Diego Giromini, irmão de Sara Winter, torce para que a irmã seja presa logo por ofensas ao STF
Heroína da extrema direita brasileira e uma das apoiadoras mais famosas de Jair Bolsonaro, Sara Winter, de 27 anos, foi alvo de um mandado de busca e apreensão da Polícia Federal na operação que investiga as fábricas de fake news e ameaças contra membros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na quarta-feira (27/5) Sara Winter teve seu celular e computador apreendidos, o que a levou a gravar um vídeo com novas ameaças e mais xingamentos contra o ministro Alexandre de Morais, que havia autorizado a operação. Ela chegou a dizer que pretendia “trocar socos” com Morais, a quem chamou de “covarde”, “filho da puta” e “arrombado”.
Sara Winter foi uma militante nazifascista na Inglaterra durante a II Guerra Mundial. A atual Sara Winter, na verdade, não tem esse nome. Trata-se apenas do pseudônimo escolhido por Sara Fernanda Giromini —este o seu verdadeiro nome.
Briga em Família
A família Giromini vive em São Carlos, no interior de São Paulo. Mas não é tranquila a convivência de Sara Winter com seus parentes de sangue.
Diego sobre o post de Sara Winter: “Logo vc vai”
Irmão dela, Diego Giromini postou no facebook que a PF não deveria ter levado apenas o celular e o computador de Sara. “Deveriam levar vc também irmã querida. Mas logo vc vai”.
No seu perfil no facebook, Diego Giromini se apresenta de uma forma inusitada: “Infelizmente irmão da Sara Winter”. Seguem-se emojis de fezes e de carinhas vomitando.
Diego Giromini não suporta a irmã Sara. No youtube, ele conta que Sara foi prostituta, diz que ela não vê o filho desde o nascimento, já que o abandonou para que a mãe dela o criasse, denuncia que Sara é usuária de drogas.
Sara Winter, que foi candidata a deputada federal pelo Democratas do Rio, nas eleições de 2018, afirma ser ex-feminista. Diz que agora está consagrada ao cristianismo, embora seja uma defensora fanática das armas. Ela afirma que pretende criar o filho “com base nos Dez Mandamentos”. Com esse currículo, trabalhou durante sete meses como coordenadora nacional de políticas para a maternidade no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, da ministra Damares Alves.
Atualmente, Sara Winter organiza o grupo paramilitar chamado “Os 300 do Brasil”, que pretende defender à força de armas o governo de Bolsonaro. O grupo fica acampado na Praça dos Três Poderes.
Walter Benjamin, um judeu alemão, que se suicidou para escapar à perseguição do nazismo, quando fugia, na fronteira entre França e Espanha, foi um heterodoxo crítico literário/filosófico marxista, que previu o desastre nazista. Prever o desastre, não é, de maneira derrotista, sucumbir preventivamente a ele. Ao anunciar a falência da ideia de progresso e a esterilidade das oposições democráticas de esquerda ao nazismo na Alemanha, Walter virou o profeta do imenso genocídio que viria a se configurar diante dos olhos de quem não acreditava que o país mais culto e letrado de Europa fosse capaz de gestar o mal absoluto: o nazifascismo.
Venho falando de fascismo no Brasil desde 2013. Eu alertei que a Lava-Jato, o macarthismo brasileiro, era um movimento de fundo fascista, que queria judicializar a política no Brasil, criminalizando toda a esquerda. O bolsonarismo é um passo além. O movimento tem tendências paranoicas e psicopatas que vão um grau acima, chegam ao nazismo. Entre o nazismo e o fascismo, irmãos siameses, há uma questão de gradação. Mussolini (admirado e, no princípio, copiado por Hitler) era o líder do Partido Nacional Fascista italiano e um genocida, mas não criou pogrons (perseguições específicas contra uma etnia) e nem campos de concentração. O festim diabólico apelidado de reunião ministerial, que mas parecia o set de filmagem de Saló de Pasolini, revelou ao Brasil, abertamente, o pensamento, mais do que fascista, nazista de Bolsonaro, Weintraub e Damares.
