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  • “TromPetista” e “Pilha” recebem carta de Lula em solidariedade a repressão

    “TromPetista” e “Pilha” recebem carta de Lula em solidariedade a repressão

    “Eles (Governo Bolsonaro) precisam aprender que Democracia não é um pacto de silêncio, mas sim uma sociedade em movimento em busca de liberdade. Que toquem os trompetistas do Brasil inteiro para acordá-los para a realidade.” Essas foram as palavras do ex-presidente Lula essa semana para os ativistas brasilienses Fabiano Leitão, o tromPetista, e Rodrigo Pilha, do canal Botando Pilha, numa carta em solidariedade às suas liberdades de expressão. 

    Na quarta-feira, 16, Fabiano Leitão e Rodrigo Pilha foram repreendidos pela Polícia Militar em frente ao prédio do Palácio do Itamaraty, em Brasília, antes e depois de uma ação de protesto que eles fizeram na chegada e na saída da visita do presidente direitista neoliberal fundamentalista da Argentina, Maurício Macri, ao presidente direitista neoliberal fundamentalista, Jair Bolsonaro.  

    Após a saída de Macri, Fabiano tocava trompete e Pilha transmitia ao vivo em seu canal e páginas nas redes sociais, quando o trompetista foi abordado por um policial e encaminhado a uma delegacia próxima por estar sem o porte dos documentos. Pilha foi questionado pela transmissão e, após apresentar documentos, liberado em seguida. Já o trompetista, mesmo dizendo seu nome completo e número do RG (Registro Geral) ao policial, só foi liberado após passar algumas horas detido na DP para averiguação. 

    “É um abuso de autoridade isso, para intimidar mesmo. Não é proibido, nem contra a lei, sair de casa sem documentos, muito menos tocar trompete em forma de protesto, nem transmitir ao vivo. Só na Ditadura Militar repreendiam e prendiam pessoas por esses motivos. Com a Constituição de 1988, isso caiu. E nós vamos lutar até o fim pela Democracia e liberdade do nosso país e contra esse golpe que prende não só nosso presidente Lula, como todos e todas as vítimas desse sistema, e que foram contempladas com políticas públicas para as minorias”, afirmou Fabiano. 

    Segundo a advogada ativista, Tânia Mandarino, não existe legislação que obrigue o cidadão brasileiro a portar os documentos identificatórios, portanto, ninguém pode ser detido “para averiguação” com fins de identificação, especialmente após ter passado os dados do RG. “Esse procedimento é ilegal e constitui crime de abuso de autoridade”. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LXI, diz que “preceitua dever ocorrer a prisão somente em decorrência de flagrante e por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária”. 

    Nessa mesma linha, a Lei 12.403/11, norma infraconstitucional, ao dar redação atual ao artigo 283 do Código de Processo Penal determina que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso de investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. “A chamada prisão para averiguação não foi recepcionada pela Constituição de 1988”, explica a advogada.  

    A segunda repressão da semana veio da própria Rede Globo, mais especificamente do repórter Marcos Losekann. Durante entrada dele ao vivo no Jornal Hoje de ontem, sexta-feira, 18, Fabiano Leitão tocou ao fundo um dos hinos dos petistas, “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula!”. Após finalizar a transmissão, Losekann foi atrás e repreendeu o trompetista. 

    Contudo, Fabiano recebeu a carta do ex-presidente Lula com muito carinho e felicidade logo após ele entrar ao vivo com Losekann, no link da Globo. “Essa carta foi o melhor presente da minha vida. Ainda bem que li logo depois da ação, se não eu poderia perder o foco. Imaginei ele escrevendo, fiquei emocionado. Tudo que fizemos por ele vamos continuar fazendo”, finaliza o trompetista. 

    Para Pilha, a carta é um gesto generoso de Lula. “Ficamos muito emocionados, porque significa um alento, um abraço e um aceno de quem reconhece a nossa luta. Mas nada tira a nossa indignação e tristeza com o fato dele estar pagando com a sua liberdade o preço de ter desafiado a elite perversa do nosso país. Não descansaremos enquanto ele não for libertado”. 

     

    Reprodução: carta do ex-presidente Lula aos ativistas Fabiano Leitão e Rodrigo Pilha na íntegra

     

     

  • Manifestações na Argentina e “isto aqui não é Brasil”: Qual a síntese possível?

