Jornalistas Livres

Tag: mulher

  • HABEMUS CLITORIS!

    HABEMUS CLITORIS!

    No mês da mulher, queremos homenagear todas elas com muito gozo e prazer.

    Na segunda parte da nossa série sobre o prazer feminino, vamos explicar um pouco da história do clitóris. Algumas pessoas mal sabem o que é, outras acham ele se resume àquela pequena bolinha rosa acima da vulva. Nada disso! O clitóris mede cerca de 10 centímetros e é o único órgão humano exclusivamente dedicado ao prazer. O mais assustador é que nós levamos anos para descobrir a sua real forma, popularizada em 2016 quando o primeiro projeto de impressão 3D do clitóris foi criado em arquivo aberto para que todxs possam ter o seu, mas o clitóris é conhecido desde o século XVI. Depois de 500 anos de negação e mentiras a respeito do prazer feminino, é hora de falar sobre a nova revolução sexual que essa descoberta pode propiciar a nós, mulheres.

    Ei, eu sou o Clitóris 🙂

     

     

     

    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

    A primeira pessoa a descobrir o clitóris, em 1559, foi um homem, Matteo Realdo Colombo, professor de anatomia italiano. Nessa época, ele já tinha identificado que o clitóris era o despertador do prazer feminino, e o bichinho também já era bem conhecido e os desenhos científicos e médicos da época o mostravam quase por completo.

    Cinco séculos depois, em 1998, foi a vez de uma equipe de pesquisadores australianos coordenada pela doutora Helen O’Connell, da Universidade de Melbourne, revelar a anatomia exata do clitóris com seus bulbos e  propriedades.  Além da glande, que debaixo do prepúcio é a parte mais visível e sensível (a tal de bolinha), ele também é composto por um corpo, dois pilares e dois bulbos, que formam um duplo arco na entrada da vagina, na altura dos dois lábios externos. Totalmente formado de corpo cavernoso, o mesmo tecido erétil do pênis, ele se enche de sangue quando excitado para produzir a ereção. O clitóris também é um órgão móvel que acompanha os movimentos do pênis durante a penetração. De todos os órgãos, ele é o mais sensível e, como diz a diz a jornalista do New York Times Natalie Angier “há mais terminações nervosas na sua extremidade de que em todos os outros órgãos, inclusive a língua ou o pênis”.

    Para ela, enquanto o pênis é uma simples espingarda, o clitóris é uma verdadeira metralhadora!

    Anatomia do Clitoris

    Fazem mais de vinte anos que o tema voltou a tona, com o protagonismo militante dessas pesquisadoras. Mas como podemos constatar, ainda está longe de ser amplamente conhecido na opinião pública. Hoje qualquer adolescente sabe desenhar um pênis com seus testículos, mas sequer as mulheres sabem como seu próprio clitóris é feito. Entre dogmas e superstições a historia do clitóris é uma verdadeira epopeia. “1998 é exatamente a data de comercialização do Viagra. Ou seja, quando sequer se sabia como era feito um clitóris, os homens já tinham um remédio pronto para tratar seus distúrbios de ereção”, nota Odile Buisson, ginecologista membro da equipe francesa que fez o primeiro ultrassom in vivo do clitóris em 2007. A palestra completa feita na na Universidade Paris-Diderot em 2011 você pode conferir aqui.

    Era uma vez, o clitóris…

    “Mas então como podemos ter passado de uma época na qual sabia-se tanto sobre o botãozinho rosa para um tal nível zero de informação? O papel da ciência não é de progredir sempre? Não senhora! Quando falamos de prazer feminino tudo se complica sempre”. Esses são os comentários da jornalista Clarence Edgard-Rosa, da revista francesa Causette que publicou em janeiro desse ano um especial integralmente dedicado ao clitóris e da qual tiramos grande parte das nossas fontes.

    O ponto central que captou a atenção dos cientistas nos séculos XVI e XVII era a crença de que o clitóris tinha um papel central na procriação. O sexólogo Jean-Claude Piquard (autor do livro ainda não traduzido em português, a Fabulosa historia do clitóris) explica que na época “a estimulação do clitóris é considerada como uma prática importante na cama do casal. Até a Igreja o recomenda aos maridos. Alguns médicos vão até dizer que o orgasmo simultâneo é condição necessária para reprodução”.
    Mudança total de cenário no século XVIII. A masturbação feminina passa a ser chamada de “conspiração natalista” ainda segundo Piquard. O prazer feminino, quando ocorre sem penetração vem sendo considerado com forma de contracepção. Casos de excisão terapêutica começam a ser praticados pelos médicos na França e na Alemanha, com a ilusão de conter o que pensava-se podia causar o fim da humanidade.