Estes intentos nazistas são corroborados pelas falas golpistas e tirânicas do General Heleno, que conseguiu açular alguns militares de reserva. O perigo do nazismo em Bolsonaro é que, ao contrário da ditadura militar de 1964, ele não tem nenhum projeto de país. Braga Neto na reunião parecia alguém que quisesse ensinar balé aos símios. Um governo que perde rapidamente sua base de apoio e que aposta cada vez e mais na radicalização, apelando para um exército de fanatizados, que, no entanto, por todas as pesquisas, deve atingir entre 20% e 30% do eleitorado brasileiro, o suficiente para gerar o caos, o confronto, um conflito civil e dar as desculpas para rasgar as últimas garantias constitucionais.
Não, eu não mudei de posição. Quem alerta para o desastre não diz que o desastre é inevitável. Pessimismo em análise não é derrotismo. “Pessimismo na análise, otimismo na ação”, diria Gramsci. Reitero: alerto para o avanço do fascismo desde 2013. E desde 2016 mostro elementos nazistas nas falas de bolsonaro. O ódio às mulheres (misoginia, pulsões anais sadomasoquistas reprimidas são características da histeria em massa nazifascista), homofobia, racismo, desejo de exterminar o inimigo imaginário, Bolsonaro nunca escondeu isto em seus discursos. Assustador e revelador foi vê-lo falar de seus intentos abertamente em uma reunião ministerial.
Todavia, a história não se repete. A primeira vez ela acontece como tragédia, a segunda vez, como farsa. Se na ditadura militar, o imenso contingente de oficiais de reserva, praças e baixas patentes, tanto das forças armadas, quanto das PMs, era uma linha auxiliar controlada facilmente pelo regime, com Bolsonaro (que no máximo teria atuado em 64 como algum torturador do delegado Fleury), esses homens tornam-se constituintes de um poder que se organiza de maneira subversiva e paralela, e chantageia e pressiona todo o tempo o Estado Democrático de Direito.
A finalização de um golpe, com a tirania pessoal de Bolsonaro não é o único perigo para a democracia. Já vi várias análises dizendo que este golpe é inevitável (não concordo com este fatalismo, embora também alerte para o perigo golpista). Com certeza Bolsonaro tem esta aspiração e força os limites de nossa pálida democracia toda semana. Mas, como ele mesmo diz, se vê limitado pelos, cada vez em menor número, alucinados com seus cartazes pró AI5 que consegue reunir na frente do Palácio do Planalto. Basta ver as imagens aéreas em comparação com, por exemplo, as manifestações contra a PEC 95.
Enquanto não consegue finalizar seu intento de uma tirania pessoal, vai financiando e armando suas milícias pessoais. Já conseguiu emplacar até o advogado do escritório do crime como assessor no ministério da saúde. Não temos ideia de quantos mais milicianos estão nomeados em cargos de terceiro, quarto ou quinto escalão pelo país. O nazista disse abertamente na reunião ministerial que quer armar o povo (suas milícias) para derrotar o “inimigo”. Quem for considerado inimigo, ele já declarou diversas vezes, deve ser expulso do país ou sofrer as consequências. E quem pensa que é delírio, é bom lembrar que Bolsonaro aumentou o limite de compra de projeteis de 200 munições por pessoa/ano para 500 por mês (6.000 por ano), o que dá para montar pequenos exércitos milicianos. Junte-se a isto a medida que afrouxa a marcação controle de munições por parte do exército e para a qual chegou a exonerar um general e colocá-lo na reserva. Todos estes movimentos aconteceram sob nosso olhar complacente, sem nenhuma reação nossa.
O passo mais descarado e ostensivo para isto foi dado por Paulo Guedes. Espanta-me que a esquerda tenha protestado apenas contra o “trabalho escravo”, quando Guedes tem a coragem de anunciar que quer treinar jovens nos quartéis e depois usá-los para cavar buracos, pagando 200 reais por mês.
