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  • O papel da Lei da Ficha Limpa

    O papel da Lei da Ficha Limpa

    por Luiz Alberto Gomes de Souza

    Uma prisão e uma inelegibilidade intoleráveis

    Acabou, nas últimas horas do dia 31 de agosto, pouco antes de começar o horário gratuito obrigatório às 7 da manhã do dia 1º de setembro, a sessão do Superior Tribunal Eleitoral, com um desfecho previsto, que negou o registro da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil, por estar condenado em segunda instância, caindo assim na rede da Lei da Ficha Limpa.

    A novidade foi que o ministro Edson Fachin saiu da legalidade intranacional em circuito fechado e abriu uma janela global, sinalizando que havia que levar em conta a recomendação de uma Comissão de Direitos Humanos da ONU, que indicava o direito do ex-presidente de ser candidato.

    Assim este, apesar de inelegível, paralisaria a decisão que negava o registro de sua candidatura até o julgamento do último recurso da condenação ser examinada pelo Supremo Tribunal Federal. Indicou Fachin: “Em face da medida provisória obtida no Comitê dos Direitos Humanos da ONU, se impõe, em caráter provisório, reconhecer o direito [de Lula] mesmo estando preso ser candidato”.

    Barroso mostrou a relevância da decisão do Comitê da ONU

    Meu mestre G. K. Chesterton disse que uma lógica afogada nela mesma, numa esfera circular fechada e irretorquível é sinal de insanidade. Neste nosso caso, o processo reiterativo e determinista foi rompido, com a introdução de uma variável externa. Isso trouxe inquietação aos analistas globais, que repisavam palavras do ministro Barroso, tentando abafar uma lufada de vento renovadora. A posição do juiz Fachin não foi apenas um voto discordante, mas colocou uma sinalização que saía da mesmice dominante. Aliás, o fato do ministro Barroso se deter longamente na decisão do Comitê da ONU mostrou, a contrário senso, a relevância da mesma. Não tivesse importância seria afastada com um simples parágrafo.

    A impressão que fica, para um observador atento, é que a análise de todo o processo equivocadamente parte da metade do caminho sem ir à origem do mesmo. Ali pontifica a decisão em segunda instância da IV Região de Porto Alegre, que referendou a condenação de Sérgio Moro e inclusive aumentou a pena. Uma segunda instância tem por finalidade analisar a sentença da primeira instância e, só depois de ouvir cuidadosamente as partes, ditar sua sentença.

    Ora, os juízes gaúchos (uma vergonha para nós seus conterrâneos), já traziam escritos enormes catataus de lambiscada sabedoria jurídica, com conclusões pré-determinadas, sem estar atentos ao contencioso levantado pelos advogados de ambas as partes. Como a rainha de copas da Alice de Lewis Carol, primeiro declararam a sentença já escrita e depois fingiram analisar o mérito. Tudo dentro das firulas legais formais, manchadas assim de irregularidades e de preconceitos prévios. A formalidade legal tentaria ser preservada, mas não escondia uma ilegitimidade de base.

    Impossível não ver o papel de Moro como executor de um programa previamente elaborado

    Um passo atrás e temos, no início, o julgamento de Sérgio Moro. A esta altura, em sã consciência, é impossível não ver seu papel como executor fiel de um programa previamente elaborado. E aí radica o vício de outra origem ilegítima.

    Toda a argumentação do juiz de Curitiba se assenta nas obras de um triplex que nunca foi propriedade de Lula, visitado talvez ocasionalmente por Marisa Letícia e que não interessou a nenhum dos dois. Em standby ficou o caso de um pequeno sítio de Atibaia, a ser lembrado se necessário.

    Antes de mais nada, espanta a dimensão ridícula dos possíveis crimes atribuídos a um presidente da república. Compare-se essa materialidade chinfrim com o que Temer recebeu no porto de Santos, Alckmin no transporte urbano de São Paulo ou o pedido sôfrego por dinheiro de Aécio. Os três seguem impolutos e intocáveis. Mas, é claro, para os setores de uma elite preconceituosa, um operário só poderia ter crimes à altura de sua insignificância. A que outra coisa aspirariam Lula e Marisa Letícia a não ser migalhas? No caso, com o agravante do triplex estar encravado na zona nobre de Guarujá. Já essas elites têm dificuldade de conviver num mesmo condomínio de luxo, com familiares de Ronaldo Fenômeno ou de Neymar Jr. A diferença é que estes últimos têm dinheiro a rodo, que tudo compra. Lula teria apenas a ambição modesta de um morador do ABC paulista.

