Os militares parecem mesmo dispostos a ocupar todos os postos civis da República. Em Belo Horizonte, o Cabo Xavier teve a cara de pau de se candidatar a prefeito pelo Partido da Mulher Brasileira (PMB), justamente na cidade conhecida por ter bem mais mulheres do que homens.
Por enquanto ele está ‘solteiro’, ou melhor, sem vice, que ainda não foi escolhido ou escolhida, um indicativo de que há falta mulheres no partido das mulheres em Minas. O nome para vice-candidato a prefeito do PMB está em aberto. A sigla busca uma composição com outros partidos para o cargo. Cabo Xavier tem 48 anos e é policial militar. Em 2018, ele foi candidato a deputado federal, mas não foi eleito.
O militar diz que defende as mulheres, mas não as “pautas ideológicas feministas”. Questionado pelo repórter Rômulo Almeida do jornal O Tempo, ele disse que se há alguma contradição no fato de ele ser um candidato homem num partido que defende o direito das mulheres, Xavier rebateu baseando-se na sua carreira na segurança pública. “É uma relação nova, mas a luta pelas mulheres sempre existiu. Como policial militar, na minha carreira toda, fizemos vários atendimentos de proteção à mulher. A mulher ainda é vítima do nosso sistema. Na maioria das vezes, ela é colocada em segundo plano. Eu tenho mãe, esposa, filha e neta. Então, não há como não defender as mulheres. Eu não defendo as pautas ideológicas feministas, mas defendo a mulher como parte integrante e importante da sociedade”, afirmou.
Estudante de Direito e formado em Teologia, Cabo Xavier é evangélico. “Sou da igreja Batista, minha esposa é da igreja Universal, e eu tenho acompanhado ela, mas me considero batista”, disse.
Cabo Xavier tenta entrar na política desde 2011 – Reprodução
Carreira
Cabo Xavier começou na política em 2011, quando partiu para a criação do Partido da Defesa Social (PDS). Para isso, ele percorreu o país, mas as mudanças na legislação eleitoral acabaram impedindo a formação do partido. “Visitei 19 estados arregimentando correligionários para a sigla. Chegamos a ter mais de 280 mil fichas, porém, em 2015, houve mudanças na lei eleitoral, e perdemos todo o material”, afirmou.
Em 2018, Xavier concorreu a deputado federal pelo PPL. Agora, antes de ser anunciado como candidato a prefeito da capital mineira pelo PMB, ele tentou negociar sua possível candidatura com os partidos PL e PMN.
Além de Belo Horizonte, a única capital onde o Partido da Mulher Brasileira disputará a prefeitura é Aracaju, com a advogada Juraci Nunes, de 27 anos.
Camille Cristina, mestranda em História pela UERJ/FFP, e Daniel Pinha, professor do Departamento de História da UERJ
Na semana passada, o técnico Renê Simões defendeu o retorno dos jogos de futebol durante a pandemia. O motivo: seria uma forma de acalmar os ânimos dos homens que agridem suas mulheres em casa, diante do estresse causado pelo confinamento. Uma declaração repulsiva, vinda de um ex-treinador da Seleção feminina de futebol. Traz à tona uma realidade incômoda, recorrente no contexto brasileiro: não só o retorno do jogo em plena pandemia de Covid e ascendência de mortes, mas o machismo e a violência contra a mulher no mundo da bola.
Também na semana passada voltou à cena uma das figuras mais representativas da violência contra a mulher associada ao futebol: trata-se de Bruno, ex-goleiro do Flamengo, preso pela participação no assassinato brutal de uma mulher, mãe de um filho seu. Foi noticiado que ele seria usado como “garoto propaganda” de um canil, demonstrando altíssimo grau de violência simbólica contra as mulheres. Ele protagonizou o assassinato e ocultação de cadáver de Eliza Samúdio que, segundo as investigações, teve parte de seu corpo entregue a cachorros como forma de sumir e eliminar evidências de crime.
Além de conviver com a liberdade de Bruno, as mulheres teriam de vê-lo usando sua imagem (ainda com as marcas do ídolo de futebol) para fazer a propaganda de um canil. Um gesto cruel, dura e prontamente atacado por mulheres na internet, que tiveram de se mobilizar para de defender o óbvio, o mínimo, isto é, o impedimento do escárnio contra o corpo da mulher.
Futebol em tempos de Covid
Há algumas semanas acompanhamos o movimento de torcidas organizadas nas ruas, com objetivo de se contrapor à escalada fascista e antidemocrática imposta pela extrema direita no país. A defesa da democracia faz parte da história de grandes torcidas desde o contexto da Ditadura Militar. O movimento da Democracia Corintiana, sob a liderança de Sócrates, ganhou destaque nacional no início da década de 80, levando para campo a pauta das eleições diretas para presidente da República e a intensificação democrática na gestão do clube, trazendo os jogadores para o centro das decisões internas.
O futebol mostrou, nestes casos, seu grande potencial mobilizador de importantes causas nacionais. Na última semana, em meio à pandemia de coronavírus, o futebol profissional masculino voltou ao centro do debate. Em primeiro lugar, pela volta do Campeonato Carioca mesmo com o crescimento das mortes no Rio de Janeiro. Durante o jogo do Flamengo no Maracanã, a maior derrota veio no hospital de campanha instalado a alguns metros do campo de jogo: duas mortes por covid-19.