O menos ruim aí é o trabalho escravo. Creio que a maioria das pessoas nem se deu conta de que Guedes sugeriu criarmos a guarda nazista, a juventude hitlerista bolsonarista, com dinheiro público. O problema é que a esquerda introjetou o absurdo. Alguns estados governados pela esquerda aceitaram a excrecência que são as escolas cívico-militares, colégios de “pedagogia” militar em plena democracia. Algo não previsto em lugar nenhum da nossa constituição, mas que diante da falta de verbas, quando condicionadas a elas, foram aceitas avidamente de norte a sul. Mas, muito pior do que isto é a proposta de milícias estatatais bolsonaristas feita por Guedes.
O governo financiaria jovens que iriam para os quartéis serem doutrinados com “OSPB” e, depois, por 200 reais por mês, estariam disponíveis para “ações governamentais”. A disciplina Organização Social e Política do Brasil, nem matéria escolar é mais. Tenho 49 anos, portanto, sou da geração que teve OSPB e Educação Moral e Cívica na escola. Cada estabelecimento de ensino dava, nessas matérias, aquilo que desejava. Além de ensinar o hino nacional e o que representava cada estrela da bandeira, podiam incluir a estrutura do estado e até história. Obviamente que, usando-se as forças armadas para amestrar jovens, através de OSPB, não vai se ensinar hoje a eles “direitos humanos”. Jovens pobres (nenhum jovem de classe média vai se alistar para ganhar 200 reais por mês) que serão doutrinados e estarão ao dispor do Bolsonarismo, para qualquer ação por uma ninharia, e tudo pago com dinheiro público.
Óbvio que temos que evitar isto! E uma das formas é denunciar que a maior tragédia é que de maneira clara e aberta o bolsonarismo tenha coragem de propor a criação de uma milícia paga com dinheiro público, sem acobertamentos, sem subterfúgios.
O anjo da história, tese IX de Benjamin, olha para o passado, para a sucessão de tragédias e catástrofes, para o sofrimento dos humilhados e derrotados, mas é impelido por um vento irresistível para o futuro. É impossível parar a roda da história. Mas é possível SIM evitar as catástrofes, as tragédias, antes que elas aconteçam. O bolsonarismo já desdenha ocultar que declarou uma guerra de morte à frágil democracia brasileira. Temos que estar alertas e desarmar seus planos, destruir sua tentativa de criação de um gigantesco exército paramilitar. Ou paramos esta construção, o autômato do mal absoluto e estrutural, ou ele ficará maior que Bolsonaro. Um exército de paramilitares, milicianos, armados até os dentes, de jovens alistados e mal pagos para cumprir tarefas de uma seita nazista, lutando contra um inimigo imaginário, é uma séria ameaça à democracia, que está sendo arquitetada, tijolo por tijolo, frente a nossos olhos complacentes.
Roberto Ponciano é escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia.
Não se pode alegar que ninguém avisou. A expressão Brasil Acima de Tudo, usada em campanha e até hoje por membros do governo fascista que ocupa Brasília, foi claramente inspirada no primeiro verso de uma canção nacionalista alemã (Das Lied der Deutschen): Deutschland über alles, ou, Alemanha Acima de Tudo. A queda do Secretário de Cultura, Roberto Alvim, que plagiou o discurso do ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels (descoberta primeiro pelos Jornalistas Livres), não deveria deixar de pé qualquer dúvida remanescentes.
O fato é que esse governo não tem mesmo vergonha de se mostrar nazista e a Secretaria de Comunicação, do secretário Fábio Wajngarden que tem a própria empresa como cliente do governo, resolveu novamente, mais uma vez, abusar de frases tiradas do regime hitlerista. Desta vez, foi a infame ironia do letreiro acima dos portões do campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia sob ocupação: Arbeit Macht Frei, ou O Trabalho Liberta.
Como era de se esperar, o secretário negou a intenção de invocar o nazismo na mensagem do governo, até pelo motivo dele próprio ser judeu. Mas o espírito fascista está tão entranhado neles, que isso não significa coisa alguma. Tanto é assim, que a Confederação Israelita do Brasil, como era de se esperar, repudiou o uso da expressão:
Conib repudia o uso, pela Secretaria de Comunicação do governo federal, da mensagem “o trabalho liberta”
A Conib divulgou nota em repúdio ao uso, pela Secretaria de Comunicação do governo federal, da mensagem “o trabalho liberta” – a conhecida frase na entrada do campo de extermínio de Auschwitz.
