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Tag: Mineração

  • Crime em Mariana: 5 anos se reproduzindo

    Crime em Mariana: 5 anos se reproduzindo

    Dia 5 de novembro de 2020, cinco anos do crime/tragédia das mineradoras Samarco/Vale/BHP Billiton e do Estado. Dói, mas é preciso recordar e denunciar.

    Por Gilvander Moreira*

    Pela impunidade reinante e pela continuidade da engrenagem criminosa, o Governo de Minas Gerais, as mineradoras e as autoridades não aprenderam nada com os crimes/tragédias da Vale e do Estado, em Mariana e em Brumadinho. Pior, jamais aprenderão, pois cegados pelo ídolo do mercado idolatrado estarão sempre ajoelhados se empanturrando das benesses do sistema de morte, enquanto se enlameiam de sangue por ações ou omissões cúmplices que fomentam a reprodução da mineração devastadora. Covardemente, teremos outros crimes/tragédias sendo preparados enquanto continuar a atual composição estrutural da Comissão de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) com 12 conselheiros/as, sendo 10 conselheiros/as do Governo de Minas, da União e representantes das grandes empresas de mineração (de entidades a elas ligadas) e apenas 2 conselheiros representando a sociedade civil: CEFET-MG[1] e FONASC[2]. Com essa composição tremendamente injusta e desigual, o resultado das votações é sempre 10 votos a favor dos licenciamentos de novos projetos da mineração contra 1 ou 2.

    Durante as longas reuniões de apreciação e votação de novos projetos de mineração os 10 conselheiros representantes do Estado e de entidades que representam as mineradoras quase não falam, ficam olhando no celular e ao final, SEMPRE votam a favor dos projetos de mineração devastadores. Isso é injustiça que clama aos céus! É uma casa de horrores!

    A missão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), por lei, é “garantir a sustentabilidade”, mas decidem sempre pró-mineração e contra a sustentabilidade. Em uma reunião que autorizou a retomada de mineração na Serra da Piedade, em Caeté, ao lado de Belo Horizonte, uma representante da Secretaria de Governo (SEGOV) chegou ao absurdo de dizer que “princípio da precaução não tem poder de barrar mineração”. Indignado, eu disse que já vi várias decisões judiciais impedirem/suspenderem mineração alegando o princípio constitucional da precaução. A ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em Minas Gerais, a museóloga Célia Corsino, disse em Audiência Pública na ALMG, que “jamais daria anuência do IPHAN-MG ao projeto de mineração na Serra da Piedade”. Logo depois, Célia Corsino foi exonerada da Superintendência do IPHAN, em MG, pelo Governo Federal de Jair Bolsonaro. Júlio Grillo, ex-superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em Minas Gerais, foi exonerado pelo desgoverno federal um dia após ele votar contra a retomada da mineração na Serra da Piedade.

    Os crimes/tragédias não são apenas da mineradora Vale, mas também do Estado, porque os licenciamentos ambientais concedidos pelo Governo de Minas Gerais que, em conluio com o capital, se ajoelha diante do poderio econômico das grandes mineradoras e dribla todos os argumentos técnicos e jurídicos suficientes para não conceder licenciamento ambiental a empreendimentos extremamente devastadores socioambientalmente. O Estado concede licenças ambientais para projetos devastadores e, pior, não fiscaliza. Na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Mina Capão Xavier, da Vale, em Nova Lima, MG, uma funcionária da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), do Governo de Minas Gerais, disse: “A FEAM não fiscaliza. Nós apenas lemos os relatórios produzidos por funcionários das mineradoras”. Por isso, o crime não é só da Vale, mas também do Estado que está acumpliciado ao capital desde que se iniciou há 300 anos mineração no estado de Minas Gerais.