    Manifestações na Argentina e “isto aqui não é Brasil”: Qual a síntese possível?

    Por Rosane Borges*, especial para os Jornalistas Livres

    Nas últimas semanas, um amigo argentino, que mora em Buenos Aires, Rodrigo Alvarez, me “achou” no Instagram. Imediatamente reiniciamos interlocução sobre literatura, política e cinema, temas que partilhamos mutuamente há pelo menos uma década. A intensificação dos colóquios coincidiu com a eclosão das manifestações contra as reformas trabalhista, fiscal e da Previdência, o chamado “pacote de ajustes”, proposto pelo governo de Mauricio Macri. O episódio, como era de se esperar, foi o tema principal das nossas conversas.

    Entre vídeos curtos e comentários enviados por Rodrigo, eu fiz menção à frase que teria sido enunciada pelos insurgentes: “Isto aqui não é o Brasil!” (expressão que me levou, machadianamente, a pensar com meus botões – a mim e à torcida do Flamengo, vide a enxurrada de posts e comentários nas redes sociais). Como é sempre fácil ser sábio no dia seguinte, comecei a desfiar um rosário de justificativas para o paralelo estabelecido: “é preciso lembrar que uma das tradições argentinas mais fundas é a máxima de que a rua manda na política”, falei entusiasmada. Continuei: “estamos examinando a expressão aqui no Brasil criticando grupos e pessoas que a reproduzem para atestar uma certa apatia nossa, o que não é verdade”, disparei mais à frente.

    Em meio ao rosário, Rodrigo, entre atônito e descrente, me interrompeu: “Mas, Rosa [como costuma me chamar], eu estava nas manifestações e em nenhum momento eu escutei frase desse gênero”. No que retruquei: mas a manifestação teve dimensão alargada, será que você não deixou escapar frações do levante pela sua incapacidade física de testemunhar todas as ações in loco”? Ele ponderou: “É possível, mas acho muito improvável. Acompanhei a cobertura da manifestação no Twitter e todas as palavras de ordem lá, no Twitter, tiveram reverberação” Provocativo, continuou: “acho estranho uma frase dessa chegar no Brasil e não ser captada por nenhum instrumento de comunicação local que deu visibilidade aos gestos e palavras das pessoas na rua”.

    A essa altura, a ponderação de Rodrigo me fez pensar (de novo, machadianamente!) mais do que a frase que aqui ressoou como palavra de ordem. Enquanto conversava com ele, abri diversas abas na Internet, até aonde o computador permitiu sem travar, à procura da ocorrência e nada encontrei como prova testemunhal.

    Um site, reconhecido por detectar fakenews, comentou: “Não encontramos nenhuma referência a essa frase nos jornais argentinos e tampouco nos jornais de outros países. Nem mesmo no Twitter essa frase aparece nas buscas em espanhol e, curiosamente, só aparece nas buscas em português!”

    “Isto aqui não é o Brasil”

    De fato, algo me inquietou na frase reputada aos manifestantes. Espalhando-se rapidamente nas redes sociais, tais como os incêndios florestais, ninguém parece saber de onde a informação adveio originalmente. Pareceu que a força das ruas em Buenos Aires tinha que ser traduzida livremente por parte da nossa imprensa como um recado para o Brasil. A pergunta que insiste, aparentemente ingênua, é: mas por que, do ponto de vista jornalístico, não perseguimos o poder das manifestações na Argentina (repito, que já se tornou uma tradição) ao invés de atribuir-lhes enunciado que serviriam de exemplo/lição para o nosso país?

    Ao invés de insistirmos na síntese “Isto aqui não é Brasil”, ganharíamos muito em perseguir o acontecimento na forma como se mostrou. O acontecimento é a própria lição. Carrega sentido próprio. A potência do acontecimento, bem ao modo do filósofo Gilles Deleuze, é a matéria-prima para a exploração jornalística. Insisto novamente: temos a História e os fatos cotidianos para estabelecer comparações, parâmetros, análises pontuais…

    Entender como a “rua manda na política” na Argentina poderia ser um portal de entrada para possíveis comparações com o estado da arte da política no Brasil. Fazer isso por meio de atalhos, carimbando uma manifestação com uma expressão que, pelo visto, não foi pronunciada, resulta em prejuízo informativo. Buscar compreender parcial e provisoriamente o fenômeno também não significa desconsiderar o poder das transformações sociais e políticas aqui no Brasil por meio das manifestações populares (exemplos temos vários), mas nos leva a pensar, por exemplo, como o clamor das ruas aqui nem sempre é ouvido pelos governantes com a rapidez que deveria.