“É conhecidíssima a relação desse mote com a mais infame instituição do Holocausto, o campo de extermínio de Auschwitz. Ali, no seu portão de entrada, uma placa com esses dizeres transmitia a mentira de que aquele era um local de trabalho e de possível liberdade – quando se tratava da principal fábrica de mortos do nazismo.
É lamentável ver, mais uma vez, questões caras ao judaísmo e à humanidade em geral serem banalizadas e emuladas, ofendendo a memória das vítimas e dos sobreviventes, em um momento já tão difícil do nosso país e do mundo”, disse, na nota, o presidente da Conib, Fernando Lottenberg.
Wilhelm Reich é, sem sombra de dúvida, um dos comunistas mais malditos na história. Com sua teoria do orgasmo, conseguiu ser odiado pelos nazistas, pela sociedade de psicanálise, pelo Partido Comunista Alemão e pelo Comintern, e quando se julgava tranquilo, já no período final da vida, cantou loas à “democracia estadunidense”, com certeza seu maior engano, e foi preso e assassinado com algum tipo de veneno numa injeção. Ele pintou com maestria o nazismo, a “praga psíquica” que assolava a Alemanha, em seu livro ‘Psicologia de massas do fascismo’, e mostrava que o nazismo não era um fenômeno puramente econômico, mas tinha suas raízes na miséria moral, no recalque, na violência, no ressentimento. O nazista é, por definição, o homem ressentido.
O homem branco estúpido, com seu terror homossexual (medo psiquiátrico das próprias pulsões sexuais), seu ressentimento pela própria estupidez e deslocamento na sociedade, seu naufrágio num mundo de empregos precários, em que ele cada vez e menos faz parte de uma classe média brasileira que nunca foi uma classe média clássica, e cada vez e mais faz parte de um lumpesinato de serviços precários; mas que quer salvar-se desta deriva ao criar uma imagem narcisista no espelho de ser o descendente do colonizador branco.
Estes milhões de lumpesinato pobre ou remediado, sem nenhuma perspectiva de futuro e nenhum projeto ideológico social, esta massa difusa e caótica, foi o público que o nazismo bolsonarista achou para crescer como cogumelo na chuva.
Junta-se a isto igrejas da terceira onda neopentecostal, da teologia da prosperidade, que cada vez são menos igrejas e cada vez mais são partidos políticos ultrafascistas (de submissão das mulheres, homofóbicos, de pregação do medo ao comunismo imaginário). Estas entidades se organizam como verdadeiras células, bairro a bairro, rua a rua, e o que elas menos fazem é pregar a transcendência. Além da magia simpática mais primitiva, prometendo curas impossíveis, através de indulgências, o que elas fazem é criar uma ideologia na qual Deus é Mamon, é o capital, e numa estranha jogada de consórcio de Deus, onde pessoas compram a ajuda divina visando a ter sucesso pessoal e financeiro.
Esta mistura bizarra é o combustível e o exército que anima o bolsonarismo, o nazismo brasileiro. E não nos iludamos, vai sobreviver a Bolsonaro. E vai sobreviver por um fato. Eles são ideológicos. O fascismo saiu do armário e assumiu todas as suas posições: a misoginia (pregada inclusive por “mulheres antifeministas” – o que corrobora o fato que além de Marx é necessário ler Freud e Reich para entender o nazismo), a homofobia, o ódio à esquerda, a mitologia louca de um nacionalismo sem projeto, que não vai além de vestir verde e amarelo e clamar contra o comunismo, ao mesmo tempo que se entrega todo patrimônio nacional. O fantasma do comunista andante imaginário os anima e os une, da mesma forma que na Alemanha Hitler criou o mito do comunismo andante.
