Jornalistas Livres

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  • *ALERTA! Prisões abusivas de lideranças dos movimentos populares

    *ALERTA! Prisões abusivas de lideranças dos movimentos populares

    NOTA OFICIAL

    Na manhã desta segunda-feira, fomos surpreendidos com mais um grave episódio de criminalização dos movimentos sociais e da luta do povo. Uma operação do DEIC da Polícia Civil, por ordem do juiz Marco Antônio Martins Vargas, cumpriu determinação de prisão temporária de nove lideranças do movimento Sem-teto, de diversas ocupações do centro de São Paulo. Além da prisão temporária, foram também determinadas 17 buscas e apreensões de lideranças das ocupações. Os advogados não encontraram nenhum motivo ou prova para essa operação, tendo em vista que se fundamenta em declarações frágeis para as referidas prisões e conduções coercitivas. Repudiamos mais esse episódio de criminalização da luta popular e exigimos a imediata libertação dos presos políticos dos movimentos populares. Estamos articulando um comitê em defesa dos presos políticos. Junte-se a nós contra a criminalização dos movimentos sociais. Quem ocupa não tem culpa.

    Central de Movimentos Populares (CMP)
    Frente de Luta por Moradia (FLM)
    União dos Movimentos de Moradia (UMM)

    Acompanhe nos Jornalistas Livres a cobertura completa. No link, abaixo, assista as entrevistas ao vivo na porta do Deic:

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/2374799466128956/

  • Ocupação 9 de Julho: o melhor lugar para assistir à eleição de Bolsonaro

    Ocupação 9 de Julho: o melhor lugar para assistir à eleição de Bolsonaro

    Nos últimos 20 dias os Jornalistas Livres montaram sua base no prédio do antigo INSS, região central de São Paulo, que foi tomado por 200 famílias. Na Ocupação 9 de Julho vivem há dois anos quase 450 mulheres, homens, crianças, velhos e adolescentes. São alegres, organizados e resilientes. Acolhidos por eles, trabalhamos em uma sala ampla que virou estúdio e redação. Durante 280 horas produzimos conteúdos sobre as eleições, pautando a cobertura da campanha de Fernando Haddad que a velha mídia e a mídia servil não enxergaram. Não havia lugar melhor para ouvir o nome do próximo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.

    Primeiro, as pessoas choraram diante de um telão onde acompanhavam a apuração. Não demorou para a decepção dar lugar ao consolo. E à resistência. Todos se juntaram no pátio, onde acontecia uma festa que comemorava o aniversário da ocupação e a democracia. “Dona Carmen vai falar, arrumem um lugar para ela subir”, diz um morador. Apareceu uma cadeira de plástico. Carmen da Silva Ferreira, 58 anos, oito filhos, é líder da comunidade ligada ao MSTC, e pode ser considerada o retrato da força bruta, terna e teimosa da mulher brasileira que nunca se deixa deter. Seu primeiro endereço na capital paulista foi a rua. Veio da Bahia, escapando da violência doméstica, e logo aprendeu a organizar as pessoas que sofrem como ela.

    Foi importante estar ali para receber o resultado das eleições. Fernando Haddad e Manuela terminaram vitoriosos pela campanha que fizeram, pelos 47.038.966 de votos que obtiveram. O fim não é hoje.

    Ouvir Carmen é restaurador: “Estamos vivendo o retrocesso no Brasil. Mas não vamos cair no retrocesso deles. Faremos nossa resistência, como sempre fizemos. Não é com arma, como o senhor Bolsonaro declarou. Vai ser com a voz, com o canto. Vai ser com amor, porque somos uma família. Aqui está a verdadeira família, a que ama independentemente de classe, de cor, de sexualidade. E vamos mostrar que ele vai ter que nos exterminar, porque a nação é feita de 80% de pessoas que trabalham duro, como nós. Tudo tem sido difícil, nada para nós veio de graça.”

    Carmen sentiu-se mal e desmaiou. Sua filha Preta Ferreira, 32 anos, tomou a palavra: “Nada mudou. Um vai cair, o outro se levanta. Mataram Marielle, o mestre Moa e nós estamos aqui”. A emoção tomou conta das pessoas, mas elas continuaram atentas. Preta afirmou: “Que sirva de lição. Quem não escutou: ‘Cuidado’, agora vai ouvir: ‘Coitado”. Ela sugeriu que ficassem unidos e que entendessem que a minoria, na verdade, é a maioria. “Ninguém vai anular nossa existência. A gente vai combater o mal com amor.” Palavras de ordem foram lembradas: “O povo unido jamais será vencido”, “Lula Livre”, “Aqui está o povo sem medo de lutar”, “Quem não luta tá morto”… Alguém gritou: “Nós seremos a maior oposição que o Brasil já viu”.

    Dona Carmen, recuperada do mal-estar, volta a discursar: “Eles estão achando que vamos sair por aí depredando. Temos sabedoria. Não vão tirar nossa inteligência. Vamos reformar os quilombos, andar de mãos dadas, mostrar que somos um povo legítimo.”

     

    Preta Ferreira ao centro. Foto Christian Braga Jornalistas Livres

    Foram de muito aprendizado os 20 dias que passamos na ocupação, comendo na cozinha onde Sheila, uma moradora, preparava arroz, feijão com louro e outras comidas de sabor inesquecível. Bolsonaro terá que ser o presidente de Sheila, Carmen, Preta, de um povo que não aceita mais o anonimato, a exclusão, que saiu do armário, que não se envergonha de ser negro, que chegou à universidade, aprendeu a lutar por moradia. Um povo que se levanta, como disse Preta, de qualquer adversidade, da derrota política.