O prefeito Marcelo Crivella já anunciou a abertura do futebol ao público a partir de 10 de julho, na direção contrária de vários campeonatos realizados na Europa, em países que revelam diminuição de casos e mortes por coronavirus. Na retórica de Crivella e das direções dos clubes que o apoiam, o objetivo é entreter a sociedade carioca e esquecer o vírus; na prática, esta medida cria uma falsa impressão de que “está tudo normal”, trazendo a normalização das mortes para o cotidiano.
Cultura do machismo e violência contra a mulher na pandemia
Acompanhamos nos últimos anos o crescimento do interesse do público (feminino e masculino) pelo futebol feminino, sobretudo pela Seleção feminina de futebol. A grande imprensa tem sido bem receptiva a essas pautas, tematizando a diferença salarial e a reprodução do machismo em meio à cultura futebolística e esportiva. O programa Globo Esporte, por exemplo, promoveu uma série de reportagens neste ano sobre a cobertura da imprensa no esporte feminino. Ou seja, revelou o quanto a igualdade de gênero não é uma realidade e caminha a passos lentos; ao mesmo tempo, desnaturalizou a questão, mostrando a urgência e necessidade de avanço.
A fala de Renê Simões, portanto, se insere em um contexto de acomodação discursiva de reprodução e normalização do machismo. Nas palavras de Simões, em entrevista à Rádio Central, de Campinas, na última sexta-feira dia 26: “Vamos discutir o futebol como fator social para ajudar as pessoas que estão em casa enlouquecendo. Eu tenho amigos aqui que já se separaram, outros já bateram na mulher, outros batem nos filhos. Estão enlouquecendo. Então, se colocar futebol, pode ser que ajude em alguma coisa.”
Estamos falando de um contexto marcado pelo aumento da violência contra a mulher. Já em março, no início da pandemia, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro registrou o aumento de 50% das denúncias de violência doméstica. Um número que, apesar de assustador, infelizmente sabemos que não é o real, pois muitas mulheres, por inúmeros motivos, não fazem a denúncia.
Na fala de Renê Simões a normalização do machismo se faz presente de diversas formas. Em primeiro lugar, considera que o contexto “enlouquecedor” da quarentena criaria uma condição de estresse capaz de justificar a violência contra a mulher. O futebol – e não importa se em tempos de pandemia há exposição da saúde dos atletas nos treinos e jogos – serviria como uma espécie de “circo”, espetáculo, capaz de entreter e “acalmar” ânimos violentos. Como se o público consumidor do futebol fosse só de homens, algo que contraria o crescimento do esporte entre mulheres, que jogam e assistem. Reforça a máxima do “futebol é coisa de homem”, algo ainda mais grave quando proferido por um ex-treinador da Seleção feminina de futebol.
Por fim, ele fala de amigos que já separaram, outros bateram… O grau de naturalização da violência é tamanho que ele fala de crimes cometidos por amigos como se isto fosse normal – pessoas próximas, com quem ele tem relação afetiva. Aliás, se ele soube de agressão a mulheres neste contexto de pandemia, por que não denunciou à polícia? Ou será que ele trabalha com a lógica machista de que em “em briga de marido e mulher não se mete a colher”?
Em suma, a violência contra a mulher se revela nos gestos, mas também em discursos de normalização como o de Renê: “Vamos colocar homens correndo atrás de uma bola, para que outros homens assistam e parem de bater em suas mulheres por causa do estresse da quarentena”. Uma atitude que ainda é muito presente, infelizmente, na cultura futebolística brasileira.
GÉSSICA GUIMARÃES, professora adjunta do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Neste período de isolamento social imposto pela pandemia do Covid-19, temos sido confrontados com algumas realidades que não eram muito bem-vindas. Uma delas consiste na nossa relação com a manutenção da vida doméstica, que inclui a limpeza de nossa própria casa, o cuidado com as roupas, o abastecimento da geladeira e despensa, a preparação das refeições e o cuidado com as crianças, idosos e enfermos. Muitas famílias brasileiras ainda vivem sob o espectro dos três séculos de colonização e escravidão e relegam o trabalho doméstico às mulheres da casa ou detém o privilégio de terceirizar as atividades descritas acima em troca de remunerações intermitentes ou de salários que não se equivalem aos dos patrões e patroas.
Uma constatação que não parece ser muito difícil para qualquer um que cumpre as regras do confinamento é a de que as mulheres sofrem uma sobrecarga de trabalho. Tanto aquelas que trabalham fora de casa e são remuneradas, como as que se dedicam integralmente ao trabalho doméstico estão em condições agudas de exploração: as primeiras por suportarem duplas jornadas e, na maioria das vezes, receberem os menores salários; e as “donas de casa” por terem o seu trabalho invisibilizado, desmerecido e não remunerado. Neste momento, uma camada mais ampla da sociedade está experimentando pela primeira vez como o trabalho doméstico é exaustivo, repetitivo e desgastante física e emocionalmente.
De maneira ainda mais dura, temos a realidade cruel das mulheres que trabalham como empregadas domésticas, grupo formado em sua maioria por mulheres negras e pobres, desempenhando as tarefas que os homens e as mulheres de classes sociais mais abastadas se negam a fazer. Submetidas a regimes de trabalho sem estabilidade como as diaristas, com baixos salários e até mesmo em condições que lembram nosso passado escravocrata. A pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, entre os dias 14 e 15 de abril e publicada no dia 22 do mesmo mês, revelou que, por causa da pandemia, cerca de 39% das empregadas domésticas foram dispensadas de seus trabalhos sem nenhuma remuneração. Em tempos de quarentena por causa da disseminação do coronavírus, muitas dessas mulheres viram suas fontes de renda desaparecerem e agora dependem da iniciativa de um governo que já deu inúmeras provas de sua misoginia e distanciamento da classe trabalhadora.