    O próprio Moro falará de indícios esparsos e minúsculos, para chegar a uma condenação maiúscula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Indícios não são provas. Antes, o procurador Deltan Dalagnol, com uma teatralidade ridícula, trouxera para os meios de comunicação esquemas vazios de conteúdo, que colocavam Lula no centro de uma terrível armação criminosa.

    O impeachment baseado em argumentos inconsistentes e desproporcionais

    A própria materialidade era assim rala e inconsistente. Meça-se sua dimensão real e tudo cai como um castelo de cartas em parco equilíbrio. Mas é neste terreno movediço que se assenta instável todo o processo condenatório. Há exatos dois anos, Dilma Rousseff foi afastada da presidência, vítima da vingança de um Eduardo Cunha então poderoso, hoje atrás das grades. Os argumentos eram também inconsistentes e desproporcionais para a gravidade de um impeachment, as chamadas pedaladas fiscais, atrasos no repasse da União – usadas à farta por seus antecessores -, e dois decretos de crédito suplementar, para fazer frente a gastos urgentes.

    No caso de Lula, uma vez armado e azeitado o circo jurídico, toda a discussão daí em diante passaria a ser meramente formal: Lula, condenado em segunda instância, é inelegível, pela Lei da Ficha Limpa. Do ponCNBBnto de vista processual, essa conclusão passaria a ser considerada formalmente correta. Novamente a lógica de uma argumentação encerrada nela mesma. Foi quando entrou o elemento exterior de uma resolução internacional que, pelas mãos do ministro Fachin, rompeu esse círculo fechado e mostrou a fragilidade da argumentação e a má fé do ministro Barroso.

    A Lei da Ficha Limpa

    Mas vamos nos deter no papel da Lei da Ficha Limpa. Como diretor do CERIS, fui um dos que enviou, para os 5.500 mil municípios, listas para alcançar mais de um milhão de assinaturas. O movimento levou um certo tempo mas frutificou. Carrinhos cheios de calhamaços carregados de assinaturas, entraram parlamento a dentro, numa afirmação de democracia participativa que atropelava a tranquilidade dos lentos processos da democracia representativa. Pela magnitude do caso, não podia ser ignorada e, inclusive, poderia servir como boa publicidade para mostrar parlamentares atentos à moral e ao bem comum.

    Aqui temos o caso de uma Lei virtuosa posta a serviço de processos viciosos. As leis, por melhores que sejam, não vivem no abstrato, mas podem ser utilizadas pelos mais diferentes motivos. É uma enorme ingenuidade pensar que valem por elas mesmas. Numa sociedade de classes não há real isonomia universal, mas ela está minada por conflitos sociais. Será utilizada para as mais diferentes motivações e interesses.

    Vejamos alguns exemplos. João Capiberibe perdeu seu mandato no Amapá, por presumivelmente ter dado sapatos em período eleitoral, na compra de votos. O caso do Maranhão é escandaloso. Jackson Lago foi afastado do governo do estado por possíveis favores a familiares e, incrível, a perdedora, nada menos que Roseana Sarney, foi rapidamente empossada, sem chamar a nova eleição. E agora que Flávio Dino, pelas pesquisas, poderá ganhar ali no primeiro turno, uma juíza do interior o declarou inelegível por favorecimento municipal contra um cunhado de Roseana, novamente candidata a perder eleição.

    Assim, a lei da Ficha Limpa pensada, talvez um pouco ingenuamente, como um fator automático de aprimoramento democrático, vai sendo usada e abusada para as piores finalidades.