    Os 20 dias de cobertura vão ficar na memória do público que carinhosamente nos acompanhou e acreditou na verdade das nossas publicações. Os Jornalistas Livres vão guardar para sempre a acolhida na Ocupação. E a história da comunicação no Brasil tem um novo capítulo sobre a guerrilha travada para furar bloqueios e registrar a mais difícil campanha da esquerda depois da redemocratização do país. Cada jornalista livre vai para a casa agradecendo o banho de cidadania e coragem que tomou aqui. Salve Dona Carmen, que deu o rumo para a resistência sábia que teremos de fazer. Sem afastar um milímetro da defesa das conquistas que tivemos até aqui. E, se prevalecer entre nós o espírito dos moradores da Ocupação 9 de Julho, vamos erguer a cabeça e encarar o que vem por aí.

    Assista o vídeo do depoimento de Carmen da Silva Ferreira.

    Patrícia Zaidan é autora do texto, que traduziu o sentimento de todos nós, Jornalistas Livres.

     

  • Festival O POVO PODE: não dá pra perder!

    Festival O POVO PODE: não dá pra perder!

     

    Por Santiago Gómez, especial para os Jornalistas Livres

     

    A Ocupação 9 de Julho, do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), organiza o Festival “O povo pode”, para debater a conjuntura atual do Brasil, desfrutando da comida elaborada pelxs moradorxs na Cozinha da ocupação. A programação será intensa durante os dias 29 e 30 de setembro, com rodas de conversas, das quais participarão Valeska Teixeira Martins, advogada do Lula; a jornalista Laura Capriglione, dos
    Jornalistas Livres, entre outros convidados. O festival terá intervenções artísticas, shows e atividades para crianças. E põe artista legal nisso! Ana Cañas, Maria Gadú, As Baianas e a Cozinha Mineira, entre outrxs.

    O lugar mais lindo do mundo existe e fica em São Paulo – Foto de Marlene Bergamo

    O Festival é uma parceria entre a Ocupação 9 de Julho e agentes que compartilham a luta por causas sociais e democráticas, com o objetivo de criar um espaço de reflexão e troca de experiência sobre cultura, política e conjuntura atual; com atores que participam da luta dentro de movimentos sociais, coletivos artísticos, na disputa dentro do judiciário, a mídia, as universidades. O Festival também é uma oportunidade para divulgar a websérie e documentário de mesmo nome: O povo pode, de Max Alvim.

    Durante a tarde dos dois dias acontecerão mesas de debate, compostas por três convidados, que sempre serão mediadas por moradorxs da Ocupação. “Podemos como?” será a questão que vai perpassar todas as mesas, para poder ouvir histórias de experiências e não ficar só numa análise teórica ou intelectual sobre os problemas abordados. É por esse motivo que os convidados são pessoas envolvidas ativamente nos espaços nos quais agem.

     

    ANOTA O ENDEREÇO AÍ! Rua Álvaro  de Carvalho 427, Bela Vista. É só chegar!

     

    No sábado, serão as mesas: Resistência artística; Direito à Moradia; e Morar sem teto dentro e fora do movimento, na qual três mulheres da ocupação compartilharão a experiência de viver dentro de uma organização social, articulada sobre a solidariedade e a luta. Nos intervalos entre as mesas, se desenvolverão intervenções artísticas, com a participação de: Ilú Oba de Min, Ave Terrena, Mag Alegria, Renata Soares, Teatro O de Casa, Thaisa Barbosa, Anhaia x Prestes – Experimento Teatral”, Ava Terrena,  Flora Florentina, entre outrxs artistas. No domingo acontecerão as mesas: Mulheres peitando o golpe; Golpe sobre as minorias maiorias; e Democracia em risco.

     

    O Festival terá um espaço lúdico para crianças e adolescentes, que acontecerão na Brinquedoteca da ocupação. Rodrigo Bueno desenvolverá uma oficina para crianças. Mario Deganelli e Liz Mantovani apresentarão o Espetáculo de Contação de Histórias “Rosa e Tempo”. Haverá também uma roda de conversa sobre sexualidade e uma oficina sobre a Construção de Mapas Afetivos.

     

    Também contará com uma dinâmica de conversa aberta chamada Aquário, na qual serão debatidos “A comunicação como produção de um ‘comum’, no dia 29; e os “Desafios para a mídia: verdade ou mentira; compromisso ou isenção; como a política é indissociável da comunicação”, no dia domingo 30. No Aquário, as temáticas começarão ser discutidas pelxs convidadxs, mas com a possibilidade de interação direta do público, que pode tirar um dos participantes e ficar no seu lugar para dar continuidade ao debate. Entre os convidados estão: Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo; Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto), prof. titular da FaCHS e assistente para assuntos de Comunicação da Reitoria da PUC-SP

     

    Alma de bronze

     

    Na Ocupação 9 de Julho está acontecendo a exposição “Alma de bronze”, da artista Virginia de Medeiros. Em uma série de fotografias e depoimentos em vídeo, a exposição estabelece um diálogo – artístico, mas também existencial – com as militantes do MSTC. As fotografias foram colocadas em cada andar da ocupação, até chegar ao 14º andar, onde será possível ouvir as histórias das militantes, como foi que perderam o teto ou que chegaram na ocupação, e todas as dificuldades que tiveram de atravessar.

     

    Programação

    Endereço: Rua Álvaro de Carvalho, 247, Bella Vista.

     

    MESAS E RODAS DE CONVERSA:

     

    Sábado 29 de setembro

     

    14hs: Resistência Artística.

    15:30h: Direito à Moradĩa.

    17hs: Morar sem teto dentro e fora do movimento.

     

    Domingo 30 de setembro

     

    14hs: Mulheres peitando o golpe

    15:30hs: Golpe sobre as minorias maiorias

    17hs: Democracia em risco

     

    Aquário

     

    O Festival contará com uma dinâmica de conversa aberta grupal chamada Aquário, na qual serão debatidos No Aquário, as temáticas começarão ser discutidas pelxs convidadxs, mas com a possibilidade de interação direta do público, que pode tirar um dos particpantes e ficar no seu lugar para dar continuidade ao debate.

