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  • Carnaval sem cor. Bloco desproprocional da Polícia desfilou nas ruas da Craco

    Carnaval sem cor. Bloco desproprocional da Polícia desfilou nas ruas da Craco

    Os repórteres dos Jornalistas Livres chegaram no fluxo da Craco, pouco depois da Tropa de Choque iniciar uma ação, que foi descrita via nota pela Secretaria de Segurança Pública, como uma “abordagem de rua”.

    De dentro do fluxo, foram vistas cenas de pavor, dignas de uma operação do Terceiro Reich. Os moradores e usuários do local, que já tão cotidianamente violentados e criminalizados por uma das drogas mais terríveis do mundo, hoje, sentiram a força do braço armado da política higienista do atual prefeito de São Paulo, João Dória Jr, que já mostrou sua tônica no tratamento dessa situação: para ele, Crack não é um problema que pode ter solução com ações da pasta de saúde, é tão, e somente, um problema de Segurança Pública.

    Foto: Christian Braga / Jornalistas Livres

    A Cracolândia parecia um campo de extermínio.

    Muitos pais que levavam seus filhos à escola, corriam da Polícia Militar, Guarda Civil Metropolitana e da Tropa de Choque. Trabalhadores tentavam chegar em seus empregos, eram mais de 30 viaturas e caveirões da Tropa. Uma força desproporcional para cerca de 100 usuários que estavam no local no momento da ação. Moradores ficaram feridos por armas “menos letais”.

    Mesmo com a presença de mães e crianças, que estavam voltando da escola no momento do conflito, a Policia Militar não hesitou de atirar bombas de gás lacrimogênio no local – Foto: Christian Braga / Jornalistas Livres

     

     

     

    As ruas Helvétia e Dino Bueno se tornaram impraticáveis e irrespiráveis. Sobrou bala de borracha e bombas de gás para moradores das pensões, crianças e até para a imprensa. Dois fotógrafos ficaram feridos: Marcelo Carneiro da Silva, Chello da agência Photo Frame foi atingido de raspão por uma uma bala LETAL que só não entrou em sua coxa, por que seu celular o salvou, e Dário Oliveira, que infelizmente, estava na trajetória da bala e foi atingido na perna. Seu quadro é estável.

     

    O fotógrafo Dário Oliveira foi levado por moradores da região até o Corpo de Bombeiro, após ser atingido por uma bala letal na perna – Foto: Tadeu Amaral / Jornalistas Livres

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Celular quebrado onde a bala passou de raspão e marcas de sangue após o tiro de bala letal no fotógrafo Dória Oliveira – Foto: Christian Braga / Jornalistas Livres

     

     

     

    A comunidade local disse à reportagem que essa guerra da Secretaria de Segurança Pública no local, só está acontecendo porque novos prédios domiciliares serão construídos na região do fluxo, assim, a ideia é amedrontar os habitantes das pensões para desocuparem os casarões e pequenos edifícios que poderão dar lugar a mais empreendimentos imobiliários de alto padrão. Enquanto isso, Direitos humanos são depositados na lata do lixo da Cidade Linda.

    Durante a repressão, usuários que tentavam falar com a polícia, eram fortemente repreendidos pela Tropa de Choque com suas armas “menos letais”. Aconteciam verdadeiras cenas de praça de guerra, os usuários se defendiam, jogaram pedras e pedaços de madeira. Depois, os vários pelotões formados por 10 a 15 policiais se afastavam. E o ciclo que se repetia de 10 em 10 minutos.

    Vale observar, que em nenhum momento, os Jornalistas Livres foram hostilizados. Ao contrário disso, os usuários faziam questão de que tudo fosse fotografo e filmado.

    Foto: Christian Braga / Jornalistas Livres

    Não é de hoje, que abusos e desproporcionalidade em ações policiais na Cracolândia acontecem. Em 2012, o Governo de Geraldo Alckmin lançou na Cracolândia, uma operação com características desproporcionais do uso da força chamada “Dor e Sofrimento”, Relatores especiais da ONU pediram explicações ao Brasil, mas não houve resposta.

    Em 2014, o IBGE lançou uma pesquisa com dados da Secretaria de Segurança Pública onde consta a proporcionalidade do efetivo policial em ações, que é de 1 policial militar para 488 pessoas. Então, qual é o motivo para tamanha desproporcionalidade hoje na Cracolândia.
    Quais diferenças de proporcionalidade a policia implementou hoje, em relação ao restante da população em ações de abordagem de rua? Quem fiscaliza isso? Que abordagem de rua foi essa?