    A ética e a moral

    Aqui quero introduzir uma distinção entre ética e moral. A ética tem a ver com grandes princípios norteadores de um processo civilizatório. Ela não é estática, mas se explicita no seio de uma consciência histórica determinada. Assim, o princípio de democracia, na sociedade escravocrata de Atenas, é diferente daquele do mundo da gentry (os proprietários do capitalismo inglês), depois da Glorious Revolution de 1688. E também daquelas sociedades com sufrágio universal, ainda que atravessadas por desigualdades estruturais.

    Carlos Nélson Coutinho falou de democracia como valor universal. Porém esse valor não é um absoluto categórico abstrato, mas se concretiza numa determinada sociedade. E a consciência histórica vai evoluindo para explicitar novos valores, nem sempre pacíficos num começo: a igualdade de gênero, os direitos da multiplicidade dos mais diversos gêneros, etc.

    Mas a moral, normas de convivência social, é ainda mais colada a uma situação concreta. Coincidem num mesmo tempo as mais diversas e inclusive contraditórias morais. Vejam a moral corrente da Arábia Saudita diante de uma moral ocidental. Os setores dominantes usam, numa sociedade determinada, sua interpretação da moral para fortalecer sua hegemonia (“direção intelectual e moral da sociedade”, na definição de Gramsci).

    A moral pode inclusive descambar num moralismo caricato próprio de alguns setores de classe média, sensíveis ontem a um chamado da então UDN (“a eterna vigilância”), do Clube da Lanterna na origem do golpe de 1964, ou de um lacerdismo raivoso. Bolsonaro, hoje, é mais ambíguo, pois seu moralismo é ofuscado por forte intolerância e preconceitos.

    A impugnação da candidatura de Lula está a serviço de interesses muito concretos

    Por que digo tudo isso? O processo de impugnação da candidatura Lula, enrolado num processo legal bem azeitado, está claramente a serviço de interesses muito concretos. Usa-se a moral da Ficha Limpa, para justificar a desqualificação de um candidato insuportável para setores do poder. Mas o que assusta a esses ainda mais, é a amplitude do apoio popular crescente. Como armar barreiras jurídicas para detê-lo?

    O arcabouço jurídico não é estático, mas sujeito a pressões do interior da sociedade ou de seu exterior, como indicou o ministro Fachin, sobre a decisão do comitê dos direitos humanos das Nações Unidas. Ou o impacto de um manifesto dos mais importantes intelectuais do mundo inteiro em favor de Lula. O apartheid foi lancetado por uma pressão interna na África do Sul, mas principalmente por um movimento internacional.

    Como uma formalidade jurídica é posta à prova

    Como uma formalidade jurídica é posta à prova pela materialidade de um grande movimento histórico? Isso aconteceu no movimento abolicionista, em que a legalidade escravocrata foi derrotada por um anseio crescente de setores urbanos da população e pelos melhores intelectuais de seu tempo, de Joaquim Nabuco a Ruy Barbosa, passando pelos poemas de Castro Alves. Um movimento semelhante está em marcha, para além das próximas eleições, com Boaventura de Sousa Santos ou Leonardo Boff e as canções de Chico Buarque.

    Hoje, uma ampla aliança de setores populares, em comum com um pensamento progressista – desde que este rompa com pequenos dogmatismos – podem levar o Brasil a uma retomada de sua construção como nação. E a uma revisão em profundidade de uma juridicidade claudicante que vai sendo, aos poucos, superada por caduca e inconsistente, diante da grande ética contemporânea e de uma legitimidade democrática cidadã.

    Notas

    1 Essa matéria recebeu o selo 036-2018 do Observatório do Judiciário.

    2 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

     

  • Com Dodge, PGR revive os tempos de “Gaveta” da República

    Com Dodge, PGR revive os tempos de “Gaveta” da República

    Da Redação Agência PT de Notícias

     

    Desde a posse, a procuradora-geral pediu o arquivamento de mais de quarenta inquéritos, a maioria envolvendo políticos do PSDB, PMDB e da base aliada

    O PT herdou dos tucanos uma Justiça enfraquecida. Órgãos fiscalizadores sem autonomia, Polícia Federal falida e um Procurador-Geral da República que ganhou a fama de “engavetador” por barrar qualquer processo que envolvesse o governo.

