que eu participo, uma moça escreveu assim: “Desejo que Sara Corte Real fique louca. Que seu sono seja abreviado pelos gritos de “justiça” por Miguel. Que ela desconheça o que é paz, tranquilidade e silêncio. Que sua alma faça tanto barulho que não a deixe dormir, nunca”. A palavra cura e a palavra mata, eu comentei no grupo.

    Carolina, meu sonho de ser escritora permanece. Escrevo em cadernos, como você fazia. Esse é um segredo meu e seu, D. Ruth desconfia, mas por minha boca não vai saber de nada; segredo a gente partilha com quem a gente confia. Logo que cheguei aqui e fiquei paralisada diante das paredes de livros no escritório dela, eu só tinha visto tanto livro numa biblioteca, ela me perguntou, com ar pesaroso: “Você está se perguntando se eu já li esses livros todos? Não, não li, mas…” Eu imagino que não, eu sei que os livros fazem companhia para a gente ao longo da vida e que a gente não lê tudo, mas gosta de saber que eles estão ali, fazendo a travessia conosco. Ela se assustou e aprendeu a me respeitar ali, naquela hora, viu que eu não seria uma negrinha de estimação para ela tratar como inteligentinha, para ouvi-la na hora que quisesse se distrair da solidão. Eu estudei, Carolina, fiz faculdade porque queria ferramentas para ajudar a organizar meu pensamento, eu sei pensar.

    Nessas cartas que te escrevo vou exercitando minha literatura possível, não esqueça de me dizer o que você acha das minhas tentativas de criar figuras de linguagem, seu olhar arguto e sensível é muito importante para mim.

    Te abraço, Carolina. Até breve

    *Escritora mineira, presidiu o Geledés – Instituto da Mulher Negra e fundou o Instituto Kuanza, que promove ações de educação, ações afirmativas e articulação comunitária para a população negra. Foi gestora de cultura na Fundação Cultural Palmares.

    Veja mais: De azul ou de rosa, crianças negras na linha de tiro do Estado genocida

  • Nem todos os ex-governadores do Rio foram presos

    Nem todos os ex-governadores do Rio foram presos

    A prisão do governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), fez a imprensa relembrar escândalos de corrupção envolvendo outros chefes do executivo fluminense. Alguns dos principais veículos da mídia hegemônica chegaram a noticiar que todos os governadores, desde 1998, terminaram atrás das grades. Esqueceram justamente de uma: a que não foi presa. Benedita da Silva, mulher negra, nascida na favela da Praia do Pinto e criada no Chapéu Mangueira.

    Em 2002, quando assumiu, portanto há 16 anos, era comum ouvir comentários tolos e nada sofisticados sobre Benedita. Todos eles eram quase sempre absurdamente racistas.

    Programas de humor debochavam na televisão de Benedita, a classe média odiava o português dela, que trocava frequentemente o L (de problema) por R – pronúncia típica do que a intelectual Lélia Gonzalez brilhantemente batizou de pretoguês, que é o português influenciado pelo iorubá e outros idiomas africanos, que nem sempre possuem entre os seus sons o da letra R. E o seu passado como empregada doméstica e lavadeira era frequentemente evocado pela parcela mais privilegiada da população para questionar a sua capacidade de governar o Rio.

    Benedita era comumente chamada de macaca, analfabeta, corrupta e tantos outros termos justamente pelos eleitores que, depois, deram vitórias a Rosinha Garotinho (que venceu Benedita na disputa pela reeleição), Cabral e Pezão.
    Foi parceira histórica dos movimentos LGBT quando o PT era praticamente a única sigla progressista que tocava no assunto na cidade do Rio, embora já tivesse se convertido evangélica, sempre se pautou por assuntos de interesse da população negra e, diferente de todos os nossos ex-governadores, com exceção de Brizola, fez várias vezes campanha nas favelas e sempre ouviu as vozes das comunidades.

    Desprestigiada pela direção nacional do PT, que “entregou” o Rio para uma aliança com a direita, em troca do apoio do PMDB às chapas presidenciais de Lula e Dilma, invisibilizada e menosprezada mesmo tendo obtido votações na casa dos milhões de votos, essa mulher negra é uma das que veio na frente abrindo caminho para que outras, da geração de agora, passassem e usufruíssem de mais espaços na política.

    Em 2018, Bené foi a única deputada federal eleita pelo PT do Rio, um partido em crise e que apostou muita grana em outros medalhões, como o Dr Wadih Damus e o burocrata Luiz Sérgio. Teve milhares de votos principalmente nas favelas.

    É bom lembrar que tivemos Benedita no cargo de governadora e de como foi essa história. É comum apagarem a história de uma mulher negra. Não deixaremos. Definitivamente não é verdade que todos ex-governadores do Rio foram presos. Nós temos obrigação de fazer memória sobre Benedita da Silva!

    Por: Rodrigo Veloso  e Márcio Anastacio

  • Por +Jovens +Mulheres +Negr@s +LGBTs +Indígenas na Política

    Por +Jovens +Mulheres +Negr@s +LGBTs +Indígenas na Política

    Nessas eleições municipais é válido retomar algumas informações sobre a importância dos cargos proporcionais (legislativos).

    Em 2014 foi eleito o Congresso mais Conservador desde 1964, ano do golpe militar. O resultado? Um golpe parlamentar-midiático.

    A Câmara golpista é também uma Câmara Masculina, Branca, Heterossexual e velha.

    Apesar da mudança de quase 50% do congresso em 2014, menos de 10% são mulheres (51 deputadas); menos de 5% são negr@s (22 deputad@s); e menos de 10% são jovens (50, até 34 anos). NENHUM indígena foi eleito e o ÚNICO parlamentar do Congresso Nacional assumidamente LGBT é o deputado Jean Wyllys.

    Além disso dos 513 deputados na Câmara Federal, só 36 foram eleitos com votos próprios. O restante foi puxado por causa do coeficiente eleitoral (veja aqui como ele funciona: https://goo.gl/KZIa18).

    A prefeitura é MUITO importante. Mas, não esqueça o poder do legislativo. Vote em mulheres, LGBTs, nos povos tradicionais, em negros e negras, COMPROMETID@S com as pautas sociais.

    Por mais representatividade. Por +Jovens +Mulheres +Negr@s +LGBTs +indígenas na Política

    Com informações: DIAP, Departamento Intersindical de assessoria Parlamentar/ Campanha pela Constituinte do Sistema Político / Inesc Instituto de Estudos Socioeconômicos/ Rede TVT.

    Texto: Larissa Gould / Jornalistas Livres.

  • Por que os senhores continuam atirando em nós?

    Por que os senhores continuam atirando em nós?

    Texto de Fernando Sato e vídeo de Adolfo Garroux, especial para os Jornalistas Livres

    Estamos comemorando a Semana da Consciência Negra. Não. Estamos “manifestando” a Semana da Consciência Negra. O que temos para comemorar na semana em que a Marcha das Mulheres Negras é covardemente atacada por militantes do MBL, incluindo policiais civis com arma em punho? No dia em que uma imagem de uma mulher que expõe sua identidade negra é excluída do Facebook sem nenhuma explicação? Quando personalidades negras do mundo das artes são xingadas e vilipendiadas na internet? Quando refugiados negros são assassinados em formato de execução, apenas pelo fato de serem estrangeiros? Quando jogadores são chamados de macacos nos “democráticos” estádios de futebol? No mês que marcou dois anos da morte do estudante Douglas Rodrigues por policiais militares?

    Por que o senhor atirou em mim?

    Douglas Rodrigues tinha 17 anos, cursava o terceiro ano do ensino médio em seu bairro, Jardim Brasil, e trabalhava numa lanchonete em Pinheiros. Menino tranquilo, adorava empinar pipa, coisa de todo mundo na Zona Norte. A mãe dele, Dona Rossana, andava feliz, já que os dois filhos dela começavam a tecer uma amizade realmente permanente. Aquelas amizades que vão pro resto da vida. O Douglas levava seu irmão menor pra tudo que é lado.

    Foi assim naquele dia. Os dois irmãos estavam voltando para casa juntos. De repente, a viatura parou. Não deu tempo pra mais nada. O policial já saiu da viatura atirando. A única coisa que Douglas pode fazer, foi perguntar para o policial: “Por que o senhor atirou em mim?”

    Até hoje essa pergunta ainda não foi oficialmente respondida. De acordo com o advogado da família de Douglas, na Vara Cível já existe uma sentença favorável. O juiz de primeira instância deu ganho de causa e considerou o Governo do Estado de São Paulo culpado por homicídio culposo. Como pena, terá de pagar indenização à familia de Douglas.

    Mas, o Governo do Estado recorreu. O caso será será julgado em segunda instância. Quando? Ninguém sabe.

    Enquanto isso, na Vara Criminal, não existe nem denúncia. A alegação da promotoria é que existem dúvidas no processo. E exigiu uma nova reconstituição do crime. No inquérito policial, o policial alega disparo involuntário. O promotor quer saber se o policial saiu da viatura e só depois disso atirou, ou se o policial já saiu atirando com a arma em punho, o que foi assegurado por testemunhas. Se assim for comprovado, o policial será indiciado por homicídio doloso, quando se tem a intenção de matar ou se assume o risco de matar; e não por homicídio culposo, quando não se tem a intenção de matar.

    Quem policia a polícia?

    Porque o senhor atirou em mim? Porque o genocídio da população negra e pobre faz parte do dia-a-dia da periferia. Porque o racismo é de tal forma institucionalizado que, no Rio de Janeiro, por exemplo, os policiais caracterizam o suspeito negro, como “elemento cor padrão.”

    É incompreensível entender como um policial negro também age dessa forma pré-estabelecida? A socióloga e primeira mulher a dirigir o sistema penitenciário do Rio de Janeiro, Julita Lemgruber, responde: “Policial não tem cor, policial tem farda.”

    Outro ponto que deve ser levado em conta é o fato de as classes sociais se distanciarem. Os ricos e os pobres. Em São Paulo, temos o agravante de que as populações mais desprovidas moram na periferia e são invisíveis aos olhos dos cidadãos da classe média. Quando o policial atua em um bairro rico, ele claramente se porta de uma forma mais polida e respeitosa. Mas quando esse policial se dirige às bordas da cidade, seu comportamento se modifica radicalmente; se torna violento e agressivo nas abordagens e trato com a comunidade.

    Ação e reação. A população atingida por esse tratamento também cria capas de resistência contra a abordagem policial. O momento seguinte é a falta total de relação entre polícia e comunidade. A agressividade se transfere nos atos de resposta da população para a ação policial e o policial, então, trabalha como se estivesse numa guerra e numa guerra, o objetivo é abater o inimigo.

    Assim, funciona o cerne do pensamento policial. Controle social e repressão total. Continuando a citar Julita Lemgruber, ela diz que a polícia rotula de “autos de resistência” os confrontos com a população, o que na verdade são atos de “execução sumária”.

    Outro dia, um amigo foi parado pela polícia. Porque foi parado? De acordo com o policial, por causa das várias tatuagens. “Fez essa tatuagem na cadeia?” Meu amigo, calmamente, tentou argumentar que tatuagem não tem nenhuma relação com criminalidade. Sabem o que o policial respondeu? “Até prova em contrário, todo mundo é suspeito.”

    Oi?

    Esses exemplos poderiam explicar o que aconteceu com o Douglas? Não. Nada explica o que aconteceu com o Douglas. Nada.

    Por que o senhor atirou em mim?

    A Campanha

    Após o assassinato, parentes e amigos de Douglas começaram uma campanha que se viralizou na rede. A campanha “Por que o senhor atirou em mim?” Se transformou em ponta-de-lança em um movimento para dar visibilidade a esse problema da violência, principalmente na periferia. Na mesma época, duas chacinas aconteceram em São Paulo: em Brasilândia e Sapopemba.

    Coletivos, entidades e indivíduos, que se organizaram em assembleias abertas em praça pública foram os artífices dessa campanha. Além de lutar pela justiça no caso do menino Douglas, a desmilitarização da polícia, criação de uma polícia comunitária, a redução de direitos também foram postos à mesa. Lideranças de movimentos sociais, políticos, artistas e intelectuais se juntaram à causa.

    Mas esse ano já se completam dois anos da morte de Douglas. A justiça anda em passos de tartaruga. Mas o maior problema não é esse. Há 11 anos atrás aconteceu o mesmo com Flávio Santana, dentista, negro, filho de sargento da polícia reformado. Foi assassinado em Santana, também Zona Norte, por policiais que ainda forjaram a cena do crime para alegar auto-defesa. Uma campanha imensa foi organizada, e conseguiram a condenação e posterior reclusão dos policiais envolvidos. E, agora em agosto de 2015, uma chacina em Osasco e Carapicuiba matou 19 moradores da região. Ainda sem resolução da justiça. Tudo continua acontecendo sempre igual. Nada muda. Temos que entender que esse processo é endêmico e só uma grande transformação, uma revolução no conceito de proteção à população pode conseguir acabar com essa guerra diária em que vivemos.

    Bacurizinho

    A primeira coisa a se fazer é não esquecer. A segunda é lembrar sempre. Dia 31 de outubro, a família de Douglas e mais coletivos, grupos de teatro, amigos, vizinhos fizeram um ato de memória a Douglas. Foram convidados autoridades e entidades. Houve também apresentações de música, poesia e intervenções.

    “Os mesmos que mataram meu amigo

    Vieram nos escoltar

    Nós não queremos escolta

    Nós queremos justiça”

    O grupo de teatro Mudança de Cena, dirigido por Yara Toscano encenou na rua, a peça “Enquadros”, que discute a morte de Douglas e de outros casos de racismo policial. Num formato chamado de Teatro-Fórum, em um momento da peça foi chamada a participação do advogado de defesa para explicar o processo para todos os presentes.

    O local escolhido foi onde Douglas foi assassinado. Rua Bacurizinho. Triste. Numa rua em que o próprio nome homenageia Douglas. Bacurizinho. Em certas regiões do Brasil, bacurizinho é um jeito carinhoso de se referir aos filhos. O bacurizinho de Dona Rossana. Que se preocupa imensamente com seu outro filho, que ainda não conseguiu superar o trauma daquele dia. Que prometeu na despedida do Douglas, buscar, a qualquer custo, justiça pra ele. E mãe cumpre.