    A impunidade do crime/tragédia acontecido a partir do distrito de Bento Rodrigues alimentou a construção de outros crimes/tragédias como o da Vale, a partir de Brumadinho. Com o passar do tempo, rastros de morte vão sendo percebidos e se avolumando. As águas da bacia do Rio Paraopeba garantiam 50% do abastecimento público de Belo Horizonte e região metropolitana. A COPASA[3] investiu 130 milhões de reais para captar água do Rio Paraopeba em uma grande obra inaugurada em dezembro de 2015, prometendo que a obra garantiria o abastecimento de BH e região metropolitana pelos próximos 25 anos. Tudo isso foi perdido. E agora, onde arrumar água para garantir o abastecimento de cinco milhões de pessoas de Belo Horizonte e região metropolitana? A nova captação de água que a Vale está fazendo no Rio Paraopeba, acima de Córrego do Feijão, na comunidade de Ponte das Almorreimas, em Brumadinho, além de estar sacrificando impiedosamente várias comunidades e aumentando a devastação ambiental, não garantirá o abastecimento de BH e RMBH por muitos anos.

     Onde há muito minério há também muita água. O Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, é também um Quadrilátero Aquífero. Os lugares onde as mineradoras se instalam eram paraísos naturais, mas após a chegada das mineradoras iniciou-se um processo absurdo que sacrifica no altar do deus do mercado a dignidade humana e a dignidade da mãe terra, da irmã água, da flora e da fauna. Bento Rodrigues, por exemplo, era um ‘paraíso na terra’, mas após a mineração da mina de Fundão, estava sendo abastecida por caminhões pipas, antes de ser devastada pelo crime tragédia da VALE/SAMARCO/BHP que aconteceu na tarde do dia 05 de novembro de 2015 e continua impune e matando de muitas formas. Em um instante, 19 vidas de seres humanos foram ceifadas. Pior, dezenas de pessoas, em 5 anos, já morreram vítimas das consequências dramáticas daquele crime hediondo e ecocida.

    Tripudiando sobre as vítimas, o Governo de Minas já autorizou o retorno da mineração da mineradora VALE/SAMARCO/BHP em Mariana, aprovou a construção da barragem de Maravilhas 3 da Vale, o alteamento da Barragem da mineradora Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, à revelia da Lei “Mar de Lama”, de iniciativa popular,  aprovada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais – Lei Estadual nº 23.291/2019.

    No Brasil, há mais de 24 mil barragens: de água para irrigação, de rejeitos de mineração com lama tóxica ou de água para geração de energia em hidrelétricas. As barragens de hidrelétricas são feitas de concreto com ferro e aço, mas as barragens de rejeitos minerários são apenas uma montanha de lama com calços quebradiços. Mais de 700 grandes barragens são de rejeitos minerários, sendo que 70% destas estão em Minas Gerais, mais de 460. Desde a década de 1970, volta e meia, alguma barragem de rejeitos minerários tem se rompido. Em Minas Gerais, houve vários rompimentos de minerodutos, o Minas-Rio, por exemplo, que consome diariamente água que dá para abastecer uma cidade de 230 mil pessoas e transporta o equivalente a 1.600 carretas de minério por dia. As nossas montanhas estão sendo arrancadas e vendidas pela metade do preço de banana e, pior, todas as nascentes, rios e os lençóis freáticos estão sendo sacrificados. As condições objetivas de vida estão em exaustão e colapso nos territórios sob a sanha das mineradoras.

    Recentemente houve mais uma operação do Ministério Público de MG com o apoio das Polícias Militar e Civil visando combater a atuação de uma associação criminosa estruturada para facilitar a concessão de licenças ambientais no âmbito da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) Zona da Mata mineira, vinculada à SEMAD. As investigações até então realizadas apontam para o pagamento de propinas a funcionários públicos e a falsificação de documentos e relatórios em processos administrativos de licenciamento ambiental.