Por sua vez a esquerda não tem combatido o nazismo por três razões:
Não nomeia o bolsonarismo como nazismo ou fascismo e é tímida em combater, por exemplo, pastores que transformam suas igrejas em partidos fascistas, porque, como esquerda eleitoral e com projeto alicerçado sempre no coeficiente eleitoral, tem medo de “magoar” eleitores que seguem pastores de política assumidamente fascistas, como Malafaia e Feliciano;
De outro lado, como uma esquerda com um projeto puramente eleitoral, a resposta à radicalização da direita é tentar disputar votos sem “se mostrar ideológica”, mesmo frente a setores da direita cada vez mais radicalizados e definidos, porque organizados ideologicamente. Portanto, a esquerda não trava combate ideológico com estes setores;
Como o projeto passou a ser puramente eleitoral, as máquinas partidárias da esquerda não se organizam mais territorialmente e não formam militantes. Pelo contrário, formam e conformam máquinas eleitorais que são preparadas para disputar eleições de 2 em 2 anos.
Assim, a direita fica cada vez mais ideológica e organizada enquanto a esquerda brasileira é cada vez mais pulverizada, “horizontal”, desorganizada e doente do chamado cretinismo parlamentar. Vive quase que inteiramente para eleição, sendo sua base no movimento social apenas uma base de apoio para os movimentos eleitorais. Isso explica a falta de reação ao golpe contra Dilma e as dificuldades para organizar grandes ações de rua contra Temer e agora contra Bolsonaro.
É óbvio que este artigo não tem como objetivo dizer que não devemos dar importância às eleições, não é um artigo de um esquerdista lunático que vive repetindo nas redes sociais “vamos para as ruas”, mas faz algumas constatações óbvias:
A. A direita nazifascista organizou-se e veio para ficar. É ideológica, ainda que sua ideologia seja caótica e confusa, mas suas máquinas de fake news e suas organizações financiadas por empresários (Mises, MBL, etc), tem formado militantes orgânicos que retroalimentam suas fileiras, fora as organizações paramilitares milicianas ligadas ao bolsonarismo e as células de algumas igrejas que hoje são organizações políticas fascistas.
B. A resposta da esquerda foi fazer “autocrítica” eleitoral e das alianças. Mas não basta para enfrentar esta onda. É necessário repensarmos a organização territorial e a formação de militância, inclusive de vanguarda política, com formação política pesada financiada pelos partidos, assim como a profissionalização da nossa rede da web (que está na pré-história da web), com pesado investimento nestas duas vertentes, para podermos voltar a disputar corações e mentes, de igual para igual com a direita.
A precarização do trabalho cria um exército de lumpesinato desesperado facilmente capturável pelo discurso atávico e de medo do Bolsonaro, ou de salvação mágica de igrejas que hoje são suas aliadas. E nós não estamos oferecendo nenhuma alternativa a isto. Ou voltamos a fazer a disputa ideológica cotidiana, rua a rua, bairro a bairro, ou não construiremos jamais os sujeitos coletivos capazes de derrotar o nazismo, a hegemonia da direita (fascista ou não) e nos dar a possibilidade de conseguir uma hegemonia junto ao povo para voltar ao poder.
*Roberto Ponciano é professor, filósofo, escritor e comunista.
Um dia depois de um grupo de estudantes do Colégio Santa Maria, do Recife, postar no Instagram uma foto de uma saudação nazista feita por eles mesmos em sala de aula — cena considerada gravíssima por milhares de pessoas ou “apenas uma brincadeira de jovens” por outro tanto —, jornais ingleses noticiaram um achado ocorrido na Polônia.
Numa feirinha de antiguidades, um álbum de fotografia estava sendo comercializado. Dentro, imagens de paisagens diversas. Mas o material do álbum gerou incômodo e levantou suspeitas.
Resumindo: de acordo com especialistas, o álbum foi confeccionado com pele humana de uma das milhares de vítimas do Holocausto e as investigações apontam para as vítimas de Buchenwald, no leste europeu — o primeiro campo de concentração instalado por Hitler.
Buchenwald esteve em operação de 1937 até 1945, fim da Segunda Guerra. Ali estiveram confinados, além de judeus, comunistas, ciganos, homossexuais, entre outros grupos perseguidos pelo Nazismo.