     

    Sábado 29 de setembro

     

    15:30 hs: A comunicação como produção de um “comum”

     

    Ricardo Teixeira

    Rogério da Costa

    Fabi Borges

     

    Domingo 30 de setembro

     

    15:30hs: Desafios para a mídia: verdade ou mentira; compromisso ou isenção; como a política é indissociável da comunicação

     

     

    Kiko Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

    Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto), Professor da FaCHS e assistente para assuntos de Comunicação da Reitoria da PUC-SP

    Max Alvim, Diretor de Cinema

     

    Shows:

    Sabado 29 de setembro

     

    Yanamoano

    Arismar do Espírito Santo

    Aila

    Samba Alegria

    Tamoyos

    Zé Cafofinho

    Debora Critian

    Batuque Lara

    Dj Oriundo

     

    Domingo:

     

    Ana Cañas

    Fernanda Ayme

    Grupo Oh de Casa

    Igor Veloso

    Pitayas e Zé Pereira

    As Bahias e a Cozinha Mineira

    Marcelo Preto

    Maria Gadu

    Thaisa Barbosa (performance)

     

    ANOTA O ENDEREÇO AÍ! Rua Álvaro  de Carvalho 427, Bela Vista. É só chegar!

     

  • Jornal Nacional (sempre ele) manipula contra os movimentos de moradia

    Jornal Nacional (sempre ele) manipula contra os movimentos de moradia

    O Jornal Nacional de segunda-feira (14/5), dedicou um minuto e onze segundos à morte de 58 palestinos num protesto contra o reconhecimento americano de Jerusalém como capital de Israel. A entrevista ao vivo com o técnico da seleção brasileira Tite durou onze minutos e oito segundos. A desproporção já permitiria inferir a escala de valores ($$$) da Globo. Mas tem mais. Logo depois da abertura do telejornal, como se grande furo fosse, a apresentadora Renata Vasconcellos disse: “O Jornal Nacional teve acesso a conversas gravadas em que a coordenadora de um prédio invadido no centro de São Paulo cobrou dinheiro dos moradores, e com ameaças.

    Os flagelados do incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida ainda jazem ao relento na praça da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, ao pé de uma escultura dramática, que mostra uma mulher negra, seminua, oferecendo o peito farto de leite ao bebê branco. Os cadáveres dos gêmeos Wendel e Werner, de apenas 10 anos, negros filhos da auxiliar de limpeza Selma Almeida da Silva, negra também, desaparecida nos escombros, ainda nem foram enterrados, e o Jornal Nacional já se assanha. Em vez de responsabilizar o poder público, que ignorou laudos e mais laudos atestando que o prédio do Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, estava condenado, lança-se contra o movimento que luta por moradia. Culpa as vítimas pela sua tragédia.

    O principal telejornal da Globo de Ali Kamel, diretor geral de Jornalismo e Esportes, autor do livro “Não Somos Racistas” (aham, só que não!), promoveu o passe de mágica que fez desaparecer os flagelados, os mortos, os desaparecidos do prédio sinistrado no dia 1º de Maio (não mereceram nenhuma fração de segundo do telejornal). Talvez porque, se continuasse a falar sobre o assunto, teria, inevitavelmente, de mostrar as fotos em que o chefão do edifício que desabou, Ananias Pereira, aparecia, alegre e sorridente, há um ano, ao lado do ex-prefeito e pré-candidato a governador de São Paulo pelo PSDB, João Doria Jr., durante comemoração do aniversário do atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), que também posou com ele.

    Ananias Pereira é dirigente do autodenominado Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), responsável por sete ocupações de prédios no centro de São Paulo, uma delas sendo a do prédio que ruiu. Afoito como sempre, o ex-prefeito João Doria Jr., fez-se de esquecido sobre a festa de aniversário de Covas e sentenciou: “O prédio foi invadido e parte desta invasão financiada é ocupada por uma facção criminosa”. Ananias, ressalte-se, foi à festa de Covas como convidado, e não como penetra.

    A fala de Doria visava a esconder as responsabilidades da Prefeitura na tragédia.

    Doria, o gestor das mil e uma fantasias,  precisava mesmo achar um bode expiatório. Documento da Secretaria Municipal de Licenciamento, datado de 26 de janeiro de 2017, gestão Doria, apontava os seguintes problemas no prédio Wilton Paes de Almeida:

    • Ausência de extintores;
    • Sistema de hidrantes inoperante;
    • Ausência de mangueiras;
    • Ausência de luzes de emergências;
    • Ausência de sistema de alarme;
    • Instalações elétricas irregulares: fios sem isolamento adequado e expostos, além da entrada de energia improvisada;
    • Elevadores inoperantes e fechados por tapumes;
    • Ausência de corrimão nas escadas;
    • Instalações do sistema de para-raios não puderam ser avaliadas, porque o acesso estava bloqueado.

    Depois de apontar tantas falhas, o documento concluía: A edificação não reúne condições mínimas de segurança contra incêndio.” Mesmo assim, o poder público não tomou providência alguma para atender as famílias que se encontravam sob risco de tragédia iminente e que de lá não saíram por absoluta falta de opção. Ou alguém acha que é melhor dormir na rua?

    Agora, que há mortos, feridos, desaparecidos, a TV Globo opera para ocultar a responsabilidades do poder público (de Doria principalmente, porque era o prefeito até o dia 06 de abril de 2018, cargo ao qual renunciou para disputar o governo do Estado de São Paulo pelo PSDB). Para isso, lança mão de acusações falsas e infundadas contra movimentos sociais. A primeira e mais surrada acusação é a de que os movimentos por moradia são associados à facção criminosa Primeiro Comando da Capital – foi isso o que fez João Doria. Para dar foros de realidade a essa acusação, o procedimento tem sido denunciar a cobrança de taxas de contribuição nas ocupações. (ninguém explica o que tem a ver uma coisa com a outra, mas serve para lançar um tsunami de suspeitas sobre todos os movimentos de moradia).