    Reatualizar essa tradição (de que a rua manda na política) não corresponde afirmar que no país vizinho está tudo tranquilo e favorável: Macri tinha os votos para levar a reforma adiante. Ainda possui amplo apoio dos congressistas, o que o faz persistir no avanço das reformas. A distância que o separa da crise de 2001, que aconteceu também em dezembro, é telescópica. Lembremos: naquele ano o grito “fora todos” provocou uma cascata em que cinco presidentes diferentes governaram o país em duas semanas e a morte de 38 pessoas nas ruas. Sem falar no chamado corralito (retenção dos depósitos bancários). Nenhum desses elementos compõe o cenário atual.

    Mesmo com a repressão crescente aos manifestantes, a força das ruas na Argentina maculou em definitivo um pacote de medidas que se anunciava como o remédio para melhorar a vida de todos. As imagens violentas tiveram o papel pedagógico de mostrar ao mundo que medidas impopulares estão sendo rechaçadas pela população que faz da insurreição uma via inescapável para correção de rota.

    Sem sombra de dúvidas, as manifestações solicitam: ouçamos o que as ruas dizem e como se movimentam. Tentemos captar os germes desta insurreição que poderá, em muito, lançar luz no terreno arenoso da política brasileira.

     

    *Rosane Borges, 42 anos, é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).

  • ENTENDA O QUE MUDA NO SISTEMA DE APOSENTADORIAS DA ARGENTINA, SEGUNDO A PROPOSTA DE MAURICIO MACRI

    ENTENDA O QUE MUDA NO SISTEMA DE APOSENTADORIAS DA ARGENTINA, SEGUNDO A PROPOSTA DE MAURICIO MACRI

     

    Por Úrsula Asta especial para Jornalistas Livres

     

    Atualmente, as aposentadorias são modificadas duas vezes por ano (em março e setembro) pela chamada “lei de mobilidade da aposentadoria”. É uma norma que foi aprovada em 2008. Antes desta lei, aprovada durante a administração Kirchner, o governo nacional decidiu discricionariamente quanto se aumentaria as pensões.

    Segundo o projeto aprovado no Senado, e que agora pela segunda vez o governo argentino pretende adotar na Câmara para que se torne lei, a fórmula de aumento de aposentados e pensionistas, ou seja, dos veteranos da Guerra das Malvinas, pessoas com deficiência e beneficiários do plano social Atribuição Universal por Criança, seria alterada.

    De acordo com o projeto de reforma das pensões, a mobilidade (aumentos) será baseada em uma variação de 70% da inflação e em um aumento de 30% de acordo com a correção dos salários, que será aplicado trimestralmente nos meses de março, junho, setembro e dezembro de cada ano. Com este cálculo, os aumentos seriam inferiores do que até agora. Por exemplo, o próximo aumento dos aposentados será de 5,7%, em vez de um aumento de 12%, que seria o aumento de acordo com a fórmula atual. O que implicaria milhares de pesos em perdas para o bolso anualmente.

    Além disso, a nova lei concederia ao empregador o poder de intimar o trabalhador a se aposentar, uma vez que este último alcance 70 anos e atenda aos requisitos de aposentadoria.

    Além disso, o estado nacional diz que garante aos aposentados com 30 anos de contribuições o pagamento de um suplemento monetário até atingir uma pensão equivalente a 82% do valor do salário mínimo, vital e móvel. No entanto, o aumento não seria significativo uma vez que, atualmente, a aposentadoria mínima representa 81,8% desse salário mínimo. Ou seja, é quase nulo.

    Finalmente, é importante enfatizar que essa reforma – ou ajuste a aposentados e a todos que recebem pensões – vai de mãos dadas com outros projetos, a reforma tributária e a reforma trabalhista. Todos os três envolvem perdas de direitos e do poder de compra para a maioria.