    Na mesma época, o clitóris encontra-se no centro dos tratamentos psicanalistas para curar as pacientes consideradas histéricas. Após ter queimado milhares de bruxas nos séculos anteriores, a histeria se tornou a doença do século para controlar mulheres inconformadas e com supostos comportamentos desviantes. Enquanto alguns psicanalistas preconizavam a ablação do clitóris, outros indicavam cessões de … masturbação!  A chegada do orgasmo contribuía a parar as crises e acalmar as pulsões. Piquard conta que essa atividade constituía cerca de 30% do lucro dos psicanalistas, extremamente rentável. A comédia romântica Hysteria da britânica Tanya Wexler (2011) descreve esse contexto histórico que contribuiu para invenção do vibrador por … um médico cansado de masturbar suas pacientes!

    Imagem do filme Hysteria de Tanya Wexler (2011)

    Por fim, o que devia acontecer aconteceu: os psicanalistas entenderam que o clitóris não tinha nada a ver com procriação, e o querido clitóris caiu no esquecimento. Segundo a historiadora Aude Fauvel, especialista em sexualidade feminina no instituto universitário de Lausanne, “surgem na época teorias darwinistas especulando que o clitóris era um órgão em desaparecimento na evolução da espécie. Algumas até chegaram a dizer que tratava-se de um vestígio da pré-história”. Tais especulações deram assim embasamento para teorias racistas estipulando que as mulheres negras teriam o clitóris mais desenvolvido porque mais primitivas.

    Confira o videoclip de Dorian Electra, “Our music Ode to the clitóris” que relata a historia da opressão masculina sobre o prazer feminino.

    Imagem do videoclipe Dorian Electra, “Our music Ode to the clitóris” .

    Orgasmo clitoridiano versus orgasmo vaginal

    No século XX, o clitóris cai em desuso e a única fonte considerada normal de prazer feminino se torna a penetração graça ao célebre psicanalista Sygmund Freud. O pai da psicanalise dizia desde 1905 que o prazer clitoridiano era infantil e que a penetração vaginal era a única forma de se praticar a sexualidade adulta. “Para ele as meninas tinha inveja dos meninos por não ter pênis”, diz a doutora O’Connell. Ele escrevia que “a eliminação da sexualidade clitoridiana é a única condição para desenvolvimento da feminidade adulta”, reporta a revista Causette.

    Sendo assim, as mulheres que se masturbam não seriam verdadeiras mulheres, afirmação muito diferente da visão de outras culturas, como a de Ruanda, da África. Tais teorias espalharam universalmente e são à base da frustração de milhões de mulheres que até hoje sentem vergonha ao não “conseguir” chegar ao tão desejado orgasmo vaginal. A ideia que o orgasmo clitoridiano seja algo secundário, menos gostoso ainda prevalece nas mentes femininas e vem sendo veiculado em muitas revistas contemporâneas.

    Tais injustiças continuaram vigentes enquanto só os homens tinham legitimidade para falar e teorizar sobre o corpo da mulher. Com a entrada na profissão das primeiras mulheres começa um novo discurso sobre a sexualidade não reprodutiva. Entrada que como se sabe, acompanha-se de muitos preconceitos.

    A virada de protagonismo do nosso sininho 

    Uma das primeiras vozes femininas a ressoar contra a moral masculina foi a da princesa Maria Bonaparte, descendente de Napoleon, que em 1924, após uma pesquisa empírica junto a 200 mulheres contesta o dogma teórico imposto por Freud e recoloca o clitóris no centro do debate em torno do prazer da mulher. Segundo ela a frigidez seria a consequência do extenso afastamento entre o clitóris e vagina (ver o livro ainda não traduzido em português deAlix Lemel, “es 200 clitoris de Marie Bonaparte”(2010)).

    A grande revolução chega em 1976 com a cientista social norte americana, Shere Hite que pública seu famoso “relatório Hite: um profundo estudo sobre sexualidade feminina”, que causou grande polêmica na sociedade da época ao ponto de obrigar a pesquisadora a se exilar fora do país. De fato Hite ousou fazer o mais evidente: perguntar às mulheres o que elas sentem durante a penetração. E foi assim que ao mandar questionários para uma amostra de 3000 americanas, através de associações, anúncios em revistas e até paroquias, ela demostra que só 30% das mulheres afirmam ter orgasmos frequentes durante a penetração. Portanto, a maioria delas conhecem o orgasmo clitoridiano. Um cataclismo que revela que falo não seria mais o principal objeto do prazer feminino.