    O alvo da denúncia, entretanto, não foi Ananias, o “amigo de Doria e Covas”, que mantinha famílias em situação de extrema vulnerabilidade dentro de um prédio bagunçado, com fios desencapados, sem extintores, sem mangueiras de incêndio, com áreas inteiras inundadas, como atestado pela própria Prefeitura.

    Carmen Silva com as cineastas Eliane Caffé e Daniela Thomas

    Foi Carmen da Silva Ferreira, coordenadora do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), líder da luta por moradia e pela Reforma Urbana na cidade de São Paulo, cérebro das iniciativas mais criativas, inclusivas e inovadoras de requalificação de áreas degradadas da megalópole, e responsável pela conquista da moradia pelos sem-teto que ocuparam o antigo Hotel Cambridge, localizado no centro de São Paulo. O prédio, agora desocupado, passará por uma reforma e será então entregue aos pobres que lutaram por ele. A experiência foi tão bem-sucedida que se tornou base do roteiro do premiado filme “Era o Hotel Cambridge“, da diretora Eliane Caffé (2016).

    A trajetória do Hotel Cambridge é exemplar das forças mais terríveis e das mais generosas que atuam sobre o espaço urbano. Fincado em prédio de estilo modernista na avenida Nove de Julho, o Hotel Cambridge foi inaugurado em 1951. Era famoso pelo bar elegante com poltronas vermelhas, onde se apresentou, em 1959, o músico Nat King Cole, quando ele veio ao Brasil. “Stardust“, a canção que fala sobre os encantos do amor que passou, embalou a noite. Poeira estelar.

    Daqueles brilhos, o Cambridge desabou no buraco negro da decadência tão logo o centro econômico e financeiro da cidade deslocou-se para a região da avenida Paulista e, depois, para a Faria Lima e Berrini. Hotéis com nomes chiques e estrangeiros, como o próprio Cambridge, o Othon Palace, o Hilton, o Paris e o Cad’oro, entre outros, viveram em agonia, até o apagar definitivo das suas luzes.

    Carmen da Silva Ferreira, 58 anos, foi quem reacendeu as luzes do prédio de 17 andares e 120 apartamentos. Em vez dos engravatados de antes, ela capitaneou um exército de pobres miseráveis, gente que não tinha nem sequer um teto pra dormir em paz… e eles ocuparam o Hotel Cambridge, então tomado por ratos, baratas, escorpiões, lixo, entulho. Toneladas de dejetos foram retirados dos andares.

    Detalhe: As centenas de edifícios abandonados do centro da cidade são como tumbas de histórias e recordações. Como tumbas, os proprietários lacram-lhes portas e janelas com tijolos e cimento. É para evitar a invasão de animais ou de quem queira questionar a posse do imóvel — o prédio sufoca sem ar e nem luz.

    Felizmente, não é nada que algumas marretadas não resolvam.

    Jornalistas Livres acompanham desde abril de 2015 algumas ocupações coordenadas por Carmen, desde os seus instantes iniciais. Trata-se de uma mulher forte, dotada de determinação e coragem ímpares. É ela que está no centro de uma possante organização que restaura vidas, acolhe os derrotados da cidade, os idosos, as mulheres espancadas, as pessoas que perderam tudo e as que sempre ganharam muito pouco ou quase nada (os trabalhadores informais, os camelôs, cuidadores de enfermos, faxineiros, garis, pedreiros, eletricistas, operários da construção civil, balconistas, cozinheiros, seguranças, operadores de telemarketing, artesãos, auxiliares de enfermagem, protéticos etc. etc. etc.). Carmen gosta de dizer que as pessoas vão ao movimento em busca de direitos (o direito à moradia está impresso na Constituição de 1988), e aprendem que direitos vêm junto com deveres.

    Vida cármica

    Baiana, mãe de oito filhos, Carmen nasceu na Cidade Baixa de Salvador, filha de empregada doméstica e de militar. Foi o pai que a criou e é indelével a marca deixada pela disciplina da caserna no espírito da mulher. Os prédios sob coordenação dela rebrilham de limpeza, fruto de mutirões bem-organizados. Não se consomem drogas, respeita-se o horário de descanso, funcionam projetos profissionalizantes, crianças não podem ser deixadas sozinhas nos apartamentos, homem não bate em mulher nem com uma flor. E por aí vai.

    Tudo isso é fruto de uma sólida hierarquia, resultante de assembléias e reuniões com quórum e representatividade de mais de 80% dos moradores. Começa pelos coordenadores de andares, que atuam como mediadores de conflitos, pelos líderes de projetos comunitários, passa pela Linha de Frente (os fiéis escudeiros da ocupação), e chega até a liderança incontestável de Carmen –a Dona Carmen, como é respeitosamente chamada. Depois das 22h, é tudo silêncio.

    Carmen Silva fala com moradores

    Neste caso, trata-se de autoridade conquistada. Carmen casou-se aos 17 anos e conheceu a violência doméstica, espancada que era pelo marido truculento e cheio de ciúmes. Com 16 anos de união, 8 filhos, ela jogou tudo para o ar e fugiu para São Paulo. Sem teto, conheceu a dura rotina e a solidariedade das ruas. Morou em albergues, um administrado pela Igreja Universal do Reino de Deus, e outro, público, sob o viaduto Pedroso, que atravessa a avenida 23 de Maio, no centro da cidade.

    Rotina dura. No albergue, um humano é só corpo que precisa de pouso e banho. Tem de sair tão logo o dia nasce. E voltar assim que a noite cai, senão não entra. Carmen lembra-se de passar horas e horas, esperando o tempo passar, dentro do templo da Universal na avenida Brigadeiro Luis Antonio. Andou muito, conheceu todas as entidades que serviam comida, em busca de emprego, as quebradas. Virou cozinheira, mas achou pouco…

    A rua é cruel e louca. Ela resistiu ao desespero porque seu único objetivo era trazer todos os filhos para viver sob suas asas (conseguiu). Já viu muita gente forte desabar ante o peso da própria dor.

