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  • Secretário de Cultura de Bolsonaro também usou fundo musical preferido de Hitler

    Secretário de Cultura de Bolsonaro também usou fundo musical preferido de Hitler

    Como se não bastasse copiar um texto do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, o secretário especial da cultura de Jair Bolsonaro escolheu com cuidado o fundo musical de seu discurso em vídeo, exibido para lançamento de uma nova premiação nacional. Roberto Alvim elegeu a ópera romântica Lohengrin, composta e escrita pelo alemão Richard Wagner (1813-1883), para noticiar seus planos de “avançar na construção de uma nova e pujante civilização brasileira”.

    É público e amplamente difundido: Wagner era o compositor preferido de Adolf Hitler, que elegeu as narrativas nórdicas do compositor como a trilha sonora da propaganda política de seu regime sanguinário. As óperas e canções de Wagner, com pompa heroica e harmonia elegante, foram usadas para sustentar a política de genocídio em massa nazista.

    Roberto Alvim usa, explicitamente, texto e trilha sonora da publicidade nazista em seu discurso (Foto: Reprodução Portal da Secretaria Especial da Cultura)

    Nada é gratuito nas Artes – e o ministro da cultura de Bolsonaro não pode se fingir de desentendido. Roberto Alvim está utilizando, sim, e explicitamente, as estratégias da publicidade do tenebroso Partido Nazista, de extrema-direita, para se comunicar com os brasileiros.

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    EXCLUSIVO: Secretário da cultura de Bolsonaro copia Goebbels em discurso

    Brazilian Secretary of Culture Quotes Goebbels in Official Statement

  • EXCLUSIVO: Secretário da cultura de Bolsonaro copia Goebbels em discurso

    EXCLUSIVO: Secretário da cultura de Bolsonaro copia Goebbels em discurso

    Em vídeo que anuncia um programa de fomento às artes, nos moldes conservadores característicos do atual governo, o Secretário Especial de Cultura Roberto Alvim citou quase ipsis literis uma frase famosa de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda da Alemanha Nazista.

    A citação está no texto do livro “Joseph Goebbels, Uma Biografia”, de Peter Longerich, publicado no Brasil pela editora Objetiva.

     

     

    “A arte brasileira da próxima década será heróica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada.”

    (Roberto Alvim, Secretário Especial de Cultura do Governo Bolsonaro)

    “A arte alemã da próxima década será heróica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada.”

    (Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler)

     

     

    VEJA O VÍDEO QUE DERRUBOU ROBERTO ALVIM:

     

     

     

  • Assembleia Legislativa de São Paulo vira “Casa da Vovó”

    Assembleia Legislativa de São Paulo vira “Casa da Vovó”

    No dia 8 de abril de 2019, no auditório Paulo Kobayashi, na Assembleia Legislativa de São Paulo, onde, a pretexto de se fazer apresentar um visão revisional da história do Brasil, dos 21 anos que duraram a ditadura militar, foi passado um filme, de origem praticamente desconhecida, promovido por alguns deputados da casa, e como comentaristas, nada mais nada menos do que cabo Anselmo, o delegado Carlos Augusto Fleury filho de Sérgio Paranhos Fleury e outras personalidades.

    Pode parecer incrível que depois de tudo que se esperava que ocorresse nos quartéis a pedido do Presidente da República _que houvesse a comemoração do golpe, que gerou uma reação em cadeia sem precedentes em todo Brasil, inclusive com um ato de São Paulo com mais de dez mil pessoas, a comemoração viesse a ocorrer em plena Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Atrás do quartel do 2º Exército e diante do Parque do Ibirapuera em São Paulo, do monumento aos Mortos e Desaparecidos, onde houve encerrou a 1ª Caminhada do Silêncio, naquele domingo 31 de março de 2019.

     

    CAMINHADA DO SILÊNCIO 31.04.2019, São Paulo Parque do Ibirapuera

     

    Transmissão  realizada na caminhada

     

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/782859415444904/

     

     

    Galeria de fotos da caminhada

     

     

     

    O filme

    O filme, é evidentemente muito mal feito. É uma história que tenta ser o reverso do filme de 2013 do cineasta Camilo Tavares. Camilo Tavares e seu pai, Flávio Tavares, um grande jornalista brasileiro, produziram um roteiro, um livro e um filme chamados “O Dia Que Durou 21 Anos”, que é um documento básico da narrativa do golpe, das entranhas das negociações entre os militares e o Governo Americano.

    Link da versão que foi retransmitida pelo Canal Brasil em forma de série.

    Link para assistir (pago) o filme “O Dia que durou 21 anos” em alta resolução no youtube.

    O filme que passou na Assembleia Legislativa tenta ser uma contranarrativa ao do “O Dia Que Durou 21 Anos” na visão dos torturadores. E eles foram tão audaciosos, que trouxeram os próprios torturadores para comentar. Trouxeram nada mais nada menos do que cabo Anselmo.

    Quem é cabo Anselmo? Cabo Anselmo era um sargento da Marinha Brasileira, líder da Revolta dos Marinheiros, no rio de janeiro, em 25 de março de 1964, que  evidenciou a polarização existente no interior das forças armadas em torno do apoio ao presidente João Goulart. A revolta é considerada o estopim que levou ao golpe de 1964. Descobriu-se, depois que ele era um infiltrado, um agente duplo, e também que ele foi responsável pela morte da sua companheira Soledad Barrett Viedma, em Pernambuco. Este episódio é chamado de massacre da chácara São Bento, onde ela, grávida dele e mais seis pessoas morreram assassinadas.  Ela foi assassinada pelas mãos dele. Ele levou os delegados de São Paulo, incluindo o delegado Fleury, numa diligência pra fazer execução das seis pessoas, inclusive a sua companheira.

    Então, na realidade, não é a simples iniciativa de alguns deputados, de alguns policiais, não; é a casa de leis, é a Assembleia Legislativa mais importante do País que teve suas relações aviltadas. É evidente que a direção da casa não sabia, não tinha noção do que poderia acontecer, nem da repercussão nacional que está tendo essa atividade. No Brasil inteiro se fala desse ocorrido.

    Última vez que o cabo Anselmo apareceu em público foi no programa Roda Viva, fartamente anunciado, onde ele foi questionado sobre toda delação. Imaginem vocês, que o cabo Anselmo, tinha um companheiro de farda, da Marinha, Edgar de Aquino Duarte, cujo único crime era de ser amigo de cabo Anselmo. Tanto que quando cabo Anselmo veio do exterior, ele ficou protegido, guardado no apartamento de Edgar De Aquino Duarte, e por esse fato, ele foi condenado à morte, e permanece desaparecido até hoje.