    Outra peça chave dessa revolução dos paradigmas, o casal norte americano Virginia Johnson e William Masters, ambos sexólogos que desde os anos 50 deram maior divulgação na sociedade sobre a importância do clitóris na sexualidade feminina. A série “Master of Sex” relata essa historia.

    Imagem do vídeo realizado por Marie Docher sobre a impressão 3D do clitóris. Vídeo legendado aqui pela TV Folha.

    Muita luta está ainda por vir até que o clitóris chegue ao mesmo patamar que o pênis. Mas grandes ações já foram realizadas. A última foi o trabalho da pesquisadora francesa Odile Fillod que divulga desde 2016 uma modelização 3D do clitóris podendo ser baixada e impressa por qualquer pessoa. O link com arquivo e modus operandi (em francês) está aqui. Com isso ela espera alcançar escolas e projetos educativos e assim, sair do mundo acadêmico.

    Segundo a historiadora francesa Stéphanie Wyler , a etimologia do clitóris vem do grego “kleitor”, literalmente “o fechador/lacrador”, nome de um rei de Tessalia, pelo fato dele precisar conter fatos, segredos e poderes.   Nada de mais claro: está na hora de rebentar de vez essas correntes!  Porém no meio dessa confusão outro pesquisador alemão em 1848, o Dr Georg Ludwig Kobelt, ao pesquisar sobre prazer masculino e feminino, faz um paralelo entre as glandes do clitóris e do pênis e chega à conclusão que o prazer feminino seria mais intenso.

    Depois de tanta informação, que tal entrar no clima do nosso prazer? Indicamos o filme  “Clitoris, prazer proibido” de Michèle Dominici (2003). Disfrute-se!

     

     

     

     

    Agradecimentos Especiais:

    Edwaldo Queiroz, do coletivo Mola, pela gentileza e a dedicação para impressão 3D;
    Carlos Cox Costa, pela tradução do vídeoclipe “Ode ao Clitoris”;
    Thaina Nogueira e Verilucy Cristine pela contribuição no vídeo “Prazer, Clito!”.

  • 30 e nada mais até depois dos 65

    30 e nada mais até depois dos 65

    *com ilustrações de Carolina Itzá

    O toque do celular, o beijo, a noite de ontem, o preço da cerveja que já chegou aos 12 e antes não passava de 7. Lembra de dois anos atrás? Quanta coisa foi e quanta é agora na baldeação entre a linha amarela e verde perto das 16h. Os pelos da axila, os odores, os psiu, os fiu fiu ou o ai não aguento mais isso. Com emprego, sem emprego nessa coisa de não passar dos 30 e ter acabado de chegar aos 20 e poucos. Quem se importa se o berço ainda me embala, se as fábricas me esperam. Produzir e consumir. Consumir eu já sei, só não quero produzir. Nhé nhé nhé nhé nhé. O bebê sem touca está chorando abandonado pelas grandes mães do sentido. O leite que saia daquelas tetas fazia mais sentido do que o mundo agora. Desejo a bonança, mas para chegar lá preciso subir até o último andar de escada. Largar o convencional, o elevador, o sistema, o conforto aveludado. Assim eu choro de novo. Buá buá buá. Chegamos aqui. Talvez seja a hora de pegarmos um voo que sobrevoe as cabeças do mundo enquanto sopramos a verdade da nova era, já que, ninguém entende o nosso chorinho de botequim. Verdade seja dita. Alguns de nós queremos mudar essa casa velha. Encontrar outra saída para essa rua que aparenta ter tantas direções.

    Qual será a minha ainda não sei, mas cansei de chorar e parei de soluçar. Vou-me embora deste berço na inconsequência dos meus 20 e poucos. As máquinas ainda aguardam pacientemente. Seus operantes, ou operados (sabe-se lá) já me convocam avidamente a graxa nas mãos, os sonhos na gaveta do escritório, as férias, os trinta dias, o restante, os enquadramentos, a vida que não sobra. Tem muito boi morrendo, árvore caindo, gente explodindo, dinheiro jorrando. Não é por aí, mas vem por aqui, dizem-me alguns. Não, não vou, não. Vou por ali. Vou para onde possa viver trinta dias e mais trinta e depois outros trinta e, se reclamar, trintão de novo. Um seguido do outro, um sentindo o outro. Vou por ali construir uma narrativa. Soltar outras letras, brigar com palavras que me esperam nas curvas que faço. Quais serão elas não sei ainda, mas é imprescindível consultar o dicionário. Parece-me necessário o afastamento de algumas coisas para chegar a outras no tempo que corre nos relógios de nossas veias. Esse tempo acumulado entope artérias quando ficamos mais velhas e os remorsos e rancores que no coração se alojam não saem mais com trinta dias de férias.

