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  • Militantes celebram 40 anos do Partido dos Trabalhadores em Portugal

    Militantes celebram 40 anos do Partido dos Trabalhadores em Portugal

    De Lisboa, especial para Jornalistas Livres

    No dia 10 de Fevereiro o Partido dos Trabalhadores completa 40 anos de existência e luta. As comemorações terão eventos por todo o Brasil e no mundo, incluindo Portugal. Militantes do PT em Lisboa realizarão dois eventos para a celebração, discutindo as questões migratórias e o legado do Partido nestes 40 anos.

    No dia 10/02, data oficial da fundação do Partido dos Trabalhadores, Lisboa sediará o debate “40 anos do PT: O Legado dos Governos do PT para as Políticas Migratórias”, com início às 18h. O debate contará com a presença de Paulo Illes, ex-coordenador de Políticas para Migrantes da Prefeitura de São Paulo no Governo Fernando Haddad (2013-2016), Carlos Viana, membro fundador da Casa do Brasil de Lisboa e Cyntia de Paula, presidenta da Casa do Brasil de Lisboa. A discussão abordará as políticas públicas para brasileiros no exterior e os desafios atuais para avançar nas políticas de integração dos imigrantes em Portugal. 

    Já no dia 16/02, às 15h, acontecerá o curso “40 anos de História do Partido dos Trabalhadores”, ministrado pelos professores Rogério Bitarelli Medeiros, Doutor em Sociologia da Cultura pela Universidade de Paris 7, e Marília Falci Medeiros, Doutora em Sociologia pela Universidade de Amiens (França). O curso trará informações sobre a trajetória do Partido nos seus 40 anos, contextualizando as políticas de governo e lutas sociais ao longo do período. Ambos os eventos serão gratuitos, realizados no simbólico A Voz do Operário (Rua da Voz do Operário, 13) e abertos ao público. 

    Um dos maiores festivais progressistas do mundo pede Lula Livre

    A comissão organizadora do evento ainda reuniu vídeos de lideranças políticas e artistas que, em depoimento, comentam o que a data, para além da celebração, representa para o Brasil atual. Em um dos depoimentos, o ex-senador pelo PT do Rio de Janeiro, Lindbergh Farias, lembra que esse aniversário se passa em um período de crise democrática e ascensão de ideias fascistas e que a luta pela inocência de Lula segue sendo central, já que o ex-presidente está solto, mas não livre. No vídeo, Lindbergh lembra que o lawfare contra a maior liderança popular brasileira ainda continua e Lula segue sobre perseguição judicial comandada pela operação lava-jato, da qual o ministro da justiça de Bolsonaro, Sérgio Moro, é seu líder. 

    Legado

    A memória do PT é sobretudo lembrar dos duros períodos de chumbo, da luta pela redemocratização, dos governos que buscaram distribuição de renda e justiça social e tentaram construir uma sociedade mais tolerante com suas dívidas históricas pagas com seu povo. Nesses 40 anos de construção política pela base, o Partido dos Trabalhadores se tornou o maior partido de massas de esquerda do Brasil, o segundo maior da América Latina e um dos maiores do mundo, com 2,1 milhões de filiados até agosto de 2018, de acordo com Secretaria de Organização do PT Brasil (Sorg). 

    O PT também guarda em sua história a eleição de dois presidentes que se diferenciam de todos os outros já antes eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, primeiro ex-operário e sindicalista, e Dilma Rousseff, primeira mulher a presidir o Brasil.

    As políticas públicas dos períodos de Lula e Dilma passaram a ser elogiadas e referenciadas pelo mundo todo e foi uma contribuição histórica com a luta do povo brasileiro pelo acesso aos direitos básicos fundamentais. O programa Bolsa Família é o maior exemplo. Este foi o maior programa de transferência de renda do mundo durante, os governos de Lula e Dilma e tornou-se exemplo de erradicação da pobreza no relatório das Nações Unidas (UN). Cerca de 50 milhões de pessoas foram beneficiadas, as quais 36 milhões saíram da situação de extrema pobreza. Os programas Prouni e Reuni foram responsáveis pela expansão do acesso ao ensino superior mais que duplicando o número de estudantes, passando de 3,5 milhões em 2002 para 7,1 milhões em 2014. 

    Desafios

    O Brasil em 2020 é muito diferente do que se imaginara durante os períodos petistas. Após o golpe de 2016, a agenda de extrema direita iniciada por Michel Temer, tendo seguimento com o governo Bolsonaro, combina o ultraliberalismo, com entrega das riquezas e empresas do país, ao neofascismo, com retrocesso nos direitos humanos, incentivando a discriminação e a violência contra negros e negras, mulheres, indígenas e a população LGBT. 