    Não param por aí… Tinha uma plateia no auditório Paulo Kobayashi, cerca de 90 pessoas, que aplaudiam e riam. Porque, imaginem os senhores, os dois homenageados ao fim no suposto debate, foram o delegado Sérgio Paranhos Fleury e ao General Comandante da repressão em todo Brasil, Carlos Alberto Brilhante Ustra.

    Foi um ato “Ustra Vive, Fleury Vive”, carregado de todas as piadinhas, todas as ironias. Toda cerimônia está preservada no link da TV Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, TV ALESP. A sessão completa pode ser assistida NESTE LINK na Tv Alesp.

     

    A Casa Da Vovó

    Um dos testemunhos mais notáveis presentes foi o jornalista Marcelo Godoy, um dos jornalistas mais especializados no assunto, que escreveu o livro “A Casa da Vovó – Uma biografia do DOI-Codi””, pela editora Alameda Casa Editorial que explica como detalhes como funcionava a casa da morte na rua Tutóia com a Tomás Carvalhal, na Vila Mariana, conhecida como DOI-CODI, uma delegacia que existe até hoje e foi o maior centro de tortura do País.

    Ná época do lançamento do livro “A Casa da Vovó – Uma biografia do DOI-Codi”, de Marcelo Godoy, em 2014, no mesmo auditório Paulo Kobayashi, o delegado aposentado Carlos Alberto Augusto, que responde pelo nome Carteira Preta, vestido de smoking e capacete militar interrompeu o debate, tentou constranger pessoas da plateia que foram vítimas de torturas, e teve que ouvir de Marcelo Godoy a pergunta: “ O senhor precisa contar o que o Sr. fez?”.  Assista a sessão completa neste link, a discussão começa a partir do minuto 57’.

    No dia 08 de Abril na fatídica sessão, o mesmo sr. Carteira Preta foi chamado a dar participar do debate e homenagear o delegado Sérgio Paranhos Fleury. Assista o vídeo que mostra alguns trechos.

     

     

    E agora? Surge uma pergunta:

    Como é que a sociedade do Brasil Civil, paulista, brasileira, o ministério público, a defensoria pública, todos os ministérios, o poder judiciário, a OAB, como é que todas essas organizações vão ou poderão se posicionar diante de tal desrespeito?

    Porque o que houve lá foi uma comemoração risonha, irônica, dos acontecimentos de toda uma cadeia, de mortes, perseguição, e dos crimes cometidos ao longo desses 21 anos contra o povo brasileiro.

    E será que vai haver algum procedimento interno investigativo? Algum pedido de informações a respeito do que ocorreu lá ontem?

    Por incitar a violência e tortura, e crimes contra a humanidade os deputados organizadores do evento cometeram uma falta grave, que segundo o  Artigo 5°, inciso 1º e artigo 7º inciso 4º do Regimento Interno permite abertura de processo investigativo na Comissão de Ética da Assembleia Legislativa, conforme é descrito no código de Ética da casa em seu artigo 16, parágrafo 1º.

    É bom lembrar que em 2013 foi montado um acampamento no fundo da Assembleia Legislativa, de frente pro quartel, exigindo a intervenção militar no Brasil, que durou cerca de dois anos, e esse acampamento foi organizado pelos mesmos rebatedores que estavam na mesa ontem, fazendo comentário do filme.

    Essa publicação dos Jornalistas Livres, ela tem por objetivo não só discutir o passado do golpe militar, que durou de 1964 a 1985, como discutir o momento atual em que as pessoas que participaram do golpe hoje reivindicam a implantação do novo regime militar no Brasil _a chamada intervenção militar.

     

    Não é só um raciocínio do passado!

    Lógico que esse processo revisional é além de ser uma das coisas mais cruéis, é também das mais perigosas que estão acontecendo no Brasil. Por que a narrativa é de que o nazismo foi uma política de esquerda, e que as ditaduras são apenas de esquerda. Nesta linha de pensamento que esses defensores da tortura e da Ditadura Militar, alegam que era uma guerra, e isso que o filme tenta alegar com supostos documentos secretos.

    Na medida que o Presidente da República ao visitar o museu de Israel, manifesta que ficou de tal forma perplexo com as atrocidades que ele viu no Museu do Holocausto, e que só lhe restou uma frase brutal, dizendo que todos aqueles crimes tinham sido cometidos pela esquerda alemã, e pela esquerda do mundo. Conveniente né?

    As atrocidade cometidas nos campos de concentração, segundo ele, teriam sido cometidos pelos partidos de esquerda da Alemanha e da Europa. Será que ele entrou no mesmo museu? Para se defender da narrativa, e da visão da brutalidade foi tão grande, tão grande, ele então, de uma forma ingênua e patética diz: Isso só pode ter sido coisa da esquerda. Neste episódio, foi que ele plantou uma árvore nos jardins do museu e várias organizações de direitos humanos de Israel querem que essa árvore por ele plantada seja imediatamente retirada.

    E até aqui no Brasil, na semana do dia 31 de março, às forças armadas, os militares pediam muito comedimento, pouco exibicionismo e uma linha de ordem do dia, uma coisa interna da ordem do dia dos militares. Contra o pedido do Presidente, de comemorar esta data.

    No dia 8 de abril, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, teve um ato ostensivo da apologia à tortura, à morte e ao desaparecimento político.

    Os deputados que constituem a assembleia, a maioria, posso dizer mais que 90%, são autênticos democratas, pessoas de tradições de luta, da resistência, gente da melhor qualidade, que construíram a democracia no Brasil.

    Não se pode, numa atitude irresponsável, acusar a casa, a instituição, o parlamento estadual, porque eles foram atingidos pelas costas por esse ato brutal. É necessário que a sociedade saiba dividir o joio do trigo, não tem nada a ver com uma atividade proposta pela Assembleia; foi esse nicho que representa o pensamento dos torturadores que promoveu essa irresponsabilidade.

    Isso não quer dizer que esses fatos não devam ser averiguados, investigados. As sessões são todas gravadas em vídeo. Tem as sessões em áudio, as notas taquigráficas, isso é necessário até que a sociedade civil tenha subsídio para apoiar as investigações.

    Porque essa nova extrema direita vem duma forma tão avassaladora contra as instituições, querendo pôr todo mundo na defensiva, então é dever da sociedade civil apoiar os deputados democratas que constituem as bancadas dos diferentes partidos para que possam enfrentar essa verdadeira provocação, esse verdadeiro acinte, essa verdadeira mácula, que vai nos anais da Assembleia Legislativa.

    Mas que também nos sirva de alerta para que a gente saiba exatamente do que eles são capazes de fazer, quem comemora, quem faz apologia das torturas e dos assassinatos de 50 anos atrás, propondo ou criando um campo permissivo para que as mesmas atitudes sejam repetidas, as chacinas, os esquadrões da morte, as milícias, os assassinatos da juventude negra, a perseguição indiscriminada às populações mais pobres e àqueles que discordam politicamente.