    Passaram-se alguns anos.

    Aliás, o tempo. Liguei a televisão na inocência dos desavisados sobre as grandes tragédias e ouvi que ele não vai sobrar nunca. Só depois dos 65, só depois que o próprio tempo já não mais existir para mim e muitos de meus amigos. O mundo tem passado espantosamente rápido quando olho para o horizonte, sentada no ponto de ônibus da Rebouças com a Avenida Brasil e me recordo das tantas pilhas de papel a serem assinadas, revisadas e arquivadas com o brilho nos olhos de quem quer o mundo todo, todo tempo, toda a experiência, toda vida que transborda e jamais será plenamente sentida enquanto me sento aqui e cheiro a fumaça de máquinas que já se foram quando os meus olhos alcançam qualquer uma delas. Minha avó se sentava na porta de casa e olhava para o tempo. Quando eu era criança nunca entendi o que ela ficava fazendo lá parada. Naquela época eu era o tempo agora. Agora, o vejo passar e me escapar. Ela o encarava. Olhava cara a cara. Acho que ali ela entendia muita coisa e se conciliava com o mundo, o céu, a história dela e dos pais, dos avós, com o nosso vir a ser. Olhar para lata, prédio, teto, outdoor, prateleira, vidro, luz neon, logomarca, banco, cartão, vitrine, telefone, computador, livro ou estante modular não pega nada. Quando a gente amadurece olha para o tempo porque sabe que não demora nada, nada chega a morte. O tempo é mais como um treinamento. Ele cura e abre feridas para o susto não ser grande quando a última visita chegar. Tenho medo de não encarar o tempo. Tenho medo de a vida terminar antes que eu cumpra as horas de vida que devo, antes de bater o cartão da firma e acabar morrendo de velha pensando nos papéis que deixei de assinar e carimbar e pedir para protocolar no nono andar.

    Ilustração de Carolina Itzá
  • Vozes iguais: a diversidade do Encontro Nacional de Mulheres na Argentina

    Vozes iguais: a diversidade do Encontro Nacional de Mulheres na Argentina

    Feito por mulheres negras, travestis e transexuais, migrantes, lésbicas e bissexuais, dos povos originários, prostitutas, defensoras descriminalização do aborto, mães, indígenas e tantas outras, o Encontro transformou a maior cidade da província de Santa Fé em um local de fortalecimento e luta. Com oficinas de temas como ativismo feminino, sexualidade, aborto, bissexualidade e lesbianidade, HIV, maternidade, prostituição e trabalho sexual, estupro, tráfico de mulheres, violência de gênero, mulheres dos povos originários, mulheres campesinas e rurais, afrodescendentes, e mulheres migrantes e latinoamericanas, o encontro autoconvocado ainda teve cerimônia de abertura, ato das mulheres e rodas de conversas informais durante a programação. A relatoria completa do que foi debatido em cada uma delas pode ser encontrada na página do Encontro.

    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    A rede de feministas que se formou através do Encontro contra os casos de violência na Argentina tem conseguido êxito, porém a luta ainda está longe do fim. Na agenda de lutas deste ano estavam as denúncias a artistas e figuras públicas como Cristian Aldana, vocalista da banda argentina “El Otro Yo”, por casos de violência contra mulher, estupro e pedofilia; o combate à morte de mulheres trans e travestis e à impunidade dos assassinos, lembrando o aniversário de um ano do caso de Marcela Chocobar, assassinada de maneira cruel e negligenciada do direito de estar nas estatísticas de feminicídio e de ter um enterro digno; e inúmeros casos de mulheres desaparecidas pelas redes de tráfico e prostituição.
    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    Como conquistas, esta edição foi marcada pela primeira roda de mulheres afro, e comemorou a resolução do caso de Belén, jovem de 27 anos da cidade de Tucumán acusada de assassinar o próprio filho, presa e condenada a 8 anos de prisão por ter tido um aborto espontâneo, que só saiu da cadeia graças à pressão popular. Também foi pontuada a importância de seguir com as grandes manifestações do “Ni Una Menos”, marcha que é filha do Encontro de Mulheres e que diz não ao feminicídio no país e na América Latina.

    A tradicional marcha de mulheres foi reprimida pelas forças da polícia. Este é o segundo ano que isso acontece, e a polícia tenta impedir que a marcha passe em frente à Igreja e proteste contra ela com balas de borracha e spray de pimenta. Mais um reflexo do avanço da direita na América Latina e da política que se instaurou com o início do governo de Maurício Macri, no final de 2015.

