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  • Moro venceu? Será o fim de Lula na política?

    Moro venceu? Será o fim de Lula na política?

    por Kátia Passos e César Locatelli

     

    Cena 1 – Um repórter de uma rádio da Globo pergunta, de forma bastante agressiva, ao advogado de Lula, Cristiano Zanin, se, na segunda instância, a defesa vai persistir na estratégia que se revelou perdedora de buscar a suspeição de Moro: “Vocês vão mudar a estratégia que não deu certo?” Zanin responde que usou, e usará na apelação, todos os recursos que a lei lhe permite para denunciar a falta de isenção, as ilegalidades e “todas as violações grosseiras aos direitos humanos” que foram cometidas pelo juiz. A “exceção de suspeição” de um juiz é um direito das partes quando a parcialidade do juiz é notória. Zanin repete que a sentença se baseia unicamente na delação de Léo Pinheiro, o que é insuficiente para uma condenação. Reforça que o juiz usou reportagens jornalísticas e papéis rasurados e sem assinatura como prova. A sentença formalizou a perseguição política (lawfare) que caracteriza as ações desse magistrado, conclui.

    Foto por Flávia Martinelli 12/07/2017

    Cena 2 – Valeska Zanin e Cristiano Zanin estavam em audiência com o juiz Sérgio Moro, em Curitiba às 15hs40 do dia 12/07/2017, quando foram comunicados da publicação da sentença condenando o ex-presidente Lula a nove anos e meio de reclusão. Ficaram impedidos, por horas, de dar início à contranarrativa, enquanto a mídia tradicional se refestelava. A sentença, de 216 páginas e 962 parágrafos, foi lida por eles na viagem de retorno a São Paulo. Às 19 hs. do mesmo dia, estavam na coletiva de imprensa em um hotel de São Paulo. A defesa argumenta que o juiz desprezou as provas apresentadas pela defesa. Especialmente a comprovação de que o apartamento está hipotecado à Caixa Econômica Federal, situação da qual não sairia a menos que houvesse um pagamento pelo valor devido à Caixa e que não ocorreu. Moro concorda que o dono formal do apartamento não é Lula e precisaria provar que Lula e Dona Marisa tiveram sua posse informal. Ele não conseguiu provar e, mesmo assim, condenou Lula, assegura a defesa.

    Foto por Flávia Martinelli 12/07/2017

    Cena 3 – Do lado de fora do prédio do PT nacional em São Paulo, ás 11hs05, fotógrafos conversam em roda. De repente, um carro pomposo entra na rua. Alvoroço, flashes pro nada e para tudo ao mesmo tempo. Era o maior líder político da América Latina chegando: Lula. Desde quando o ex-presidente Lula foi citado nas investigações da operação Lava Jato, fotógrafos e cinegrafistas não tiveram paz. É como se todos fizessem uma coreografia ensaiada, um verdadeiro flash mob em busca de uma imagem interessante” de Lula. Mesmo sem que eles saibam, até nesse momento é Lula quem os lidera.

    Foto por Alice Vergueiro – 13/07/2017

    Cena 4 – Parlamentares e membros da executiva do Partido dos Trabalhadores começam a entrar no Auditório Paulo Freire, às 11hs20 de 13/07/2017, na sede do PT Nacional em São Paulo. Todos se mostram ansiosos, falantes. Ninguém se senta nas cadeiras reservadas na mesa do pronunciamento. Alguém alerta: “olha, a imprensa vai entrar agora, então atentem-se aos celulares, as conversas.” Isso é resultado do investimento que a grande mídia fez no golpe. Os petistas estão ressabiados. Eles virarão alvo da justiça seletiva. Na lei da grande mídia, tudo pode ser usado contra um petista, até mesmo uma ligação telefônica com um familiar. Então, o alerta é sábio.

    Cena 5 – Às 11hs30, o auditório já estava lotado de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas, além de dirigentes do partido. A maior parte da militância petista ficou mesmo na rua aguardando o pronunciamento do ex-presidente Lula ser retransmitido para a calçada, através de uma caixa de som. Parecia final de Copa do Mundo. Momento de apreensão, os ouvidos aguardavam para fazer o papel de todos os sentidos.