    Geraldo Brindeiro foi nomeado quatro vezes por FHC, contrariando o voto dos demais procuradores. Porém, o governo Lula mudou esse sistema tucano. Quando Lula assumiu a presidência, passou a vigorar um critério muito mais democrático: a lista tríplice. Tanto ele quanto Dilma sempre nomearam o procurador mais votado dentre os próprios procuradores.

    Depois do golpe, a escolha do Procurador-Geral da República deixou de obedecer a esse critério: Michel Temer ignorou o mais votado e optou por nomear Dodge como substituta de Rodrigo Janot. Em meio ao escândalo das delações de Joesley Batista, era esperada dela uma postura mais “discreta” em relação ao governo.

    Dois meses depois da posse, Dodge pediu o arquivamento 24 inquéritos de uma só vez,

    a maioria envolvendo políticos do PSDB, PMDB e da base aliada.

    De la pra cá, mais de dez inquéritos envolvendo figurões do MDB foram arquivados ou estão parados. A Procuradoria livrou Eliseu Padilha de ser processado por crime ambiental, arquivou uma investigação contra Romero Jucá parada há mais de 10 anos e outra contra o “angorá” Moreira Franco.

    Dodge também está segurando a denúncia contra Michel Temer no caso dos portos. A pauta pareceu andar nos primeiros meses com delações e pedidos contra aliados, mas estacionou depois que a PGR pediu, em fevereiro, que a investigação fosse prorrogada por mais sessenta dias. E anda sumida do noticiário desde então.

    A balança da PGR também é mais leve com o PSDB.

    No caso mais recente, Dodge ignorou a denúncia de irregularidades na chapa coligada a Geraldo Alckmin. Essa não é a primeira vez que o tucano é tratado com “republicanismo” pela PGR. Em maio, o vice de Dodge na procuradoria pediu para que uma investigação contra Alckmin – por suspeita de caixa 2 pago pela Odebrecht – voltasse à Justiça Eleitoral, livrando-o da Lava Jato.

    A PGR também arquivou denúncia contra Aloysio Nunes e livrou José Serra duas vezes de ser investigado: por caixa dois e recebimento de propina no Rodoanel. Também evitou que Beto Richa fosse investigado pelo massacre contra os professores no Centro Cívico, em Curitiba (PR).

    O único alvejado pela PGR foi Aécio Neves,

    embora a procuradoria não tenha feito qualquer objeção à sua candidatura em MG.

    Já a candidatura de Lula, o pedido de impugnação veio em tempo recorde.

    O voluntarismo da PGR só parece funcionar mesmo com as lideranças do PT. De treze manifestações de Dodge envolvendo o partido, o arquivamento foi solicitado apenas uma única vez. Dodge já advogou a condenação de Gleisi Hoffmann (em processo no qual ela foi inocentada por unanimidade), recorreu da decisão do STF que permitiu que José Dirceu aguardasse seu julgamento em liberdade e reagiu várias vezes contra os recursos de Lula no STF e no STJ.

    O caso do habeas corpus de Lula é o que melhor ilustra esse fenômeno. Dodge pediu a aposentadoria compulsória do desembargador Rogério Favreto do TRF-4 – que concedeu a liberdade a Lula no dia 8 de julho – , mas não apontou erros na conduta de Sérgio Moro, com o qual manobrou para impedir o cumprimento da lei: em entrevista ao Estadão, o chefe da PF revelou que ela ligou pessoalmente para coagir os agentes a não libertarem Lula.

    Por conta dessa atuação parcial escrachada,

    deputados do PT avaliam pedir o impeachment da procuradora. 

    “Para além de qualquer questão processual, esse episódio é a maior prova da seletividade e parcialidade dessa senhora”, opina o deputado Wadih Damous (PT-RJ).

    Ele também chama atenção para o silêncio de Dodge sobre a determinação da ONU para que Lula tenha todos os seus direitos como candidato garantidos. Histórica defesa dos tratados internacionais, ela não fez qualquer comentário sobre o caso. “Mostra que ela põe a conveniência política acima das convicções. Valem os acordos para qualquer caso, menos para Lula”, completa.