    Estas políticas atingem diretamente as classes populares, maioria do povo brasileiro, que sofre com a luta cada vez mais árdua pela sobrevivência. É essa agenda que exclui direitos e concentra a riqueza que se tornou a principal ameaça à construção de uma democracia plena no Brasil. 

    Haddad em Portugal: “Sempre de forma altiva, devemos encarar os grandes desafios que temos pela frente”

    Diante do novo contexto, o partido enfrenta novos desafios em sua missão, sendo o principal deles a retomada da democracia no Brasil. Para isso, o PT anuncia, dentre várias estratégias que considera fundamental para esse processo, duas centrais: a liberdade plena de Lula, já que sua prisão política tornou-se um símbolo da ruptura do Estado Democrático de Direito; e a aliança entre os partidos de esquerda, que inclui PCdoB, PSOL, PDT, PSB, REDE, PCO e UP, na união de forças para travar um embate definitivo contra a destruição social que é o governo Bolsonaro. 

     

    Serviço

    Debate “40 anos do PT: O Legado dos Governos do PT para as Políticas Migratórias”

    10/02 – 18h – Rua da Voz do Operário, 13 – Lisboa

    https://www.facebook.com/events/634776357270043/

    Curso “40 anos de História do Partido dos Trabalhadores”

    16/02 – 15h – Rua Voz do Operário, 13 – Lisboa

    https://www.facebook.com/events/877921452678124/

    Mais informações sobre os eventos podem ser encontradas nos eventos de facebook ou através da página Partido dos Trabalhadores – Núcleo Lisboa.

     

    Confira abaixo vídeos de lideranças políticas em apoio à luta pela democracia no Brasil travada do exterior.

    A deputada brasileira do Congresso da Espanha, Maria Dantas – Esquerra Republicana de Cataluya (ERC) fala da importância histórica do Partido dos Trabalhadores

     

    Ex-chanceler Celso Amorim, coordenador dos comitês Lula Livre Internacionais, reafirma que este é o momento de pensar no futuro para reestabelecer uma democracia plena no Brasil

    O ator, humorista, diretor de teatro, cinema e televisão Bemvindo Sequeira, que mora em Portugal, também mandou seu recado de resistência

    Deputada Federal pelo PT/RJ, Bendita da Silva, se reúne com as mulheres militantes e afirma a luta pela liberdade Lula é fundamental

    Eduardo Suplicy, deputado federal pelo PT/SP  também deixou um recado para os militantes fazem a militância fora do Brasil

    Ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão

     

     

  • Ao contrário do presidente da CUT, militância não legitima Governo Bolsonaro

    Ao contrário do presidente da CUT, militância não legitima Governo Bolsonaro

    Grupos de aplicativos de conversa como Whatsapp e Telegram e redes sociais de parte da militância progressista, mas principalmente a petista, amanheceram neste 18 de dezembro pipocando mensagens sobre a entrevista um tanto polêmica que Vagner Freitas, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), concedeu ao El País Brasil, e que foi publicada ontem à noite no site do jornal.  

    Com o título “Trabalhadores votaram em Bolsonaro. A CUT vai procurar o Governo para negociar” e a linha fina “Presidente da maior central sindical do país, Vagner Freitas diz que CUT não considera presidente eleito ilegítimo e prega “oposição propositiva” ao capitão reformado do Exército”, a entrevista feita pelo jornalista Ricardo Della Coletta viralizou e chocou a militância que não reconhece este governo, mesmo eleito, como legítimo 

    Principalmente, a que estava ou assistiu o discurso de Vagner Freitas durante coletiva de imprensa, que inclusive o Jornalistas Livres cobriu, após o ex-presidente Lula depor sobre o processo do Sítio em Atibaia, em Curitiba, no dia 14 de novembro deste ano, quando o presidente da CUT afirmou não reconhecer o Governo Bolsonaro. “Todos sabem que Lula seria eleito em primeiro turno, por isso está preso. Logo, que fique muito claro que nós não reconhecemos o senhor Bolsonaro como presidente da República.”  