    Para o Brasil, o modelo argentino que surgiu em 1985 e traz delegações de mulheres de todos os cantos do país serve para apontar um caminho de união diante do cenário atual. Abaixo, é possível sentir um pouco do que foi dito no Encontro. As falas aqui citadas não tem nomes. Esta opção política se dá por entender a construção horizontal do Encontro argentino, que colocou mais de 70 mil mulheres divididas em 67 oficinas em diálogo, e não pertence à nenhuma organização, mas à pluralidade de opiniões e vozes da mulher argentina e migrante.

    “Quantas companheiras trans terminaram o Ensino Médio? Precisamos ser capacitadas e aprender para poder ocupar postos de trabalho, e que nestes nós sejamos incentivadas a terminar os estudos, porque mais do que uma cota trans, na Argentina nós precisamos de respeito e de conseguir concluir a escola.”

    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    “Devemos levar em conta qual é a nossa história e onde estamos parados para ver onde temos que lutar. Dar espaço para a cultura é dar uma arma de luta pra nós mulheres. Nos confortamos quando estamos juntas. Temos que dialogar para mudar.”
    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
     “Nós eramos 5 irmãs. Porque eu considero que somos todas irmãs. E mataram a minha irmã trans. Marcela Chocobar, desaparecida, assassinada, esquatejada. Nós encontramos seu corpo destroçado, sem pele. A mataram com tanto ódio que Marcela, que era alegre e divertida, sempre presente, não pode ser reconhecida. Somos 5 irmãs que estivemos sempre juntas e me custa dizer que hoje somos 4. Seguimos pedindo que se encontrem os restos do corpo dela, e há um ano de sua morte, nos dói dizer que ela ainda é considerada um homicídio simples.”

    “As redes de tráfico de mulheres são fruto da existência da prostituição compulsória e dos prostíbulos como um lugar que aceita a mulher como mercadoria. Ela é tão mercadoria que é submetida a exames de HIV e doenças para a proteção dos clientes que as consomem e se sentem totalmente descartáveis. Muitas mães ainda procuram suas filhas. E da porta pra dentro do puteiro, não existe proteção, não existe camisinha, não existe choro.”

    “Queremos que escutem nosso pedido de justiça. Em Salta, norte argentino, temos registrados 53 casos de companheiras violentadas pela Polícia e pelo patriarcado. Além de ser difícil dizer o que acontece com mulheres em situação vulnerável e de prostituição, de ser dolorido dizer, denunciar, ainda temos que aguentar a justiça nos pedindo para assinar papeis sendo que a maioria de nós não sabe ler e escrever. Somos pobres, excluídas do estado, muitas em situação de rua, e o tema não é só o tráfico de mulheres, a polícia também é parte disso. O mesmo que nos batia na rua era o que recebia a denúncia.”

     

    “A gente se exalta não porque não nos ouvem, não nos respeitam e nossa violência sofrida, guardada ao longo dos anos, é tanta que dói, machuca e tem que sair.”

     

    “Para ter direitos, temos que nos meter na política, porque ela que transforma a realidade. Temos que pressionar nossos dirigentes em nossos movimentos para que nos coloquem nos espaços de decisão porque não pode haver uma trans mais sem saúde, educação, morrendo e sem trabalho.”

    “Nós somos a classe obreira, nós construímos tudo. Então se rompermos tudo, vamos reconstruir tudo. O encontro é de todas e respeitaram nossas decisões, aqui não tem liderança, não tem movimento, aqui existem mulheres que resistem e querem brigar pela mudança.”

     

    “Cuidamos muito de nós mesmas que estão perto da gente, diante deste mundo que estamos. Dói ver que a sexualidade e a expressão da sexualidade de uma irmã possa causar a ela risco de morte.”

     

    “Temos que levar nossas lutas não somente na mente, mas também no coração, porque é com o coração que chegamos às pessoas.”

    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
  • Por +Jovens +Mulheres +Negr@s +LGBTs +Indígenas na Política

    Por +Jovens +Mulheres +Negr@s +LGBTs +Indígenas na Política

    Nessas eleições municipais é válido retomar algumas informações sobre a importância dos cargos proporcionais (legislativos).

    Em 2014 foi eleito o Congresso mais Conservador desde 1964, ano do golpe militar. O resultado? Um golpe parlamentar-midiático.

    A Câmara golpista é também uma Câmara Masculina, Branca, Heterossexual e velha.

    Apesar da mudança de quase 50% do congresso em 2014, menos de 10% são mulheres (51 deputadas); menos de 5% são negr@s (22 deputad@s); e menos de 10% são jovens (50, até 34 anos). NENHUM indígena foi eleito e o ÚNICO parlamentar do Congresso Nacional assumidamente LGBT é o deputado Jean Wyllys.