Ilustração de Marceloh
Há algum tempo, intelectuais feministas têm apontado que há na dinâmica do sistema capitalista uma dupla estrutura de exploração do trabalho que permaneceu encoberta, até nos escritos de Marx e Engels. Além da produção de bens, capital e lucros, há também o trabalho realizado na reprodução da vida. Em um manifesto feminista publicado ano passado[1], Cinzia Arruza, Tithi Battacharya e Nancy Fraser enfatizam que a produção não seria possível sem um trabalho que é desempenhado cotidianamente e que foi apagado pelo sistema capitalista. Este trabalho consiste na reprodução da vida, isto é, desde a reprodução da espécie, passando pelos anos de educação, formação para o trabalho e a manutenção diária das condições básicas de vida como a alimentação e a higiene. Trabalho esse que mantém os trabalhadores e as trabalhadoras aptos a cumprir as suas funções, que é desempenhado majoritariamente pelas mulheres, sendo frequentemente desprovido de reconhecimento e remuneração. Ao mesmo tempo em que a sociedade encara esse trabalho como supérfluo e inferior, o sistema capitalista depende dele para sua existência.
Em uma perspectiva mais otimista, essa grande crise sanitária que atravessamos nos deu amostras de que mudanças na direção da política econômica dos governos mundo afora precisa acontecer, discursos de encolhimento do Estado e privatização de serviços estratégicos, como saúde, foram colocados à prova com o “novo normal” da pandemia. Contudo, o futuro está aberto. E, nessa disputa, projetos de maior recrudescimento da precarização das relações de trabalho e o escancaramento da política de extermínio da população pobre ficam nítidos a cada pronunciamento ou entrevista de Jair Bolsonaro.
O cenário que nos aguarda ao fim do confinamento deve nos revelar algumas mudanças sociais, a primeira delas, a grande pauperização da sociedade, associada a transformações nas relações do trabalho, impactadas por essa experiência compulsória de home office e possíveis estratégias de isolamento social nos próximos meses. Nossa expectativa é que na esteira dessas transformações as relações de gênero sejam repensadas, pelo menos no que diz respeito às funções que são compulsoriamente atribuídas às mulheres na tarefa ininterrupta de prover o cuidado e alimentação das famílias, bem como a valorização de todas as pessoas que exercem o cuidado como profissão. Nosso receio, entretanto, é que as mulheres sofram as principais consequências dessas transformações econômicas e sociais.
[1] ARRUZA, Cinzia; BATTACHARYA, Tithi; FRASE, Nancy. Feminismo para os 99%: um manifesto. São Paulo: Boitempo, 2019.
Por: Luiza Villaméa e Mônica Tarantino (originalmente publicada pelo El País Brasil)
Uma rede de organizações espalhadas por todo o Brasil está cada vez mais presente –e influente– no Congresso Nacional. Tem como principal bandeira proibir o aborto no país e influenciar os 35 projetos sobre os direitos sexuais e reprodutivos da mulher que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado. E novos projetos nessa linha continuam a chegar, junto com parlamentares de primeiro mandato eleitos com os votos dessa rede, como o senador Eduardo Girão (Pode-CE) e as deputadas Chris Tonietto (PSL-RJ) e Flordelis (PSD-RJ). Novatos e antigos são abordados por ativistas da causa até nos cafés do Congresso. “É onde acontecem os encontros, por onde passam os tomadores de decisão”, assume Hermes Rodrigues Nery, coordenador do Movimento Legislação e Vida, uma grande liderança contra o aborto no Brasil e presença constante no Congresso.
Professora da UnB e militante contra a descriminalização Lenise Garcia defende a proibição do aborto em qualquer circunstância
A atuação mais visível desses grupos de pressão é a Marcha Nacional pela Vida, que acontece em Brasília em junho e se multiplica no decorrer do ano em versões regionais. Na retaguarda, estão juristas, acadêmicos, religiosos, médicos, empresários, assessores parlamentares, editores, toda uma gama de profissionais que fornece argumentos e participa de debates e audiências públicas. Dentro do próprio Congresso, têm representação de peso. A Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família da atual legislatura reúne mais de 200 congressistas. Evangélicos, católicos, espíritas se unem sob a mesma bandeira.
Hermes Rodrigues Nery investe no corpo a corpo com parlamentares nos cafés do Congresso (Foto: Marcelo Laganaro)
Há quem entre na política para fortalecer o grupo, que costuma se identificar como pró-vida. É o caso do senador Eduardo Girão, empresário que disputou sua primeira eleição no ano passado. Um dos fundadores do Movida, organização que tem como principal meta banir o aborto, Girão não demorou a mostrar a que veio. Onze dias depois de tomar posse, ele desarquivou uma Proposta de Emenda à Constituição do senador não-reeleito Magno Malta que inclui o termo “desde a concepção” no artigo relativo ao direito à vida. É a chamada PEC da Vida. Se for aprovada, nem grávidas em risco de morte, vítimas de estupro ou com fetos anencéfalos poderão adotar o procedimento, como garante a lei hoje. Relatora da proposta na Comissão de Constituição e Justiça, a senadora Selma Arruda (PSL-MT) apresentou parecer favorável na quarta-feira 24 de abril, abrindo exceção para quando não houver outra forma de salvar a vida da gestante ou se a gravidez decorrer de estupro. A comissão, no entanto, pode aprovar a proposta mais restritiva.