    Vagner Freitas em frente ao prédio da Justiça Eleitoral, quando o ex-presidente Lula depôs sobre o caso do “Sítio em Atibaia”

    Mesmo com Freitas começando a entrevista afirmando que “o Governo Bolsonaro foi eleito com uma proposta que iludiu muito os brasileiros e parcela dos trabalhadores, com fake news e utilizando estratégias vindas de outras eleições”, grande parte da militância seguiu tentando assimilar a notícia o dia todo, sem muito sucesso de compreensão da declaração. Principalmente no trecho seguinte da declaração: 

    Mas é verdade que o Governo [Bolsonaro] foi eleito por 57 milhões de pessoas e que ele vai tomar posse no dia 1º de janeiro. A CUT vai procurar o Governo para negociar os interesses dos trabalhadores. Diferentemente do que fez com o [presidente Michel] Temer, que nunca foi eleito, o senhor Jair Bolsonaro, com todas as críticas que eu possa fazer, foi eleito presidente da República. E, portanto, nós vamos tratá-lo assim, como quem foi eleito, e vamos levar a nossa pauta de reivindicação dos trabalhadores para ser negociada. Nós vamos defender os trabalhadores de qualquer ataque que possa acontecer, mas é diferente da nossa visão em relação ao Temer. Nós não considerávamos o Temer presidente eleito. 

    Para grande parte dessa militância, reconhecer o Governo Bolsonaro como legítimo é contraditório do ponto de vista estratégico da realidade do campo progressista que acredita e luta contra um golpe político imperialista que vem sendo executado no Brasil desde 2006, com o Mensalão e a prisão de José Dirceu, voltando com força em 2015 e 2016 com impeachment da presidenta Dilma Rousseff, e a prisão e impugnação da candidatura do presidente Lula, respectivamente em 7 de abril e 31 de agosto deste ano.  

    Além do golpe, como legitimar um governo que foi eleito com denúncia de campanha financiada com Caixa 2, conforme matéria publicada pela Folha de SP, da repórter Patrícia Campos Mello, que apurou ter mais de 120 milhões de contas de whatsapp compradas para bombar fake news e manipular uma população nem toda fascista, mas ignorante política? Como legitimar um presidente com requintes de fascismo, que não é do campo democrático, o que é o mínimo para a Política brasileira, e que afirmou que a Ditadura deveria ter matado mais de 30 mil, incluindo inocentes? Que enaltece torturador como o Ulstra e faz apologia a tortura e morte por fuzilamento da “petralhada? Como, sendo considerado fascista até pela mídia internacional e políticos inclusive de extrema direita 

    Outra grande preocupação geral nos chats e comentáriosa partir do reconhecimento do Governo Bolsonaro por parte do presidente da CUT, é como acontecerão essas negociações e como será a luta por direitos dos trabalhadores depois desse posicionamento. Por que Vagner Freitas acha que reconhecendo esse Governo e propondo negociações propositivas, o ministério da Justiça e Segurança Pública de Sergio Moro, que acampou a pasta do Trabalho e Previdência, irá permitir qualquer vitória dos trabalhadores, principalmente os sindicalizados?  

    A CUT tem atualmente 3. 806 entidades filiadas, 7.847.077 trabalhadoras e trabalhadores associados e 23.981.044 trabalhadoras e trabalhadores na base. Como será essa negociação entre a Central, sindicatos, sindicalizados, a base e o Governo Bolsonaro, junto com Moro, quando propuserem e colocarem em pauta a votação da Reforma da Previdência? E quando esse governo começar as privatizações das Empresas Públicas? Serão milhares de trabalhadores servidores públicos demitidos.  

    Como reconhecer legitimidade, se Bolsonaro e Moro já deixaram claro que irão criminalizar os movimentos sociais, sindicais e estudantis, ou seja, a CUT e seus sindicatos? “As pessoas têm liberdade de expressão, de manifestação, e não é diferente com movimentos sociais. No entanto, quando existem situações relativas à lesão de direitos de terceiro, invasão de propriedade privada – às vezes nem com motivações sociais, mas com motivações político-partidárias –, quando existem danos ou lesões a pessoas, não pode tratar esses movimentos como inimputáveis”, disse Moro em entrevista coletiva no dia seis de novembro desse ano. 

    O campo oprimido não pode abrir espaço para o lado opressor e dar nenhum passo para trás. Porque assim o opressor só ganha espaço, força política e mais poder.  A situação atípica de golpe institucionalizado, segundo a militância, não obriga reconhecimento de governo fascista. Pelo menos não deveria.