    Foto por Alice Vergueiro – 13/07/2017

    Cena 6 – Após a reunião ser aberta pela presidente do PT nacional e senadora, Gleisi Hoffmann, Lula se senta à mesa, às 11hs56, para iniciar o pronunciamento. Como na cena de uma “Santa Ceia”, a mesa está posta, ocupada. Parece mesmo tempo para refletir. Para os ateus ou agnósticos talvez a descrição dessa cena não agrade. Mas é impossível não comparar. Não tinha pão, nem vinho, mas ali estava um líder, um ser humano sem formação acadêmica, humilde, semianalfabeto que fez muito pelos mais pobres em suas gestões. Quem se sentou naquela mesa entendeu o que ele fez pelo povo brasileiro. Impressionantes os olhares de admiração para Lula.

    Foto por Kátia Passos – 13/07/2017

    Cena 8 – Raduan Nassar trouxe um diferencial poético para a mesa do pronunciamento de Lula. Era o único apoiador ali sentado sem carreira política partidária. Ele trouxe seu doce olhar de paz, que os petistas tanto precisam agora, para o local, e a força de quem denunciou em campo golpista, ao receber prêmio literário que “vivemos tempos sombrios”. Lula, a todo momento retribuía o carinho e, certamente, a denúncia feita com sabedoria olho no olho, frente a frente, para quem está destruindo o país. O ex-presidente, brincou com Raduan, quando o chamou de “Corinthiano”, time de coração de Lula e acarinhou de forma discreta sua cabeça diversas vezes. Bonito de ver, sentir. Cenas que você só vê na esquerda.

    Cena 9 – Terminado o pronunciamento, a senadora Gleisi Hoffmann, na rua, cercada pela militância que ocupou a frente da sede nacional do Partido dos Trabalhadores em São Paulo, afirma que a sentença de Moro é mais uma injustiça. No entanto, lembra a senadora, o partido nasceu para combater injustiças e vai ter forças para continuar a enfrentá-las.

    Foto por Alice Vergueiro – 13/07/2017

    Cena 10 – Prestes a terminar, Lula revela suas ideias econômicas para tirar o país da recessão e do desemprego, que só piorarão com os cortes de direitos impostos pelo golpe: “Quando esse país não tiver mais jeito, quando os economistas de direita não tiverem mais solução, por favor, permita que a gente coloque o pobre no orçamento outra vez: o pobre no orçamento da União, o pobre no trabalho, o pobre recebendo salário, o pobre recebendo crédito faz esse país voltar a crescer, faz o povo voltar a sorrir, faz o povo voltar a ter o otimismo que tinha durante todo o tempo que nós governamos esse país”.

    Cena final – Lula conclui: “Quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara, porque somente na política quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”.

    Foto por Alice Vergueiro – 13/07/2017

     

     

  • A historic day, for Brazil and for Lula

    A historic day, for Brazil and for Lula

    Lula, from the top of Santos de Andrade Square, in Curitiba, expressing gratitude to those who had come from far-flung places like the state of Acre in the North of Brazil, proclaimed excitedly:

    “I have already taken part in demonstrations with a million people […],

    with all kinds and amounts of people you can imagine,

    but none, none is as rewarding as

    knowing that you trust someone who is being crushed […] “.

    May, 10th 2017 certainly was a historic day, for Brazil and for Lula, not only for the fifty thousand people and 700 caravans that had endured a 12 hour struggle in Curitiba, despite of the pressure by the Judiciary, by Curitiba municipal government and by a fascist attack on a MST (Landless Workers Movement) camp.

    This gathering, under current circumstances, would, by itself, be part of the country’s history. Moreover, this moment in history represents the apex of a slow changing process in the correlation of Brazilian political forces, to which we can add the increased resistance to Temer’s neoliberal reforms and the popular inauguration of the San Francisco River channeling.

    This week, therefore, will be a milestone regarding the resistance to the coup and to Lula’s political imprisonment. But it is not just about this. May 10 will also belong to Lula’s personal history. Not the one that will be told once this period of democratic rupture enters the books. But for Lula himself, when going to sleep, as he rests for another struggling day.

    Lula has never been a militant because of his beliefs on Marxist, Leninist or Gramscian lessons. Although seeking equality among people is an important part of socialist ethics for the left-wing militant Lula, his political combat is clearly linked to his principles, values and history. And today he can sleep in peace for he knows that, if Dona Marisa were alive, she would be proud of his husband.