“Precisa de três quintos dos votos dos senadores para aprovar no plenário, mas a chegada de Girão ao Senado favorece. A PEC muda a Constituição, é muito mais abrangente do que o Estatuto do Nascituro”, ressalta o ex-deputado Luiz Bassuma, referindo-se ao projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados desde 2007. Espírita como Girão, Bassuma é um dos autores do projeto, que garante ao feto os mesmos direitos dos nascidos vivos e prevê assistência financeira às vítimas de estupro que não abortarem. “O pessoal pró-aborto distorceu isso, como se estivéssemos criando uma bolsa estupro. É para que nenhuma mulher aborte por falta de dinheiro. Se o estuprador não tiver condições, o Estado assume”, diz Bassuma.
Mesmo sem mandato, Bassuma acompanha de perto a tramitação do Estatuto do Nascituro, deslocando-se com frequência de Salvador, onde mora, para Brasília. O projeto avança por esforço coletivo. Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Família e da Vida, o deputado Diego Garcia (Pode-PR) começou o ano legislativo com um pedido para promover uma audiência pública sobre o Estatuto do Nascituro. Ano passado, no auge da campanha eleitoral, Garcia já tinha alavancado o projeto com um parecer favorável à Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher: “Ainda que seja pequena a expectativa de duração de vida extrauterina, a proteção do nascituro deve ser efetivada”.
Outra figura de peso nessa rede virou ministra do Governo Bolsonaro e agora defende “o direito à vida desde a concepção” até no Conselho de Direito Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça. É a pastora e advogada Damares Alves. “Sou contra o aborto em qualquer circunstância. Todos sabem, todos conhecem”, repete Damares desde 1999, quando começou a atuar em Brasília como assessora parlamentar. Desde então, ela trabalhou no gabinete de quatro parlamentares – todos evangélicos e defensores da mesma causa. Além de ministra, Damares é secretária nacional de Relações Institucionais do Brasil Sem Aborto –Movimento Nacional da Cidadania pela Vida.
Questionada pela reportagem, a Fiocruz foi categórica em desmentir a informação: “Levantamento feito pela área financeira da instituição não identificou qualquer projeto em relação ao aborto vinculado às verbas mencionadas. A verba foi para a área de saúde da mulher e da criança.”
O Brasil Sem Aborto foi criado em 2007 pelo então assessor parlamentar Jaime Lopes, que procurava uma mulher para comandar a organização. No ano seguinte, a farmacêutica Lenise Garcia, professora de microbiologia da Universidade de Brasília, participou de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal sobre o uso de células-tronco embrionárias para pesquisa. Lenise era contra, o Supremo decidiu a favor. Por afinidade de ideias, o Brasil Sem Aborto ganhou uma presidente. Há 11 anos na função, ela tornou-se a mais atuante acadêmica em audiências e palestras contra o aborto, nas quais exibe uma réplica de plástico de um feto de 12 semanas, similar aos modelos em silicone usados pelos movimentos americanos antiaborto.
A professora de microbiologia da UnB, Lenise Garcia, costuma expor uma réplica de feto de plástico como forma de persuasão (Foto: Luiza Villaméa)
“Mostro essas réplicas porque muita gente fala que um embrião é só um punhadinho de células. Um punhado de células eu também sou”, diz Lenise em sua casa, em Brasília, que funciona como uma espécie de sede do movimento. Ela defende a proibição do aborto em qualquer circunstância. Pelo Código Penal Brasileiro, aborto é crime, com pena de um a três anos de prisão para a mulher, exceto nas duas situações previstas por lei (risco de vida e estupro) ou determinada pelo Supremo (anencefalia do feto).
À frente do Brasil Sem Aborto, Lenise promove encontros com organizações de todo o país. Ainda assim, ela garante não saber o número de entidades que integram o movimento e divaga sobre o financiamento da organização: “Como o tema é controverso, às vezes as empresas dão dinheiro, mas não querem aparecer. Outros ajudam, como empresas de transporte que abrem espaço nos ônibus para nossos cartazes”. Lenise também não alimenta conversas sobre suportes internacionais às organizações pró-vida, embora esses vínculos estejam presentes desde a concepção desses movimentos.
Em contrapartida, ela faz questão de divulgar dados sobre grupos que atuam pela descriminalização do aborto. “ONGs estrangeiras investem pesadamente para a aprovação do aborto na América Latina. Saiu um artigo recentemente. Investiram 18 milhões de dólares”, declarou no Supremo. Perguntada pela reportagem sobre a fonte de informação, Lenise citou o site Estudos Nacionais. “Está lá. A pesquisa é o doutor Marlon, um médico de Santa Catarina, que publicou um livro sobre o aborto. Sou autora de um dos capítulos”, conta. O doutor Marlon é, na verdade, o administrador de empresas Marlon Derosa, um dos donos da Editora Estudos Nacionais, sediada em Florianópolis (SC). Católico praticante, Derosa milita contra o aborto em qualquer circunstância e decidiu investir no mercado editorial em 2015: “Tinha dificuldade em encontrar livros sobre o aborto que não tivessem orientação pró-legalização”. Ele chegou à cifra de 18 milhões de dólares citada por Lenise pesquisando sites de entidades estrangeiras e nacionais. Uma delas é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com 4,2 milhões de dólares.
Questionada pela reportagem, a Fiocruz foi categórica em desmentir a informação: “Levantamento feito pela área financeira da instituição não identificou qualquer projeto em relação ao aborto vinculado às verbas mencionadas. A verba foi para a área de saúde da mulher e da criança.” Depois de divulgados no Supremo, os milhões contabilizados por Derosa passaram a circular como dado confiável nas redes sociais e sites simpatizantes. Processo similar ocorre quando se discute os números do aborto no Brasil, sempre menores na contabilidade dos movimentos pró-vida.