     

     

    Notas

    1 Matéria publicada originalmente em http://www.pt.org.br/com-dodge-pgr-revive-os-tempos-de-gaveta-da-republica/

    2 Essa matéria recebeu o selo 035-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

  • Absolvição de major contraria provas, diz membro do Condepe

    Absolvição de major contraria provas, diz membro do Condepe

    O júri presidido pelo juiz Anderson Fabrício da Cruz absolveu, por 4 a 3, o major Herbert Saavedra ontem (29/8). Ele era acusado pela morte de Douglas Silva e Felipe Macedo Pontes, ambos com 17 anos, em São Bernardo do Campo. O Ministério Público já anunciou que vai recorrer.

    O assassinato dos dois jovens

    Na noite do dia 30 de novembro de 2011, os amigos Douglas e Felipe estavam saindo de moto da escola estadual onde estudavam no Bairro Demarchi, em São Bernardo do Campo, quando foram abordados pelos 3 PMs da Força Tática.

    Posteriormente, os policiais disseram que eles eram suspeitos de um roubo no bairro. “Porém, esse suposto roubo jamais ocorreu, já que nenhuma ocorrência do tipo foi registrada na Delegacia da área, assim como nenhuma vítima ou testemunha do suposto crime foi localizada pela própria polícia”, afirma o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana), que acompanha o caso desde o início.

    As investigações do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) demonstraram que Felipe foi assassinado na própria abordagem e Douglas foi morto a caminho do Hospital, após, inclusive, ter dito a uma testemunha que temia ser morto pelos PMs no caminho ao Hospital, por ter presenciado o assassinato de seu amigo na abordagem policial.

    “Existem fortes indícios de que os adolescentes foram executados pelos PMs, já que conforme os laudos do IML, Douglas levou 5 tiros e Felipe recebeu 4 disparos”, afirma Ariel, complementando que o laudo residuográfico do Instituto de Criminalística não constatou resíduos de pólvora nas mãos das vítimas.

    A denúncia do Ministério Público

    Após 4 anos de investigações, os policiais militares Herbert Saavedra, Alberto Fernandes de Campos e Edson Jesus Sayas Junior, se tornaram réus no Processo Criminal pelos 2 homicídios. Na época, o juiz Fernando Martinho de Barros Penteado, da Vara do Júri de São Bernardo do Campo, acatou a denúncia criminal apresentada pela promotora de Justiça Thelma Thais Cavarzere.

    Na denúncia, a promotora afirmou taxativamente que “os imputados mataram Douglas para assegurar a ocultação e a impunidade do homicídio que praticaram contra Felipe”. Por fim, a promotora denunciou os 3 PMs pelos 2 homicídios qualificados.

    Sentença de Pronúncia da Vara do Júri de SBC

    No dia 17 de fevereiro de 2017, após terminar a fase de instrução processual, na qual foram ouvidas as testemunhas do crime e analisadas todas as provas e laudos produzidos durante o Inquérito da Polícia Civil, o juiz titular da Vara do Júri de São Bernardo do Campo, Fernando Martinho de Barros Penteado, decidiu que os réus deveriam ser julgados pelo Júri Popular, entendendo que estavam presentes os “indícios suficientes de autoria e materialidade” com relação ao envolvimento dos PMs  com o crime. A sentença cita os depoimentos das testemunhas protegidas, que foram ouvidas em audiência, que afirmaram que os jovens estavam desarmados e foram assassinados pelos policiais militares.

    O relato de Ariel de Castro Alves sobre a abolvição

    “O resultado do Júri foi uma afronta ao senso de Justiça e um estímulo à violência policial. A decisão dos jurados contraria frontalmente as provas dos autos. Uma testemunha ouvida pela polícia e pela justiça, um frentista de um posto de gasolina que trabalhava em frente ao local dos fatos, disse que viu a abordagem, onde os jovens saíram da moto com as mãos na cabeça e desarmados, quando os policiais fizeram vários disparos contra eles.  A testemunha ainda chegou a presenciar os PMs forjando provas no local do crime, para simular um suposto confronto. Ela afirmou ter visto os policiais tirando armas de fogo de dentro da viatura da PM e colocando as nas mãos dos jovens. Essa e outras testemunhas foram ouvidas na Vara do Júri, durante a instrução do processo criminal. Felipe foi atingido por 4 disparos e Douglas por 5 tiros. Mais um caso terrível de impunidade, que só gera mais violência. Policiais violentos geram riscos para toda sociedade.”