    Ilustração de Janete

    Na Bíblia, o profeta Miqueias mostra que a riqueza de quem se enriqueceu se baseia na miséria de muitos e tem como alicerce a carne e o sangue do povo. Denuncia Miqueias: “Essa gente tem mãos habilidosas para praticar o mal: o príncipe exige, o juiz se deixa comprar, o grande mostra a sua ambição. E assim distorcem tudo. O melhor deles é como espinheiro, o mais correto deles parece uma cerca de espinhos! O dia anunciado pela sentinela, o dia do castigo chegou: agora é a ruína deles” (Miqueias 7,3-4). Os opressores dos tempos bíblicos, atualmente são os diretores, executivos, acionistas da mineradora VALE e todos os seus vassalos nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

    Na Bíblia, no livro do Êxodo se diz que o Deus da vida, para forçar a libertação do povo escravizado, enviou dez pragas sobre os faraós – com coração endurecido – do imperialismo do Egito que superexplorava o povo. A 1ª praga/prodígio é narrada em Êxodo 7,14-24: “transformou o Rio Nilo em sangue. Todos os peixes morreram. O rio ficou poluído e morto. Os egípcios não podiam beber mais da água do rio” (Êxodo 7,20-21). Depois da 1ª praga, as seguintes eram gradativamente piores, até o povo superescravizado conquistar a libertação, com a travessia do mar vermelho. Quantas barragens ainda precisarão romper e mais quantos crimes acontecer para que as autoridades ouçam os clamores do povo, da mãe terra, da irmã água e de todos os seres vivos?

    03/11/2020

    (*) Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

    Obs.: Os vídeos nos links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

    1 – Palavra Ética na TVC/BH: Crimes da Vale e Samarco. Produção de farinha/Acampamento Nova Esperança 2

    2 – Denúncia comovente/Marino/crime/SAMARCO/VALE/BHP/ESTADO/Audiência Pública da ALMG. Parte I/Vídeo 2

    3 – Massacre da Samarco/Vale/BHP: luta profética-2a Romaria das Águas/Terra-bacia do rio Doce. 3a parte

    4 – MAB na 19a Romaria das águas e da terra de MG: desastre da Samarco/Vale/BHP, pecado grave. 24/07/16

    5 – Tribunal Popular julga crime das mineradoras Samarco/Vale/BHP: crime de Mariana. BH, 01/04/2016

    6 – Vale e Estado de MG são cúmplices: Crime continua em Ponte das Almorreimas, Brumadinho, MG/06/3/2020

    7 – Vale mente e comete crimes também em Catas Altas, MG. Por território Livre de Mineração! Vídeo 1

    8 – “Meu irmão está debaixo da lama tóxica do crime da Rio Verde, hoje Vale, há 19 anos”. Bruma/Vídeo 5

    9 – “Vale comete crime e nós é que pagamos?” Ponte das Almorreimas, Brumadinho, MG. Vídeo 2 – 26/12/2019

    10 – Cresce o crime da VALE e do Estado; cresce a luta. Atingidos no TJMG, em BH. Vídeo 3 – 21/11/2019

    Obs. 2: no YOUTUBE – no canal: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos – existem centenas de videorreportagens denunciando os crimes tragédias das mineradoras Vale, Samarco, BHP, Angloamerican, SAM etc. 


    [1] Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.

    [2]  Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas.

    [3] Companhia de Saneamento de Minas Gerais.

  • VALE-Passando a boiada e atacando acampados no Pará

    VALE-Passando a boiada e atacando acampados no Pará

    Vários movimentos e entidades do Campo e de Direitos Humanos lançaram notas hoje repudiando o ataque sofrido pelos acampados da Reforma Agrário por seguranças da empresa Vale, que tantos crimes ambientais e humanitários têm promovido desde a privatização.

    FAMÍLIAS ACAMPADAS PELA FETRAF NO PARÁ SOFREM ATAQUE DA MINERADORA VALE

    O Movimento Sem Terra repudia e se solidariza com as famílias de agricultores da FETRAF-PA que foram brutalmente agredidas na noite deste domingo (21) por seguranças da empresa VALE. Entre os feriados está Viviane Oliveira, da Coordenação Nacional da FETRAF-PA.

    O acampamento em Nova Carajás, município de Parauapebas (PA), abriga 248 famílias há 5 anos. O Ministério Público já foi acionado e segundo o despacho da Procuradoria da República no município de Marabá (PA), os atos foram supostamente iniciados a partir de uma reivindicação de energia elétrica impedida pelos agentes da VALE.

    #BastaDeViolênciaNoCampo

    #QuarentenaSemTerra

    #FiqueEmCasaNãoEmSilêncio


     

    Contraf-Brasil repudia atentado ao acampamento da Fetraf-PA

    No final da tarde de ontem (21), acampados da reforma agrária, em Paraupebas, no Pará, foram surpreendidos por um ataque de seguranças da empresa Vale. Cerca de 20 pessoas foram feridas.

    No final da tarde de ontem (21), acampados da reforma agrária da Fazenda Lagoa, em Paraupebas, no estado do Pará, foram surpreendidos por um ataque de seguranças da empresa Vale.

    As famílias ocupam a área há cerca de quatro anos e desde então, negociam com a mineradora a instalação de energia elétrica para as 248 famílias de agricultores familiares que produzem e comercializam alimentos.

    Como o diálogo nesse período não avançou, as famílias se organizaram e providenciaram a realização do serviço, que iniciou no domingo.

    De acordo com a coordenadora da Fetraf-Pará, Vivan Pereira de Oliveria, durante o dia, os seguranças da Vale estiveram no local e disseram que não seria possível prosseguir com o serviço. “O próprio chefe da empresa esteve no local e conversou conosco, mas tivemos um dia pacífico. Mas por volta das 18h30, chamamos uma assembleia para parabenizar a comunidade pela contribuição no trabalho realizado e de repente fomos surpreendidos por tiros de borracha, spray de pimenta, bomba, e armas de fogo”, relatou.

    “Foi um tumulto, crianças chorando, pessoas correndo atordoadas, fugindo para o mato. Eu que desmaiei durante as ações, quando acordei, fui me render na tentativa de que eles parassem com os ataques, mas me machucaram, apertaram meu braço, me ofenderam. Gritavam que era para correr porque iriam atirar”, explicou Vivian, que informou que cerca de 150 homens armados da Vale estavam no local.

    Pela ação violenta, aproximadamente 20 agricultores familiares foram feridos. No momento, a Fetraf-Pará faz um levantamento da situação do estado de saúde deles.

    A Contraf-Brasil expressa seu repúdio e indignação ao ato cometido. O coordenador Geral da entidade, Marcos Rochinksi, questiona quanto tempo e quantas vidas mais correrão risco no campo.

    “Até quando vai continuar a violência com as famílias que não fazem outra coisa se não produzir alimentos para sustentar suas próprias famílias e para levar alimento à quem precisa? Até quando grandes empresas, como a Vale, vão negligenciar acordos firmados e deixar as famílias perecerem”, disse Rochinski.

    “É em cima disso a Contraf cobrará das autoridades uma apuração severa e punição aos criminosos porque nós entendemos que a vida está acima de tudo e vamos continuar defendendo que as famílias tenham o direito sagrado de ter acesso a um pedaço de terra para poderem trabalhar e tirar seu sustento”,finalizou.

  • Mariana e a pandemia: a catástrofe de um modelo

    Mariana e a pandemia: a catástrofe de um modelo

    ARTIGO

    Fábio Faversani, professor de História da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG

     

    No dia 7 de abril escrevi um post no Facebook (uso essa rede social como se fosse um blog) comparando a situação da cidade de Mariana, MG, na pandemia com o que poderia ser um caminhão em uma descida forte, acelerado. Havia pressões para a abertura do comércio e, de fato, o que se viu, foi um enorme relaxamento do decreto que determinava seu fechamento. Mariana acelerou. Nas palavras do prefeito, a Guarda Municipal deveria usar o bom senso no descumprimento de seu próprio decreto e no desrespeito às orientações de todas as autoridades médicas que indicavam a necessidade de uma intensificação do isolamento – e não relaxamento! Não sei que bom senso pode haver nisso. Tratou-se simplesmente de uma atitude leviana da administração municipal, que não enfrentou o problema, nem revisando a sua determinação nem fazendo-a valer. Quem acompanha o que é a pior gestão que Mariana já teve não ficou surpreso; mais do mesmo: omissão.

                    Esse cenário abriu um confronto importante na cidade entre os que defendem a abertura do comércio (para que a economia se salve) e os que defendem o seu fechamento (para que vidas se salvem). Trata-se de uma oposição falsa por diversos motivos. O primeiro deles é que a economia não vai se salvar com a mera abertura do comércio e com a volta à “normalidade”. Esqueçam! Não haverá normalidade por muito tempo. A economia vai sofrer graves prejuízos, mesmo com a liberação total do comércio. Parte das pessoas não irão às ruas comprar o que não é absolutamente essencial porque está com medo, com muitos medos bastante fundados: medo de serem contaminadas, medo da queda brutal de sua renda. Abrir ou não comércio fará pouca diferença, especialmente considerado o médio prazo, ou seja, para além do período da pandemia, aquele período difícil de volta à “normalidade”.

    Se a volta da atividade do comércio significar, como dizem todas as autoridades médicas, aumento das taxas de contágio e, por consequência, mais perdas de vidas humanas, significando o aumento do tempo de quarentena e intensificação das medidas de isolamento, teremos mais prejuízos econômicos ainda. Ou seja, não faz sentido a oposição ou salvamos a economia ou salvamos vidas. A administração dos níveis de contaminação é a chave para as duas coisas: salvar vidas evitando o colapso do sistema de saúde e diminuir os danos na economia ao não ser preciso apelar para um “lockdown” e para a ampliação do tempo das medidas restritivas.

                  No Brasil inteiro essa questão tem se colocado com força, em larga medida pela condução atabalhoada dada pelo Governo Federal, com o presidente da República dizendo uma coisa e seus ministros da Saúde dizendo outra. Isso, sem dúvida, tem um peso grande para agravar a inação do governo municipal. Em todo caso, o relaxamento (que é o nome que melhor define a atual gestão) significa acelerar, mesmo que seja uma aceleração pequena em um caminhão, para voltar à metáfora inicial, já acelerado. Não dá, como se iludem alguns, para abrir o comércio e, depois, aumentar muito os contágios e mortes, fechar e voltar à “normalidade”. Seria como um caminhão na ladeira, muito acelerado. Você pode até frear, mas o freio não responde de imediato (e, às vezes, simplesmente se perde totalmente o freio). Aumentadas as taxas de contágio, refletidas em resultados de testes e óbitos, é tarde para diminuir o ritmo. Há muitos exemplos tristes desse desastre no mundo: Milão, Nova Iorque, Guayaquil…

                 Mas nada é tão simples. Os comerciantes olham para a situação à sua volta e percebem que essa ideia de que é preciso frear a pandemia só recai sobre eles. E se perguntam (com muita razão!): de que adianta eu frear enquanto outros estão acelerando? A mineração continua funcionando; não é atividade essencial, desloca milhares de pessoas em ônibus todos os dias e os concentra nas áreas; e a mineração tem altos lucros que permitiria fazer frente aos prejuízos de uma parada (muito mais do que os pequenos comerciantes, cuja rotina é não ter qualquer capital de giro ou acesso a crédito barato, mesmo sem pandemia). O pequeno comerciante olha para as gigantes da mineração e se pergunta: meu “freiozinho” é que vai parar esse monstrão da mineração?

                  A prefeitura nada fez para que a mineração parasse. E por que não fez? Porque a prefeitura administra para eles e não para o povo (Faz tempo! Basta lembrar a época do rompimento da barragem e tudo o que veio depois com a Renova; a total subserviência que ainda se mantém, depois de tudo). Tem isso, de governar para os grandes, e tem também o problema dos impostos. A prefeitura, caso determinasse que a mineração iria parar, teria perda de arrecadação. E aí a hipocrisia vai ao limite: a prefeitura quer que o comerciante perca suas principais fontes de recursos e se aguente, mas a prefeitura não quer fazer o mesmo. Um outro ponto que os comerciantes viram com muita clareza nesse universo da diferença de tratamento foi o funcionamento dos bancos e lotéricas. Foram permanentes as cenas de filas enormes e total desorganização, com aglomeração.

                  O comerciante, que recebe um público bem menor, ficava se perguntando com razão: esse “caminhão” de gente (sem freio) e vai ser o meu negócio parado que vai deter a contaminação? Bancos têm uma lucratividade enorme, astronômica. Poderiam muito bem contratar pessoal extra da segurança para organizar e manter as filas organizadas. A prefeitura poderia exigir isso, pois lhe cabe essa regulação da prestação de serviços no município. No caso de descumprimento, pode-se até mesmo suspender o alvará de funcionamento ou estabelecer multas pesadas que permitam financiar a atuação da Guarda Municipal para suprir essa necessidade da organização das filas. O que se viu por parte do poder público foi inação. Restou confirmada a visão de que a prefeitura quer fechar os pequenos, mas se acovarda e nada faz para fechar ou até mesmo para regular a atividade dos grandes. Mineradoras e bancos fazem o que querem e aceleram o contágio.

                  A ganância dos grandes, que já matou muitos com o rompimento das barragens vai continuar matando, agora com a aceleração do contágio na pandemia. O pequeno comércio que se arrebente de pisar no freio! Não que eu seja favorável à abertura do comércio, que seria acelerar ainda mais o caminhão do contágio. Mas é fato que não faz sentido parar o comércio e deixar atividades de muito maior impacto funcionarem e contaminarem como quiserem. É preciso coerência, liderança e pulso firme para conduzir Mariana em uma crise grave como a da pandemia. Relaxamento não é a resposta.

                  O fato é que esse modelo de gestão que não visa o bem público, mas simplesmente a favorecer os grandes, manter a arrecadação dependente da mineração. É um modelo fracassado e precisa ser superado. A gestão da crise da pandemia é um desastre: prejudica os pequenos, favorece os grandes (os grandes acionistas das empresas de mineração e dos bancos não moram em Mariana!) e leva ao adoecimento dos menores ainda: trabalhadores e autônomos que serão obrigados a ter elevado nível de exposição por falta de alternativas de subsistência construídas pelo poder público e, também, pelos sinais trocados que esse emite, ora relaxando o isolamento ora querendo aumentar as restrições. Na confusão, parte do povo vai às ruas sem necessidade ou máscaras, como se nada fosse.

                  É preciso um novo modelo de gestão para Mariana, que favoreça os pequenos, diversifique a economia e preserve as vidas. Isso sempre foi necessário. A pandemia só torna mais evidente ainda a falsa oposição: a economia ou a vida. Só a preservação de vidas com uma economia mais justa. Só há crescimento econômico para todos com uma economia mais justa. Não devemos ansiar por voltar à normalidade que nos mata. Temos que criar uma nova normalidade. A que temos agora fracassou e só serve aos grandes e a seus serviçais na velha política!

    Publicado também em áudio e texto na Agência Primaz de Comunicação www.agenciaprimaz.com.br”, de Mariana

  • Crescem os casos de suicídios em Brumadinho

    Crescem os casos de suicídios em Brumadinho

     

    WILSON SANTOS, jornalista

    Uma conversa despretensiosa com o secretário de Saúde de Brumadinho, Júnio Araújo Alves, revela mais um lado doloroso após a criminosa tragédia da barragem da Vale: a cidade já registrou dez tentativas de suicídio, das quais três resultaram em mortes. Segundo ele, a literatura sobre o assunto diz que esse número deve ser triplicado, por causa da sub-notificação, o que é alarmante para uma cidade do porte de Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, com seus 37 mil habitantes. O rompimento da barragem provocou 248 mortes e ainda há 22 pessoas desaparecidos na lama. 

    Araújo tem outros números que tornam mais gritante essa consequência silenciosa do estouro da barragem no dia 25 de janeiro: a prescrição médica para uso de medicamentos do grupo ansiolíticos cresceu em torno de 80% na rede pública. Para o grupo de antidepressivos o derrame é 60% maior. Há casos em que o consumo isolado de remédios de um desses grupos explodiu em 150%.

    Tudo isso havia sido previsto pelos protocolos técnicos elaborados por especialistas logo após a tragédia. Não fosse a desenvoltura do secretário junto ao governo federal para conseguir credenciamentos emergenciais para a rede pública, o município estaria em situação ainda pior. Sem contar que uma articulação entre os ministérios públicos Estadual e Federal forçou a Vale a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) garantindo o repasse de R$ 31 milhões para o SUS local. Algo que simplesmente minimiza o estrago provocado pela mineração sem controle. Mais que revoltante, esse cenário confirma como a crueldade daquela tragédia não tem limite.

     

  • Nós vamos ficar com a morte e a doença

    Nós vamos ficar com a morte e a doença

    A comunidade de Pascoal, localizada no município de Sento Sé, no norte do estado baiano, foi uma das atingidas pela construção da hidrelétrica de Sobradinho. Ao todo, na região, mais de 70 mil pessoas foram expulsas das suas comunidades e territórios no final da década de 1970. Quarenta anos depois, o fantasma do desenvolvimento volta a assombrar a população de Pascoal e as comunidades vizinhas, Limoeiro e Aldeia. A notícia de que a anglo-australiana Colomi Iron Mineração vai investir R$ 11 bilhões em um projeto de exploração de minério de ferro no município está tirando o sono das comunidades. O sentimento é de medo!

    (Texto e fotos: Comunicação CPT Juazeiro)

     

     

    “Terrível, até hoje me arrepio quando lembro o que a gente passou”, afirma Dona Maria Francisca de Oliveira, 49, ao recordar a época em que foi reassentada por causa da construção da barragem de Sobradinho (BA). Com os olhos marejando e a voz embargada, a agricultura e professora conta que ficou na memória a imagem da tia que não queria deixar a casa mesmo com a água inundando o local. “Não saio, não saio, não vou sair de minha casa”, dizia a tia, como relembra Maria Francisca.

    A comunidade de Pascoal, localizada no município de Sento Sé, no norte do estado baiano, foi uma das atingidas pela construção da hidrelétrica de Sobradinho. Ao todo, na região, mais de 70 mil pessoas foram expulsas das suas comunidades e territórios no final da década de 1970. “Era uma esperança que a gente ia ter muito desenvolvimento, ia ter o progresso, mas até a energia a gente só veio ter depois de dez anos, quando criamos a associação, e água tratada até hoje não temos”, relata a professora.

    Quarenta anos depois, o fantasma do desenvolvimento volta a assombrar a população de Pascoal e as comunidades vizinhas, Limoeiro e Aldeia. A notícia de que a anglo-australiana Colomi Iron Mineração vai investir R$ 11 bilhões em um projeto de exploração de minério de ferro no município está tirando o sono das comunidades. O sentimento é de medo, comenta o agricultor Valmir dos Santos. “A gente tá vendo o exemplo de Minas Gerais, a TV tá mostrando”, diz.

    De acordo com informações do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), a Colomi Iron Mineração possui a licença prévia da exploração mineral em Sento Sé, ou seja, tem permissão para produzir os estudos de impactos ambientais. As licenças de instalação e operação da mina ainda não foram emitidas, mas, a população já teme os impactos que um empreendimento de mineração pode provocar nas comunidades.

    Ameaça ao Velho Chico

    O rio São Francisco fica a menos de um quilômetro das comunidades de Pascoal, Limoeiro e Aldeia. Juntos, os três povoados concentram cerca de 700 famílias, que dependem do Velho Chico para sua principal atividade: a pesca. “Nós sem água, nós não tem vida né”, destaca Seu Valmir.

    O vice-presidente do Sindicato Municipal dos Pescadores, que também é vereador de Sento Sé, Jamerson Santiago, conta que a preocupação e o medo de perder o sustento têm assolado a vida das pessoas. “A gente vive mais da pesca e da agricultura. Isso [a mineração] vai impactar a agricultura e a pesca, a nossa preocupação é essa, se tirar isso da gente a gente vai viver de quê?”, questiona.