Derosa é organizador do livro Precisamos Falar sobre Aborto, lançado no final do ano passado no Salão Nobre da Câmara dos Deputados. A escolha do local tem a ver com a meta de sensibilizar os parlamentares para os argumentos contrários ao aborto. São 638 páginas e 13 coautores, estrangeiros e nacionais. Derosa edita ainda uma revista trimestral e mantém um site com frequentes referências ao tema aborto. Um dos mais recentes artigos do site é sobre um homem que conseguiu na Justiça impedir o aborto planejado pela ex-namorada em Mercedes, no Uruguai. Lá, o aborto é permitido até a 12ª semana de gestação.
No Congresso e fora dele, a rede de pressão inclui juristas. Entre eles está a advogada Angela Vidal Gandra Martins, doutora em Filosofia do Direito e professora da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Sua aproximação com o movimento se deu a partir de uma temporada nos Estados Unidos, onde trabalhou com a Alliance Defending Freedom, organização cristã sem fins lucrativos que atua no direito à liberdade religiosa e aos direitos fundamentais. Em palestras e audiências, ela recorre a argumentos de sua área: “O termo que a Constituição usa é inviolabilidade da vida humana. Inviolável é um termo absoluto”.
A origem dos movimentos antiaborto do Brasil também está vinculada a grupos americanos, em particular à Human Life International, a maior organização antiaborto do mundo.
O artigo 5º da Constituição prevê a “inviolabilidade do direito à vida”, mas não determina quando ela começa. A questão é objeto de debates nos meios religiosos e científicos. “Há um movimento conservador internacional que defende o início da vida desde a concepção; outros grupos quando o embrião se implanta no útero; há aqueles que consideram como marco os primeiros sinais de atividades cerebrais e outros, os primeiros batimentos cardíacos fetais”, afirma bioeticista Antônio Carlos Rodrigues da Cunha, coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. “Na verdade, há uma percepção entre os pesquisadores de que o conceito de início da vida é filosófico e não embriológico.”
A organização Católicas pelo Direito de Decidir, que é a favor da descriminalização e da legalização do aborto, também não tem uma resposta sobre o início da vida. Coordenadora executiva da organização, a psicóloga Rosângela Talib esclarece que as Católicas priorizam a autonomia das mulheres sobre a sua vida e o seu corpo: “O aborto para a Igreja não é um dogma, como a virgindade de Maria. Faz parte dos seus ensinamentos. Diante de situações difíceis, o princípio maior é a consciência do fiel”.
No embate, os contrários à descriminalização não têm dúvidas: a vida começa na fecundação. Para difundir esse e outros valores no âmbito jurídico, investem também na formação de novos quadros. Em Porto Alegre (RS), a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) acaba de contemplar 50 bolsistas para um curso de 40 horas em julho. Destina-se a estudantes ou recém-formados em Direito e terá entre os professores o americano Jeffery Ventrella, da Alliance Defending Freedom, sediada no Arizona. Na organização, Ventrella dirige um programa de nove semanas criado em 2000, que já treinou mais de 2.100 estudantes de Direito de 21 países, alguns deles selecionados no Brasil pela Anajure.
A origem dos movimentos antiaborto do Brasil também está vinculada a grupos americanos, em particular à Human Life International, a maior organização antiaborto do mundo. A entidade participou da criação do Movimento em Defesa da Vida, lançado no Rio de Janeiro pelo monsenhor Ney Affonso de Sá Earp. Em julho de 1989, o próprio fundador da Human Life, padre Paul Marx, veio ao Brasil para a primeira ação do Defesa da Vida. Veio também a ativista Joan Andrew, uma espécie de estrela do movimento nos Estados Unidos, onde o aborto é legalizado.
Junto com 20 manifestantes, o monsenhor promoveu uma Operação Resgate –como chamam o bloqueio da entrada de clínicas de aborto–, diante da Clínica Santiago, em Botafogo. Entre os manifestantes estava o criador do GBM, grupo que atuava de forma isolada em Santa Catarina e continua ativo. Depois do episódio no Rio, o monsenhor e seus parceiros americanos trataram de espalhar o movimento pelo Brasil.
A visita do grupo à cidade de Anápolis (GO) culminou na criação de um dos núcleos mais fortes do movimento. Na ocasião, foi lançado o Pró-Vida de Anápolis, hoje sob a liderança do padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, o padre Lodi. Em Brasília, ele chama a atenção por circular, sempre de batina preta, em todos os espaços nos quais se debate os direitos reprodutivos da mulher. Muitas vezes acompanhado por fiéis com terço na mão. Não pestaneja ao tratar do tema: “O aborto é o homicídio preferido do demônio”. Recusa-se, no entanto, a dar entrevista: “Só falo com a mídia pró-vida.”
Hoje, o mais articulado parceiro da Human Life International no Brasil é Hermes Rodrigues Nery, conhecido como professor Hermes, aquele que investe no corpo a corpo com parlamentares nos cafés do Congresso. Depois de presidir por três anos a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, ele agora está à frente do Movimento Legislação e Vida. Embora more na cidade paulista de São Bento do Sapucaí, onde trabalha na prefeitura, ele se desloca para onde for necessário. Sem entrar em detalhes nem revelar nomes, Nery afirma que, para circular pelo Brasil e pelo mundo, conta com a ajuda financeira de amigos.