    Além disso dos 513 deputados na Câmara Federal, só 36 foram eleitos com votos próprios. O restante foi puxado por causa do coeficiente eleitoral (veja aqui como ele funciona: https://goo.gl/KZIa18).

    A prefeitura é MUITO importante. Mas, não esqueça o poder do legislativo. Vote em mulheres, LGBTs, nos povos tradicionais, em negros e negras, COMPROMETID@S com as pautas sociais.

    Por mais representatividade. Por +Jovens +Mulheres +Negr@s +LGBTs +indígenas na Política

    Com informações: DIAP, Departamento Intersindical de assessoria Parlamentar/ Campanha pela Constituinte do Sistema Político / Inesc Instituto de Estudos Socioeconômicos/ Rede TVT.

    Texto: Larissa Gould / Jornalistas Livres.

  • Nordestina, Antonieta Alves Monteiro diz como o governo do PT mudou sua vida

    Nordestina, Antonieta Alves Monteiro diz como o governo do PT mudou sua vida

    Antonieta Alves Monteiro, filiada ao PT, está na caravana do MTST. No entanto, sua motivação é pelas conquistas sociais em geral. Mesmo sem fazer parte do MTST, Antonieta pediu carona ao movimento e está empolgada com a vitória contra o golpe. Neste vídeo ela fala como o governo petista mudou sua vida e a dos nordestinos em geral.

  • Cadeia feminina — relatos de sobrevivências

    Cadeia feminina — relatos de sobrevivências

    Na semana em que o Ministério da Justiça divulga o censo que prova a explosão demográfica nas penitenciárias de mulheres, publicamos entrevista com a antropóloga Debora Diniz, que passou anos entrevistando e ouvindo os relatos das encarceradas

    O Brasil registra crescimento inquietante no encarceramento de mulheres, nos últimos 15 anos. Entre 2000 e 2014, a população feminina privada de liberdade saltou de 5.601 indivíduos para 37.380. Para dizer o mínimo, trata-se de uma verdadeira explosão demográfica, incrementando a população dos presídios de mulheres em 567%. Como comparação, no mesmo período, a população masculina encarcerada subiu 220%.

    E quem são essas mulheres tão perigosas que precisam ser retiradas do convívio social?

    Responde o relatório do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, divulgado nesta semana:

    “Em geral, as mulheres em submetidas ao cárcere são jovens, têm filhos, são as responsáveis pela provisão do sustento familiar, possuem baixa escolaridade, são oriundas de extratos sociais desfavorecidos economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior ao aprisionamento. Em torno de 68% dessas mulheres possuem vinculação penal por envolvimento com o tráfico de drogas não relacionado às maiores redes de organizações criminosas. A maioria dessas mulheres ocupa uma posição coadjuvante no crime, realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio; muitas são usuárias, sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico.”

    Em uma só expressão: são pés-de-chinelo.

    Também são negras (duas a cada três mulheres presas, ou 67%, são negras). Um terço do total estava presa sem condenação (no estado de Sergipe, o índice das presas sem condenação atinge a vergonhosa taxa de 99%!!!).

    Para ir além da frieza dos números e começar a compreender o que é a devastadora experiência da prisão feminina, a antropóloga e militante feminista Debora Diniz passou anos na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, chamada de Colméia. Fez entrevistas e aplicou questionários (prancheta nas mãos e olhar inquisidor). Foi quando percebeu que usava uma abordagem intrinsecamente masculina, identificada com o método policial. Largou tudo isso e se pôs a apenas escutar os relatos de mulheres que frequentavam o Núcleo de Saúde da cadeia.

    No livro “Cadeia, relatos sobre Mulheres” (224 páginas, Civilização Brasileira, R$ 26), lançado recentemente, Debora coleciona 50 textos que explicam a experiência carcerária real, vivida no maior presídio feminino da Capital da República, habitado por quase 700 seres humanos. É sobre suas humanidades (tantas vezes negadas) que a autora fala neste livro doloroso e perturbador. Leia a seguir a entrevista concedida por Debora aos Jornalistas Livres.

    Jornalistas Livres — Você está lançando esse livro, “Cadeia”, com relatos das mulheres privadas de liberdade. E esta entrevista está sendo realizada dentro da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP, território masculino por excelência, marcado por quadros, esculturas, afrescos, retratos de homens. Como as mulheres da sua pesquisa se relacionam com esse mundo do Direito, marcadamente masculino e patriarcal?