    Notas

    1 Para mais informações sobre a federalização das investigações:

    Autos do Inquérito Policial não foram encontrados por 8 meses Em julho de 2012, o Ministério Público Federal de São Paulo, após ser acionado pelos advogados André Alcantara e Ariel de Castro Alves, pediu ao Procurador Geral da República a federalização das investigações sobre as mortes dos 2 adolescentes. Na época, os autos do Inquérito Policial estavam sumidos há 6 meses. Porém, 2 meses depois do pedido de federalização, os autos do Inquérito Policial foram encontrados no Fórum de Santo André e não no de São Bernardo, onde deveriam estar. http://www.prsp.mpf.gov.br/sala-de-imprensa/noticias_prsp/31-07-12-2013-mpf-em-guarulhos-sugere-federalizacao-de-homicidio-de-dois-adolescentes-em-sao-bernardo-do-campo

    2 Para mais informações sobre a demanda da Human Rights Watch por providências do governo Alckmin

    Human Rights Watch cobrou providências do Governador de São Paulo Em 29 de julho de 2013, a ONG (Organização Não Governamental) internacional Human Rights Watch apresentou um documento ao Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, citando os assassinatos de Douglas e Felipe, em São Bernardo do Campo, como exemplo de “casos padrão” na atuação da Policia Militar Paulista, nos quais “policiais executam pessoas e, em seguida, acobertam esses crimes”. http://www.hrw.org/pt/news/2013/07/29/brasil-execucoes-acobertamentos-pela-policia

    3 Essa matéria recebeu o selo 034-2018 do Observatório do Judiciário.

    4 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
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  • Brasil deve garantir direitos políticos de Lula, diz CNDH

    Brasil deve garantir direitos políticos de Lula, diz CNDH

    Nota pública do CNDH em reconhecimento à legitimidade do Comitê de Direitos Humanos da ONU
    O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão autônomo criado pela Lei n° 12.986/2014, vem, através desta Nota Pública, expressar seu reconhecimento à legitimidade do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), enquanto órgão de monitoramento do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de conferir interpretação autêntica do tratado internacional e, nesse sentido, reafirma o respeito às suas decisões.
    Nesse sentido, está em consonância com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos a decisão do Comitê de que Lula possa exercer seus direitos políticos, inclusive com acesso apropriado à mídia e a membros do seu partido político, enquanto candidato às eleições presidenciais de 2018. O CNDH entende, assim, que as medidas interinas adotadas pelo Comitê devem ser cumpridas pelo Estado brasileiro, independentemente de seu caráter vinculante, como expressão de sua boa-fé no cumprimento de obrigações internacionalmente assumidas quanto à implementação de direitos humanos no país.
    Brasília, 27 de agosto de 2018
    CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH

    Notas

    1 Essa matéria recebeu o selo 033-2018 do Observatório do Judiciário.

    2 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
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  • É imperativo restaurar o respeito à presunção de inocência

    É imperativo restaurar o respeito à presunção de inocência

    por Antonio Maués – Professor da Universidade Federal do Pará

    Embora o Brasil ocupe o 4º lugar no ranking de países com maior número de pessoas presas, o poder judiciário vem ordenando a prisão de condenados em segunda instância, enquanto ainda estão pendentes recursos que podem levar à absolvição do réu, à redução da pena ou à mudança em seu regime de cumprimento. Essa situação decorre, especialmente, de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tomada em 2016, que relativizou o princípio da presunção de inocência previsto na Constituição e permitiu que os tribunais do país, mesmo antes do trânsito em julgado da condenação, determinassem o início do cumprimento da pena, agravando a situação em um sistema carcerário que contava, em junho de 2016, com mais de 726 mil pessoas presas.