“Estive recentemente nos Estados Unidos, com lideranças conservadoras. Mike Pence, o vice-presidente, é muito pró-vida. E o Governo Trump tem cortado verbas para ONGs abortistas”. Nery também conhece de perto a Pontifícia Academia do Vaticano e a Polônia, país de arraigada tradição católica. Lá, a interrupção voluntária da gravidez era autorizada entre 1956 e 1993, mas hoje o país tem as leis mais restritivas sobre o aborto de toda a Europa.
No interior da Igreja Nossa Senhora do Rosário, em São Bento do Sapucaí, ele lembra que depois de perder a batalha no Supremo sobre o uso de células-tronco embrionárias em 2005, as lideranças pró-vida mudaram de estratégia: “Em vez de atuar só contra o aborto, entramos com ações propositivas, como a PEC da Vida. Em fevereiro de 2015, procuramos o senador Magno Malta. Levamos informações, ajudamos na redação do projeto. Na época, o Luiz Bassuma, autor do Estatuto do Nascituro, e Damares Alves estavam assessorando o senador. A ideia de explicitar na Constituição que a vida começa na fecundação tinha surgido durante uma conversa com o jurista Ives Gandra Martins”.
A mais recente frente de combate dos pró-vida envolve neutralizar o “ativismo do Supremo”. Isso porque lá correm duas ações relativas ao aborto. Uma, para descriminalizá-lo até a 12ª semana de gestação, proposta pelo PSOL. Outra, para permitir a interrupção da gravidez nos casos de gestantes infectadas pelo vírus zika, protocolada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos. Para impedir que o Tribunal decida sobre essas questões, um grupo de senadores tenta acelerar a aprovação da PEC da Vida. Na Câmara, já tramita projeto de lei que permite enquadrar ministros do Supremo em crime de responsabilidade por “usurpação de competência” do Poder Legislativo. É o lobby contra o aborto em ação.
GRUPO DE SC CHEGOU A INVADIR CLÍNICAS PARA IMPEDIR INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ
LUIZA VILLAMÉA
Cada vez que o aborto entra em discussão no Congresso, mensagens eletrônicas são disparadas da pequena cidade de Rancho Queimado, em Santa Catarina. São endereçadas à rede de 500 mil apoiadores do Movimento GBM em todo o país, para que acionem deputados e senadores. A iniciativa visa barrar a legalização do aborto no Brasil, como afirma a presidente do GBM, Kateri Werlich: “Alguns parlamentares ouvem esse clamor. Outros fazem de conta que não é com eles”.
Werlich conta que a mãe biológica de Kateri desistiu de interromper a gravidez e entregou a criança para que ele a criasse (Foto: Luara Wandelli Loth)
“Começamos invadindo abortórios. Fazíamos denúncias. Ajudamos a colocar bastante gente na cadeia, mas a polícia encobria muita clínica clandestina”
Fundado em 1973 pelo pai de Kateri, Sabino Werlich, o GBM é o mais antigo grupo de pressão contra o aborto do país. “Começamos invadindo abortórios. Fazíamos denúncias. Ajudamos a colocar bastante gente na cadeia, mas a polícia encobria muita clínica clandestina”, conta Sabino, 81 anos. As ações eram feitas em conjunto com a mulher, Vali, hoje afastada das atividades do movimento.
O casal não teve filhos, mas adotou dez crianças, entre elas Kateri. Há 30 anos, a mãe biológica de Kateri pensava em abortar, quando um padre da cidade onde ela morava, Itajaí, falou sobre os Werlich. “Ela veio para Rancho Queimado e, a partir do quarto, quinto mês de gravidez, ficou morando com meus pais. Após o parto, me entregou para eles”, diz Kateri, a única da família que ainda mora com o pai.
O padre de Itajaí, por sua vez, conhecia o GBM por causa do jornal Em Defesa da Vida, que o movimento publica há 36 anos e distribui para paróquias e apoiadores. Com quatro páginas, trimestral, trouxe na primeira página da mais recente edição um artigo do padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Anápolis, contra a ação que tramita no Supremo Tribunal Federal para liberar o aborto até a 12ª semana de gestação.
“A última tiragem foi de 15 mil exemplares, mas já chegamos a tirar 200 mil. Falta apoio financeiro”, diz Kateri. Nem sempre foi assim. Apesar de sofrer lapsos da memória, Sabino se recorda bem da ajuda que recebeu em dólares do padre Paul Marx, fundador do Human Life International, e da ativista Joan Andrews Bell. Ambos americanos, eles vieram ao Brasil em julho de 1989, para difundir o movimento Brasil afora. No Rio de Janeiro, fizeram um protesto diante de uma clínica clandestina de aborto.
Sabino participou do protesto no Rio e voltou para Rancho Queimado com recursos para fazer melhorias na sede, que até hoje se estende por uma área de 2,5 mil metros quadrados. Ele não se lembra mais da quantia recebida, só da orientação de que era para “trocar aos poucos, gastar o do dia e guardar o resto”. Kateri, que sucedeu ao pai no comando do movimento, garante que atualmente não recebe nenhuma ajuda do gênero.
Instalada em uma rua que Sabino conseguiu batizar como Nossa Senhora Protetora dos Nascituros, a sede tem construções modestas, mas amplas. Além de capela, escritório e das casas de Sabino e Kateri, abriga uma rádio que jamais foi legalizada e hoje está desativada por problemas técnicos.