    Debora Diniz — As cadeias foram pensadas como instituições feitas por homens para homens. É muito recente nós agendarmos a questão das mulheres dentro de uma faculdade como esta. Isso não quer dizer que as mulheres em presídios não tenham história no Brasil. Mas até isso é uma história miúda, é uma história esquecida. Então as mulheres que vivem nesses espaços, elas enfrentam camadas de silenciamento e de resistência que lhes são muito particulares. “Cadeia” é um livro que tenta contar o mundo miúdo e cotidiano da sobrevivência no presídio na capital da República. As formas tradicionais com que nós nos aproximamos, e quando eu digo “nós”, refiro-me às pesquisadoras desses espaços, são formas também masculinas de contar histórias. Chegamos lá com uma prancheta, um questionário. Aqui está a pergunta que vou fazer a você. Qual é a sua cor? Quantos anos você tem? Que crime você cometeu? Para essas mulheres, nós estamos reproduzindo as maneiras policiais tradicionais. É a interpelação do poder punitivo sobre elas. Em um dos filmes que eu fiz lá, bastava eu chegar com a câmera e os indivíduos já chegavam dizendo: “Eu matei”, “eu roubei”. Neste livro, eu tentei fazer de um jeito diferente. Não fazia pergunta alguma. Sentava-me como num sonho do cinedocumentário, como a mosca na parede, só ouvindo o que acontecia.

    Jornalistas Livres — Mas será que aqueles que trabalham por ali: carcereiras, médicas, psicólogas, não acabavam encenando para você?

    Debora Diniz — É possível, mas é difícil. É difícil encenar todos os dias, durante seis meses, dez horas por dia. Há uma hora em que a desgraça vem. Quer um exemplo? Na hora em que chega aquela dizendo: “Eu vou matar, e vou matar agora.” E aí vem o sossega leão, a droga calmante. E se ouve a ordem: sossega, injeta, amarra! Isso é o que está no livro. Trata-se de um livro que retrata uma longa escuta daquilo que é dito para sobreviver num espaço de sobrevivência que é um núcleo de saúde.

    Jornalistas Livres  Uma das coisas de que o livro trata com bastante ênfase é a questão do abandono. Nas filas de visitas dos presídios masculinos, vê-se um monte de mulheres aguardando a hora de entrar para ver os seus maridos, filhos, noamorados. Mas, nas filas dos presídios femininos há poucos homens e, em geral, muito menos gente. Sugere-se com isso que as mulheres são de fato abandonadas muito mais frequentemente do que os homens. Como elas lidam com o abandono?

    Debora Diniz — Há duas formas de responder a essa pergunta sobre o abandono nas cadeias. A primeira é por aquilo que é palpável nas filas de visitas… As mulheres visitam os homens e a pergunta que sucede é: quem é que visita as mulheres? E a resposta que advém é: outras mulheres. Porque o cuidado é coisa de mulheres. Fora e dentro dos presídios. As principais visitadoras de mulheres presas são outras mulheres. As mulheres dos afetos… a vizinha, a amiga. Depois, a mãe, a filha, a irmã. Então, o mundo do cuidado se reproduz no mundo da cadeia. É por isso que os homens saem ganhando. Eles saem ganhando porque eles já são mais bem cuidados aqui fora por nós. Mas há um segundo nível do abandono e esse é o que mais me provoca. A cadeia é uma máquina de produzir abandono. No sentido existencial, a pessoa se transforma em um indivíduo só, porque os parentes, os aderentes começam a sumir. As pessoas se cansam. Elas têm vidas para viver. É muito difícil enfrentar a visita vexatória; o dia da visita é quinta-feira — e quem trabalha??? A cadeia é uma máquina cuja engrenagem produz uma mulher que se transforma em um indivíduo só. Então, sobreviver em cadeia é permanentemente manter vínculos. É por isso que os princípios da lealdade e da confiança são tão fortes no mundo do crime e da bandidagem da cadeia. Porque é por onde se resiste. É por onde se sobrevive. Quando o Estado falha, a família é uma instituição fundamental, não é? Por isso não é à toa que várias alegorias da família estão presentes dos regimes das organizações criminosas. É o “irmão”, o “pai”, o “primo”, o “tio”. Trata-se de produzir vínculos de solidariedade que de outra forma já se perderam.

    Jornalistas Livres — Estamos vendo o aumento dramático da população carcerária feminina. É possível esperar que as cadeias femininas comecem a apresentar aqueles espetáculos de violência explícita a que nos acostumamos nas rebeliões ocorridas em penitenciárias masculinas?

