Jornalistas Livres

Tag: Mariana

  • Atingidos denunciam a Vale na Europa

    Atingidos denunciam a Vale na Europa

     

    Atingidos, representantes de moradores e famílias vítimas de crimes cometidos pela mineradora Vale estão levando suas queixas e denúncias contra a empresa na Suíça, mais precisamente em Saint Prex, onde está a sua sede. “Fomos até a porta e pedimos uma conversa. A representante da empresa disse que ia verificar e não se dignou a voltar com a resposta. Chamou a polícia e foram eles que informaram que a empresa não nos receberia. Falamos da situação de Brumadinho e de Mariana, em Minas Gerais e do Piquiá, no Maranhão, na Amazônia brasileira. Exigimos justiça, reparação integral e garantias de não repetição”, informou Carolina de Moura Campos, coordenadora da Associação dos Moradores da Jangada, vizinhos da mina da Vale em Córrego do Feijão, distrito de Brumadinho, MG.

    Para pressionar a Vale e lutar pela criação de legislação que impeça novas tragédias como a de Brumadinho ou Mariana, vítimas das barragens da mineradora, advogados e ativistas estão percorrendo a Europa para denunciar a empresa, cobrar respostas do governo e de companhias europeias e alertar sobre a impunidade da Vale. O grupo pretende se reunir com investidores, políticos e representantes de organismos internacionais em sete países. A agenda inclui reuniões com relatorias especiais da ONU, audiências com membros do Parlamento Europeu e do parlamento alemão, representantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento, além de investidores da Vale e de empresas compradoras dos minérios extraídos no Brasil, promovendo ainda debates públicos e manifestações públicas. O grupo suspeita que a Vale promove evasão fiscal por meio de sua sede em Saint Prex, que reúne dezenas de diretores com altos salários.

    O grupo tem à frente a Articulação Internacional de Atingidas e Atingidos pela Vale, representada por Carolina de Moura, e reúne ainda Marcela Rodrigues, familiar de vítima do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, e Danilo Chammas, advogado popular da organização Justiça nos Trilhos, além de Antônia Flávia da Silva Nascimento, moradora da comunidade de Piquiá de Baixo, no Maranhão, impactada pela siderurgia e pela ferrovia da Vale. Eles passarão pela Espanha, Suíça, Alemanha, Holanda, França, Itália e Bélgica.

    Em Genebra, o grupo participará de reuniões na ONU sobre formas de responsabilizar empresas por violações de direitos humanos e da natureza. Levará seus problemas também ao Sínodo da Amazônia que está acontecendo em Roma. “Nos próximos dias, o objetivo é denunciar a impunidade corporativa da Vale e das empresas a ela associadas, a ameaça de retomada das operações no complexo Paraopeba, em Brumadinho (mina da Jangada), a falta de compromisso real da empresa e do Estado brasileiro com as medidas de reparação integral e de garantias de não repetição em Brumadinho e Bacia do Rio Doce, em Minas Gerais, e em Piquiá de Baixo, em Açailândia, na Amazônia”, afirmou Carolina de Moura.

    Confira abaixo os objetivos do grupo na Europa:

     

    Jornada internacional frente aos crimes da mineração no Brasil

     

    Esta lista de transmissão funcionará até o dia 10 de novembro de 2019. Seu objetivo é disseminar informações e mobilizar jornalistas e formadores de opinião para que deem repercussão às atividades de denúncia e incidência que estamos realizando de 3 de outubro a 5 de novembro em alguns países europeus (Espanha, Suíça, Alemanha, Holanda, França, Itália e Bélgica). A agenda inclui participação nas atividades da Campanha Global pelo Desmantelamento do Poder Corporativo, reuniões com relatorias especiais da ONU, audiências com membros do parlamento europeu e do parlamento alemão, representantes da OCDE, de investidores da Vale e de empresas compradoras dos minérios extraídos no Brasil, além de debates públicos e ações de protesto pacífico.