    Carmen iniciou-se no movimento dos sem-teto quando morou, por seis anos, num antigo prédio do INSS, na avenida Nove de Julho. De lá para cá, participou de dezenas de ocupações. Hoje, é uma profunda conhecedora da cidade que escolheu para viver. Quem está devendo IPTUs milionários, quem são os maiores latifundiários urbanos, quantos imóveis possuem, quem são os habitantes tradicionais de cada bairro. É respeitada na Prefeitura, acaba de ser convidada a lecionar em uma grande Escola de Arquitetura. Urbanista prática, discute altivamente com autoridades dos setores público, privado e acadêmico. Recentemente, foi uma das organizadoras de duas rodas de conversa dentro do Ministério Público de São Paulo, com a presença do próprio Procurador-Geral de Justiça do Estado, Gianpaolo Poggio Smanio, sobre políticas públicas voltadas para Moradia Social e Gênero.

    A hora H

    Junta gente de todos os jeitos na hora de ocupar. A velhinha louca que perdeu tudo na jogatina, a jovem crente desempregada, o dependente de drogas, o estudante de medicina que foi expulso de casa porque o pai descobriu que ele é gay, o pastor, a sambista, o poeta, o militante, o refugiado palestino, sírio e congolês, sobreviventes de tragédias humanitárias, os imigrantes bolivianos, haitianos, a prostituta. Um dos grandes insights do movimento de moradia deu a liga entre todos esses espécimes da grande biodiversidade humana que viceja no centro elétrico da metrópole:

    “Somos todos refugiados: os estrangeiros aos quais a própria pátria tornou-se ameaçadora; e os nacionais, aos quais o Brasil dos privilégios virou as costas”, conforme epifania de Carmen.

     

     

     

     

     

    Nem precisa dizer que é difícil alinhar na vida intensamente coletiva da ocupação as pirações individuais de pessoas tão diversas. Mas, avessos aos vitimismos, embora motivos não faltem, os sem-teto cultivam mesmo é a solidariedade. É o que permite a elaboração coletiva de uma poesia lavrada na esperança de dias melhores.

    Movimento de pobres, de pretos, de pardos, a luta pela moradia no centro de São Paulo é intensa na construção de novíssimos quilombos, dirigidos e habitados em sua maioria por mulheres tão fortes quanto delicadas, capazes de enfrentar as maiores violências enquanto cuidam dos mais fracos e desamparados. É preciso entendê-las, porque elas resgatam para a cidadania aqueles a quem o poder público fecha a cara e os cofres.

    Manipulação escancarada e tombo no Mc Donald’s

    A TV Globo, que nunca simpatizou com as ocupações de imóveis abandonados, feitas por pobres sem teto, não hesitou em invadir um terreno público para instalar seus estúdios de São Paulo, às margens da Marginal Pinheiros. Mas disso, obviamente, os telejornais sob o comando de Ali Kamel não falam. O que lhe importa é operar, com o concurso sempre ativo de promotores inquisitoriais, e com a Polícia Civil, a transmutação da verdade em farsa:

    Uma reportagem do SP2, também da Globo, veiculada no mesmo dia 14 afirmou o seguinte:

    “Depois que o edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, desabou, a Polícia Civil abriu um inquérito para investigar a cobrança das taxas nessas ocupações. Até agora identificou três núcleos que agem de forma parecida em ocupações diferentes: uma comandada por Carmen [da Silva Ferreira], outro por Ednalva Franco e uma terceira, por Ananias Pereira dos Santos, apontado por moradores como coordenador da ocupação do prédio que desabou. A reportagem não conseguiu falar com Ednalva Franco nem com Ananias Pereira.”

    É Fake News em estado puro.

    O repórter Bruno Tavares, autor do texto, sabe que são ocupações distintas, lideradas por pessoas absolutamente diferentes, oriundas de movimentos que mantêm autonomia entre si. Seria o mesmo que dizer que todo o jornalismo do planeta é ruim porque o que o Bruno Tavares faz é um lixo.

    Sim, há diferenças gritantes entre as ocupações.

    Em sua “reportagem”, Bruno Tavares cita investigação do Ministério Público, iniciada em 2016, a partir da denúncia de uma ex-moradora do Hotel Cambridge. Essa moradora disse que já pagava R$ 200 pelas despesas de manutenção do prédio e que estava sendo “vítima de extorsão”, a exemplo dos outros moradores, para desembolsar mais R$ 20, referentes a uma multa por ligação de água clandestina, dividida entre as famílias.

    Apesar do segredo de Justiça em que corre o processo, a Globo “teve acesso” ao processo (claro! de novo, são os tais vazamentos a que a emissora dos Marinho sempre “tem acesso”). Pois deveria ter aproveitado o tal “acesso” privilegiado para informar aos telespectadores que no Cambridge havia 120 famílias, que decidiam coletivamente em assembléias qual o valor das taxas e contribuições que caberiam a cada uma.

    O repórter disse ainda que “ao falar com os promotores, a coordenadora da ocupação não apresentou documentos para comprovar que o dinheiro arrecadado era gasto com a manutenção do prédio.” Engraçado! Em entrevista coletiva no último dia 11, da qual participou uma equipe da Globo News, Carmen apresentou documentos e comprovantes de despesas das ocupações que coordena. Mas isso não interessou ao Jornal Nacional.

    Carmen da Silva Ferreira

    A reportagem mencionou taxas de R$ 200 mensais, e uma taxa extraordinária única de R$ 20, para pagar multa da Sabesp. Vinte Reais. Isso é muito ou é pouco? A reportagem maliciosa não diz. Se fizesse bom jornalismo, Bruno Tavares teria investigado a contabilidade do condomínio. Ou alguém acha o Hotel Cambridge estava “pronto pra morar”, como aqueles apartamentos dos folders e dos anúncios imobiliários que forram as páginas dos jornais impressos?