     

    Foto: Jornalistas Livres
  • Blocolândia, o carnaval da Cracolândia

    Blocolândia, o carnaval da Cracolândia

     

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    Foto: Leo Savaris / Coletivo Nação

    Já dizia o refrão da marchinha do primeiro desfile do Blocolândia, em 2015:

    “Alô família, O bloco da pedra tá na rua

    A rua é minha, A rua é sua, Ninguém nunca tá só

    Nessa vida crua e nua.”

    Se o carnaval é a maior festa de rua do mundo, como se propaga aos quatro ventos, nada mais verdadeiro do que esse bloco criado nas redondezas da Cracolândia, no bairro da Luz. Como disse Cristiano Vianna, da CasaRodante,“se aqui é Cracolândia, aqui também é Luz.”

    Imagens: Sato do Brasil / casadalapa para Jornalistas Livres. Edição: Eduardo Nascimento

    O bloco foi criado com o fluxo de usuários de crack e o apoio dos vários grupos, coletivos e organizações que povoam o território. O coletivo Sem Ternos, a casadalapa com a CasaRodante e o Cedeca Interlagos com o Projeto Oficinas, juntos à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, CRATOD — Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas, Consultório na Rua, independentes, e a impensável parceria entre o Programa Recomeço, do Governo do Estado, e o Projeto De Braços Abertos, da Prefeitura da Cidade de São Paulo. Como tudo isso se organiza? Raphael Escobar, do Projeto Oficinas, traduz bem: “Todos os trabalhadores da ponta se unindo e pensando em algo em coletivo. Além de ser Recomeço, Governo, Prefeitura, mas é uma coisa que todo mundo tá a fim, sabe? Produzir algo que faça sentido pro pessoal da Craco.”

    E o bloco teve de tudo que um bom bloco tem que ter. Teve madrinha de bateria? Sim. Destaques com suas fantasias luxuosas? Também. E diretor de bateria? Um mestre. Ala das passistas? Das boas. Ritmistas do mundo do samba? Também. Puxadores ensandecidos? Claro! Carro alegórico? Às pampas. Até a ala dos garis fechando o desfile teve.

    Aqui é Cracolândia, aqui é Luz

    O bairro da Luz é uma região complicada da cidade, centro de uma disputa política clara. Mas os problemas do bairro vão muito além do crack, um lugar envelhecido onde a solidão e o alcoolismo são muito perceptíveis. Se existe uma iniciativa inovadora de Redução de Danos, existe também uma especulação imobiliária gigantesca se aproveitando de uma vizinhança frágil. Contribui também a entrada de empresas predadoras na região, impedindo o livre acesso às ruas pelos seus próprios moradores, através de milícias de seguranças de calçada. Abandonada depois de vários anos em que a sua estrutura foi sendo metodicamente comprometida, vários esforços isolados vêm acontecendo na região para combater esse cenário. Mas os esforços não se complementavam e em muitos momentos, atrapalhavam uns aos outros. Com a entrada de novos atores de coletivos e esforços que já se movimentam no território há mais de dois anos, como a CasaRodante, o coletivo Sem Ternos e o Projeto Oficinas, as pontas que trabalham nas instituições governamentais se aproximaram e os trabalhos de inclusão no fluxo de usuários se intensificaram.

    Pra estar aqui tem que ser gente da gente

    Consideremos nossa cidade, nossa vizinhança. Todos somos vizinhos. E para vizinho a gente dá bom dia, a gente para e olha nos olhos, a gente aperta as mãos, a gente abraça, a gente cuida. E todo vizinho tem sua história. Respeitemos, então, cada história. Quem nunca teve seus problemas que achava ser impossível resolver? Às vezes, as coisas saem do controle. Não nos compete julgar, nos compete não abandonar a nossa cidade, as nossas ruas e quem faz parte dela. Todos somos vizinhos.

    Em 2014, muitos eventos aconteceram na Luz e formaram um sentimento de pertencimento que o fluxo nunca teve. O cinema na rua e os mutirões de arte e jardinagem, produzidos pela CasaRodante ajudaram muito. Em 2015, as atividades aumentaram e surgiu o primeiro carnaval na Cracolândia, junto ao Projeto Oficinas, de forma ainda bem tímida, com a participação de ritmistas contratados e tudo feito com a ajuda dos carroceiros e das pessoas mais próximas. Aconteceu também a Festa da Primavera, a mobilização contra a apreensão das carroças da região feita pelo Coletivo Sem Ternos, e a Semana da Consciência Negra, quando aconteceram as rodas de Capoeira do Mestre Baiano e ensaios de bateria do Mestre Anderson.