    Entre as várias denúncias necessárias diante da dramática situação do Brasil, estamos tratando de:

    – Denunciar a impunidade corporativa da Vale e das empresas a ela associadas, a ameaça de retomada das operações no complexo Paraopeba, em Brumadinho (mina da Jangada) e a falta de compromisso real da empresa e do Estado brasileiro com as medidas de reparação integral e de garantias de não repetição em Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, e em Piquiá, na Amazônia Brasileira.

    – Divulgar os conceitos criados pelas populações atingidas: terrorismo de barragens, zonas de sacrifício e de alto risco de morte, indústria da reparação, entre outros.

    – Demonstrar a relação de causa e efeito entre as ações de empresas europeias em geral e alemãs em particular e as violações de direitos humanos e danos ambientais no Brasil, com especial destaque para os crimes da Vale.

    – Defender a importância de uma lei na Alemanha e outra em toda a Europa sobre a devida diligência em relação a toda a cadeia de valor. Que as empresas se comprometam a fiscalizar a origem das matérias primas que utilizam na fabricação de seus produtos e imponham condições às mineradoras e produtoras de ferro-gusa.

    – Denunciar a falência do modelo mineral no Brasil, as pretensões de avanço sobre a Amazônia; as ameaças e ataques ao sistema de proteção ambiental e em especial o automonitoramento de barragens, que tem se mostrado ineficiente e tem trazido insegurança e pânico a milhares de pessoas.

    – Fazer memória dos crimes, dignificar as vítimas, não deixar cair no esquecimento, denunciar a impunidade, valorizar o trabalho das defensoras e defensores e buscar solidariedade internacional.

    – Relembrar os perigos à vida e integridade física e psíquica por que têm passado os defensores de direitos humanos e da natureza no Brasil.

    – Denunciar as falsas soluções apresentadas pelas empresas, pelos governos e pelo mercado diante da crise climática global e chamar a todos os cidadãos e cidadãs da Europa a sua responsabilidade.

    Enviaremos notícias, releases e fotos das atividades periodicamente.

    Neste momento participamos do programa Ciudades Defensoras de Derechos Humanos, na Catalunha, Espanha. Daqui seguiremos para Genebra (Suíça), para participar da sessão do grupo de trabalho das Nações Unidas para um tratado vinculante para responsabilizar internacionalmente empresas violadoras de direitos humanos e da Natureza.

    Estamos também fortalecendo a divulgação das atividades do Sínodo da Amazônia que está acontecendo em Roma neste mesmo período.

    Estamos abertos para receber informações que possam enriquecer as nossas denúncias nessa jornada.

    Agradecemos por todo apoio e solidariedade.

    Carolina de Moura Campos, coordenadora geral da Associação Comunitária da Jangada – Brumadinho e membro da Articulação Internacional de Atingidas e Atingidos pela Vale.

    Danilo Chammas, advogado popular da equipe da Justiça nos Trilhos, defensor de comunidades atingidas pela Vale na Amazônia Brasileira e em Minas Gerais, membro da Articulação Internacional de Atingidas e Atingidos pela Vale.

    #valeassassina
    #salveajangada
    #criseclimatica
    #salveaamazonia
    #piquiadaconquista

  • O que eles querem ver?

    O que eles querem ver?

    Por Mauro da Silva com o apoio de Miriã Bonifácio para o Jornal A Sirene (jornalasirene.com.br)

    Em Mariana, o “casarão” da Fundação Renova/Samarco, localizado na Praça Gomes Freire, está continuamente servindo como ponto turístico da cidade, onde são expostas maquetes referentes ao local de reassentamento de Bento Rodrigues e repassados conhecimentos sobre o processo de reparação das comunidades atingidas a partir do ponto de vista da fundação/empresa. Também foi iniciado o programa VimVer, vinculado à área de atuação de Diálogo Social da Renova/Samarco, em que são oferecidas visitas monitoradas com especialistas dessa fundação/empresa nas áreas atingidas de Bento, Paracatu e Gesteira. Tendo em vista isso, foi encaminhada uma carta da Comissão dos(as) Atingidos(as) de Mariana à Renova/Samarco solicitando o transporte e a alocação das maquetes para a Casa dos Saberes. Isso porque se entende que, com tais medidas, a empresa usa ações obrigatórias de reparação para fazer propaganda de si mesma. E, ainda, utiliza recursos e espaços em desigualdade com o dos(as) atingidos(as) para criar a sua versão da história. Diante disso, reafirma-se que toda e qualquer informação que diz respeito a estes territórios deve ter o consentimento das pessoas proprietárias destas terras (e memórias).

    “VimVer o quê?” O que a Renova ou a Samarco estão fazendo? Esse é um projeto muito audacioso por parte da fundação/empresa, de entrar em um território que, embora ela tenha todo um interesse, não lhe pertence, nem à Vale ou à BHP Billiton, e sim ao povo, no caso de Bento, um povo sofrido que, durante três séculos, lutou para ter o seu lugar. Eu sou de uma geração que vem dos fundadores de Bento Rodrigues. Portanto, sou testemunha de que a Samarco sempre pleiteou esse espaço. Agora, por meio desse programa, a gente vê que ela se sente dona do que diz respeito à nossa comunidade, e está querendo se sentir dona também de Paracatu e das demais áreas que foram atingidas por essa tragédia-crime.

    “Assim, somos enfáticos em dizer que nada que diz respeito às nossas comunidades pode ser feito sem a participação direta dos(das) atingidos(as).”

     

     

    Então, esse Projeto VimVer é uma afronta à nossa dignidade, uma falta de respeito com o sentimento daqueles que perderam tudo, que perderam seus entes queridos. E ainda é um projeto que visa criar uma cortina de fumaça sobre aquilo que foi feito até agora em se tratando da nossa reparação. A Renova/Samarco, ao invés de reparar os danos que sofremos, vem causando violações ainda maiores. Eu, então, pergunto, como tive a oportunidade de questionar o Roberto Waack (Presidente da Fundação Renova) durante reunião realizada no dia 4 de maio, em que ele nos disse que esse não é um projeto voltado inteiramente para o turismo, que é um programa que vai levar estudantes, pesquisadores e aquela conversa de sempre, mas que, na verdade, vemos como algo que estou batizando de “turismo da desgraça”: “VimVer o quê?”. Assim, somos enfáticos em dizer que nada que diz respeito às nossas comunidades pode ser feito sem a participação direta dos(das) atingidos(as). Isso que estão fazendo está nos ferindo de morte. Estamos resistindo e lutando pelo tombamento dos nossos espaços, porque acreditamos que é isso que vai resguardar que esse território continue pertencendo a quem é de direito. E que não se enganem, pois, na versão do bandido, ele sempre é a vítima.

    Leia a matéria em seu site original: http://jornalasirene.com.br/manifestos/2018/06/13/o-que-eles-querem-ver

  • Saúde negada: atingidos por barragens pedem respostas em Minas Gerais

    Após dois anos do rompimento da barragem em Mariana (MG), a empresa Samarco continua negando ajudas básicas aos atingidos pela lama, como por exemplo um cuidado especial com a saúde dos habitantes das cidades atingidas.

    Hoje, dia 27 de Março, aconteceu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) uma coletiva de imprensa sobre a saúde dos impactados pela Samarco. Os atingidos afirmam que a empresa não realiza pesquisas sobre a contaminação de moradores das áreas atingidas por metais pesados como Níquel e Arsênico.

    Em pesquisas independentes, foi comprovado um alto índice de contaminação na região. As 11 pessoas que tiverem seu sangue coletado estavam com alta taxa dos metais citados presentes no corpo, dentre elas uma criança e uma adolescente, e suas mães Simone e Tainara, que estavam presentes na coletiva que discutiu o assunto. Elas dizem não confiar na Renova (empresa terceirizada da Samarco) para a realização destes exames, pois a empresa já havia declarado que a lama da barragem era inerte, ou seja, não continha materiais tóxicos, e ambas pedem socorro, pois suas filhas estão tendo vários efeitos colaterais da contaminação.

    Foto por Henrique F. Marques, para os Jornalistas Livres

     

    As mulheres explicam também, que os agressores ambientais retiraram a lama do centro da cidade de Barra Longa e a utilizaram para cobrir as calçadas das comunidades. No local, o feito prejudicial à saúde ficou conhecido pela expressão “a lama sobe morros”.

    O desespero das mães é visível, elas relatam que, quando as meninas saem da cidade de Barra Longa, elas costumam melhorar os sintomas e conseguem levar uma vida (parcialmente) normal. Luciene relata também a negligência da empresa: “a Samarco nunca me ajudou em nada”.

    Editado por Agatha Azevedo

  • Atuação do Ministério Público no maior crime ambiental do Brasil, a morte do Rio Doce

    Dois anos após o acidente Dr. Guilherme de Sá Meneghin, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais da Comarca de Mariana, comenta sobre o maior crime ambiental do Brasil cometido pela Samarco, em que momento se encontra o processo, sobre as indenizações e a atuação do ministério público no caso com os atingidos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Ponte do Gama, Campinas, Pedras e Camargos.

     

    As ações coordenadas por um promotor público pelo direito humano

    O nome dele é Guilherme de Sá Meneghin, titular da 2ª Promotoria de Justiça da comarca de Mariana, Minas Gerais, especializado em direitos humanos. A data é 05 de novembro, 16:20. Toca o telefone, o promotor atende e é informado que a Barragem de Fundão havia rompido.

    Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo, informações desencontradas chegavam aos montes. O promotor resolve ir até a arena, local onde as pessoas seriam recebidas. Poucos chegavam, estavam ilhados nas florestas ao redor dos locais atingidos pela lama química da Samarco.

    “Só entendemos direito o que aconteceu na manhã seguinte, quando os carros e ambulâncias conseguiram chegar aos locais do desastre. Começou a chegar muita gente na arena, foi então que, ouvindo as histórias de quem viveu o terror, nos demos conta da gravidade e da dimensão do que tinha acontecido. O maior desastre ambiental e humano do Brasil causou 19 mortes, prejuízos incalculáveis e modificou a vida de centenas de atingidos de Mariana e outros municípios”, diz Dr. Meneghin.

    E foi no mesmo dia que o promotor especializado em direitos humanos, começou a tomar os depoimentos dos atingidos e instaurou os primeiros inquéritos. “As pessoas eram transferidas da arena para hotéis e pousadas, mas elas só estavam com a roupa do corpo, muitas delas não portavam documentos e nem dinheiro. Era preciso tomar atitudes a curto, médio e longo prazo para assegurar o protagonismo dos atingidos no processo de reparação dos direitos”.

    No decorrer dos dias o promotor expediu diversos documentos, dentre eles era exigido que a Samarco fizesse o cadastro de todos os afetados, fornecesse o subsídio mensal e casa alugada para as famílias que haviam perdido renda e moradia.

    Outra medida executada pelo ministério público foi a ação que bloqueou R$ 300 milhões em bens da Samarco e de acordo com o promotor foi preciso mover outra ação para atingir o patrimônio da Vale e da BHP. “Desde domingo, dia 8 de novembro de 2015, estava pronta uma ação cautelar para bloquear os recursos necessários para pagar as indenizações e a reconstrução das comunidades. No dia 10 propus a ação e o juiz determinou a indisponibilização de R$ 300 milhões de reais da Samarco, mas nas contas só tinham R$ 8,5 milhões. Pedi ao juiz para desconsiderar a pessoa jurídica e atingir o patrimônio da Vale e da BHP. O dinheiro finalmente apareceu”, completa Meneghin de forma indignada.

    Durante esses dois anos as atuações do Ministério Público visam promover a participação dos atingidos no processo legal de reparação dos direitos violados e ajudá-los na construção de uma representação legítima para que todas as medidas adotadas pelo MP estivessem de acordo com o interesse dos atingidos, em ações coletivas.

    Mas nem sempre foi possível, em 04 de fevereiro de 2016 o processo sofreu um revés e por decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, ao examinar um recurso da Samarco, decidiu que as causas relacionadas ao rompimento da barragem, especialmente a ação civil pública principal, deveriam ser deslocadas para a justiça federal. Durante esse tempo até a volta do processo para a comarca de Mariana, o processo ficou paralisado, foram seis meses de luta para trazer a ação de volta a Mariana, fato ocorrido em 23 de agosto de 2016.

    Para a maioria dos atingidos dos distritos de Mariana, o Dr. Guilherme de Sá Meneghin está muito próximo, todas as conquistas alcançadas desde o desastre foram bastante desafiadoras e decorreram das ações ajuizadas pelo MPMG.

    E como Dr. Meneghin é especializado em direitos humanos ele tem também ficado atento aos impactos psicossociais causados por um desastre como esse. Perda de vida, desaparecimento e desalojamento de comunidades inteiras e consequente desagregação e ruptura de vínculos sociais. Tradições culturais e comunitárias, lembranças, histórias e modos de vidas atingidos também foram aniquilados.

    Quanto a Samarco e seu posicionamento em relação ao crime que cometeu, Meneghin na entrevista abaixo deixa claro que a empresa só atua sob ordens judiciais, tenta jogar a população de Mariana não atingida contra os atingidos e ainda usa termos marqueteiros para diminuir o impacto do crime que cometeu.

    Jargões utilizados pela Samarco como impactados são usados para substituir o correto que seria atingido e vítima. “Se um trator passasse por cima do seu carro você diria que seu automóvel foi impactado ou destruído? Outro termo midiático e utilizado pela Samarco é o nome do cartão alimentação que dão aos atingidos, o cartão leva o nome de benefício, o que viola totalmente a motivação pelo qual o cartão foi dado. Não é benefício é direito, é reparação pela Samarco ter destruído a vida de diversos distritos de dois diferentes Estados brasileiros. Realmente não é um benefício e sim uma obrigação para tentar minimizar o impacto do crime que cometeu”, completa o promotor.

  • Jornada Rio Doce – A busca pelos atingidos de Mariana

    Por Carolina Rubinato

    Vigésimo quinto dia de Jornada pelo Rio Doce e sigo em busca dos atingidos de Mariana, as vítimas do crime cometido pela Samarco.Elas estão espalhadas pela cidade, difícil encontrá-las. Uma estratégia planejada pela empresa: separar os atingidos como uma forma de cortar laços e dificultar a comunicação entre eles.

    Recebo uma mensagem com um possível endereço, me dirijo para lá, é um prédio e pela informação recebida seis famílias moram ali. Decido esperar sentada na calçada, alguém chegar ou sair do prédio, quarenta minutos depois e nada. Inicio minha abordagem. Toco nos apartamentos e segue o diálogo.
    – Olá, tudo bem?
    – Quem fala?
    – Meu nome é Carolina Rubinato, sou jornalista de São Paulo, estou em uma jornada pelo Rio Doce, procurando as famílias de Bento que foram atingidas e tive a informação que estão morando neste prédio. Gostaria de conversar um pouquinho, saber como estão as dores e alegrias, você pode me ajudar?
    – Não conheço ninguém, faz um mês que estou morando aqui. Tu tu tu tu, desliga.

    Tento de novo em outro apartamento.
    – Olá, tudo bem?
    – Quem fala?
    – Meu nome é Carolina Rubinato, sou jornalista de São Paulo, estou em uma jornada pelo Rio Doce, começamos em Mariana e vamos até Regência, no Espírito Santo. Estou procurando as famílias de Bento que foram atingidas e tive a informação que estão morando neste prédio. Gostaria de conversar um pouquinho, saber como estão, as dores e alegrias, você pode me ajudar?
    – Tu, tu, tu, tu, desliga.

    Faço isso com os próximos oito apartamentos.

    “Gritei para todo mundo sair da casa e correr, não deu tempo de pegar nada,

    saímos correndo só com a roupa do corpo.

    Minha mãe não quis correr, ficou.”

    Todos que me atendem desconversam. Sinto que não conseguirei nada por ali. Há muito medo. Encaminho-me para uma casa parecida com um centro comunitário, chamada Comunidade da Figueira, resolvo entrar para ver se podem me ajudar.

    Ao entrar entendo onde estou, é uma escola para adultos com necessidades especiais. Converso com a coordenadora Solange Ribeiro dos Santos, que me autoriza a falar com dois alunos que moravam em Bento na época do crime, Sônia da Conceição Felipe, 39 anos e Elias Rocha da Conceição, 62 anos.

    A primeira pergunta que faço qual o sonho de vocês, a resposta da dupla vem de forma direta. “Voltar para Bento e ter qualidade de vida”. Para os atingidos há esperança de reconstrução do Distrito. Observo, escuto e absorvo as histórias, sinto dentro de mim o desespero de fugir da lama. Sônia morou desde pequena em Bento, como tem necessidades especiais frequentava a escola da Figueira em Mariana. No dia do acidente ela não tinha ido para a escola, estava em Bento com a mãe. Conta orgulhosa que ajudou a salvar a vida de três pessoas.

    Ouvimos um barulho muito forte e alto, parecia que o mundo ia acabar. Nesse momento fui até a janela ver o que estava acontecendo, olhei e fiquei chocada com o que estava vindo em nossa direção. Gritei para todo mundo sair da casa e correr, não deu tempo de pegar nada, saímos correndo só com a roupa do corpo. Minha mãe não quis correr, ficou. A mulher do Jaime, a Carminha, machucou o pé. Corremos o mais rápido que podíamos para o mato, ficamos na floresta em um ponto bem alto, olhando lá de cima a lama levar tudo, foram apenas cinco minutos para nos salvar”, relembra Sônia.

     

    Sônia da Conceição Felipe e Elias Rocha da Conceição, ambos moradores de Bento Rodrigues. Foto por Carolina Rubinato

     

    Na manhã seguinte um ônibus conseguiu entrar na comunidade e resgatá-los. A mãe de Sônia, Marcelina Xavier Felipe, 75 anos, não correu. Arrastada pela lama quebrou a bacia, mas conseguiu segurar em um abacateiro, foi resgatada por moradores e sobreviveu.

    Elias também conta sua história. No dia do crime ele estava na escola em Mariana. Nesse momento a Solange, coordenadora da escola se junta a nós, tem participação na história do Elias. “Elias e o irmão Raimundo estavam na escola. Acabou o dia e como é de rotina, coloquei os dois dentro do ônibus para Bento e retornei, foi quando recebi a notícia do rompimento da barragem de Fundão. Naquele instante meu coração bateu muito mais rápido, tentei falar com o motorista do ônibus, localizá-los de todas as maneiras possíveis. O Elias não tem uma necessidade acentuada, mas o irmão dele, o Raimundo precisa de ajuda, fiquei em desespero. Passei a noite em claro procurando pelos meninos em hospitais e na arena”.

    Nesse momento Elias entra na história com a sua parte.

    “Estávamos indo para casa quando o ônibus parou e mandaram a gente descer e correr.

    Corremos junto com um monte de gente sem saber o que estava acontecendo, a gente só corria.

    Dormimos no mato, tinha um monte de gente chorando, triste, procurando parentes.

    Foi uma noite de pesadelos”.

    Solange conta que no dia seguinte uma assistente social ligou, estava com dois homens com o uniforme da Figueira. Os meninos, como ela carinhosamente chama os irmãos, estavam vivos.

    Solange me dá o telefone de outra pessoa atingida. Ligo para a Mônica e marco de encontrá-la às 20h30, no intervalo da faculdade onde estuda Direito. Chego ao local combinado às 20h00, envio uma mensagem avisando que já estou lá. Mônica aparece e nos dirigimos à biblioteca. Simone fala baixo, com receio de ser ouvida, diz que estão sofrendo retaliações e preconceitos por uma parte da população de Mariana.

    Mônica dos Santos, moradora de Bento Rodrigues conta que às 16h00 recebeu uma ligação avisando sobre o rompimento da barragem. Pegou o carro e foi para Bento sem saber muito bem o que tinha acontecido. Mas não conseguiu passar, a estrada estava interditada. “Encontrei algumas pessoas na estrada que me disseram pra voltar que a lama tinha matado todo mundo. Entrei em pânico e comecei a chorar, não estava compreendendo nada direito. Foram 24 horas de terror. Passei a noite na estrada e só fiquei sabendo o que aconteceu quando clareou o dia e vi que não tinha mais nada em Bento, minha casa despareceu”.

    “Eu estava sem roupa, sem nada do que era meu, sem casa, sem chão.

    Ao anoitecer do dia seguinte ao crime, o Dr. Guilherme de Sá Meneghin, promotor público, conseguiu uma liminar

    que obrigava a Samarco a nos transferir para um hotel e

    depois de alguns meses conseguimos outra liminar que obrigava a empresa a pagar aluguel para todos,

    mas tudo isso só conquistamos por ações do ministério público.

    A Samarco só responde com pressão judicial”.

    Mônica também fala do preconceito e agressões que estão expostos em Mariana. Uma parte da população culpa os atingidos pelo fechamento da Samarco que domina financeiramente o poder público local e gere a massa de empregos na região. O algoz passa a ser aclamado pela população que se vê mergulhada no caos econômico. Mais um crime social cometido pela mineradora.

    “Todos os dias nós temos nossos direitos violados. As crianças de Bento são chamadas de pé de lama nas escolas e essa é só uma parte da hostilização a qual estamos expostos. Temos um cartão alimentação que recebemos como uma pequena parte da nossa indenização. Hoje temos receio de utilizá-los no comércio, pois muitas vezes nos tratam de forma agressiva. O nome do cartão é benefício, mas deveria ser chamado de cartão obrigação. Foi a Samarco que passou por cima de seres humanos para explorar cada vez mais. A Samarco construiu o risco em cima da gente, estávamos lá, já morávamos em Bento quando a empresa chegou”, completa Mônica.

    “Meu pai faleceu há muitos anos e as fotos que eu tinha dele a lama levou, nenhum dinheiro do mundo vai me dar isso de volta. A gente continua vivendo, mas o sentimento é o mesmo do dia 5 de novembro de 2015. Eu ainda sinto raiva, angústia, desespero, incerteza, ódio e muita raiva, infelizmente”.

    Mônica me fornece mais dois telefones de moradores de Barra Longa, cidade próxima a Bento Rodrigues que também sofreu grande impacto da lama química e me conta que 11 pessoas em Barra Longa estão contaminadas por metais. “Foi gente colher exame deles, sangue e fio de cabelo, o laudo ficou pronto já”. Escuto com atenção, anoto tudo.

    Faço uma última pergunta para a Mônica. O que ela acha sobre a Fundação Renova, uma instituição criada pela Samarco Mineração, com o apoio de suas acionistas Vale e BHP Billiton, após a assinatura do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público, para criar, gerir e executar as ações de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.

    Mônica responde:

    “Ela simplesmente existe para renovar o crime da Samarco”.

  • A dor do Rio

    A dor do Rio

    por Carolina Rubinato

    Quem já sentiu no corpo e na alma a dor da falta do oxigênio, sabe entender o grito dos peixes ao sufocarem na lama contaminada da Samarco. Febre amarela, câncer, são pequenas amostras de Pachamama – a mãe natureza, da falta de respeito do capital pelo maior bem da humanidade.

    A contaminação pelos 60 milhões de metros cúbicos de lama química, que correram ao longo dos 700 km entre o local da ruptura da barragem e a foz do rio Doce, no Espírito Santo, causaram danos ambientais e sociais irreparáveis para o Brasil.

    No dia 5 de novembro de 2015, o planeta Terra chorou a ganância do homem, e de lá para cá, permitimos que Belo Monte se instalasse em Xingu e quase deixamos o governo liberar a Amazônia para a mineração.

    Colhemos o que plantamos, e perguntas ficam. Até quando empresas estarão acima de pessoas? Até qual década ter, será mais importante que ser?

    A partir de hoje, 14 de fevereiro, quarta-feira de cinzas, você poderá acompanhar por meio dos Jornalistas Livres, uma expedição pelo Rio Doce que trará histórias e fatos sobre os danos sociais, ambientais, econômicos e políticos, causados por um dos maiores desastres ambientais do mundo, originados pelo homem.

    Especialistas dizem que precisamos de pelo menos 100 anos para reparar os danos, mas nenhum desses anos vai recuperar a dor do povo do rio, dos pequenos agricultores, dos ex-pescadores, das famílias que foram destruídas pelas dificuldades, pela miséria, das mais de 80 espécies que desapareceram, sendo que 12 delas eram exclusivas desse habitat e podem ter sido extintas, dos índios Krenaks – os últimos povos botocudos do país, praticamente em extinção. Será que contribuímos para o fim deles?

    Neste caso plantamos destruição, há de pensar que nenhum capital do mundo pode mudar o fato de que sem água e ar, não sobreviveremos. Não há como viver, dia após dia, sem entender a dinâmica, a equação da vida, a única química necessária para sobrevivência humana O² e H²O.

     

    A Jornada pelo Rio Doce é somente uma iniciativa para mostrar o quão sofrida foi sua morte e

    como pode ser o destino do nosso Rio Xingu, com sua Belo Monte,

    e as tentativas de liberar a Amazônia para a mineração.

    A Celestina – uma Kombi, Eduardo Marinho, Hare Brasil e Carolina Rubinato, essa é a tripulação. Celestina de 1995, que ficou por dez anos abandonada, carcomida de ferrugem e renasceu com motor de Brasília 78, teve recentemente seu motor trocado, após o falecimento do antigo em dezembro 2017; Eduardo Marinho, um filósofo das ruas e primoroso artista plástico, capaz de nos fazer pensar com suas obras, e aqui coloco como minha singela opinião, um cara incrível, profundo conhecedor dos assuntos mundanos e da alma humana; Hare Brasil, sagaz produtor e um dos idealizadores do Via Celestina (O Filme), que nos encontrará durante a jornada, e por fim eu, Carolina Rubinato, jornalista e ativista social por amor e convicção.

    Durante a jornada pelas margens do Rio Doce, vamos parando por aí, pelos municípios do entorno ouvindo histórias, registrando, apresentando a arte e o conhecimento de Eduardo Marinho em exposições e palestras, o financiamento da viagem é esse, a venda dos trabalhos que Eduardo faz à mão. Nesse contexto colaborativo nossa primeira parada será em Penedo, no dia 15, para um bate papo no Não é Hostel, às 18h, seguido de exposição e música.

    Se você mora entre Maringá – RJ, local de onde partiremos, e Regência – ES, local de chegada, acompanhe nosso diário de bordo e nos encontre para uma conversa, vamos adorar partilhar. O mundo só funciona no coletivo.

    “Perverso – O governo? As mineradoras e seu poder econômico, apoiado por bancos, com base na ignorância e desinformação minuciosamente aplicadas e mantidas. Por um sistema social armado pra isso mesmo. Governos são peças num tabuleiro dos vampiros sociais, os mais podres de ricos. E as instituições são decorrência disso. É tempo de percepção”, Eduardo Marinho

    Manifesto da Águas

    “A água pertence bem mais à economia dos bens comuns e à partilha da riqueza,

    do que à economia de acumulação privada e individual e da predação da riqueza do outro”, Ricardo Petrella

    Esperamos vocês nessa jornada!

    • Ilustração por Hélio Carlos Mello