  • A gente tem lado – Um relato pessoal

    A gente tem lado – Um relato pessoal

    Amanheci a sexta-feira em dúvida ainda cercado de compromissos. Pairava sobre a cabeça uma nuvem de angústia, já faziam algumas noites que eu não dormia bem, me sentindo desterrado da realidade. É uma face oculta do golpe, que não toma apenas o poder político mas a própria percepção do possível e do absurdo. A hegemonia nefasta que Globo, Veja, Folha, Estadão e afins geram é tão opaca que nos faz parecer loucos aos olhos de amigos de infância, parentes, pessoas por quem muitas vezes não deixamos de ter afeto mas que hoje não se limitam a discordar de nossas opiniões, vão além: julgam que nossas opiniões são impossíveis. É uma negação total da política, que se movimenta na divergência, mas também uma negação da nossa capacidade de pensar e em suma, da nossa própria humanidade. É uma agressão e é muito doloroso de sentir.

    Eis que um amigo me chama pra ir pra São Bernardo. Depois outro. E outro. Mais um e eu cancelei tudo que tinha e fui. Nos encontramos um pouco perdidos no terminal Sacomã e uma mulher de uns 50 anos, negra, boné da CUT, estrela vermelha na camiseta, nos disse “Vocês vão pro sindicato né? É esse ônibus aqui mesmo.” Neste ônibus não cabia mais ninguém, mas nós entramos, a porta fechou logo atrás de mim e fiquei espremido contra ela. No aperto já se via mais vermelho, bandeiras, um boné com a bandeira de Cuba, um senhor com uma camiseta da campanha de 89. Era visível ali a solidez das bases que tem o PT no meio do povo, que a mídia não é capaz de destruir. Eu há alguns anos não me dizia petista, mas quanto mais essa corja podre ataca o PT mais eu fico petista; quanto mais a Globo fala mal de Lula, mais eu gosto de Lula – e mais eu detesto a Globo. O ônibus atravessava a Anchieta e as pessoas, ainda um pouco tímidas na conversa, iam jogando algumas opiniões e posicionamentos pra testar se ali já estávamos mesmo entre os nossos. Estávamos. E eu, como criança em viagem de família, perguntava a cada 5 minutos se já estava chegando.

    “Olê! Olê olê olá! Lulá! Lulá!”, descemos no ponto do pé da ladeira cantando. Na subida já encontramos mais amigos, uns que eu já conhecia, outros que eram meus amigos apenas porque estavam ali. Contei no céu 5 helicópteros. Entre as falas das lideranças políticas no trio elétrico e as canções de ordem, já circulavam boatos de que a Tropa de Choque estava chegando, mas ninguém arregou um dedo por causa disso. De repente uma vibração mais forte. Lula aparece na janela do sindicato e cumprimenta as milhares de pessoas que estavam ali. Choro pela primeira vez, por ele e pelo amor que dali emanava, pelos olhares de gratidão, solidariedade e disposição. Estávamos juntos e o nosso compromisso ali estava claro. A nuvem havia se dissipado, a angústia havia se transformado em força. Lula é meu amigo: mexeu com ele, mexeu comigo.

    O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC estava de portas abertas e nós, com os corações palpitando, entramos neste templo sagrado da esquerda brasileira, ou melhor, da humanidade. O prédio teve o abastecimento de água cortado desde a manhã sem nenhuma explicação pública, mesmo assim o sindicato providenciou água de carros-pipa, manteve os banheiros funcionando e acolheu a todos, sem ninguém que nos dissesse o que podia e o que não podia fazer, onde entrar e onde não entrar, total liberdade e responsabilidade. No terceiro andar, uma grande roda de samba, no quarto andar o bar servia cerveja, cachaça e porções de calabresa. Não era de graça, sinto a absurda obrigação de deixar isso claro, mas sim, tinha samba e tinha cerveja, tinha alegria. Porque lado a lado a gente se fortalece, cantando a gente se une e resiste à dor da violência que nos é imputada. É uma ofensa para os nossos adversários que nós estejamos alegres, pois então nós vamos cantar bem alto. Já há algum tempo venho percebendo alguns afetos do povo brasileiro que são simplesmente ingolpeáveis. A alegria da esquerda, nosso amor, nenhum golpe pode fazer diminuir.

    Soubemos então que Lula não falaria naquele dia, também que a polícia não viria. No dia seguinte, aniversário de dona Marisa, haveria uma missa aberta a todos. Lula estaria presente e só depois possivelmente se entregaria. Estava então decidido: passaríamos a noite lá. Nesse momento falei com minha mãe, sabia que ela ficaria apreensiva. Não tinha saído de casa preparado pra ficar, não me lembrava nem se tinha fechado as janelas direito, mas era simplesmente inconcebível para mim sair dali e passar a acompanhar os acontecimentos pela TV. A História estava acontecendo ali e nós éramos sujeitos ativos daquela construção, cada cabeça que se contava era importante. Eu não tinha um cobertor, mãe, mas tinha o acolhimento dos meus. O mais importante: eu estava feliz.