    Not only did he respond with proper self-esteem to a five hour testimony; not only did he accuse Globo, Veja, Estadão and other mainstream media companies of persecuting him, in combination with young prosecutors who have little or no understanding of life. He did all this. But he did more. Face to face for five hours, after a long torture process initiated two years ago and now imposed to a 71-year-old man – a survivor, who has lost brothers to Brazil’s Northeastern drought, his first wife to a failed health system, Dona Marisa for political persecution and his mother under military dictatorship – Lula spoke to the country, taking a load off his mind:

    “Moro, you may have accidentally entered this process, do you know why?

    Because the leak of my conversations to my wife and hers to my children,

    it was you who authorized it.

    It was not right to have my house disturbed

    without being summoned to an audience.

    No one had invited me to testify and, suddenly,

    I see a platoon of Federal Police officers at my door.

    And when I got out they even lifted the mattress of my bed,

    thinking I had money in there, doctor.”

    Perhaps all this went through his mind when, addressing the tens of thousands on the square, he wept over and over again. And, perhaps unintentionally, he did something unusual for rallies like this: after finishing his speech, when he saw the young Ana Júlia, leader of Paraná state students, he returned to the stage to restart the rally and ask people to hear her speech. The students’ resistance, which occupied highschools last year, spoke to a tired and touched giant.

    Lula might have slept in peace. On May 10 he wrote one of the most important chapters in his history and honored Dona Marisa and his entire family.

    Daniel Araújo Valença, Law Professor at UFERSA – Federal Rural University of the Semi-Arid, PhD in Legal Sciences at UFPB and contributor of Jornalistas Livres.

    Translation by Ricardo Gozzi and César Locatelli, jornalistas livres.

  • Moro se arroga o direito de avaliar moralmente e politicamente Lula

    Moro se arroga o direito de avaliar moralmente e politicamente Lula

    Publicamos aqui a opinião do professor Fernando Horta, historiador e doutorando em Relações Internacionais na UnB:

    Vi as cinco horas do depoimento do Lula ao Moro e é preciso que se registrem algumas coisas:

    1) Moro foi extremamente cortês no trato e inflexível em sua tese. Na história aprendemos a reconhecer os meta-textos, que são ideias subjacentes ao que se diz abertamente, que o sujeito deixa transparecer em suas ações ou falas. Moro se arroga o direito de avaliar moralmente e politicamente Lula. Um advogado mais velho se esganiçou dizendo que o “juiz tem direito de medir até moralmente o réu” … talvez tivesse, quando este advogado se formou. Estamos no século XXI e hoje se sabe que julgamento moral é quase como uma condenação sumária. É não jurídico, portanto.

    2) O Ministério Público é risível. Fiquei chocado de saber que o primeiro procurador é sustentado pelo país para fazer aquele papel. E recebe muitíssimo bem. O segundo procurador foi melhor e mais profissional. Penso que fez bem o seu papel. Ele tem que apertar mesmo o Lula. É a função.

    3) a defesa de Lula fez o bom combate. Criminalizada como é sempre por Moro. Já assisti outros depoimentos e Moro faz sempre a mesma coisa. Ele parece não conhecer teoria jurídica, pois a defesa nunca ATRAPALHA o processo jurídico (como ele afirma). A defesa é PARTE integrante do próprio veredicto. É no jogo dialético entre acusação e defesa que o juiz DEVERIA se pautar. Assim, é do interesse DO JUIZ ouvir a defesa. E quanto mais aguerrida ela for, maior será a convicção do juiz para condenar ou absolver. Isto, claro, contando que o juiz não tenha convicção a priori. Se ele já se convenceu, aí sim a defesa atrapalha.