    Para denunciar o erro dessa decisão e lutar pela revisão da jurisprudência, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) lançou, em agosto, a Campanha Nacional pela Presunção de Inocência, em conjunto com outras entidades, como a Associação Juízes para a Democracia e o Coletivo Transforma MP. A campanha busca fazer valer o disposto no art. 5º, LVII, da Constituição de 1988, segundo o qual: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, garantia também prevista em tratados internacionais de direitos humanos e que visa proteger o direito à liberdade de todos os cidadãos e cidadãs.

    A importância da presunção de inocência é ainda maior no contexto do sistema carcerário brasileiro, que coloca em condições sub-humanas os presos, dentre os quais, 64% são negros e 45% são analfabetos ou não conseguiram concluir o ensino fundamental. Além disso, estima-se que 35% das pessoas presas no Brasil não foram ainda condenadas definitivamente e, portanto, podem ser julgadas inocentes ou terem suas penas atenuadas. As constantes revoltas em presídios no Brasil, que levam a mortes e várias outras ações violentas, demonstram cabalmente como neles ocorre uma situação grave e permanente de violação de direitos fundamentais, o que o próprio STF reconheceu ao declarar o sistema carcerário brasileiro um “estado de coisas inconstitucional”.

    Aqueles que defendem o cumprimento da pena antes da decisão final argumentam que essa medida é necessária para evitar a impunidade. Porém, o princípio da presunção de inocência não impede que ocorra a prisão do réu antes do trânsito em julgado de sua condenação, desde que haja motivos para decretá-la. Além de gerar injustiças, o cumprimento antecipado da pena tende a piorar as condições do sistema carcerário. Segundo estudo da Defensoria Pública, somente no Estado de São Paulo foram expedidos mais de 13 mil mandados de prisão com base na decisão do STF, embora 44% dos recursos apresentados pela DPE-SP ao Superior Tribunal de Justiça levem à redução da pena ou à absolvição dos acusados. Na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, 49% dos habeas corpus apresentados às instâncias superiores conseguem atenuar a pena imposta pelas instâncias inferiores.

    O STF tem a oportunidade de corrigir seu erro por meio do julgamento de ações declaratórias de constitucionalidade cujo relator, Min. Marco Aurélio, já autorizou serem levadas à decisão do tribunal. Vários ministros têm se manifestado no sentido de que a presunção de inocência vem sendo desrespeitada no Brasil e reconhecem a urgência de rever a jurisprudência sobre a matéria.

    A mobilização capitaneada pela ABJD pretende acelerar esse processo. Em quase todos os estados do país, núcleos da ABJD têm realizado seminários e debates sobre a presunção de inocência para apresentar à opinião pública os graves problemas que decorrem desse descumprimento da constituição e dos tratados internacionais de direitos humanos. Além disso, a ABJD tem coletado assinaturas em um abaixo-assinado que será entregue ao STF no início de setembro.

    Todas as pessoas podem participar da campanha, baixando os materiais que se encontram no site da ABJD: www.abjd.org.br.

    Notas

    1 Essa matéria recebeu o selo 032-2018 do Observatório do Judiciário.

    2 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
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  • Fux: “o charlatão togado”

    Fux: “o charlatão togado”

    Charlatão, nos ensina Houaiss, é “que ou aquele que se apresenta nas praças ou nas feiras para vender drogas e elixires reputados milagrosos, seduzindo o público e iludindo-o com discursos e trejeitos espalhafatosos (diz-se de mercador ambulante)”. Ou, por extensão, no sentido pejorativo: “diz-se de ou pessoa muito esperta que, ostentando qualidades que realmente não possui, procura auferir prestígio e lucros pela exploração da credulidade alheia; mistificador, trapaceiro, impostor”.

    Por que Zé Dirceu assim qualifica Luiz Fux, em Zé Dirceu: Memórias?

    Precisamos voltar um pouquinho na história.

    O denunciante do Mensalão, Roberto Jefferson, teve seu mandato de deputado federal cassado por ter feito “acusações sem provas’. Foi o que concluiu a Câmara Federal. Sem se deter nesse “detalhe”, o Procurador-Geral da República, Antônio Fernando Souza, afirmou na sua denúncia ao STF: “Relevante destacar, conforme será demonstrado nesta peça, que todas as imputações feitas pelo ex Deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas.”