  • Vozes iguais: a diversidade do Encontro Nacional de Mulheres na Argentina

    Vozes iguais: a diversidade do Encontro Nacional de Mulheres na Argentina

    Feito por mulheres negras, travestis e transexuais, migrantes, lésbicas e bissexuais, dos povos originários, prostitutas, defensoras descriminalização do aborto, mães, indígenas e tantas outras, o Encontro transformou a maior cidade da província de Santa Fé em um local de fortalecimento e luta. Com oficinas de temas como ativismo feminino, sexualidade, aborto, bissexualidade e lesbianidade, HIV, maternidade, prostituição e trabalho sexual, estupro, tráfico de mulheres, violência de gênero, mulheres dos povos originários, mulheres campesinas e rurais, afrodescendentes, e mulheres migrantes e latinoamericanas, o encontro autoconvocado ainda teve cerimônia de abertura, ato das mulheres e rodas de conversas informais durante a programação. A relatoria completa do que foi debatido em cada uma delas pode ser encontrada na página do Encontro.

    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    A rede de feministas que se formou através do Encontro contra os casos de violência na Argentina tem conseguido êxito, porém a luta ainda está longe do fim. Na agenda de lutas deste ano estavam as denúncias a artistas e figuras públicas como Cristian Aldana, vocalista da banda argentina “El Otro Yo”, por casos de violência contra mulher, estupro e pedofilia; o combate à morte de mulheres trans e travestis e à impunidade dos assassinos, lembrando o aniversário de um ano do caso de Marcela Chocobar, assassinada de maneira cruel e negligenciada do direito de estar nas estatísticas de feminicídio e de ter um enterro digno; e inúmeros casos de mulheres desaparecidas pelas redes de tráfico e prostituição.
    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    Como conquistas, esta edição foi marcada pela primeira roda de mulheres afro, e comemorou a resolução do caso de Belén, jovem de 27 anos da cidade de Tucumán acusada de assassinar o próprio filho, presa e condenada a 8 anos de prisão por ter tido um aborto espontâneo, que só saiu da cadeia graças à pressão popular. Também foi pontuada a importância de seguir com as grandes manifestações do “Ni Una Menos”, marcha que é filha do Encontro de Mulheres e que diz não ao feminicídio no país e na América Latina.

    A tradicional marcha de mulheres foi reprimida pelas forças da polícia. Este é o segundo ano que isso acontece, e a polícia tenta impedir que a marcha passe em frente à Igreja e proteste contra ela com balas de borracha e spray de pimenta. Mais um reflexo do avanço da direita na América Latina e da política que se instaurou com o início do governo de Maurício Macri, no final de 2015.

    Para o Brasil, o modelo argentino que surgiu em 1985 e traz delegações de mulheres de todos os cantos do país serve para apontar um caminho de união diante do cenário atual. Abaixo, é possível sentir um pouco do que foi dito no Encontro. As falas aqui citadas não tem nomes. Esta opção política se dá por entender a construção horizontal do Encontro argentino, que colocou mais de 70 mil mulheres divididas em 67 oficinas em diálogo, e não pertence à nenhuma organização, mas à pluralidade de opiniões e vozes da mulher argentina e migrante.

    “Quantas companheiras trans terminaram o Ensino Médio? Precisamos ser capacitadas e aprender para poder ocupar postos de trabalho, e que nestes nós sejamos incentivadas a terminar os estudos, porque mais do que uma cota trans, na Argentina nós precisamos de respeito e de conseguir concluir a escola.”

    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    “Devemos levar em conta qual é a nossa história e onde estamos parados para ver onde temos que lutar. Dar espaço para a cultura é dar uma arma de luta pra nós mulheres. Nos confortamos quando estamos juntas. Temos que dialogar para mudar.”
    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
     “Nós eramos 5 irmãs. Porque eu considero que somos todas irmãs. E mataram a minha irmã trans. Marcela Chocobar, desaparecida, assassinada, esquatejada. Nós encontramos seu corpo destroçado, sem pele. A mataram com tanto ódio que Marcela, que era alegre e divertida, sempre presente, não pode ser reconhecida. Somos 5 irmãs que estivemos sempre juntas e me custa dizer que hoje somos 4. Seguimos pedindo que se encontrem os restos do corpo dela, e há um ano de sua morte, nos dói dizer que ela ainda é considerada um homicídio simples.”