    Sem água, sem luz (muitos andares tiveram toda a fiação roubada), os encanamentos entupidos ou simplesmente arrancados, sem elevadores, sem extintores ou mangueiras de incêndio, repletos de lixo (só do antigo hotel Cambridge foram retirados 15 mil quilos de entulho!), os prédios dos sem-teto eram sucatas podres antes de serem – aos poucos  - revitalizados pelo movimento social.

    E quem paga por isso? O poder público é que não é. A iniciativa privada é que não é. Muito menos a TV Globo. Então, sobra para os ocupantes, na forma das taxas de contribuição. Aliás, a reportagem de Bruno, se não estivesse atrás de escândalos inexistentes, poderia investigar como as novas tecnologias sociais estão ajudando a baratear os custos de manutenção dos edifícios ocupados. Exemplos? No Hotel Cambridge, os moradores fizeram parceria com a Escola da Cidade e desenvolveram uma horta comunitária para ocupar toda a cobertura com verduras e legumes sem agrotóxicos. Foi da mesma parceria que se originou o lindo e inovador mobiliário que decorava as áreas comuns do prédio — creche, biblioteca e oficinas de costura e maquiagem feitas com material de reciclagem. Dessa parceria também vem a idéia de ressuscitar um antigo poço artesiano abandonado no subsolo do prédio, a fim de utilizar a água para lavagem do chão e descarga das privadas.

    Mas não.

    Em vez da inteligência coletiva do movimento, a reportagem preferiu contemplar, como se verdadeira fosse, a denúncia de uma ex-moradora do Cambridge, apresentada como “testemunha Alfa”, que disse ter sido ameaçada por Carmen. O repórter Bruno Tavares teve acesso inclusive aos vídeos que a tal “testemnha Alfa” gravou com as supostas ameaças. Aliás, esses vídeos também constam no processo que corre em Segredo de Justiça (segredo de Polichinelo…)

    Eis a transcrição das tais ameaças:

    Carmen: A senhora que vai na Sabesp fazer o acordo porque não pagou aqui.
    Alfa: Eu? Tanto dinheiro que você pega dos outros.
    Carmen: O que foi que a senhora falou?
    Alfa: Sai de cima de mim, sai de cima de mim que eu te coloco atrás das grades.
    Carmen: Sem vergonha, caloteira.
    Carmen: A sra. vai sair por bem ou mal. Por bem eu já tomei a providência, agora, se a senhora quiser por mal, vai por mal também.
    Carmen: Contestam porque pagam contribuição. Vocês acham que vão morar de graça na Avenida Nove de Julho?
    Carmen: Daqui a pouco vem a conta de luz aí é outra briga para pagar.

    Leia bem e se quiser veja os vídeos no site da Globo. O que se vê? O que se entende?

    O Cambridge era uma ocupação organizada e legal, reconhecida pela Prefeitura. Pagava a conta de água. Pagava a conta de luz. Como é que se pagava isso? Com a colaboração dos moradores, decidida em assembleia. Quando Carmen afirma que Alfa terá de sair “por bem ou por mal”, refere-se ao cumprimento de decisão da assembleia dos moradores, que não acharam justo pagarem por alguém que queria folgada e graciosamente usufruir a água da Sabesp custeada pelo alheio. Foram os moradores que decidiram pela exclusão de Alfa da ocupação. E caso ela se recusasse a sair, a polícia seria chamada.

    Onde está a ilegalidade? Quem quer que já tenha tido de lidar com condôminos inadimplentes em um prédio de classe média sabe muito bem o que é ter de pagar taxas maiores porque alguns simplesmente se recusam a cumprir suas obrigações com o coletivo.

    É incrível o ministério público se meter numa briga entre vizinhos. É incrível uma briga entre vizinhos ocupar o lugar de uma real investigação sobre as causas do incêndio, desabamento e mortes do edifício Wilton Paes de Almeida. Mas o mais incrível é a TV Globo prestar-se a tal jogo ilusionista, baseando-se na denúncia da “testemunha Alfa”, tristemente famosa na ocupação do Hotel Cambridge por ter tentado – sem sucesso, diga-se – aplicar o golpe do “escorrego” no Mc Donald’s.

    Sim! A mulher que acusa Carmen de cobrança indevida de uma taxa que visava unicamente cobrir as despesas de manutenção do Edifício Cambridge, tentou garfar indenização de 200 salários mínimos (R$ 190.800 em valores atualizados) por um tombo que diz ter sido causado por falta de corrimão em uma loja do Mc Donald’s. Só que o corrimão estava lá! Então, em 25 de junho de 2014, a 5ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou o pedido de Alfa.

    É claro que os movimentos de moradia incluem alguns oportunistas e exploradores (categoria de que, aliás, o meio jornalístico está cheio). Isso poderia ser uma boa pauta. Mas a preguiça e a desonestidade levaram a “reportagem” de Bruno Tavares a transformar a pauta em texto final e a suspeita em tese.

    Incrivelmente, a grande mídia que está em busca de culpados de araque esquece-se todo o tempo de mencionar a existência de 290 mil imóveis não-habitados na cidade de São Paulo, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Habitação, a partir de dados do Censo de 2010. São imóveis deixados vazios para a especulação. O movimento exige que eles tenham função social. Mas isso não tem importância para os empresários, empreiteiros e especuladores. E nem para os seus serviçais dentro da grande mídia, que não hesitam em jogar no lixo os principais fundamentos do jornalismo para atacar uma das mais generosas e preparadas lideranças do movimento social no Brasil: a mulher negra Carmen da Silva Ferreira.