    Dá medo, porque medo é uma coisa normal do ser humano, todo ser humano tem que ter medo. Tem que ter medo, mas tem que ter coragem; medo com coragem pra enfrentar, para que nunca mais aconteça, para que não se repita; os fatos que ocorreram no passado serem evitados no presente. Democracia já!

     

    Alguns fatos a destacar :

    Os deputados Douglas Garcia (PSL) e Carlos Alberto Castelo Branco (PSL), foram os responsáveis pelo evento. É importante lembrar, que o primeiro é o criador do grupo, porão do DOPS, conhecido por sua incontinência verbal, que, ao ameaçar uma deputada semana passada, teve que recuar ridiculamente, pedindo socorro ao líder da sua bancada, tal o vexame que ia passar a público. Este cidadão, com ironia e novamente falta de decoro, sugere a criação da comemoração da data, como assim fez o seu Presidente.

    O segundo, que tem o nome de um certo Marechal seu tio avô, devia se preocupar em saber como é que seu avô foi morto e como a sua aeronave foi derrubada em Fortaleza de uma forma inexplicável. Em sua fala, na mesma sessão ele repete algumas vezes, as verdade que o abjeto filme não revelou, “tem muita coisa por traz que não está aí” diz o deputado Carlos Alberto Castelo Branco.

     


    Adriano Diogo foi Deputado Estadual pelo PT de São Paulo em três mandatos. De 2012 a 2015 criou a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, Marcelo Rubens Paiva. Muitas das sessões da comissão aconteciam no Auditório Paulo Kobayashi, na Assembleia Legislativa. Todas as sessões podem ser acessadas nos links do canal, e contribuíram para elucidação de muitas das atrocidades cometidas por agentes do Estado de São Paulo.

    Além das audiências onde vítimas e familiares puderam dar seus depoimentos todo o processo está acessível para consulta no Relatório Final da Comissão, que produziu também importantes documentos e pode ser baixado.

     

     

     

     

  • Eleição democrática do terror

    Eleição democrática do terror

    Ele nada entendia da situação real do país.

    Nem demonstrava interesse por ela, embora atuasse ativamente na política. Por isso não gostava de ser questionado, irritava-se diante das perguntas como se fossem armas apontadas em sua direção. Não queria que a sua ignorância se tornasse explícita.
    Ser estranho, ele tinha olhos alucinados afundados nas órbitas, lábios espremidos, gestos cortantes. Todo o seu corpo era rígido, como se moldado em armadura. Ao ficar na defensiva, parecia uma fera acuada. Ao passar à ofensiva, a fera exibia garras afiadas e de suas mandíbulas pingava sangue.

    Sua fala exalava ódio, rancor, preconceito.

    Aliás, não falava, gritava. Não sabia sorrir, tratar alguém com delicadeza, ter um gesto de cortesia ou humildade. Evitava ao máximo os repórteres. Julgava suas perguntas invasivas. E temia que a sua verdadeira face antidemocrática transparecesse em suas respostas.
    Educado em fileiras militares, aprendera apenas a dar e cumprir ordens, enquadrar quem o cercava e ultrajar quem se opunha às suas opiniões. Jamais aceitava o contraditório ou praticava um mínimo de tolerância. Considerava-se o senhor da razão.

    A nação estava em frangalhos, mergulhada em crise ética, política e econômica, e o horizonte da esperança espelhado em trevas.

    Pelo país afora havia milhares de desempregados, criminalidade generalizada, corrupção em todas as instâncias de poder. O câmbio disparara, a moeda nacional perdia valor, o descontentamento era geral. O governo carecia de credibilidade e se via cada vez mais fragilizado. O povo clamava por um salvador da pátria.

    Jovens desesperançados viam nele um avatar capaz de inaugurar a idade de ouro.

    Era ele o cara, surfando na descrença generalizada na política e nos políticos. O Executivo se debilitara por corrupção e incompetência, o Legislativo mais parecia um ninho de ratos, o Judiciário se partidarizara submisso a interesses escusos.

    Ele se dizia cristão, e se considerava ungido por Deus para livrar o país de todos os males.

    Advogava soluções militares para problemas políticos. Movido pela ambição desmedida, se apresentou como candidato à eleição democrática para ocupar o mais alto posto da República, embora ostentasse a patente de simples oficial de baixo escalão do Exército.

    De sua oratória raivosa ressoava o discurso agressivo, bélico, insano. Haveria de modificar todas as leis para implantar uma ordem marcial que poria fim a todas as mazelas do país. Eleito, seria ele o comandante-em-chefe, e todos os cidadãos passariam a ser tratados como meros recrutas obrigados a cumprir estritamente as suas ordens.

    Prometia fortalecer o aparato policial e as Forças Armadas. Sua noção de justiça se resumia a uma bala de revólver ou a um tiro de fuzil. Eleito, excluiria da vida social um enorme contingente de pessoas consideradas por ele sub-humanos e indesejáveis, mulheres, homossexuais, trabalhadores em luta por seus direitos e comunistas. Todos que se opunham às suas opiniões eram por ele apontados como bodes expiatórios da desgraça nacional.

    Seu mandato presidencial haveria de trazer a era de fartura e prosperidade.

    Reergueria a economia e asseguraria oportunidades de trabalho a todos. Exaltaria os privilégios do capital sobre os direitos dos trabalhadores. Aqueles que o seguissem seriam felizes, e livres para sobrepor a lógica das armas ao espírito das leis. Os demais, excluídos sumariamente do convívio social.

    Enfim, após uma série de manobras políticas e forte repressão às forças adversárias, ele foi eleito chefe de Estado. A nação entrou um júbilo.

    O salvador havia descido dos céus! Ou melhor, brotado das urnas.

    Tudo isso aconteceu há 85 anos, em 1933. Na Alemanha alquebrada pela derrota na Primeira Grande Guerra. O nome dele era Adolfo Hitler.

    • Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

    **  Texto publicado originalmente em https://www.gentedeopiniao.com.br/colunista/frei-betto/eleicao-democratica-do-terror-por-frei-betto

  • Umberto Eco explica o que é o Fascismo Eterno

    Umberto Eco explica o que é o Fascismo Eterno

    “O Fascismo Eterno”

    Por Umberto Eco

    Em 1942, com a idade de dez anos, ganhei o prêmio nos Ludi Juveniles (um concurso com livre participação obrigatória para jovens fascistas italianos – o que vale dizer, para todos os jovens italianos). Tinha trabalhado com virtuosismo retórico sobre o tema: “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?” Minha resposta foi afirmativa. Eu era um garoto esperto.Depois, em 1943, descobri o significado da palavra “liberdade”. Contarei esta história no fim do meu discurso. Naquele momento, “liberdade” ainda não significava “liberação”.

    Passei dois dos meus primeiros anos entre SS, fascistas e resistentes, que disparavam uns nos outros, e aprendi a esquivar-me das balas. Não foi mal exercício.