O nome GBM é homenagem à médica italiana Gianna Beretta Molla, que escolheu manter uma gravidez de risco que culminou em sua morte, em 1962. Em maio de 2004, ela foi proclamada santa pelo papa João Paulo II, mas Kateri lembra que essa possibilidade não estava no horizonte dos Werlich quando escolheram o nome do movimento: “Eles simplesmente se encantaram com a história dela. O marido dela, Pietro Molla, mantinha contato com o movimento, por cartas”.
A fundadora do Centro de Reestruturação para a Vida, Rose Santiago (Foto: Marcelo Laganaro)
ORGANIZAÇÃO ATRAI MULHERES COM DE ANÚNCIOS DE FALSO SUPORTE À GRAVIDEZ INDESEJADA
MÔNICA TARANTINO
À primeira vista, nada indica que o Cervi – Centro de Reestruturação para a Vida –, no bairro da Barra Funda, em São Paulo, é uma organização contrária ao aborto. No site que oferece suporte às mulheres para lidar com a gravidez indesejada e o abuso sexual, esse posicionamento não fica claro. Assim como não está explícito para aquelas que chegam encaminhadas por unidades básicas de saúde, hospitais ou delegacias com os quais o Cervi trabalha em parceria. Além de aconselhamento, a associação providencia testes de gravidez, encaminha para o pré-natal e para cursos profissionalizantes. Criado em 1999, o Cervi informa que já atendeu mais de 18 mil mulheres. “Eu diria que temos uns cinco mil filhos”, diz sua principal fundadora, a tradutora Rose Santiago. Os cabelos roxos, as tatuagens e a postura despojada de Rose evidenciam sua busca por maior empatia com as mulheres que procuram o serviço. Mineira de Poços de Caldas, ela representa a ala mais moderna de um movimento que evita o convencimento por meio de argumentos religiosos e exibição de imagens chocantes de fetos na hora de levar as mulheres a mudarem de ideia. “No dia a dia, vi que nossa missão não é religiosa. É alcançar a mulher no bio-psico-social-espiritual. Cuidamos das duas vidas, da mãe e do feto”, explica. Ainda assim, o Cervi faz parte da Rede Solidária da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo.
O modelo do Cervi é inspirado nas organizações americanas Pregnancy Resource Center (PRC) e Life International (LI), que inicialmente financiaram sua atividade. Rose conheceu os fundadores da LI, Fran Malfer e Kurt Dillinger, quando atuou como tradutora no processo de adoção de duas crianças brasileiras. Ficaram amigos e ela foi convidada a representá-los no Brasil. “No começo recebemos ajuda para pagar salários, aluguel e comprar mobília. Hoje nós não representamos mais essas associações e temos uma rede própria de parceiros e mantenedores.” Apesar disso, Rose frequenta os congressos dessas entidades, é convidada para fazer palestras e busca, como a matriz, expandir o seu campo de ação. “Nós estamos abrindo o Cervi em Sergipe e Brasília. Existe um em Porto Alegre que nós treinamos que se chama Servi, com S.”
Associações com o mesmo propósito do Cervi atuam em todo o país. Alguns tentam atrair as mulheres oferecendo falso suporte ao aborto, como o gravidezindesejada.com, da Associação Mulher. Essa entidade faz parte da Red Latinoamericana de Centros de Ayuda para la Mujer, os CAMs, em atividade nos Estados Unidos, na Espanha e por toda a América Latina. No Brasil, o site da rede informa que há CAMs em São Paulo (nas cidades de Piracicaba, Jacareí e na capital), Rio de Janeiro, Porto Alegre (RS) e Florianópolis e Três Barras (SC). Outras instituições com atuação similar são a Associação Guadalupe em São José dos Campos (SP) e Missão Fiat, em Campinas (SP), Pró-Vida de Anápolis (GO) e Comunidade Santos Inocentes, em Brasília (DF).
(Esta reportagem foi produzida com o apoio do edital Jornalismo Investigativo em Direitos Humanos, Aborto e Saúde Pública, uma parceria do Instituto Patrícia Galvão, Abraji e GHS)
Hoje é dia de ouvir e ler dos machistas de plantão, Feliz dia das Mulheres, agradecendo a existência da mulher por lavar, passar, cozinhar, sustentá-los.
Hoje é dia de ouvir machistas que chamam mulheres de loucas, desejando feliz dia das mulheres.
Hoje é dia de ouvir dos homens que abandonam seus filhos, Feliz dia das mulheres.
Feliz dia das mulheres é o caralho, morremos mais hoje do que ontem.
Aumento de 12% no número de registros de feminicídios. Uma mulher é morta a cada duas horas no país.
Em três meses foram computados 119 feminicídios e 60 tentativas de matar mulheres, feliz dia é o caralho.
Hoje é dia de ouvir de quem votou no Bolsonaro, Feliz dia das Mulheres, hipocrisia a gente vê por aqui todos os dias.
Ele diz feliz dia, mas acha que mulher que transa quando quer é Puta,
Ele diz feliz dia, mas grita com a mulher e a faz de empregada doméstica,
Ele diz feliz dia, mas não respeita as escolhas dela,
Ele diz feliz dia, mas na primeira oportunidade chama ela de louca,
Ele diz feliz dia, mas usa o dinheiro para mantê-la cárcere de um relacionamento abusivo,
Ele diz feliz dia, mas sai para beber todo final de semana sozinho, enquanto ela fica em casa cuidando dos filhos,
Ele diz feliz dia, mas abandonou os filhos da ex-mulher,
Ele diz feliz dia, mas te traiu uma vida inteira,
Ele diz feliz dia, mas a agride verbalmente,
Ele diz feliz dia, mas a agride fisicamente,
Ele diz feliz dia, mas controla o tipo de roupa que usa,
Ele diz feliz dia, mas te afasta dos teus amigos,
Ele diz feliz dia, mas diz que você não precisa estudar ou trabalhar,
Ele diz feliz dia, mas você sofre violência psicológica, violência física, violência moral, violência sexual, violência patrimonial,
Ele diz feliz dia, mas diz: “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”,
Ele diz feliz dia, mas diz: “um tapinha não dói”,
Ele diz feliz dia, mas diz: “apanha porque merece”,
Ele diz feliz dia, mas diz: “ela sabe porque está apanhando”,
Ele diz feliz dia, mas faz piada com mulher,
Ele diz feliz dia, mas acha que lavar a louça é “ajudá-la” nos afazeres domésticos.