  • Ocupação Mauá celebra a vida, a cultura e o amor, apesar da ameaça de despejo

    Ocupação Mauá celebra a vida, a cultura e o amor, apesar da ameaça de despejo

    Fotos dos Jornalistas Livres

     

    O edifício da rua Mauá, bem ao lado da Estação da Luz, no centro de São Paulo, é o lar e a moradia há 10 anos de cerca de 300 famílias sem teto. Crianças, mulheres grávidas, idosos convivem ali em harmonia, celebram alegrias e dividem as tristezas. Agora, este oásis de cultura, amor e resistência, bem no meio da cidade tão degradada, está ameaçado de desaparecer, por conta da ordem de despejo do juiz Carlos Eduardo Borges Fantacini, da 26ª Vara Cível.

    O prédio onde fica a Ocupação Mauá passou mais de 20 anos completamente abandonado, apodrecendo por falta de uso.

     Em 2007, um grupo de famílias trabalhadoras, engajada no movimento por moradia digna, ocupou o edifício e deu novo sentido ao velho prédio. Em comum entre elas, estava a baixa renda e a incapacidade para arcar com os custos do aluguel, cada vez maiores, mesmo em imóveis de remotas periferias.

    De lá para cá, foram inúmeros mutirões para a limpeza, reforma e conservação da habitação.

    Neste sábado, 24/6, a ocupação abriu seu grande pátio comunitário para eventos e atividades culturais, num encontro que misturou muita música, poesia, grafite e teatro.

    O festival foi uma celebração de amor, de luta e de união, mas também um apelo para que não se cumpra o decreto de reintegração de posse, que representa o fim do sonho de uma vida coletiva, sob um teto comum, das famílias que serão colocadas na rua.

    Veja as fotos e o astral lindo da ocupação, porque…

    QUEM NÃO LUTA TÁ MORTO!

     

    #NenhumaOcupaçãoAMenos

    CLIQUE SOBRE AS FOTOS PARA VÊ-LAS EM TAMANHO GRANDE

  • Você tem de assistir ao filme mais legal sobre a luta da moradia

    Você tem de assistir ao filme mais legal sobre a luta da moradia

     

    Neste sábado, Cine-Debate! Exibição e debate com a diretora do filme e com a dirigente da luta dos sem-teto. Grátis!

     

    Filmes e novelas que desenvolvem a temática social são na maior parte das vezes intermináveis repetições de palavras de ordem e clichês –e, por isso, chatíssimos. Heróis inverossímeis falando sobre sofrências e utopias.

    “Era o Hotel Cambridge”, da diretora Eliane Caffé é outra coisa.

    Retrato construído com um milhão de pixels anônimos (os trabalhadores sem teto, refugiados das grandes metrópoles do Brasil e do mundo), o filme escolheu estar a meio caminho entre a ficção e o documentário, para melhor se aproximar de seu foco narrativo: a vida, os sonhos, os amores e o tesão da luta em uma das mais emblemáticas ocupações de sem-teto de São Paulo, a que repovoou o antigo Hotel Cambridge.

    Fincado em prédio de estilo modernista na avenida Nove de Julho, o Hotel Cambridge foi inaugurado em 1951. Era famoso pelo bar elegante com poltronas vermelhas, onde se apresentou, em 1959, o músico Nat King Cole, quando ele veio ao Brasil. “Stardust”, a canção que fala sobre os encantos do amor que passou, embalou a noite. Poeira estelar.

     

    Fachada do Hotel Cambridge, na avenida Nove de Julho

    Daqueles brilhos, o Cambridge desabou no buraco negro da decadência tão logo o centro econômico e financeiro da cidade deslocou-se para a região da avenida Paulista e, depois, para a Faria Lima e Berrini. Hotéis com nomes chiques e obviamente estrangeiros, como o próprio Cambridge, o Othon Palace, o Hilton, o Paris e o Cad’oro, entre outros, viveram em agonia, até o apagar definitivo das suas luzes.

    Carmen Silva Ferreira, 57 anos, foi quem reacendeu as luzes do prédio de 17 andares e 120 apartamentos. Em vez dos engravatados de antes, ela capitaneou um exército de pobres miseráveis, gente que não tinha nem sequer um teto pra dormir em paz… e eles ocuparam o Hotel Cambridge, então tomado por ratos, baratas, lixo, entulho. Toneladas de dejetos foram retirados dos andares.

    Detalhe: As centenas de edifícios abandonados do centro da cidade são como tumbas de histórias e recordações. Como tumbas, os proprietários lacram-lhes portas e janelas com tijolos e cimento. É para evitar a invasão de animais ou de quem queira questionar a posse do imóvel — o prédio sufoca sem ar e nem luz.

    Felizmente, não é nada que algumas marretadas não resolvam.

     

    Eliane Caffé acompanhou com sua equipe algumas ocupações reais enquanto elas aconteciam. A Carmen que praticamente arranca os passageiros dos ônibus, arremessando-os para um prédio abandonado que acabava de ter sua entrada arrombada a marretadas, fez isso tudo durante uma ocupação real. A tensão no ar, o medo de que a polícia chegue, da porrada, da bomba, ela gritando “Vai pegar a tua casa! Vai, pega a tua casa!” –era tudo verdade. Aconteceu em abril de 2015 e os Jornalistas Livres acompanharam.

    Vida cármica

    Baiana, mãe de oito filhos, Carmen nasceu na Cidade Baixa de Salvador, filha de empregada doméstica e de militar. Foi o pai que a criou e é indelével a marca deixada pela disciplina da caserna no espírito da mulher. O Cambridge dos sem-teto brilha de limpeza, fruto de mutirões bem-organizados. Tem uma sólida hierarquia, que começa pelos coordenadores de andares, pelos líderes de projetos comunitários, passa pela Linha de Frente (guerreiros que são os fiéis escudeiros da ocupação), e chega até a liderança incontestável de Carmen –a Dona Carmen, como é respeitosamente chamada. Depois das 22h, é tudo silêncio.