    Em abril de 1945, a Resistência tomou Milão. Dois dias depois os resistentes chegaram à pequena cidade em que eu vivia. Foi um momento de alegria. A praça principal estava cheia de gente que cantava e desfraldava bandeirolas, invocando Mimo, o líder a resistência na área, em alto brado. Mimo, ex-suboficial dos carabinieri, envolveu-se com os partidários do marechal Badoglio e perdeu uma perna nos primeiros confrontos. Apareceu no balcão da Prefeitura, apoiado em muletas, pálido; tentou acalmar a multidão com uma mão. Eu estava ali esperando seu discurso, já que toda a minha infância tinha sido marcada pelos grandes discursos históricos de Mussolini, cujos passos mais significativos aprendíamos de cor na escola. Silêncio. Mimo falo com voz rouca, quase não se ouvia. Disse: “Cidadãos, amigos. Depois de tantos sacrifícios dolorosos…aqui estamos. Glória aos que caíram pela liberdade…”. E foi tudo. Ele voltou para dentro. A multidão gritava, os membros da resistência levantaram as armas e atiraram para o alto, festivamente. Nós, rapazes, nos precipitamos para recolher os cartuchos, preciosos objetos de coleção, mas eu tinha aprendido então que liberdade de palavra significa também liberdade da retórica.

    Alguns dias depois vi os primeiros soldados americanos. Eram afro-americanos. O primeiro ianque que encontrei era um negro, Joseph, que me apresentou às maravilhas de Dick Tracy e Ferdinando Buscapé. Seus gibis eram coloridos e tinham um cheiro bom.

    Um dos oficiais (o major ou capitão Muddy) era hóspede na casa da família de dois dos meus companheiros de escola. Sentia-me em casa naquele jardim em que alguns senhores amontoavam-se em torno ao capitão Muddy, falando um francês aproximativo. O capitão Muddy tinha uma boa educação superior e conhecia um pouco de francês. Assim, minha primeira imagem dos libertadores americanos, depois de tantos caras-pálidas de camisa negra, era a de um negro culto em uniforme cáqui que dizia: “Oui, merci beaucoup Madame, moi aussi j’aime le champagne…” Infelizmente, faltava o champagne, mas ganhei do capitão Muddy o meu primeiro chiclete e comecei mastigando o dia inteiro. De noite colocava o chiclete em um copo d’água para que ficasse fresco para o dia seguinte.

    Em maio, ouvimos dizer que a guerra tinha acabado. A paz deu-me uma sensação curiosa. Haviam me dito que a guerra permanente era a condição normal de um jovem italiano. Nos meses seguintes descobri que a Resistência não era apenas um fenômeno local, mas Europeu. Aprendi novas e excitantes palavras como “reseau”, “maquis”, “armée secrète”, “Rote Kapelle”, “gueto de Varsóvia”. Vi as primeiras fotografias do Holocausto e assim compreendi seu significado antes mesmo de conhecer a palavra. Percebi que havíamos sido liberados.

    Hoje na Itália existem algumas pessoas que se perguntam se a Resistência teve algum impacto militar real no curso da guerra. Para a minha geração a questão é irrelevante: compreendo imediatamente o significado moral e psicológico da Resistência. Era motivo de orgulho saber que nós, europeus, não tínhamos esperado passivamente pela liberação. Penso que, também para os jovens americanos que derramaram seu sangue pela nossa liberdade, não era irrelevante saber que atrás das linhas havia europeus que já estavam pagando seu débito.

    Hoje na Itália tem gente que diz que a Resistência é um mito comunista. É verdade que os comunistas exploraram a Resistência como uma propriedade pessoal, pois realmente tiveram um papel primordial no movimento; mas lembro-me dos resistentes com bandeiras de diversas cores.

    Grudado ao rádio, passava as noites – as janelas fechadas e a escuridão geral faziam do pequeno espaço em torno ao aparelho o único halo luminoso – escutando as mensagens que a Rádio Londres transmitia para a Resistência. Eram, ao mesmo tempo, obscuras e poéticas (“Ainda brilha o sol”, “As rosas hão de florir”), mas a maior parte eram “mensagens para Franchi”. Alguém soprou no meu ouvido que Franchi era o líder de um dos grupos clandestinos mais poderosos da Itália do Norte, um homem de coragem legendária. Franchi tornou-se o meu herói. Franchi (cujo verdadeiro nome era Edgardo Sogno) era um monarquista tão anticomunista que, depois da guerra, se uniu a um grupo de extrema direita e foi até acusado de ter participado de um golpe de Estado reacionário. Mas que importa? Sogno ainda é o sonho da minha infância. A liberação foi um empreendimento comum de gente das mais diversas cores.

    Hoje na Itália tem gente que diz que a guerra de liberação foi um trágico período de divisão, e que precisamos agora de uma reconciliação nacional. A recordação daqueles anos terríveis deveria ser reprimida. Mas a repressão provoca neuroses. Se a reconciliação significa compaixão e respeito por todos aqueles que lutaram sua guerra de boa-fé, perdoar não significa esquecer. Posso até admitir que Eichmann acreditava sinceramente em sua missão, mas não posso dizer: “Ok, volte e faça tudo de novo”. Estamos aqui para recordar o que aconteceu e para declarar solenemente que “eles” não podem repetir o que fizeram.

    Mas quem são “eles”?

    Se pensamos ainda nos governos totalitários que dominaram a Europa antes da Segunda Guerra Mundial, podemos dizer com tranquilidade que seria muito difícil que eles retornassem sob a mesma forma, em circunstâncias históricas diversas. Se o fascismo de Mussolini baseava-se na idéia de um líder carismático, no corporativismo, na utopia do “destino fatal de Roma”, em uma vontade imperialista de conquistar novas terras, em um nacionalismo exacerbado, no ideal de uma nação inteira arregimentada sob a camisa negra, na recusa da democracia parlamentar, no anti-semitismo, então não tenho dificuldade para admitir que a Aliança Nacional, nascida do Movimento Social e Italiano (MSI), é certamente um partido de direita, mas tem muito pouco a ver com o velho fascismo. Pelas mesmas razões, mesmo preocupado com os vários movimentos neonazistas ativos aqui e ali na Europa, inclusive na Rússia, não penso que o nazismo, e sua forma original, esteja ressurgindo como movimento capaz de mobilizar uma nação inteira.

    Todavia, embora os regimes políticos possam ser derrubados e as ideologias criticadas e destituídas de sua legitimidade, por trás de um regime e de sua ideologia há sempre um modo de pensar e de sentir, uma série de hábitos culturais, uma nebulosa de instintos obscuros e de pulsões insondáveis. Há, então, um outro fantasma que ronda a Europa (para não falar de outras partes do mundo)?

    Ionesco disse certa vez que “somente as palavras contam, o resto é falatório”. Os hábitos linguísticos são muitas vezes sintomas importantes de sentimentos não expressos.