    4) Moro faz uso, com polidez, de três grandes erros que nós, historiadores, aprendemos a reconhecer de pronto:
    a) Moro faz afirmações anacrônicas e procura confundir a temporalidade dos fatos para o acusado. As relações de causa e efeito são sempre datadas. É preciso que a defesa atente a isto.
    b) A causa de um evento ocorrido em X momento é uma, e o evento ocorrido adiante no tempo não tem NECESSARIAMENTE relação. Trocando em miúdos, não é porque A aconteceu antes de B que A é causa de B. E pode-se dizer que o que causou B pode não ter efeito em A e vice versa. Não é possível PRESUMIR uma causalidade operante ao longo de período tão longo, senão por convicção anterior de culpa. Dou um exemplo prático. Um casal era casado por dez anos e numa briga decide se separar. Um dos indivíduos envolvidos sai naquela noite e encontra outra pessoa. Ficam juntos. Quem enxerga a história pode dizer que a separação ocorreu porque tal indivíduo JÁ tinha a relação com a outra pessoa. Mas isto não necessariamente é correto. Ele pode, realmente, ter conhecido a pessoa naquela noite e os fatos apenas serem sequência temporal um do outro e não terem correlação causal. Na ciência, no primeiro semestre de qualquer disciplina de introdução científica, ensinamos que “correlação não é causação”. E para o crime é preciso provar a causa.
    c) Moro é teleológico. E talvez este seja o pior dos seus defeitos. Ele tentou montar uma narrativa explicando o passado através dos desembaraços que este passado teve. Acontece que ele Moro conhece os desdobramentos porque está adiante no tempo, mas o sujeito que toma a decisão não. Ele tenta culpabilizar o presidente por indicar a pessoa A ou B. Sabendo – hoje – que a pessoa foi pega em corrupção. E quando ele pergunta ao Lula se o presidente sabia (e esta é a pergunta-chave) o presidente nega. A questão é que NÃO HÁ COMO provar que o presidente sabia. Por isto o direito exige culpa objetiva em processo criminal. Mas se Moro se convencer que sim (e acho que nem precisamos ser gênios para vermos que ele já tomou a decisão) Lula será condenado. E será condenado teleologicamente por uma Teoria do Domínio do Fato camuflada com um julgamento moral, que reproduz exatamente o argumento de senso comum dos fascistas: “Não tinha como o presidente não saber”. Baseado numa impossibilidade lógica de comprovação, comprova-se a tese por negação. Um absurdo lógico que arrepia.

    Por fim, Lula transforma tudo o que o atinge em palanque. Isto é uma habilidade rara. Poucos líderes conseguiam fazer isto. Ouvindo Lula, recordei-me das acusações que fizeram a Roosevelt no final da sua vida, quando disseram que ele era “soft with commies” (amigo dos comunistas). Esta acusação era o que de mais absurdo existia nos EUA na época. Roosevelt disse que se ele tivesse que ser “soft” com quem quer que fosse para que os EUA fossem grandes e estivessem seguros “ele faria este supremo esforço”. Roosevelt invertia a acusação se fortalecia. Fidel, em uma entrevista, foi perguntado se era verdade que Cuba era um país tão pobre que universitárias precisavam se prostituir. O velho líder comunista disse “não! Em Cuba a educação é tão universal e um valor tão importante, que até mesmo nossas prostitutas tem nível universitário”.
    Lula é assim. Isto não tem lado político. Isto é qualidade pessoal. Penso que Lula sai maior do que entrou. Mas acho que Moro já o condenou. Desde 2009. Precisa apenas achar o crime. Qualquer um serve. Ainda que imaginário.

    Edit 1: Uma coisa que me chama a atenção é Moro fazer PRIMEIRO as perguntas. Me parece um protagonismo que fala muito. Primeiro, eu quero ouvir a acusação. Ele fez tanta pergunta que chegou a dizer ao promotor que tal pergunta ele, Moro, já tinha feito. Ora, se isto não é uma comprovação de quem efetivamente está no polo ativo da ação então não sei mais nada.
    Edit 1.1: Claro que estampado no Código Penal diz que o juiz pergunta primeiro ocorre que a Lava a Jato há muito não se pauta pelo código. Posso elencar 20 pontos em que Moro “flexibilizou” o código, inclusive com a segunda instância usando a palavra “caso de exceção” para chancelar o absurdo. Dentro de toda esta exceção seria inteligente e prudente se Moro deixasse o protagonismo para o MP. O fato de ele escolher quais pontos do CPP seguir e quais não já é demonstração cabal do protagonismo e parcialidade do juiz.

  • Um dia para a história do Brasil e de Lula

    Um dia para a história do Brasil e de Lula

    Lula, do alto da Praça Santos de Andrade, agradecendo a quem chegou de locais longínquos como o Acre, bradou emocionado:

    “Eu já participei de manifestações com um milhão de pessoas […],

    com todo tipo e quantidade de gente que vocês possam imaginar,

    mas nenhuma, nenhuma é tão gratificante quanto saber

    que vocês confiam em alguém que está sendo massacrado […]”.

    E realmente foi um dia histórico, para o Brasil e para Lula. Não se trata apenas dos cinquenta mil e das 700 caravanas que suportaram mais de 12 horas de luta em Curitiba, mesmo com Judiciário, Prefeitura de Curitiba e ataque fascista ao acampamento do MST. Isto, por si só, frente a toda a conjuntura atual, já entraria para a história do país. Para além, este momento representa o ápice de um lento processo de alteração na correlação de forças , em cujo caldo entra desde o aumento da resistência às reformas neoliberais de Temer à inauguração popular do São Francisco.

    Hoje será, portanto, um marco quanto à resistência ao golpe e à prisão política de Lula.

    Mas não se trata apenas disto. Hoje também terá sido um dia para a história de Lula. Não a que contarão, quando este período de ruptura democrática houver de entrar para os livros. Mas para o próprio Lula, ao dormir, ao descansar de mais um dia de luta.

    Lula nunca militou devido a convicções marxistas, leninistas, gramscianas. Se uma ética socialista, de busca de igualdade entre as pessoas, é importante ao militante político de esquerda, em Lula, a luta política é claramente ligada a seus princípios, seus valores, sua história. E hoje ele poderá dormir em paz por ter a crença de que, se Dona Marisa estivesse viva, se orgulharia de seu companheiro.

    Ele não apenas respondeu altivamente a cinco horas de interrogatório; não apenas denunciou para todo o país a perseguição que promovem Globo, Veja, Estadão e demais empresas de comunicação, ao lado de jovens procuradores que pouco ou nada entendem da vida. Ele fez tudo isto. Mas ele fez mais.

    Cara a cara, após cinco horas de uma longa tortura que há dois anos submetem a um senhor de 71 anos de idade – sobrevivente, que já perdeu irmãos para a seca nordestina, sua primeira mulher para a saúde brasileira, Dona Marisa para a perseguição política e sua mãe durante a ditadura – ele falou para o país, mas também para o “desencargo de sua consciência”:

    “Moro, o senhor sem querer, talvez, entrou nesse processo, sabe por quê?

    Porque o vazamento de conversas minhas com minha mulher e

    dela com meus filhos, foi o senhor que autorizou.

    Não tinha o direito de ver minha casa molestada

    sem que eu fosse intimado para uma audiência.

    Ninguém nunca me convidou,

    de repente vejo um pelotão da Polícia Federal

    e quando saí levantaram até o colchão achando que tinha dinheiro, doutor”.

    Talvez tudo isto tenha passado em sua cabeça quando, discursando para as dezenas de milhares, incorreu em choro repetidas vezes. E, talvez sem querer, fez algo atípico para comícios: após terminar sua fala, ao encontrar-se com Ana Júlia, líder secundarista do Paraná, retornou ao palco, para reiniciar o comício e dar a ela direito de fala. A resistência que ocupa as escolas falou perante um gigante cansado e emocionado.

    Hoje Lula dormirá tranquilo. Hoje ele escreveu um dos capítulos mais importantes de sua história e honrou a Dona Marisa e toda sua família.

    Daniel Araújo Valença, professor de Direito da UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-Árido, doutor em Ciências Jurídicas pela UFPB e colaborador dos Jornalistas Livres.

     

  • Lula nega todas as acusações e reafirma determinação para disputar eleição

    Lula nega todas as acusações e reafirma determinação para disputar eleição

    Por Maria Carolina Trevisan
    Foto: Leandro Taques

    Ao pedir que manifestantes a favor da Lava Jato não fossem a Curitiba, o juiz Sergio Moro alegou que seria um interrogatório comum ao processo e que “nada de diferente da normalidade” aconteceria. Mas normalidade foi o que não houve em Curitiba.

    A rotina da cidade foi modificada, quarteirões no entorno do prédio da Justiça Federal foram fechados e só moradores e jornalistas credenciados tinham acesso ao espaço cercado por barricadas.

    O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mobilizou um contingente de cerca de 3 mil agentes de segurança. A Polícia Militar divulgou ter abordado uma parte dos 168 ônibus de manifestantes a favor de Lula. A maioria, 92 deles, viajou de outros estados. Apenas um veículo tinha irregularidades. Curitiba recebeu pelo menos 6,7 mil pessoas de ônibus.

    O ato de apoio a Lula juntou 30 mil manifestantes, de acordo com os organizadores. O grupo que apoiou a Lava Jato estava composto por 100 pessoas, segundo a Polícia Militar (ou 300, de acordo com organizadores).

    Os partidários do ex-presidente Lula ficaram na Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba, a cerca de 2,5 km de distância dos partidários da Lava Jato, que ficaram em frente ao Museu Oscar Niemeyer, no Centro Cívico.

    Em vídeo divulgado nas redes sociais, o juiz Sergio Moro alegou que seria um depoimento corriqueiro, dentro da normalidade. Porém, o interrogatório com Lula durou quase 5 horas. É um dos mais longos de toda a Operação Lava Jato.

    Usando uma gravata com as cores da bandeira brasileira, que Lula considera um acessório de sorte, o ex-presidente respondeu exclusivamente a Moro por 3 horas e 20 minutos. Ele prestou depoimento sobre o triplex do Guarujá e o acervo presidencial.

    Moro compareceu de camisa branca e gravata vermelha. Deixou de lado a tradicional camisa preta. Depois do magistrado, foi a vez de o Ministério Público Federal fazer perguntas. Ao final, a defesa fez considerações.

    As primeiras imagens divulgadas pela Justiça Federal mostraram que Moro insistiu diversas vezes vezes sobre o pertencimento do triplex ao ex-presidente. Lula negou ser dono do imóvel. Também negou que tenha pedido a Leo Pinheiro, da OAS, que apagasse as provas contra ele. “A verdade é a seguinte, doutor Moro: não recebi, não solicitei, não paguei e não tenho um triplex”, afirmou.

    Por volta das 19 horas, com o fim do depoimento, Lula foi ao encontro de seus apoiadores, entre eles, movimentos sociais, parlamentares e a ex-presidenta Dilma Rousseff.

    “Se não fossem vocês, eu não suportaria o que eles estão fazendo comigo”, disse Lula. “Eu não quero ser julgado por interpretações, quero ser julgado por provas. E eu queria dizer às pessoas mais velhas e às pessoas mais jovens. Eu queria que vocês olhassem no meu olho. Eu, quando pedi para que fosse transmitida ao vivo é porque a minha mãe nasceu, como todo mundo nasce, analfabeta. E a minha mãe morreu analfabeta. Mas ela dizia: Ô Lula, a gente conhece quando uma pessoa está falando a verdade não é pela boca. É pelos olhos. É por isso que eu queria que fosse transmitido ao vivo, para que as pessoas que vão assistir vejam os olhos de quem está perguntando e os olhos de quem está respondendo.”

    O ex-presidente nega todas as acusações e reafirma sua inocência. “Se um dia eu tiver que mentir para vocês, eu prefiro que um ônibus me atropele em qualquer rua deste País. Eu estou vivo”, concluiu, emocionado. Ele afirmou que  pretende se candidatar à Presidência da República.

    Em entrevista coletiva, os advogados de Lula disseram que “você não está diante de um processo jurídico, mas contra o Estado Democrático de Direito”.

  • As tentativas (fracassadas) de boicotar o apoio a Lula

    As tentativas (fracassadas) de boicotar o apoio a Lula

    Lula incomoda. Principalmente porque não está sozinho. Cerca de 15 mil pessoas vindas de todo o Brasil acamparam em Curitiba e agora seguem pelas ruas em direção à sede da Justiça Federal, no bairro Ahú. A audiência está marcada para as 14h.


    Entre as tentativas para impedir o apoio popular estão:

    – A Polícia Rodoviária Federal fechou estradas e parou dezenas de ônibus para revistar manifestantes a caminho da cidade. Foram realizadas batidas policiais com revista aos viajantes. Os oficiais estavam armados. O resultado das blitz: uma enxada e um facão de corte de madeira para instalar barracas.

    – Proibição de acampamento em praças e ruas de Curitiba. Os manifestantes ficaram numa área ao lado da linha de trem da cidade.

    – 30 outdoors com mensagens anti Lula foram instalados nas entradas da cidade. A explícita declaração de guerra usa o nome da Lava Jato para intimidar o ex-presidente. Com desenhos diferentes, eles têm dizeres como “A ‘República de Curitiba’ te espera de grades abertas”.

    – Proibição da aproximação das pessoas e veículos nas imediações do local do depoimento. O acesso será restrito apenas a moradores cadastrados pela polícia. O mapa de restrições foi feito antes mesmo da decisão judicial.

    – Proibição da saída de um caminhão de som na marcha dos manifestantes.

    – Ontem à noite, foi disparada uma chuva de morteiros no acampamento. O ataque deixou o local em estado de tensão e um manifestante foi parar no hospital com queimaduras.

    Barraca do Acampamento pela Democracia atingida por morteiro

    FOTOS: Taba Benedicto, Leandro Taques, Raquel Wanderlli, Kátia Passos, Paulo Jesus, Iolanda Depizzol, especial para os Jornalistas Livres

    Texto: Flávia Martinelli, dos Jornalistas Livres