    Patrimônio natural e cultural

    O local onde a mineração pretende ser instalada é a Serra da Bicuda, considerada um patrimônio ambiental e cultural pela população. É nesse lugar que as comunidades criam seus animais à solta (caprinos e gado) e que abriga a diversidade da Caatinga, a exemplo de plantas medicinais e umbuzeiros. “Aí no pé da serra tem uns tanques que o gado come, durante o inverno enche e o gado bebe água, a gente se preocupa de botar o gado na roça só na seca, quase todo mundo cria lá”, aponta Valmir. Dona Maria Francisca complementa que “essa serra é a nossa história, nossa vida, nosso patrimônio”.

    Mobilização comunitária

    Diante da inesperada notícia de instalação da mineração no território das comunidades, a população de Pascoal, Limoeiro e Aldeia tem se mobilizado para buscar informações sobre o projeto e promover debates sobre os impactos socioambientais que uma empresa de mineração pode provocar na região.

    Para Dona Maria Francisca, este é um projeto de desenvolvimento “para as grandes empresas, grupos estrangeiros que vêm tirar nossas riquezas”.  Na opinião da professora, a população vai “ficar com a morte e a doença e quem tem conhecimento sabe que não tem nenhum desenvolvimento”.

    De acordo com Jamerson, já foi encaminhado na Câmara de Vereadores de Sento Sé a proposta de realização de uma audiência pública e uma sessão itinerante da Câmara para discutir a temática.

  • As araras vão pagar a conta

    As araras vão pagar a conta

    Querem explorar tudo, urânio, ouro ou qualquer torrão que valha entre as pedras. Creio que vai sobrar para as araras e tantos bichos simpáticos que vivem em áreas remotas.

    Em quatro emocionantes dias, na principal convenção de mineração e exploração mineral do mundo, realizada em Toronto, no Canadá, onde tatus de gravatas, ricos e poderosos se encontram e reencontram para discutir novos buracos no planeta, o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, esteve presente e não ficou calado.

    Demonstrou todo interesse em abrir novas áreas para a mineração, e revelou o intento do governo em habilitar terras indígenas para tal.

    É do site oficial do evento as informações que seguem:

    A exploração mineral é sobre descobertas. Sem exploração, não há descobertas e, sem descobertas, não há minas. É por isso que as jurisdições competem para atrair dólares de exploração escassos, a fim de sustentar a taxa na qual os depósitos minerais são descobertos em suas jurisdições. Embora nem todo depósito seja desenvolvido em uma mina, o aumento da atividade de exploração aumenta a probabilidade de se descobrir um depósito que, em última análise, é extraído.

    O PDAC (Prospectors & Developers Association of Canada) realiza uma série de pesquisas e advocacy com governos federais, provinciais e territoriais para criar um clima de investimento atraente para a indústria de exploração mineral que aumentará a probabilidade de as empresas descobrirem depósitos que poderiam se tornar minas um dia. Além disso, o PDAC fornece ferramentas e recursos a seus membros para ajudá-los a explorar de maneira responsável e eficaz.

    O Programa Aborígine na Convenção do PDAC fornece uma plataforma para discussão sobre a promoção de relações cooperativas, respeitosas e mutuamente benéficas entre as comunidades aborígenes e a indústria mineral. Este programa traz comunidades aborígenes e empresas de propriedade aborígene junto com a indústria e outras partes interessadas para compartilhar experiências, trocar idéias e redes.

     

    Esta sessão identificará as principais questões e parcerias entre empresas de exploração e mineração e comunidades indígenas. Especificamente, os membros do painel examinarão experiências e compartilharão insights sobre operar em diferentes contextos políticos, sociais e culturais em todo o mundo e no Canadá. As apresentações explorarão como as empresas e as comunidades trabalham juntas usando soluções inovadoras para lidar com vários problemas. Ao explorar experiências de envolvimento com comunidades indígenas no Canadá e internacionalmente, esta sessão destacará alguns dos desafios únicos e comuns, bem como as oportunidades na construção de relacionamentos e no desenvolvimento de parcerias.

     Tão simples.

    Araras por Helio Carlos Mello©.