    Neste caso, trata-se de autoridade conquistada. Carmen casou-se aos 17 anos e conheceu a violência doméstica, espancada que era pelo marido truculento e cheio de ciúmes. Com 16 anos de união, 8 filhos, ela jogou tudo para o ar e fugiu para São Paulo. Sem teto, conheceu a dura rotina e a solidariedade das ruas. Morou em albergues, um administrado pela Igreja Universal do Reino de Deus, e outro, público, sob o viaduto Pedroso, que atravessa a avenida 23 de Maio, no centro da cidade.

    Rotina dura. No albergue, um humano é só corpo que precisa de pouso e banho. Tem de sair tão logo o dia nasce. E voltar assim que a noite cai, senão não entra. Carmen lembra-se de passar horas e horas, esperando o tempo passar, dentro do templo da Universal na avenida Brigadeiro Luis Antonio. Andou muito, conheceu todas as entidades que serviam comida, em busca de emprego, as quebradas. Virou cozinheira, mas achou pouco…

    A rua é cruel e louca. Ela resistiu ao desespero porque seu único objetivo era trazer todos os filhos para viver sob suas asas (conseguiu). Já viu muita gente forte desabar ante o peso da própria dor.

    Carmen iniciou-se no movimento dos sem-teto quando morou, por seis anos, num antigo prédio do INSS, de novo na avenida Nove de Julho. De lá para cá, participou de dezenas de ocupações. Hoje, é uma das maiores conhecedoras da cidade. Quem está devendo IPTUs milionários, quem são os maiores latifundiários urbanos, quantos imóveis possuem, quem são os habitantes tradicionais de cada bairro. É respeitada na Prefeitura, acaba de ser convidada a lecionar em uma grande Escola de Arquitetura. Urbanismo prático.

    A hora H

    Junta gente de todos os jeitos na hora de ocupar. A velhinha louca que perdeu tudo na jogatina, a jovem crente desempregada, o dependente de drogas, o estudante de medicina que foi expulso de casa porque o pai descobriu que ele é gay, o pastor, a sambista, o poeta, o militante, o refugiado palestino, sírio e congolês, sobreviventes de tragédias humanitárias, os imigrantes bolivianos, haitianos, a prostituta. Um dos grandes insights do movimento de moradia deu a liga entre todos esses espécimes da grande biodiversidade humana que viceja no centro elétrico da metrópole:

    “Somos todos refugiados: os estrangeiros aos quais a própria pátria tornou-se ameaçadora; e os nacionais, aos quais o Brasil dos privilégios virou as costas”, conforme epifania de Carmen.

    Nem precisa dizer que é difícil alinhar na vida intensamente coletiva da ocupação as pirações individuais de pessoas tão diversas.

    A cozinha é coletiva no começo. Não tem água, não tem luz, tem ratos e baratas, tem fios desencapados, esgoto podre. Elevador? Hahahaha!

    Gênios dos serviços gerais, da faxina pesada, auxiliares de pedreiros, ajudantes de ordens de oficinas mecânicas, ajudantes de cozinhas e jardineiros põem-se em ação ordenada por dentro dos encanamentos, dos conduítes, das canaletas enferrujadas — tudo para ressuscitar o prédio e dotá-lo das condições mínimas para ser um lar, enquanto as crianças correm de um lado a outro e improvisa-se a primeira escolinha.

    O filme de Eliane Caffé captura nos 90 minutos de exibição as dores de perdas definitivas — e de saudades sentidas — nas conversas por Skype entre os refugiados, agora no Cambridge, e seus parentes e amores distantes (na Gaza destruída pelo massacre dos mísseis israelenses, ou no Congo arrasado pela guerra civil e pelo ebola) Mas, avesso aos vitimismos, embora motivos não faltem, sublinha a solidariedade entre os sem-tetos. É o que permite a construção coletiva de uma poesia lavrada na esperança de dias melhores.

    E põe festa, e música, e dança –aliás, no jargão do Cambridge, “festa” é o nome que se dá à ação de ocupar juntos um imóvel abandonado. Hoje vai ter festa!

    Fácil imaginar o luto que representa, por oposição, o ato de desocupar a casa em que se mora, porque o proprietário-especulador-imobiliário conseguiu de um juiz que assinasse uma ordem de despejo do imóvel cheio de dívidas de IPTU. É quando a polícia vem para jogar todos na rua, pelo bem ou pelo mal. E tome bomba, spray de pimenta, crianças sufocando.. a rua, de novo.

    Recomeçar sempre.

    Movimento de pobres, de pretos, de pardos, a luta pela moradia no centro de São Paulo é intensa e solidária na construção diária de novíssimos quilombos, dirigidos quase sempre por mulheres. O filme de Lili Caffé honra com delicadeza e amor essas histórias lindas de vida.

    CLASSIFICAÇÃO JORNALISTAS LIVRES: EXCELENTE!

    O novo filme de Eliane Caffé “ERA O HOTEL CAMBRIDGE”, mostra a luta, o amor, a fé e a solidariedade humana em um prédio ocupado por refugiados e sem-teto.

    Os Jornalistas Livres e a Produtora Aurora Filmes convidam para assistir Grátis, o filme no próximo sábado, dia 18/03, das 11h às 13h40, no Espaço Itaú Shopping Frei Caneca SALA 1.

    Depois do haverá um debate com as presenças de:
    Carmen Silva (Líder da FLM e do MSTC), Eliane Caffé (Diretora), e com os moradores: Guylain Mukendi (Congolês) e Isam Ahmad Issa (Palestino).

    São 250 ingressos.
    Receberão os ingressos as primeiras 250 pessoas que chegarem. CHEGUE 1 HORA ANTES PARA GARANTIR O SEU.

    Aqui, o link do evento. Entre e compartilhe com seus amigos:

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