    Claro que não consegui dormir muito. Some-se aí mais uma noite com o sono prejudicado, mas o espírito estava pleno de energia. De manhã, dois sindicalistas me pediram pra fotografá-los diante de uma faixa com uma imagem de Lula que cobria os quatro andares do prédio. Me disseram que lembrava as faixas do primeiro de maio em Havana, pra onde eles foram numa excursão do sindicato, não pude imaginar a honra! Tiramos uma foto ali também, dá até pra ver nossos olhos cansados e incomodados. O sol matinal é inclemente com quem perde a noite, mas a essa hora já chegavam novos amigos e companheiros para a missa, trazendo uma nova vitalidade, e mesmo os que chegavam com expressões tristes logo se ambientavam no clima de acolhimento que se havia construído à noite.

    A missa começou no que havia se transformado no Vaticano da militância. Quando consegui dar a volta no trio elétrico, olhei pra cima, vi Lula abraçado com Dilma e chorei pela segunda vez. A partir daí as lágrimas não pararam mais. Entre homenagens à dona Marisa, canções, estas escolhidas pelo próprio Lula – Lulapalooza, um dos músicos brincou -, e orações como a carta de Paulo aos Coríntios e a de São Francisco de Assis – esta lida por Dilma, que saudade, Dilma! -, se lembrou sobretudo da importância do amor, do nosso dever um para com o outro naquele momento. Era evidente que estávamos ali processando um luto. Um luto necessário. Um momento para fazer as contas do que perdemos nos últimos anos, aceitar que nossos adversários políticos nos tomaram diversas trincheiras e isso culminaria no final daquele dia com a prisão do maior líder da nossa esquerda. Isso não dependia das tantas estratégias disponíveis, das tantas análises de conjuntura possíveis, nem de elaborações como esta aqui. Quem tem algum compromisso com a esquerda neste país, em presença ou em intenção, se deu as mãos naquela ladeira e rezou aquele pai nosso que encerrou a celebração.

    O que Lula falou em seguida já está sendo reproduzido e traduzido em todos os cantos da terra. O que nos atravessou, porém, não se pode reproduzir ou traduzir. Todos ali concordariam que Lula é o maior orador da história da humanidade. A sua generosidade ao apresentar todos os companheiros de luta que estavam no trio elétrico e ao apoiar as candidaturas de Manuela e Boulos, a força do seu compromisso com o povo brasileiro, esta já expressa nas suas realizações, a firmeza de sua ideologia democrática, de respeito às instituições – que justifica inclusive a sua opção por não resistir à prisão -, tudo isso foi conduzido pelo nossos corpos, que na multidão se tocavam, se apoiavam. Até os que, minutos antes, gritavam com toda a força que ele não deveria se entregar, no final entenderam e respeitaram a escolha de um homem que, convenhamos, tem mais sabedoria que nós pra decidir o que fazer naquele momento. E ele nos disse pra continuar, porque as suas idéias não podem ser presas e caminharão pelas nossas pernas, falarão pela nossa voz e baterão em nossos corações.

    “Um abraço, companheiros. E até a vitória.” Lula encerrou seu discurso como vem fazendo, dizendo que provará sua inocência e logo retornará à luta, com a expressão tranquila de quem dorme o sono dos justos. Desceu do trio elétrico e foi carregado até a entrada do sindicato, cercado pelas flores que o povo erguia, apertando as mãos das pessoas, sorrindo e chorando. As imagens disso também o mundo inteiro já viu. A comoção em que ficamos do lado de fora não tem nome. O som continuava tocando “Apesar de Você”, mas na verdade estávamos todos em silêncio. Não vi um que não chorasse, não vi um que negasse um abraço, nem um que não estivesse precisando desesperadamente de um abraço. Até agora eu choro enquanto lembro, enquanto escrevo, quando vejo uma foto, quando lembro de alguém que abracei naquela hora. Todas aquelas pessoas estão marcadas no meu coração pra sempre.

    Foi a coisa mais emocionante que eu já vivi.