Aos hipócritas de plantão, feliz dia é o caralho, nós queremos é revolução!
Não venha dizer Feliz dia das Mulheres, pegue a bandeira do feminismo e se junte a nós de verdade!
Ato hoje, às 16h no Masp, contra a opressão e o patriarcado!
Trinta e oito anos depois, na noite desta sexta-feira, 9, a partir das 18 horas, será reeditado na Praça Afonso Arinos, no Centro de Belo Horizonte, o ato ‘Quem Ama Não Mata’, para denunciar a violência contra a mulher e o feminicídio. O evento será marcado por muita música, performance, dança, poesias, rappers, DJs, apresentadoras profissionais etc., com direção do ator Adyr Assumpção e produção da promotora de eventos Nely Rosa.
“Neste ano, diante do recrudescimento da violência contra as mulheres – dados comprovam um aumento de mais de 100% nos últimos dez anos -, e, no meu caso, pelo assassinato da advogada do Rio Grande do Sul, Tatiane S. , novamente nos unimos e resolvemos ‘fazer algo’. Aí o Ato de 1980 foi novamente nossa inspiração. Aquele ato, tão simples, continua com uma potência enorme. O slogan “Quem ama não mata” é muito poderoso. Só que o ato de agora, naturalmente, está adaptado aos dias de hoje”, contou a jornalista Mirian Chrystus de Mello e Silva.
“Antes, nós feministas falávamos pelas mulheres trabalhadoras rurais, pelas prostitutas. Agora elas estão lá no Ato, falando por si mesmas. O feminismo negro está lá de forma muito crítica ao feminismo hegemônico branco – aquele nosso de 1975. Agora as pessoas não têm paciência de ouvir discursos, então, eles serão muitos, cerca de 17, mas cada um com dois minutos”, prosseguiu Mirian.
O primeiro ato aconteceu em 18 e agosto de 1980, nas escadarias da Igreja São José, no centro de Belo Horizonte. Foi originado dentro da TV Globo local, da indignação de três jornalistas (Dagmar Trindade, Antonieta Goulart e Mirian) pela morte, no espaço de duas semanas, de duas mulheres assassinadas por seus maridos: Heloísa Ballesteros e Maria Regina Souza Rocha. O primeiro por desconfiança de traição.
“No julgamento, me marcou ele descrever a última noite, anterior ao assassinato, em que ele percebeu sinais de ‘esfriamento’ por parte dela durante o ato sexual. Ali ela assinou a sua morte, naquela ‘frieza’. O segundo, por não aprovar os novos hábitos dela, que ‘tinha dado para fumar’. Foi morta ainda com o uniforme de ginástica, ao voltar da academia para casa”, observou Mirian.
“Cobraram de nós, jornalistas, que mulheres pobres eram assassinadas todos os dias nas favelas; nós sabíamos, éramos jornalistas. Mas sabíamos também que duas mulheres de classe média e alta assassinadas davam uma boa pauta. Não éramos ingênuas. O ato que ficou conhecido como Quem Ama Não Mata (originado da frase anônima, pichada em muros de BH, “Se se ama não se mata”) foi muito simples. Mas original para os padrões da época, porque foi em plena ditadura”, lembrou a jornalista.
“Reuniu cerca de 400 mulheres que seguravam velas e rosas vermelhas (doadas pela dona do Sobradão da Seresta, no bairro Santa Tereza). Falaram umas seis ou mais pessoas, entre elas, o deputado Genival Tourinho, a poetisa Adélia Prado, que veio de Divinópolis, Maria Campos, pela Liga das Mulheres Católicas, uma feminista do Rio e eu, que li um manifesto que escrevi de uma vez só. E que começava com um poema anônimo, lido por mim na revista Senhor, provavelmente em 1968 ou 1969, no Colégio Estadual Central. O único poema que guardei de cabeça: ‘Senhora, aqui está vossa chave para vos abrirdes quando quiserdes e com quem quiserdes porque maior que a dor de vos perder é a dor de vos deixar presa nesses ferros’.
Em Minas, mil anos depois, prosseguia eu, os homens matam as mulheres que querem a separação… etc, etc. E reivindicávamos a redemocratização do país alertando que a democracia tinha que começar ‘dentro das nossas casas’. Dali nasceram a frase ‘Quem ama não mata’ (que virou série da Globo) e o Centro de Defesa da Mulher, que iniciou pesquisa sobre o tema “violência contra a mulher” e promoveu o atendimento de mulheres que sofriam violência doméstica e reivindicava a criação de delegacias especializadas no atendimento a mulheres (que foram criadas por todo o país a partir de 1985).” Enfim, será um ato feminista, cultural, político, no sentido amplo, porque é suprapartidário. Os Jornalistas Livres vão cobrir o evento ao vivo pelo Facebook.