    “As redes de tráfico de mulheres são fruto da existência da prostituição compulsória e dos prostíbulos como um lugar que aceita a mulher como mercadoria. Ela é tão mercadoria que é submetida a exames de HIV e doenças para a proteção dos clientes que as consomem e se sentem totalmente descartáveis. Muitas mães ainda procuram suas filhas. E da porta pra dentro do puteiro, não existe proteção, não existe camisinha, não existe choro.”

    “Queremos que escutem nosso pedido de justiça. Em Salta, norte argentino, temos registrados 53 casos de companheiras violentadas pela Polícia e pelo patriarcado. Além de ser difícil dizer o que acontece com mulheres em situação vulnerável e de prostituição, de ser dolorido dizer, denunciar, ainda temos que aguentar a justiça nos pedindo para assinar papeis sendo que a maioria de nós não sabe ler e escrever. Somos pobres, excluídas do estado, muitas em situação de rua, e o tema não é só o tráfico de mulheres, a polícia também é parte disso. O mesmo que nos batia na rua era o que recebia a denúncia.”

     

    “A gente se exalta não porque não nos ouvem, não nos respeitam e nossa violência sofrida, guardada ao longo dos anos, é tanta que dói, machuca e tem que sair.”

     

    “Para ter direitos, temos que nos meter na política, porque ela que transforma a realidade. Temos que pressionar nossos dirigentes em nossos movimentos para que nos coloquem nos espaços de decisão porque não pode haver uma trans mais sem saúde, educação, morrendo e sem trabalho.”

    “Nós somos a classe obreira, nós construímos tudo. Então se rompermos tudo, vamos reconstruir tudo. O encontro é de todas e respeitaram nossas decisões, aqui não tem liderança, não tem movimento, aqui existem mulheres que resistem e querem brigar pela mudança.”

     

    “Cuidamos muito de nós mesmas que estão perto da gente, diante deste mundo que estamos. Dói ver que a sexualidade e a expressão da sexualidade de uma irmã possa causar a ela risco de morte.”

     

    “Temos que levar nossas lutas não somente na mente, mas também no coração, porque é com o coração que chegamos às pessoas.”

    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
  • ARGENTINA: Dezenas de protestos contra demissões em massa e sucateamento dos serviços  públicos

    ARGENTINA: Dezenas de protestos contra demissões em massa e sucateamento dos serviços públicos

    Se há algo que se pode dizer sobre Maurício Macri é que ele não desperdiça tempo. As primeiras semanas de seu mandato foram marcadas por políticas radicalmente opostas a sua antecessora, Cristina Kirchner, tanto no nível econômico quanto no social. Em menos de três meses, o novo governo já acabou com o controle cambial, reduziu taxas e cotas para exportação, elevou à taxa de juros e fez cortes na folha de pagamento do Estado. Este último representa milhares de funcionários públicos sem emprego. “O que está havendo é uma mudança brutal. A partir de 10 de Dezembro, há uma concepção muito diferente do papel do governo. Ele reivindica um enxugamento do Estado, que se traduz em uma enorme quantidade de demissões, que até hoje chegam a 25 mil e há mais 25 mil previstas para os próximos meses”, explica a pesquisadora formada na Universidade de Columbia, nos EUA, e professora na Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO), Victoria Basualdo.

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    Apesar do número de exonerados do cargo crescer a cada semana, esta posição não ficou sem resposta. Na última sexta-feira, foram organizadas diversas manifestações e eventos em diferentes pontos da Argentina, onde os despedidos, ativistas e a população como um todo protestaram contra as dispensas arbitrárias e injustas. Ocorreram pelo menos 14 manifestações, 11 na província de Buenos Aires, 2 no Mar de La Plata e uma no Uruguai, no distrito de La Rocha. Somente em um ponto de protesto, bem na frente do Congresso argentino, os organizadores acreditam que cerca de 2.000 pessoas participaram.

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    O evento foi chamado de 29Ñ, em referência a um tipo de massa italiana, o nhoque. Na Argentina, o nhoque é tradicionalmente preparado no dia 29 de cada mês. Deste costume, se derivou um apelido pejorativo a funcionários que não comparecem ao local de trabalho, exceto para receber seus salários no fim do mês: os “ñoques”. Este estereótipo do empregado ausente é utilizado para justificar as demissões em massa que, supostamente, apenas eliminam quem pesa no orçamento, mas não trabalha.