Sobre o portão de entrada desse inferno, havia a inscrição: ‘Jedem das seine’ (A cada um o seu). O lugar ficou conhecido pelo tipo de execuções ali praticadas, condições bestiais, experimentos científicos e depravação dos guardas nazistas.
Na condução das maldades, que poucos conseguem imaginar sem sentir a pressão arterial cair, estava Ilse Koch, mulher de Karl-Otto Koch, comandante do campo. Ilse tinha interesse particular por prisioneiros homens adultos com tatuagem, pois utilizava a pele desses homens para fazer encadernações, toalhas de mesa, abajour e outros objetos.
O Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, na Polónia, incluiu na sua coleção um álbum de fotografias cuja capa foi fabricada com pele humana, que se acredita pertencer a um prisioneiro de um campo de concentração alemão.
Diante desse fato tão atual, a descoberta desse objeto feito de pele com tatoo que mostra a infinita capacidade humana de planejar e realizar atrocidades, eu gostaria de perguntar a esse tanto de pessoas que viram na cena recente ocorrida em Pernambuco — em um dos muitos colégios particulares brasileiros de elite, movidos, como mostram as centenas de denúncias, por preconceito de classe, cor e muitos outros —, se elas continuam achando que tudo não passou de uma “brincadeirinha juvenil?”
Quem sabe, porque algumas pessoas são mais lentas para ligar os pontos das coisas, elas perceberam, finalmente, a gravidade do Holocausto.
Sim, estou sendo bem Pollyanna, mas não são essas pessoas mesmo que dizem que a gente deve olhar o lado positivo das situações? O álbum pode servir de despertador, quem sabe?!
Mas, caso insistam nessa desumanidade frente às dores dos outros e na cegueira política, é fundamental que todas as outras pessoas da roda digam que não, não é possível — de modo algum —, normalizar e aceitar piadas a respeito das vítimas do Nazismo.
E, afinal, juventude não é sinônimo de falta de empatia. Não são essas pessoas que também falam da redução da maioridade penal (sou contra!) ou essa redução só vale para os jovens da periferia?
Também não é possível relativizar que pessoas sejam torturadas no Brasil ou aceitar o genocídio da juventude preta e pobre desse país.
Não, não é possível aceitar que os homens continuem a matar mulheres no país.
Não, não é possível aceitar que se abandone as regiões pobres do país, enviando recursos apenas para as áreas mais abastadas.
Não, não é possível aceitar que se deixe a população de rua morrer à míngua, como foi feito com os confinados dos campos nazistas.
É preciso dar um basta às bestas.
É preciso dizer não hoje, ontem ou mesmo anteontem, pois é por conta desse relativismo e tolerância com posturas monstruosas que os monstros crescem e reproduzem.
Pelo enquadramento das bestas humanas que não são apenas os membros desse governo de enlouquecidos e recalcados, além de fascistas, mas também as bestas que usam o elevador e que moram no apartamento ao lado ou no fim da rua.
Sejamos duros com essa gente má, fascista e oportunista, sem (e isso vai ser difícil!), perder a ternura jamais.
Eu não tenho nenhum afeto pelo colégio onde estudei toda a infância e adolescência. Quando vejo uma matéria dessas me vem à cabeça lembranças muito nítidas do que foi pra mim ser um aluno dali; como da vez em que a dona da escola foi de sala em sala do terceiro ano, com os funcionários da sala do mimeógrafo – aos prantos, para uma sessão de humilhação pública porque um aluno havia roubado os originais de uma prova e distribuído em sala. Eram 06 salas a visitar. Lembro claramente dela dizer que seriam demitidos; ou da vez em que 02 colegas de classe discutiram aos gritos pra ver quem tinha mais dinheiro na carteira, ostentando notas e sobrenomes.
Ah, os sobrenomes, estavam todos lá. Foi no Santa Maria que aprendi o valor de um sobrenome e o significado de ser “de família”, assim como o valor dado a coisas que (logo aprendi) não tinham valor – como por exemplo a colega de classe que era zoada em sala por causa do “cabelo de empregada”. A tal colega, única negra da sala, era filha de funcionário público, naturalmente retraída, forçadamente excluída. Não a via em nenhuma das festinhas as quais eu também não era convidado.