    “A expectativa era que o plenário do STF não aceitasse a denúncia. As próprias CPMIs não provaram que houvera compra de votos e muito menos minha participação nessa suposta compra”, afirma Zé Dirceu. A verdade é que o STF acolheu a denúncia e, em 2012, ele foi condenado.

    Joaquim Barbosa, em ato “demagógico” e apoiado numa figura de “trânsito em julgado parcial”, avalia Zé Dirceu, determinou sua prisão no dia de comemoração da proclamação da República em 2013.

    Como explicar as atitudes de Barbosa e de outros ministros do STF, indicados pelo próprio governo Lula?

    “Nunca me opus à [indicação} de Joaquim Barbosa, porque toda sua vida em Brasília, profissional e acadêmica, aconselhava. Ele era progressista, eleitor do PT, convivia em nosso meio, mas depois, já no cargo, revelou-se um autoritário e assumiu o papel que a mídia e o Ministério Público queriam”, declara.

    As pressões para a escolha de um ministro do STF vêm de todos os lados: do próprio STF, dos Tribunais de Justiça, do Congresso, da mídia etc. Afirma ele:

     

    “Nós não tínhamos força para fazer isso [indicar somente ministros progressistas], porque nós dependemos do Parlamento, do Senado, felizmente, vamos dizer assim. E dependemos dos poderes que existem no país. O Supremo influencia a indicação do ministro, o STJ nem se fale. O que o governo tem pendente lá no STJ bilhões, dezenas de bilhões e problemas gravíssimos, entendeu?”

     

    Mesmo assim, ele acredita que somente Cezar Peluso e Carlos Alberto Direito, dentre os indicados durante os governos do PT, eram declaradamente conservadores. Todos os outros indicados eram progressistas, alinhados com a causa da democracia e do PT. Houve, porém, desagradáveis surpresas com vários deles.

    Fachin, que fez uma veemente defesa de Dilma em um ato em que ele próprio pedira para falar, “se fazia amigo e aliado de todos os movimentos sociais, na academia e na advocacia – um engodo.”

    Barroso se considera “refundador da República”, ele acha “que os fins justificam o meios e hoje muda a Constituição, legisla, usurpa o Poder Legislativo, tudo com base no princípio constitucional da Moralidade, uma fraude”. Complementa Zé Dirceu: “Esse lenga-lenga que corrupção é de político, a corrupção está na essência e no coração do capitalismo, porque o dinheiro é que está na essência e no coração … isso não quer dizer que temos que aceitá-la.”

    Ele acredita que as prerrogativas dos juízes, como a vitaliciedade, a exposição conferida pela mídia e a submissão a grupos de pressão são os principais responsáveis pelas ações contrárias às histórias de certos ministros. “A única coisa que eu cobro é coerência com sua história, coragem para enfrentar os lobbies, coragem para enfrentar o poder da mídia, coragem para enfrentar esse punitivismo que tomou conta do Brasil”, pontua ele.

    Sobre Luiz Fux, Zé Dirceu é mais incisivo:

    “E tem o caso do Fux, que é um caso aberrante, porque ele procurou … todos os réus da Ação Penal 470, chamada de Mensalão, para … ele me assediou. Sabe o que é assediar uma pessoa até me encontrar? Para dizer … primeiro ele conhecia realmente o processo, as vírgulas do processo … para bater no peito e dizer que matava no peito, que nos éramos inocentes e que ia nos absolver. Esse é um charlatão ou não é?”

     

    A Ação Penal 470, conhecida como Mensalão, indicou, para ele, o início da “virada da Suprema Corte na direção do populismo judicial e do ativismo político, da judicialização da política, a Corte Suprema a serviço da luta contra a corrupção, quando os fins justificam os meios – era somente o começo”.

     

    Notas

    1 As declarações de José Dirceu foram extraídas i. do livro Zé Dirceu: Memórias. São Paulo, Geração Editorial, 2018. 496 p. (https://www.zedirceumemorias.com.br/) e da entrevista que Zé Dirceu deu à TV 247 (https://youtu.be/DLV6hRVmY3Q.)

    2 Essa matéria recebeu o selo 030-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.