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    Para contrariar este discurso, os argentinos literalmente “botaram a mão na massa”. “O governo de Macri se apropriou desta ideia (o ñoque) do imaginário popular argentino como uma desculpa para fazer demissões massivas, nós faremos o mesmo” explica Mariele Scafati, da Acción Emergente, um dos coletivos que organizou os protestos. “Organizamos uma ação de fazer e comer nhoques no espaço público como forma de protesto”. Na última sexta-feira, dia 29, montaram uma cozinha popular onde se preparava nhoques junto com os passantes na rua, distribuindo-se pratos e denunciando, a partir da ironia, a arbitrariedade das demissões.

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    Também foram organizadas mesas de debates, apresentações de músicos e artistas, além de se montar um espaço onde os despedidos poderiam falar a população, explicando as funções e as atividades que exerciam antes de serem exonerados. Entre eles, está a jornalista Milva Benitos que, desde 2013, trabalhava na agência de notícias estatal Infojus. Ela foi uma dos 10 profissionais demitidos em uma equipe de 40 pessoas – o que representa um corte de um quarto da força de trabalho. Trabalhava 8 horas de segunda a sexta, no entanto, isto não a impediu de perder o emprego no dia 25. “Nós perguntamos por que fomos demitidos? O telegrama oficial afirmava que não havia uma causa, de qualquer forma exigimos uma explicação. Pablo Flagra, assessor do ministro de Justiça simplesmente disse que foi uma decisão política.”, conta a jornalista.

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    “É arrasador. As pessoas chegam a seu trabalho e há um cerco policial ao redor dos prédios. Eles têm uma lista que define quem pode entrar ou não para trabalhar” diz Mariele Scafati, da Acción Emergente. Os trabalhadores também se sentem intimidados. Eles temem que qualquer publicação crítica nas redes sociais ou um passado em movimentos de oposição ao atual regime seja suficiente para enquadrar o servidor como ñoque e justificar sua demissão. O que também serve para inviabilizar manifestações pelos direitos trabalhistas e por um serviço público mais eficiente.

    Foto: Facción Argentina

    No dia 07 de Janeiro, a vicepresidenta do país, Gabiela Michetti, encerrou o contrato de 2.035 funcionários públicos do Senado argentino, além de 600 trabalhadores no Centro Cultural Kirchner. Dentre estes, está José Maria Costantini. “Nos expulsaram do trabalho sem perguntar quem éramos ou o que fazíamos, simplesmente nos consideravam ñoques”. José elaborava políticas públicas para pessoas com deficiência, trabalhando por sete horas diárias. Ele explicava que suas funções era entrar em contato com pessoas com deficiência e, com base no que avaliava, elaborava propostas de políticas que ajudassem suas necessidades.
    Sofrendo de paralisia infantil, sua posição devia ser garantida pela Legislação de Inclusão Laboral para Trabalhadores com Deficiência, que reserva pelo menos 4% dos cargos públicos para pessoas com deficiência. No entanto, ignorando totalmente a lei, ele e mais 49 colegas perderam seus empregos pela “decisão política” do governo Macri.

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    Estes cinquenta conseguiram fazer valer seus direitos e foram reincorporados. Apesar de recuperar seu cargo, José Costantini não se sente tranquilizado. Para ele, a experiência serviu como aviso de que o emprego de ninguém está a salvo e, é perfeitamente possível que ele ou outros trabalhadores serão cortados novamente.  “Nossa preocupação é que há muitos outros companheiros nesta situação. Estou aqui (no 29Ñ) para prevenir novas demissões de pessoas com deficiência.”

    A vice presidenta justificou as demissões no twitter, afirmando que “a quantidade de empregados do Estado é injustificada” e argumentando que não teria caixa para pagar seus salários. Os últimos dados oficiais para argentina, apontavam um desemprego de 6 por cento e uma inflação de 14 por cento antes da ascensão do novo presidente, enquanto medições privadas apontavam uma inflação de mais de 25 por cento. Foi organizado um site na web para acompanhar o número de demissões desde a chegada de Macri ao poder, El Despidometro. Até a publicação desta reportagem, 25.022 pessoas perderam seus empregos no Estado Argentino. A expectativa é que, nos próximos meses esse número poderá chegar a 60 mil pessoas.
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