    Lembro da prisão de Cunha, que não foi acompanhado nem pela esposa. Apesar da tristeza de perceber a neurose coletiva que tomou de assalto o Brasil, de termos que testemunhar absurdos completos golpeando o cotidiano enquanto se impõe a aparência de normalidade, apesar da perspectiva de tempos sombrios, ali estávamos milhares no mesmo abraço, onde tudo começou e preparados para recomeçar. Talvez a entrega de Lula sirva para nos tirar do estado de suspensão e negação em que nos encontrávamos desde o começo dos movimentos do golpe e nos leve a dar os passos além. “A gente tem lado”, ele disse em seu discurso, porque só quem é livre pode escolher de que lado está. Eu tenho lado e está claro: é com os trabalhadores que pegaram aquele ônibus comigo, com quem acenou junto quando Lula apareceu na janela, com quem tocou aquele surdo e brindou uma cerveja no terraço do sindicato, com quem dormiu naquele chão, com quem chorou junto a manhã inteira, com quem ficou sentado em frente ao portão pra não deixar Lula ir embora, com quem está disposto a seguir no compromisso de lutar. Uma certeza dessas é rara de se ter na vida.

  • Coragem para o diálogo

    Na manhã deste sábado (24), tive a oportunidade de presenciar um fato, no centro de Curitiba, que instigou minha reflexão. Um grupo de militantes petistas divulgava o comício de Lula na capital paranaense, onde o ex-presidente deve encerrar sua viagem pelos estados do sul do país na próxima quarta-feira, 28. Durante o tempo que lá estive, de um modo geral observei três tipos de reações. A dos envergonhados, que se esquivavam de pegar o panfleto, mas sem esboçar aprovação ou desaprovação; a dos generosos, que pegavam o panfleto independente de concordarem ou não; e a dos que vociferavam contra os militantes, preferindo, alguns deles, jogarem o panfleto no chão depois de pegá-lo. Desse último grupo, destaco três episódios. O primeiro foi o de um policial militar fardado que veio com ares de autoridade suprema exigir que a barraquinha do PT fosse desmontada sem qualquer fundamento legal. Questionado, preferiu se retirar sem não antes dizer que, caso não estivesse fardado, daria um tiro em alguém. Assim mesmo, audível para todos. O segundo episódio foi o de uma senhora que, aceitando o panfleto, deu um beijo no rosto da militante para, em seguida, amassar o papel e esbravejar: “Sua Judas!”. O terceiro foi outra senhora que, não satisfeita em negar o panfleto, segurou no braço de uma jovem militante para tentar convencê-la de que Lula era um criminoso e merecia a pena de morte. Somente depois a petista percebeu uma mancha em seu braço tamanha força com que seu braço foi apertado. Isto sem falar de uns e outros que se aproximavam com o puro intuito de provocação, dirigindo palavras de desaforo e condenação a Lula e ao PT. Tudo isso se passou no espaço de pouco mais de três horas. Nesse tempo, também aconteceram aproximações amigáveis e de apoio. Algo em torno de 1.500 panfletos foram distribuídos de mão em mão pelos militantes, que também investiam tempo em dialogar com as pessoas.

    Claro que Curitiba e a região Sul não representam necessariamente o Brasil, mas cabe a pergunta: como a liberdade de expressão pode ser tão ameaçada dessa maneira? Quando um bando de homens e mulheres querem impedir pela força que a caravana de Lula não ingresse em algumas cidades gaúchas, fechando estradas com suas caminhonetes possantes e seus tratores modernos, estamos falando de que tipo de gente? As cenas estão disponíveis nas redes sociais. Duas militantes foram hospitalizadas e um outro foi chicoteado como no tempo da escravidão. Bandoleiros mostraram suas armas na frente da Brigada Militar, que não esboçou reação. Será que esta forma de demonstrar descontentamento com um adversário político representa uma contribuição à democracia ou estamos falando de atitudes que a colocam em risco? O curioso é que muitos desses autodenominados ruralistas se beneficiaram dos incentivos dados pelos governos Lula e Dilma à agricultura. Certamente alguns aproveitaram o crédito a juros baixos para adquirir seus veículos e tratores. Quem sabe até alguns de seus filhos podem estar cadastrados nos programas FIES e ProUni. Ou, então, estudando em universidades públicas.

    Ruralista agride estudantes e jornalistas que acompanhavam a caravana de Lula no RS / Foto: Guilherme Santos/Sul21

    Mas, parece que a essas pessoas pouco lhes importa a análise objetiva da realidade. São torcedores de um time que joga contra o país e, o que é pior, contra a democracia. Não à toa, alguns deles empunhavam propaganda de apoio ao deputado Jair Bolsonaro e à intervenção militar. Afinal, o que pensam esses que se denominam patriotas? É uma questão difícil de responder porque existe uma contaminação generalizada de circunstâncias antecedentes. A estabilidade institucional não fica incólume quando uma presidente eleita é apeada do governo por um movimento alimentado por quem perdeu o jogo, o que inclui a mídia tradicional. Dilma foi derrubada sem crime de responsabilidade, como determinaria a lei. Isto diz muito do processo que ali brotava mais claramente desde junho de 2013. A partir desse primeiro momento, uma série de atos passam a acontecer para justificar o início e assim sucessivamente.