Ser filho de funcionário público, na escala de valores que aprendi ali, era pouco.
Dos colegas de sala havia o filho do dono do hospital, o filho do advogado tal, o filho do deputado, a fllha do governador, a do médico de renome, a filha do dono da loja do shopping, o filho do dono do banco (esse vinha num carro com seguranças), e aí vinham os outros filhos, no meu caso, o filho do bancário, que logo aprendi não era lá grande coisa.
Talvez por isso eu enchia meu pai perguntando o que ele fazia exatamente no Banco do Brasil, já que ser bancário significava ser funcionário de alguém.
Pelo menos eu era mais poupado do que o filho de um professor lá mesmo do colégio
— Vc só tá aqui porque seu pai ensina aqui.
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Negros quase não se via, muito raramente – exceção às moças e rapazes – todos da igreja, que ficavam dentro dos banheiros a fiscalizar o que os alunos faziam ali dentro. Ah, as moças, maioria do corpo de funcionários e que circulavam por todo o colégio, vestiam um uniforme azul com avental branco e touca branca, e eram chamadas de babás – ainda que estivessem trabalhando para os adolescentes, e estes, claro, tratavam-nas como alguém da família, como a empregada de casa, embutido aí toda uma relação assimétrica (e alguma ironia).
Por se tratar de um colégio católico, não faltava gente da Igreja, como o padre, que, toda vez que me via, segurava minha mão e ficava a roçar em mim, tudo no santo silêncio e na mais santa das aparências. Eu lembro até hoje dele olhando fixamente pra mim enquanto me apertava. Eu aprendi rapidinho a evita-lo, só não conseguia evitar cantar o hino nacional e todos os cânticos após o recreio – religiosamente.
Quem não pôde evitar a fúria cristã eram os professores de história, como um que tinha uma barba longa e foi tachado de comunista pelos alunos logo no semestre em que entrou; não durou mais que um ano. Um de matemática, ao tempo em que se cochichou que ele era gay, logo, logo, foi substituído.
Mas quem gostava de aparecer mesmo eram os políticos candidatos. Época de eleição, lembro bem, recebíamos visitas de Roberto Magalhães, Ricardo Fiúza (quem lembra?), Marco Maciel, Joaquim Francisco e outros que tão bem representavam o conceito de família. Ainda que a maioria dos estudantes não votasse, os candidatos estavam todos lá, na hora do recreio, em meio a euforia dos alunos. Euforia que contagiava também as coordenadoras e diretoras da escola – todas de amarelo, camiseta vermelha era terminantemente proibida -, recado dado com clareza, em plena eleição de 1989, inclusive aos alunos.
Dentro da escola era tudo vigiado. Não se podia jamais entrar num corredor ou mesmo subir num andar que não fosse o da sua sala. Para tudo havia explicação, era aí que eu me divertia, tentando enganar os funcionários, fumando escondido no laboratório de química ou vendo um coleguinha mostrando o pau no laboratório de biologia. Era o momento de libertação máxima.
Estudantes do Colégio Santa Maria, no Recife, fazem saudação nazista em sala de aula
Libertação que não se dava nem mesmo após a saída da escola. O velhinho bonachão de olhos verdes que ficava circulando pelo quarteirão era um ex-delegado da época do regime militar, famoso no Recife por torturar presos nos anos 60 e 70 – matérias devidamente registradas na imprensa local, que esmiuçou o passado obscuro do inspetor de segurança da escola, ávido em achar “maconheiros”, e que se orgulhava de arrebentar gente em porões; foi quando entendi esse tal de amor à pátria.
E falando em pátria, num país que recorre ao sentimento nacionalista justamente quando quer ratificar que somos uma nação que segrega, que oprime e que violenta, juntar isso com família e religião é o caldo que engrossa os tempos em que vivemos, onde alunos da ‘escola mais tradicional da cidade’, filhos de sobrenomes, estão em sala de aula fazendo saudações nazistas.
Pensando bem, não há nada de novo nisso, é daí que a palavra tradição faz todo sentido. Nunca foi diferente.