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    Foto: Gabriella Moura / Outros Carnavales

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    Fotos: Sato do Brasil / Jornalistas Livres

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    Foto: Leo Savaris / Coletivo Nação

    Blocolândia: Coração Valente!

    A ideia de uma bateria no fluxo foi sempre do Mestre Anderson, que tentou sua implantação durante um bom tempo até conseguir o apoio do Programa Recomeço. Ali, conseguiu uma sede e espaço para guardar os instrumentos doados. Nesse momento, os coletivos e as pontas dos projetos de Saúde permitiram a maior cartada de um programa de Redução de Danos. Só poderiam participar da bateria os usuários que estivessem cadastrados e trabalhando no De Braços Abertos. O nome foi dado pelos próprios usuários na época da campanha presidencial do ano passado, mesmo que isso não signifique um apoio uníssono: Bateria Coração Valente. Toda semana tinha ensaio.

    O fluxo sempre respirou samba. Tem hip-hop, tem funk, mas o samba impera. Uma radio sintonizada e o batuque começa. Esse é o ritmo do fluxo. Assim, muitos ritmistas que já defenderam outras agremiações do samba paulista aportaram na Coração Valente. Colorado do Brás, X-9 Paulistana, Peruche, Camisa Verde, Vai-Vai. As escolas mais tradicionais do carnaval paulista dando um pouco de seu ritmo para o carnaval da Cracolândia.

    Os coletivos e os próprios usuários deram gás para a criação do bloco carnavalesco. Oficinas de máscaras e de instrumentos reciclados foram produzidos. Também rolou uma oficina de confecção de fantasias e adereços e, assim, o Blocolândia surgiu no cenário do carnaval paulista. Tudo dominado e produzido pelos usuários e amigos da região. O samba-enredo foi composto junto ao fluxo, músicos, artistas, moradores das redondezas e a Coração Valente deu o tom.

    O Blocolândia e a Coração Valente são um organismo só. Vivo e pulsante. Assim, essa parceria construiu um dos mais belos e interessantes causos do carnaval paulista.

    Chegou, chegou, chegou! A nossa comunidade firmou

    Como diziam os antigos.. Até do lixão nasce flor

    Venha conhecer a nossa nova comunidade

    De braços abertos.. É o recomeço da liberdade

    Pra viver aqui .. Tem que ter coração valente

    Por isso eu digo ao mundo ..Para estar aqui

    Tem que ser gente da gente!

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    Foto: Sato do Brasil / Jornalistas Livres
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    Foto: Leo Savaris / Coletivo Nação
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    Foto: Leo Savaris / Coletivo Nação

    De braços abertos é o recomeço da liberdade

    Quem vive a rua merece se divertir nela também. Num território em que a polícia constrói um quadro permanente de tensão e violência e as empresas criam um exército de seguranças, a melhor cena foi a de um ritmista que saiu de sua posição na bateria, se dirigiu à porta de vidro de uma empresa em que os seguranças, do lado de dentro, não tinham nenhum receio de mostrar a sua indisposição com o bloco, e com as mãos desenhou um coração no vidro. Uma demonstração de cidadania muito maior que qualquer ação dessas empresas que invadiram o bairro de forma danosa e virulenta.

    Talvez o que Carlão, um dos foliões que carregou o tempo todo um cetro de realeza, resumiu, contemple essa ideia: “Pra mim, tá aqui, nesse Blocolândia… é uma mudança, uma mudança na vida. É uma luta, brincando.”

    Todo o dia no fluxo é um dia de luta. Combater o preconceito, o desconhecimento, é fundamental nessa alegria contagiante para rebater os incrédulos. Muitos moradores se juntaram à folia como em qualquer outro bairro da cidade. Dona Carmen, uma senhora que mora no bairro há tanto tempo que nem se lembra mais, nem sabia que era o bloco dos usuários: “Meu filho, tá tudo bonito, tá todo mundo se divertindo, né mesmo? Que diferença faz?” Novamente Escobar, também um dos puxadores do bloco complementa:“Com o preconceito todo que tem na vizinhança, quando você vê, tá todo mundo com a cabeça pra fora na janela, dançando junto, descendo junto pra dançar com a galera, é um ressignificar do que pensam sobre eles e acho isso importantíssimo. É um ocupar a cidade, ocupar o espaço que eles tem, mas com empoderamento deles.” O outro puxador do bloco, o Macaco Louco emendou: “É tudo nosso! Aqui tem história.”

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    Foto: Leo Savaris / Coletivo Nação

    Em tempos que a grandiosidade do carnaval de São Paulo está tomando conta das ruas, nós sempre pensamos naqueles blocos tradicionais, de amigos e de amigos de amigos, uma verdadeira festa de comunidade, uma família. Aqueles pequenos blocos, onde todo mundo se conhece e canta e dança junto. O verdadeiro carnaval de rua na sua essência. Nada mais verdadeiro, nada mais comunitário, nada mais familiar que o cortejo do Blocolândia e Coração Valente. Pontuou Julio Dojcsar: “Quem tá na rua, tomando a rua, não tem Portolândia aqui não, é mostrar que por mais que a galera seja usuária de drogas, tá todo mundo vivo. Antes de ser usuário, já era uma pessoa, continua sendo uma pessoa.” Simplesmente a alegria estampada no rosto, no ritmo, na batucada e no sorriso como qualquer morador dessa cidade merece ter. Como a madrinha de bateria, que sempre que a Coração Valente se ajoelhava, numa convenção inventada pelo Mestre Anderson, ela, impávida e dona de si, evoluía maravilhosa por entre os integrantes da “furiosa”. Como a ala dos tamborins, que abria a frente da bateria com 3 ritmistas grávidas. A molecada já nascendo no ritmo. E a felicidade dos foliões que, de mão em mão, empunhava com respeito e alegria, o estandarte do bloco.

    Ao terminar o circuito, duas horas de batucada e samba no pé, muitos ritmistas e foliões pararam pra se abraçar. Agradecimentos mútuos e a certeza de terem feito algo belo nessa cidade. A última ala, feliz da vida, foi a dos garis da Prefeitura. Acompanharam todo o trajeto varrendo, sambando, dançando.“Valeu, hein, gente?”, gritou um deles ao guardar seus instrumentos de trabalho. No fim do cortejo, dois ritmistas se abraçavam em meio à lágrimas e pulos de alegria. Foi então que um se virou pro outro e disse baixinho: “O baguio é nosso!”

    Ano que vem tem mais!

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    Foto: Leo Savaris / Coletivo Nação
  • Quando as palavras queimam

    Quando as palavras queimam

    Por aqui, a cidade chora. Chora forte. Inunda. No bairro da Luz, o Museu da Língua Portuguesa arde. Enquanto escrevo, vejo pela rede o fogo cada vez mais alto. O teto do Museu, uma construção histórica do século XIX, que faz parte da Estação da Luz, já não existe mais. A maior parte de seus 4.333 metros quadrados distribuídos em 3 andares está sendo duramente atingida.

    Um museu onde a tecnologia fala muito, transforma a palavra em interações diversas, não se serviu dela para impedir que essa tragédia acontecesse. Se as palavras voam, hoje as palavras queimam. Grande Galeria, Palavras Cruzadas, Linha do Tempo, Beco das Palavras, História da Estação da Luz, Mapa dos Falares, Praça da Língua. Tantos depoimentos, histórias, expressões, causos, poesia, história. Uma língua que perde um pouco do seu brilho a cada labareda que sobe. Estamos em silêncio.

    Mais de 100 anos da história da nossa Língua está sendo perdida a cada minuto que passa. Enquanto escrevo algumas frases perdidas de uma tristeza que me comove enquanto afundo os dedos no teclado, as chamas sobem ainda fortes e desafiadoras. Mais triste ainda é que a cidade inunda, verdadeiramente. O choro que deságua para fora causa vários pontos de alagamento. São Paulo sob a água e o Museu ainda ardendo.

    Imagino a tristeza de José Miguel Wisnik, Arthur Nestrovski, Daniela Thomas, Bia Lessa, Maria Bethânia, Alvaro Faleiros, André Cortez, Júlia Peregrino, Felipe Tassara, Paulo Klein, Alexandre Roit, Ataliba Castilho, Eduardo Calbucci, Cacá Machado e outros tanto que trabalharam por entre seus painéis, monitores, projeções, interações, ideias. Por onde começar a lembrança?

    Se o poeta é um fingidor, não existe como fingir essa tristeza. Ah, Cora Coralina, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Oswald de Andrade, Jorge Amado, Rubem Braga, Cazuza, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Arnaldo Antunes, Waly Salomão, que bom seria se alguma das modernas e interativas salas do Museu da Língua Portuguesa ainda se salvasse para que os ecos de todos os seus discursos, poemas, escritos, conversas, cochichos, páginas e páginas, memórias, chegassem levemente aos nossos ouvidos quando as chamas se reduzirem a pó, e acordássemos inspirando prosa e expirando poesia.

    PS. Acabo de saber que um bombeiro do próprio Museu faleceu. Faleceu cumprindo a sua sina de salvaguarda da vida alheia. A tênue linha dos limites ultrapassados. Que as palavras que faltam sempre nesse momento possam acarinhar sua família.