    Os estamentos estatais entram em cena com mais virulência porque se sentem liberados para fazê-lo desde as suas perspectivas morais e preferências políticas. A lei passa a ser interpretada na crueza do punitivismo exacerbado que a todos condena em nome de uma suposta salvação nacional. Sem estofo intelectual, representantes do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Judiciário, categorizados simbolicamente pela imprensa como heróis, se sentem avalentonados em uma missão que só a eles interessa. Nas condenações, não sobrevive outra hipótese que não seja a de levar os réus à condição de indignidade pessoal e à excrescência pública. As delações são premiadas desde que alcancem o objetivo maior de denegrir a política e colocar o país em um sem saída institucional. As delações servem ainda para sangrar e fazer desaparecer grandes empresas nacionais como se houvesse a necessidade de encarcerar a estrutura como um todo, e não somente aqueles que eventualmente delito cometeram. Infelizmente, em processos com essa característica, todos são condenados antes de qualquer julgamento.

    Depois de todos esses sinais, reverberados incessantemente pelos meios de comunicação, não é de espantar que um simples soldado se sinta no direito de ameaçar a tiros um grupo de militantes que exercem o direito à manifestação. Ou que senhoras esbravejem quando abordadas por um petista. A hierarquia foi quebrada com o impeachment e, a partir disso, a conivência entre aqueles que advogam a força bruta como solução para o país está mais do que evidenciada. Corvos alimentam outros corvos e assemelhados para imputar a desestabilização a um suposto e falacioso “perigo vermelho”. Induzem ricos e pobres, gente de bem e gente do mal, a acreditar que os governos Lula e Dilma só fizeram estragos no Brasil. E, na cena mais recente, querem espalhar que a execução de Marielle Franco foi merecida e que não se dá o mesmo destaque para outras mortes de gente desconhecida. Os argumentos são pífios, embora sejam capazes de fazer estrago.

    Na manhã deste sábado, pude ver a coragem de quem não se entrega ao fascismo nem ao derrotismo. Afinal, a pior luta é aquela que se abandona. Esse pequeno grupo de militantes petistas não se envergonha do que pensa e deu uma aula de dignidade cívica ao não aceitar as provocações. Afinal, os cães ladram e a caravana passa.

  • O QUE O CARNAVAL NOS INSPIRA?

    O QUE O CARNAVAL NOS INSPIRA?

    Por Cecília Figueira | Jornalistas Livres

    A escola de Samba “Paraíso de Tuiuti” surpreendeu o poder estabelecido e as elites, com sua garra, sabedoria e profundidade na crítica do momento atual: tratou com maestria o desmonte do Estado e das políticas públicas, da democracia, dos direitos do trabalhador e de sua aposentadoria, e a entrega do patrimônio nacional e de tantos outros temas.

    Com muito batuque, a “Paraíso do Tuiuti” deu lição de História do Brasil, que poucos hoje conhecem e sabem fazer. O povo negro e pobre, sujeito a escravidão no passado e construtor da riqueza de nosso país, denunciou com todas as letras e com muita ginga, a farsa do governo golpista, do Congresso que só defende interesses próprios, o enriquecimento pessoal e o compromisso com o neoliberalismo e o capital financeiro. Mostrou os vendilhões de nosso patrimônio apoiados por uma parcela do Judiciário e total concordância das grandes corporações midiáticas que compactuam com a escravidão até hoje.

     

    A insatisfação submersa, engasgada no cotidiano do povo, explodiu. O nó apertado e o grito rouco dos trabalhadores, do povo pobre e negro, do morro, das periferias e das favelas desatou com garra e deu seu recado:
    “Não sou escravo de nenhum senhor
    Meu Paraíso é meu bastião
    Meu Tuiuti, o quilombo da favela
    É sentinela na libertação”

    Com arte e maestria esse canto ecoou fundo. Os indignados com a situação atual de nosso pais se emocionaram e se espantaram com esta energia e a sabedoria popular.