    Debora Diniz — A sua pergunta pressupõe uma resposta preditiva sobre quais serão os efeitos da feminização da prisão. Ou seja, já que vamos crescer em número de mulheres encarceradas, como elas vão resistir aos abusos de poder? Uma hipótese é que haverá formas de lidar com o encarceramento que reproduzirão as formas do feminino. Estudos internacionais mostram que os processos de adoecimento e de medicalização do sofrimento são mais intensos nas cadeias femininas. Medicalização psiquiátrica, contenção, depressões, sofrimentos intensos, suicídios. As estatísticas internacionais mostram que esse tipo de problema é muito mais intenso nas cadeias femininas do que nas masculinas. Isso faz com que a linha-dura do sistema penal se apresse em dizer: “É porque são as loucas que são criminosas.” Mas pode ser que seja esse sistema que produz o adoecimento nas mulheres.

    Jornalistas Livres — E as rebeliões sangrentas?

    Debora Diniz — Tenho a hipótese de que as formas de resistência femininas são muito mais difíceis do que a dos homens. Porque o homem, quando ele cai no crime e vai parar pela primeira vez em uma cadeia, ele passa por um teste que se chama de “carômetro”… Ele entra na cadeia e os carcereiros submetem a ele uma lista com os rostos de todo mundo que está na ala a ele destinada. Em geral, o novato aponta seus inimigos dizendo “guerra”, “guerra”, “guerra”, indicando as alas para as quais não pode de modo algum ir. De outro lado, ele indica as alas em que estão seus amigos e parceiros.

    Já uma mulher, quando chega, ela não vem desses grandes bandos criminosos. O teste do “carômetro” é a prova de que aquela será uma experiência solitária. Pela primeira vez, ela terá de formar redes de solidariedade no crime, lá dentro. Quando nós vemos que não há essa força tão bruta, essa resistência tão massificada, é porque elas são muito mais solitárias do que eles dentro do presídio. E, para formar o bando de resistência, precisa de muito mais tempo.

    Jornalistas Livres — “Orange is The New Black”, o nome da série produzida pelo Netflix, é uma experiência exclusivamente americana, ou as cadeias femininas brasileiras têm similitudes com aquela situação?

    Debora Diniz — Uma das coisas que ouvi, tão logo o livro foi lançado, foi o convite: “Vamos fazer uma série brasileira como ‘Orange is the New Black’?” Na verdade, tanto na série americana como no livro “Cadeia”, mostra-se a microvida cotidiana que existe em um presídio feminino. Nesse sentido, são muito parecidas as realidades retratadas. As personagens, a entrada do sexo, a personagem que ocupa o lugar do poder masculino, o bicudo de cadeia (um bicudo de cadeia não é uma simples contrafação do homem, mas é um personagem muito curioso. Não lava roupa, não melhora a comida e ela tem benefícios por isso)… E esse é um dos personagens de um dos episódios do seriado. As orgias sexuais que acontecem à noite… Eu jamais direi que a cadeia é um lugar feliz, mas como é um lugar em que se vive, os prazeres existem, as formas de encontro existem. Em algum sentido, o que existe em comum é a humanidade vivendo. E, nessas instituições, as formas de encontro e desencontro acabam sendo muito parecidas, porque as formas de gerenciamento são as mesmas.

    Jornalistas Livres — Não daria para encerrar essa entrevista sem lhe perguntar o que você acha da redução da maioridade penal.

    Debora Diniz — Uma das grandes descobertas que eu fiz em “Cadeia” é que uma em cada quatro mulheres que hoje estão presas em regime fechado passou pela cadeia na adolescência. Me permita chamar uma unidade sócio-educativa, destinada a adolescentes em conflito com a lei, de cadeia. Uma em cada quatro! Então, estamos falando de um itinerário punitivo que começou muito cedo na vida.

    Se compararmos a população do presídio feminino da capital (700 mulheres) com a da unidade sócio-educativa que tem uma média de 50 internações por mês, praticamente todas as adolescentes que passaram pelas unidades sócio-educativas acabaram presas quando adultas… Então reduzir a maioridade penal me parece apenas uma brutalidade e uma violência. Trata-se daquela realidade que nós não queremos ver e queremos o quanto antes esconder dentro dessas instituições. A minha decisão depois de “Cadeia” foi ir para esse momento anterior… Lá eu descobri que elas chamam o reformatório de “cadeia de papel”. É uma alegoria linda. Nem é uma cadeia de verdade, mas já é um projeto de cadeia. Desde janeiro deste ano eu puxo um plantão. A cada 72 horas, passo 24 na unidade, vivendo por ali. Não tenho mais idade para me passar por adolescente. E elas sabem que não sou uma carcereira. Está sendo uma imersão definitiva para contar essa história de que aquilo ali já é punição suficiente para o adolescente infrator no Brasil. Não precisamos de mais sofrimento e dor.