    Portanto, permitam-me perguntar por que não somente a Resistência mas toda a Segunda Guerra Mundial foram definidas em todo o mundo com uma luta contra o fascismo. Se relerem “Por quem os sinos dobram”, de Hemingway, vão descobrir que Robert Jordan identifica seus inimigos com os fascistas, mesmo quando está pensando nos falangistas espanhóis.

    Permitam-me passar a palavra a Franklin Delano Roosevelt: “A vitória do povo americano e de seus aliados será uma vitória contra o fascismo e o beco sem saída que ele representa” (23 de setembro de 1944).

    Durante os anos de McCarthy, os americanos que tinham participado da guerra civil espanhola eram chamados de “fascistas prematuros” – entendendo com isso que combater Hitler nos anos 40 era um dever moral de todo bom americano, mas combater Franco cedo demais, nos anos 30, era suspeito. Por que uma expressão como “fascist pig” era usada pelos radicais americanos até para indicar um policial que não aprovava os que fumavam? Por que não diziam: “Porco Caugolard”, “Porco Falangista”, “Porco Quisling”, “Porco croata”, “Porco Ante Pavelic”, “Porco nazista”?

    Mein Kampf é o manifesto completo de um programa político. O nazismo tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa de entartete Kunst, a “arte degenerada”, uma filosofia da vontade de potência e da Übermensch. O nazismo era decididamente anticristão e neopagão, da mesma maneira que o Diamat (versão oficial do marxismo soviético) de Stalin era claramente materialista e ateu. Se como totalitarismo entende-se um regime que subordina qualquer ato individual ao Estado e sua ideologia, então nazismo e estalinismo eram regimes totalitários.

    O fascismo foi certamente uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria. O artigo sobre o fascismo assinado por Mussolini para a Enciclopédia Treccani foi escrito ou inspirou-se fundamentalmente em Giovanni Gentile, mas refletia uma noção hegeliana tardia do “Estado ético absoluto”, que Mussolini nunca realizou completamente. Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica.

    Começou como ateu militante, para depois firmar a concordata com a Igreja e confraternizar com os bispos que benziam os galhardetes fascistas. Em seus primeiros anos anticlericais, segundo uma lenda plausível, pediu certa vez a Deus que o fulminasse ali mesmo para provar sua existência. Deus estava, evidentemente, distraído. Nos anos seguintes, em seus discursos, Mussolini citava sempre o nome de Deus e não desdenhava o epíteto: “homem da Providência”. Pode-se dizer que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita que dominou um país europeu e que, em seguida, todos os movimentos análogos encontraram uma espécie de arquétipo comum no regime de Mussolini.

    O fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e até mesmo um modo de vestir-se – conseguindo mais sucesso no exterior que Armani, Benetton ou Versace. Foi somente nos anos 30 que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra, com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e até na América do Sul, para não falar da Alemanha. Foi o fascismo italiano que convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista.

    Todavia, a prioridade histórica não me parece ser uma razão suficiente para explicar por que a palavra “fascismo” tornou-se uma sinédoque, uma denominação pars pro toto para movimentos totalitários diversos. Não adianta dizer que o fascismo continha em si todos os elementos dos totalitarismos sucessivos, por assim dizer, em “estado quintessencial”. Ao contrário, o fascismo não possuía nenhuma quintessência e sequer uma só essência. O fascismo era um totalitarismo fuzzy(1). O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de diversas idéias políticas e filosóficas, uma colméia de contradições. É possível conceber um movimento totalitário que consiga juntar monarquia e revolução, exército real e milícia pessoal de Mussolini, os privilégios concedidos à Igreja e uma educação estatal que exaltava a violência e o livre mercado?

    O partido fascista nasceu proclamando sua nova ordem revolucionária, mas era financiado pelos proprietários de terras mais conservadores, que esperavam uma contra-revolução. O fascismo do começo era republicano e sobreviveu durante vinte anos proclamando sua lealdade à família real, permitindo que um “duce” puxasse as cordinhas de um “rei”, a quem ofereceu até o título de “imperador”. Mas quando, em 1943, o rei despediu Mussolini, o partido reapareceu dois meses depois, com a ajuda dos alemães, sob a bandeira de uma república “social”, reciclando sua velha partitura revolucionária, enriquecida de acentuações quase jacobinas.

    Existiu apenas uma arquitetura nazista, apenas uma arte nazista. Se o arquiteto nazista era Albert Speer, não havia lugar para Mies van der Rohe. Da mesma maneira, sob Stalin, se Lamarck tinha razão, não havia lugar para Darwin. Ao contrário, existiram certamente arquitetos fascistas, mas ao lado de seus pseudocoliseus surgiram também os novos edifícios inspirados no moderno racionalismo de Gropius.

    Não houve um Zdanov fascista. Na Itália existiam dois importantes prêmios artísticos: o Prêmio Cremona era controlado por um fascista inculto e fanático como Farinacci, que encorajava uma arte propagandista (recordo-me de quadros intitulados Ascoltando all radio un discorso del Duce ou Stati mentali creati dal Fascismo); e o Prêmio Bergamo, patrocinado por um fascista culto e razoavelmente tolerante como Bottai, que protegia a arte pela arte e as novas experiências da arte de vanguarda que, na Alemanha, haviam sido banidas como corruptas, criptocomunistas, contrárias ao Kitsch nibelúngico, o único aceito.

    O poeta nacional era D’Annunzio, um dândi que na Alemanha ou na Rússia teria sido colocado diante de um pelotão de fuzilamento. Foi alçado à categoria de vate do regime pro seu nacionalismo e seu culto do heroísmo –com o acréscimo de grandes doses de decadentismo francês.

    Tomemos o futurismo. Deveria ter sido considerado um exemplo de entartete Kunst, assim como o expressionismo, o cubismo, o surrealismo. Mas os primeiros futuristas italianos eram nacionalistas, favoreciam por motivos estéticos a participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, celebravam a velocidade, a violência, o risco e, de certa maneira, estes aspectos pareciam próximos ao culto fascista da juventude. Quando o fascismo identificou-se com o império romano e redescobriu as tradições rurais, Marinetti (que proclamava que um automóvel era mais belo que a Vitória de Samotrácia e queria inclusive matar o luar) foi nomeado membro da Accademia d’Italia, que tratava o luar com grande respeito.

    Muitos dos futuros membros da Resistência, e dos futuros intelectuais do futuro Partido Comunista, foram educados no GUF, a associação fascista dos estudantes universitários, que deveria ser o berço da nova cultura fascista. Esses clubes tornaram-se uma espécie de caldeirão intelectual em que circulavam novas idéias sem nenhum controle ideológico real, não tanto porque os homens de partido fossem tolerantes, mas porque poucos entre eles possuíam os instrumentos intelectuais para controlá-los.

    No curso daqueles vinte anos, a poesia dos herméticos representou uma reação ao estilo pomposo do regime: a estes poetas era permitido elaborar seus protestos literários dentro da torre de marfim. O sentimento dos herméticos era exatamente o contrário do culto fascista do otimismo e do heroísmo. O regime tolerava esta distensão evidente, embora socialmente imperceptível, porque não prestava atenção suficiente ao um jargão tão obscuro.

    O que não significa que o fascismo italiano fosse tolerante. Gramsci foi mantido na prisão até a morte, Matteotti e os irmãos Rosselli foram assassinados, a liberdade de imprensa suspensa, os sindicatos desmantelados, os dissidentes políticos confinados em ilhas remotas, o poder legislativo tornou-se pura ficção e o executivo (que controlava o judiciário, assim como a mídia) emanava diretamente as novas leis, entre as quais a da defesa da raça (apoio formal italiano ao Holocausto).

    A imagem incoerente que descrevi não era devida à tolerância: era um exemplo de desconjuntamento político e ideológico. Mas era um “desconjuntamento ordenado”, uma confusão estruturada. O fascismo não tinha bases filosóficas, mas do ponto de vista emocional era firmemente articulado a alguns arquétipos.

    Chegamos agora ao segundo ponto de minha tese. Existiu apenas um nazismo, e não podemos chamar de “nazismo” o falangismo hipercatólico de Franco, pois o nazismo é fundamentalmente pagão, politeísta e anticristão, ou não é nazismo. Ao contrário, pode-se jogar com o fascismo de muitas maneiras, e o nome do jogo não muda. Acontece com a noção de “fascismo” aquilo que, segundo Wittgenstein, acontece com a noção de “jogo”. Um jogo pode ser ou não competitivo, pode envolver uma ou mais pessoas, pode exigir alguma habilidade particular ou nenhuma, pode envolver dinheiro ou não. Os jogos são uma série de atividades diversas que apresentam apenas alguma “semelhança de família”:

    1 – 2 – 3 – 4
    abc bcd cde def

    Suponhamos que exista uam série de grupos políticos. O grupo 1 é caracterizado pelos aspectos abc, o grupo 2, pelos aspectos bcd e assim por diante. 2 é semelhante a 1 na medida em que têm dois aspectos em comum. 3 é semelhante a 2 e 4 é semelhante a 1 (têm em comum o aspecto c). O caso mais curioso é dado pelo 4, obviamente semelhante a 3 e a 2, mas sem nenhuma característica em comum com 1. Contudo, em virtude da ininterrupta série de decrescentes similaridades entre 1 e 4, permanece, por uma espécie de transitoriedade ilusória, um ar de família entre 4 e 1.

    O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista. Tirem do fascismo o imperialismo e teremos Franco ou Salazar; tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julios Evola.

    A despeito dessa confusão, considero possível indicar uma lista de características típicas daquilo que eu gostaria de chamar de “Ur-Fascismo”, ou “fascismo eterno”. Tais características não podem ser reunidas em um sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista.

    1. A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição. O tradicionalismo é mais velho que o fascismo. Não somente foi típico do pensamento contra-reformista católico depois da Revolução Francesa, mas nasceu no final da idade helenística como uma reação ao racionalismo grego clássico.

    Na bacia do Mediterrâneo, povos de religiões diversas (todas aceitas com indulgência pelo Panteon romano) começaram a sonhar com uma revelação recebida na aurora da história humana. Essa revelação permaneceu longo tempo escondida sob o véu de línguas então esquecidas. Havia sido confiada aos hieróglifos egípcios, às runas dos celtas, aos textos sacros, ainda desconhecidos, das religiões asiáticas.

    Essa nova cultura tinha que ser sincretista. “Sincretismo” não é somente, como indicam os dicionários, a combinação de formas diversas de crenças ou práticas. Uma combinação assim deve tolerar contradições. Todas as mensagens originais contêm um germe de sabedoria e, quando parecem dizer coisas diferentes ou incompatíveis, é apenas porque todas aludem, alegoricamente, a alguma verdade primitiva.

    Como consequência, não pode existir avanço do saber. A verdade já foi anunciada de uma vez por todas, e só podemos continuar a interpretar sua obscura mensagem. É suficiente observar o ideário de qualquer movimento fascista para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. A gnose nazista nutria-se de elementos tradicionalistas, sincretistas ocultos. A mais importante fonte teórica da nova direita italiana Julius Evola, misturava o Graal com os Protocolos dos Sábios de Sião, a alquimia com o Sacro Império Romano. O próprio fato de que, para demonstrar sua abertura mental, a direita italiana tenha recentemente ampliado seu ideário juntando De Maistre, Guenon e Gramsci é uma prova evidente de sincretismo.

    Se remexerem nas prateleiras que nas livrarias americanas trazem a indicação “New Age”, irão encontrar até mesmo Santo Agostinho e, que eu saiba, ele não era fascista. Mas o próprio fato de juntar Santo Agostinho e Stonehenge, isto é um sintoma de Ur-Fascismo.

    2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. Tanto os fascistas como os nazistas adoravam a tecnologia, enquanto os tradicionalistas em geral recusam a tecnologia como negação dos valores espirituais tradicionais. Contudo, embora o nazismo tivesse orgulho de seus sucessos industriais, seu elogio da modernidade era apenas o aspecto superficial de uma ideologia baseada no “sangue” e na “terra” (Blut und Boden). A recusa do mundo moderno era camuflada como condenação do modo de vida capitalista, mas referia-se principalmente à rejeição do espírito de 1789 (ou 1776, obviamente). O iluminismo, a idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como “irracionalismo”.

    3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”) ao uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais.

    4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição.

    5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Ur-Fascismo cresce e busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição.

    6. O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se auto exclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria seu auditório.

    7. Para os que se vêem privados de qualquer identidade social, o Ur-Fascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: ter nascido em um mesmo país. Esta é a origem do “nacionalismo”. Além disso, os únicos que podem fornecer uma identidade às nações são os inimigos. Assim, na raiz da psicologia Ur-Fascista está a obsessão do complô, possivelmente internacional. Os seguidores têm que se sentir sitiados. O modo mais fácil de fazer emergir um complô é fazer apelo à xenofobia. Mas o complô tem que vir também do interior: os judeus são, em geral, o melhor objetivo porque oferecem a vantagem de estar, ao mesmo tempo, dentro e fora. Na América, o último exemplo de obsessão pelo complô foi o livro The New World Order, de Pat Robertson.

    8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. Quando eu era criança ensinavam-me que os ingleses eram o “povo das cinco refeições”: comiam mais frequentemente que os italianos, pobres mas sóbrios. Os judeus são ricos e ajudam-se uns aos outros graças a uma rede secreta de mútua assistência. Os adeptos devem, contudo, estar convencidos de que podem derrotar o inimigo. Assim, graças a um contínuo deslocamento de registro retórico, os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais. Os fascismos estão condenados a perder suas guerras, pois são constitutivamente incapazes de avaliar com objetividade a força do inimigo.

    9. Para o Ur-Fascismo não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente. Contudo, isso traz consigo um complexo de Armagedon: a partir do momento em que os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final e, em seguida, o movimento assumirá o controle do mundo. Uma solução final semelhante implica uma sucessiva era de paz, uma idade de Ouro que contestaria o princípio da guerra permanente. Nenhum líder fascista conseguiu resolver essa contradição.

    10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática. No curso da história, todos os elitismos aristocráticos e militaristas implicaram o desprezo pelos fracos. O Ur-Fascismo não pode deixar de pregar um “elitismo popular”. Todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, os membros do partido são os melhores cidadãos, todo cidadão pode (ou deve) tornar-se membro do partido. Mas patrícios não podem existir sem plebeus. O líder, que sabem muito em que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela força, sabe também que sua força baseia-se na debilidade das massas, tão fracas que têm necessidade e merecem um “dominador”. No momento em que o grupo é organizado hierarquicamente (segundo um modelo militar), qualquer líder subordinado despreza seus subalternos e cada um deles despreza, por sua vez, os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa.

    11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Em qualquer mitologia, o “herói” é um ser excepcional, mas na ideologia Ur-Fascista o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era: “Viva la muerte!” À gente normal diz-se que a morte é desagradável, mas é preciso enfrentá-la com dignidade; aos crentes, diz-se que é um modo doloroso de atingir a felicidade sobrenatural. O herói Ur-Fascista, ao contrário, aspira à morte, anunciada como a melhor recompensa para uma vida heróica. O herói Ur-Fascista espera impacientemente pela morte. E sua impaciência, é preciso ressaltar, consegue na maior parte das vezes levar os outros à morte.

    12. Como tanto a guerra permanente como o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico: seus jogos de guerra são devidos a uma invidia penis permanente.

    13. O Ur-Fascismo baseia-se em um “populismo qualitativo”. Em uma democracia, os cidadãos gozam de direitos individuais, mas o conjunto de cidadãos só é dotado de impacto político do ponto de vista quantitativo (as decisões da maioria são acatadas). Para o Ur-Fascismo os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e “o povo” é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime “a vontade comum”. Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder apresenta-se como seu intérprete. Tendo perdido seu poder de delegar, os cidadãos não agem, são chamados apenas pars pro toto, para assumir o papel de povo. O povo é, assim, apenas uma ficção teatral. Para ter um bom exemplo de populismo qualitativo, não precisamos mais da Piazza Venezia ou do estádio de Nuremberg.

    Em nosso futuro desenha-se um populismo qualitativo TV ou Internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a “voz do povo”. Em virtude de seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo deve opor-se aos “pútridos” governos parlamentares. Uma das primeiras frases pronunciadas por Mussolini no parlamento italiano foi: “Eu poderia ter transformado esta assembléia surda e cinza em um acampamento para meus regimentos”. De fato, ele logo encontrou alojamento melhor para seus regimentos e pouco depois liquidou o parlamento. Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do parlamento por não representar mais a “voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo.

    14. O Ur-Fascismo fala a “novilíngua”. A “novilíngua” foi inventada por Orwell em 1984, como língua oficial do Ingsoc, o Socialismo Inglês, mas certos elementos de Ur-Fascismo são comuns a diversas formas de ditadura. Todos os textos escolares nazistas ou fascistas baseavam-se em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico. Devemos, porém estar prontos a identificar outras formas de novilíngua, mesmo quando tomam a forma inocente de um talk-show popular.

    Depois de indicar os arquétipos possíveis do Ur-Fascismo, permitam-me concluir. Na manhã de 27 de julho de 1943 foi-me dito que, segundo informações lidas na rádio, o fascismo havia caído e Mussolini tinha sido feito prisioneiro. Minha mãe mandou-me comprar o jornal. Fui ao jornaleiro mais próximo e vi que os jornais estavam lá, mas os nomes eram diferentes. Além disso, depois de uma breve olhada nos títulos, percebi que cada jornal dizia coisas diferentes. Comprei um, ao acaso, e li uma mensagem impressa na primeira página, assinada por cinco ou seis partidos políticos como Democracia Cristã, Partido Comunista, Partido Socialista, Partido de Ação, Partido Liberal. Até aquele momento pensei que só existisse um partido em todas as cidades e que na Itália só existisse, portanto, o Partido Nacional Fascista. Eu estava descobrindo que, no meu país, podiam existir diversos partidos ao mesmo tempo. E não só isso: como eu era um garoto esperto, logo me dei conta de que era impossível que tantos partidos tivessem aparecido de um dia para o outro. Entendi assim que eles já existiam como organizações clandestinas.

    A mensagem celebrava o fim da ditadura e o retorno à liberdade: liberdade de palavra, de imprensa, de associação política. Estas palavras, “liberdade”, “ditadura” – Deus meu -, era a primeira vez em toda a minha vida que eu as lia. Em virtude dessas novas palavras renasci como homem livre ocidental.

    Devemos ficar atentos para que o sentido dessas palavras não seja esquecido de novo. O Ur-Fascismo ainda está a nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: “Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!”. Ai de mim, a vida não é fácil assim! O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas – a cada dia, em cada lugar do mundo. Cito ainda as palavras de Roosevelt: “Ouso dizer que, se a democracia americana parasse de progredir como uma força viva, buscando dia e noite melhorar, por meios pacíficos, as condições de nossos cidadãos, a força do fascismo cresceria em nosso país” (4 de novembro de 1938). Liberdade, liberação são uma tarefa que não acaba nunca. Que seja este o nosso mote: “Não esqueçam”.

    E permitam-me acabar com uma poesia de Franco Fortini:

    Sulla spalletta del ponte
    Le teste degli impiccati
    Nell’acqua della fonte
    La bava degli impiccati
    Sul lastrico del mercato
    Le unghie dei fucilati
    Sull’erba secca del prato
    I denti dei fucilati

    Mordere l’aria mordere i sassi
    La nostra carne non à più d’uomini
    Mordere l’aria mordere i sassi
    Il nostro cuore non à più d’uomini.

    Ma noi s’è letto negli occhi dei morti
    E sulla terra faremo libertà
    Ma l’hanno stretta i pugni dei morti
    La giustizia che si farà.

    (Na amurada da ponte/ A cabeça dos enforcados/Na água da fonte/ A baba dos enforcados/No calçamento do mercado/As unhas dos fuzilados/Sobre a grama seca do prado/Os dentes dos fuzilados/Morder o ar morder as pedras/ Nossa carne não é mais de homens/Morder o ar morder as pedras/Nosso coração não é mais de homens/ Mas lemos nos olhos dos mortos/ E sobre a terra a liberdade havemos de fazer/ Mas estreitaram-na nos punhos os mortos/A justiça que se há de fazer.)”

    Umberto Eco, O Fascismo Eterno, in: Cinco Escritos Morais, Tradução: Eliana Aguiar, Editora Record, Rio de Janeiro, 2002.

    (1) Usado atualmente em lógica para designar conjuntos “esfumados”, de contornos imprecisos, o termo fuzzy poderia ser traduzido como “esfumado”, “confuso”, “impreciso”, “desfocado”. 

  • O fascismo dos nossos tempos

    O fascismo dos nossos tempos

    No segundo turno da última eleição presidencial, na fila de espera para votação, num bairro ocupado pela alta burguesia da cidade de São Paulo, ouvi rapazes galhofeiros afirmarem que, se Dilma Rousseff fosse reeleita, grupos organizados através das redes sociais a arrancariam à força do poder! Um ano e meio depois, sem precisar fazer uso da agressão física, mas não sem deixar de exibir a prepotência que lhes é peculiar, esses grupos contribuíram para a deposição da presidenta.

    Poucos dias antes da votação, a revista “Veja”, publicada, excepcionalmente, numa sexta-feira, estampava na sua capa as imagens de Dilma e de Lula ao lado de uma manchete grafada em letras vermelhas: “Eles sabiam de tudo”. Tratava-se da acusação feita pelo doleiro Alberto Youssef para os promotores da Lava Jato. Colocava-se em prática a divulgação das delações premiadas para a grande imprensa, uma estratégia que o juiz Sérgio Moro, em seu artigo “Considerações sobre a operação Mani Pulite”, afirma ter sido fundamental nessa ação judiciária italiana de combate à corrupção.

    Não me parece necessário repassar todos os fatos da recente história da política brasileira, porém, está claro que vários grupos organizados através das redes sociais, alguns deles, coordenados por jornalistas que atuam na grande imprensa, ganharam força com a divulgação dessas delações, a maior parte delas, fruto de vazamentos pontuais. Entre as estratégias para aumentar a popularidade, esses grupos insistiram, e ainda insistem, em apresentar Lula e o PT como únicos responsáveis, não só pela corrupção e pela crise econômica, mas por todo mal que possa existir nesse país.

    Em resposta a essa campanha que uniu parte do judiciário, a grande imprensa, a burguesia e os partidos políticos conservadores, foram às ruas os movimentos sociais, as centrais sindicais, os artistas, os intelectuais e os estudantes, num primeiro momento, para lutar pela democracia; num segundo momento, para lutar pelos direitos trabalhistas ameaçados por aqueles que assumiram o governo federal após a deposição da presidenta.

    Uma radical polarização das convicções passou a acirrar os ânimos dos brasileiros de todas as classes e idades. As redes sociais, ferramenta de comunicação e de circulação de opiniões que não existia na Itália no período da operação, funcionou como um eficiente meio de divulgação e de promoção das prisões coercitivas e das delações da Lava Jato. Em muitos casos e de variadas maneiras, essa polarização provocou manifestações de intolerância e de ódio, seja pelas próprias redes sociais, seja nos encontros de grupos que sustentam posições contrárias.

    Coincidentemente ou não, alguns dos elementos utilizados na fermentação desse ódio social fizeram parte da estruturação do ódio fomentado pelo fascismo hitlerista. Antes de tudo, salta aos olhos a incorporação da estratégia de apresentar uma única causa para todos os males sociais. Num livro escrito antes da sua ascensão ao poder, Hitler argumenta que a capacidade de assimilação de ideias e a inteligência das grandes massas são muito limitadas, desse modo, toda propaganda deve focar num único ponto, até que cada indivíduo incorpore e acredite na mensagem que lhe é apresentada.

    Para o historiador Alcir Lenharo, a eficiência da propaganda nazista provém do fato de ela ter conseguido convencer a população de que os judeus eram os responsáveis pelo estado caótico do país. Essa propaganda forjou um espírito nacionalista que transpassou o horizonte das classes sociais. A Alemanha como um todo enfrentou uma grave crise econômica após a primeira guerra. No entanto, a situação dos trabalhadores cujos salários mal lhes permitiam alimentar suas famílias era muito diferente da situação dos grandes empresários que apoiaram Hitler desde o primeiro momento.

    Palavras de ordem, memes e posts

    Em cartazes colados nos muros e nas repartições públicas, estratégia chamada de “Die Parole der Woche” (A palavra de ordem da semana), uma propaganda semelhante aos atuais “posts” veiculados nas redes sociais (uma imagem, uma frase, um inimigo), os nazistas tentavam fixar mensagens de ódio nas mentes de todos. Essas mensagens deveriam reforçar o maniqueísmo que Hitler imagina marcar a forma comum do povo pensar e se posicionar. Era importante que, ao incorporarem essas palavras de ordem, as pessoas tivessem a impressão de estar defendendo suas próprias opiniões.

    Pela interpretação de Gilbert Badia, germanista que viveu na Alemanha nos anos em que Hitler esteve no poder, a principal característica do fascismo, tanto o alemão quanto o japonês e o italiano, bem como de muitos regimes totalitários, foi sustentar medidas políticas e econômicas eminentemente conservadoras. Na experiência nazista, essas medidas implicaram no aumento da desigualdade econômica atrelada à maior exploração da força de trabalho.

    No final dos anos trinta, aos grandes empresários alemães, como Gustav Krupp, então presidente da Associação da Indústria Alemã, interessava não pagar a conta da crise econômica e deter o crescimento político do partido comunista. Com o término da segunda guerra, Gustav e seu filho Alfried foram condenados no processo de Nuremberg por imporem, em suas indústrias, o trabalho escravo a centenas de crianças encarceradas nos campos de concentração.

    Questionado no processo sobre seu apoio a um governo que praticou tantos horrores, Alfried Krupp respondeu: “Afirmo que ignorava a matança aos judeus; de todo modo, quando se compra um bom cavalo não se deve olhar os pequenos defeitos”.

    Quero crer que a humanidade não toleraria um novo Holocausto, no Brasil ou em qualquer outro lugar. Ainda assim, é preocupante o uso de estratégias propagandísticas que estimulam o ódio social. Não há nenhuma dúvida de que o combate à corrupção é absolutamente necessário! Talvez, a médio ou a longo prazo, esse processo consiga promover mudanças relevantes na administração pública. Todavia, superado esse momento de teatralização da política, é preciso que os trabalhadores retomem o discurso em defesa dos seus direitos e participem, realmente, da política.

     

    *Paulo Henrique Fernandes Silveira, 48 anos, é professor e pesquisador na Faculdade de Educação da USP. Coordena o Grupo de Estudos sobre Educação, Filosofia, Engajamento e Emancipação.