    “Ê, Calunga, ê! Ê, Calunga!
    Preto Velho me contou, Preto Velho me contou
    Onde mora a Senhora Liberdade
    Não tem ferro nem feitor”

    Surpresa para as esquerdas, para os sindicatos, para movimentos sociais e para pessoas comprometidas com a luta e a esperança de um país melhor para todos. Essa revelação nos faz pensar- Porque as forças progressistas não estão conseguindo captar este grito do povo e insatisfação popular? Como impedir que essa força e garra, desapareçam, virem pó?No pós Carnaval, o corte das cenas impostas pelo Palácio do Planalto, a supressão do “Temer Vampiro” com a faixa presidencial, a decisão de intervenção militar no Rio de Janeiro, embotaram corações e mentes?

     

    Era de se imaginar que em São Paulo, no dia 19 de fevereiro, dia de mobilizações e paralizações contra a reforma da Previdência, o canto forte e vibrante da “Paraíso de Tuiti” inspirasse ações conjuntas e solidárias… Nem a ameaça e artimanhas do “prefake” Dória e da Câmara Municipal de mudar as regras da aposentadoria do servidor público municipal, contribuíram para que as categorias e alas se articulassem. A poucos passos e quase na mesma quadra, próximo à sede da Prefeitura de São Paulo, os manifestantes de categorias de servidores diversos e dos professores e profissionais da rede municipal de ensino se dividiram. O grito rouco da “Paraíso da Tuiti” não serviu para sugerir que pela mesma luta, os servidores tivessem sintonia e a mesma voz em uníssono.

    Da mesma forma, a arte forte dos muitos “Tuiutis” e a alegria criativa do carnaval, não sensibilizaram as lideranças de partidos, sindicatos e organizações sociais para que fossem inventivos em seus protestos: discursos pouco ouvidos se repetiram, lideranças e candidatos se fizeram presentes prá ver quem fala mais alto…

    Nenhuma participação e conversa com as pessoas que circulavam nas ruas, nos ônibus, nas lojas, nas calçadas, com o povo que está engasgado do seu lado, sem saber o que fazer também.

    Sonho com telões expondo nas ruas, nas esquinas e nas calçadas, os desfiles dos muitos “Paraíso da Tuiuti”, dos muitos “Arrastões do Bloco” que pipocaram em todo o carnaval, cantores e artistas, rappers e funks puxando músicas de protesto, vídeos sobre os desmonte dos direitos do povo brasileiro, jovens se expressando a sua maneira e tendo voz, distribuição de folhetos em linguagem clara e simples esclarecendo o povo, artistas fazendo performances, os indignados se juntando…

    Muitos blocos e escolas de samba por todo nosso Brasil, expressaram de maneira clara e precisa a insatisfação popular e a rebeldia através de seu samba neste carnaval.

    Quando será que as forças progressistas irão se sensibilizar e rever as suas práticas e linguagens?
    Por tudo isso, apesar de termos reunido um grupo significativo de militantes, onde estava o povo? Dia 19 para muitos foi uma 4ª feira de Cinzas!

    ”Meu Deus! Meu Deus!
    Se eu chorar, não leve a mal
    Pela luz do candeeiro
    Liberte o cativeiro social”
    É possível sonhar o sonho de nova militância, da união, da sintonia, da solidariedade.

  • Arte e educação de mãos dadas em BH rumo ao #OcupaTudo

    Arte e educação de mãos dadas em BH rumo ao #OcupaTudo

    Foto-reportagem de Maxwell Vilela, para os Jornalistas Livres

    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres
    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

    Os secundaristas de BH não ficam atrás na onda de ocupações do país. Os artistas Flávio Renegado e Pedro Morais estiveram visitando escolas para um bate papo com os alunos, falaram sobre o poder das ocupações e a necessidade e importância delas para o momento político, bem como o impacto delas na opinião publica.

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    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

    Eles também falaram da atenção das mídias para o assunto, e os próprios jovens se manifestaram com cartazes dizendo da invisibilização da pauta na imprensa tradicional.

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    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

    Sobre o que está acontecendo no país com a PEC 241, os aulões seguem por todo o país, e na visita os artistas passaram nas escolas Santos Dumont, Jucelino Kubitschek, e Maria Carolina Campos situadas na região de Venda Nova em Belo Horizonte para, entre abraços e apresentações, dar força para os alunos, a maioria entre 14 e 18 anos.

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    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

    Para eles, os alunos deram um show de responsabilidade e representatividade com agendas organizadas por mulheres, trans, lesbicas e homossexuais.

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    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

    As ocupações por si só já são uma aula de empoderamento.

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    Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

    Flávio Renegado explica a visita falando sobre a potência da luta conjunta dos secundaristas com a classe artística. “O sentimento de democracia e liberdade é que nos movimenta e movimenta esse juventude. Isso tem que ser cuidado e incentivado. Seguiremos lutando!”

    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres
    Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres