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  • Lula é condenado novamente e defesa recorre mais uma vez à ONU

    Lula é condenado novamente e defesa recorre mais uma vez à ONU

    A juíza Gabriela Hardt, da 13ª Justiça Federal de Curitiba, condenou nesta quarta-feira, 6, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 12 anos e 11 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, referentes a obras realizadas por empreiteiras em um sítio em Atibaia (SP), no processo da Operação Lava Jato. Lula ainda foi condenado ao pagamento de R$ 423.152,00, equivalente a 212 dias-multa no valor de 2 salários mínimos por dia, e proibido de exercer cargo público ou integrar a direção de empresas pelos próximos 24 anos e 2 meses. Outros 10 réus também foram condenados.

    Em nota, o advogado de Defesa do ex-presidente, Cristiano Zanin, afirmou que a decisão é totalmente arbitrária, e só reforça, mais uma vez, o uso perverso das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política, prática reputada como “lawfare”. E disse ainda que vai levar, mais uma vez, ao conhecimento do Comitê de Direitos Humanos da ONU em Genebra, na Suíça, que poderá julgar o comunicado ainda neste ano — e eventualmente auxiliar o país a restabelecer os direitos de Lula. Como ele vem fazendo desde 2016.

    Segundo Zanin, a sentença segue a mesma linha proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro, que condenou Lula por convicção e delação premiada, sem ele ter praticado qualquer ato de ofício vinculado ao recebimento de vantagens indevidas, ou seja, sem ter praticado o crime de corrupção que lhe foi imputado. “Novamente, a Justiça Federal de Curitiba atribuiu responsabilidade criminal ao ex-presidente tendo por base uma acusação que envolve um imóvel do qual ele não é o proprietário, um “caixa geral” e outras acusasões referenciadas apenas por delatores generosamente beneficiados”.

    O advogado explica que a decisão, mais uma vez desconsiderou as provas de inocência apresentadas pela defesa de Lula nas 1.643 páginas das alegações finais protocoladas há menos de um mês, no dia sete de janeiro desse ano, — com exaustivo exame dos 101 depoimentos prestados no curso da ação penal, laudos técnicos e documentos anexados aos autos. “Chega-se ao ponto de a sentença rebater genericamente a argumentação da defesa de Lula fazendo referência a “depoimentos prestados por colaboradores e co-réus Leo Pinheiro e José Adelmário” (p. 114), como se fossem pessoas diferentes, o que evidencia o distanciamento dos fundamentos apresentados na sentença da realidade”, cita em outro trecho da nota.

    O fato de Lula ter sido condenado “pelo recebimento de R$ 700 mil em vantagens indevidas da Odebrecht” mesmo a defesa tendo comprovado, por meio de laudo pericial elaborado a partir da análise do próprio sistema de contabilidade paralelo da Odebrecht, que tal valor foi sacado em proveito de um dos principais executivos do grupo, o presidente do Conselho de Administração, é um absurdo para Zanin. “Esse documento técnico foi elaborado por auditor e perito com responsabilidade legal sobre o seu conteúdo, e comprovado por documentos do próprio sistema da Odebrecht, mas foi descartado sob o censurável fundamento de que “esta é uma análise contratada por parte da ação penal, buscando corroborar a tese defensiva” — como se toda demonstração técnica apresentada no processo pela defesa não tivesse valor probatório”. Ou seja, não valesse como prova.

    Em outro trecho da nota, Zanin diz que Lula foi condenado pelo crime de corrupção passiva por afirmado “recebimento de R$ 170 mil em vantagens indevidas da OAS” no ano de 2014, quando ele não exercia qualquer função pública, e que a despeito do reconhecimento já exposto, não foi identificado pela sentença qualquer ato de ofício praticado pelo ex-presidente em benefício das empreiteiras envolvidas no processo. “Foi aplicada a Lula uma pena fora de qualquer parâmetro das penas já aplicadas no âmbito da própria Operação Lava Jato — que segundo julgamento do TRF4 realizado em 2016, não precisa seguir as “regras gerais” — mediante fundamentação retórica e sem a observância dos padrões legalmente estabelecidos” finaliza.

     

     

     

  • Até quando vai o lawfare com Lula?

    Até quando vai o lawfare com Lula?

    No mesmo dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é capa no jornal francês L’Humanité como um possível candidato ao Nobel da Paz, na terça-feira 29, ele é terminantemente proibido pela Justiça Federal de ir ao velório de seu irmão mais velho Genival Inácio da Silva, 79 anos, carinhosamente chamado de Vavá, que morreu devido a um câncer. No dia seguinte, quarta 30, quando o ministro do STF Dias Toffoli liberou a ida de Lula à São Bernardo, já era tarde demais: Vavá já estava sendo sepultado e enterrado. 

    Nem quando Lula foi preso por 24 dias durante a Ditadura Militar, em 1980, por liderar uma greve no ABC Paulista, ele deixou de ter este mesmo direito garantido, e foi liberado a comparecer ao velório de sua mãe, Eurídice Ferreira, conhecida também carinhosamente como “Dona Lindu”, pelo diretor-geral do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Romeu Tuma. 

    Vítima de perseguição política desde suas primeiras atuações como metalúrgico sindicalista, o lawfare com Lula se intensifica após o período de seu mandato presidencial, culminando em sua prisão e, mais uma vez, em um direito gravemente cerceado que acomete não só ao ex-presidente, mas ao Estado de Direito, aos Direitos Humanos e à Democracia brasileira. Sobre isso, o advogado de defesa de Lula, Cristiano Zanin, concedeu entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, nesta matéria.

    Pela Lei de Execução Penal 7210/84, Lula deveria ter seu direito assegurado desde o primeiro pedido de sua assessoria de defesa jurídica para o superintendente da Polícia Federal do Paraná em Curitiba, conforme parágrafo único, imediatamente após a morte de Vavá. O artigo 120 da Lei, que consta na petição, é claro:

    “Os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos:

    – falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão;

    Parágrafo único. A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso.”

    Ainda de acordo com a petição dos advogados de Lula, “a Lei de Execução Penal é ancorada na proteção constitucional dada à família (CF/88, art. 2262) e em aspectos humanitários, tornando imperioso, e com o devido respeito, o acolhimento do pedido ora formulado”.

    Ou seja, não haveria a necessidade de uma ação judicial para além da PF, submetida ao Ministério da Justiça, na qual Sérgio Moro, o mesmo ex-juiz que prendeu o ex-presidente e que dizia publicamente que nunca seria político, é o ministro. Para a presidenta do PT e deputada federal Gleisi Hoffman, Moro deve explicações à sociedade brasileira sobre a declaração de incompetência da PF para levar Lula ao velório e enterro de seu irmão Vavá. E complementa: “Eu fico pensando qual é a estrutura da Polícia Federal para combater o crime organizado nesse país, se a mesma polícia não tem condições de prover a segurança pra que uma pessoa vá ao velório e enterro de seu irmão”.

    Visto que o tempo era curto e a Polícia Federal não se manifestava, a defesa de Lula entrou imediatamente com pedido de liberação também na 12ª Vara Criminal em Curitiba, mas a juíza Carolina Lebbos expediu intimação para o Ministério Público Federal se manifestar, antes da apreciação judicial. O MPF, por sua vez, pediu para a PF se manifestar com prazo de um dia. A defesa peticionou nos autos chamando a atenção para a ausência de necessidade de manifestação do MPF, no caso, e para o quanto a demora significa perigo de perecimento do direito.

    Na madrugada de quarta, Carolina Lebbos negou o requerimento de Lula. No despacho, ela afirma que a decisão final cabe à Polícia Federal, que alegou dificuldades logísticas para fazer a viagem. Além de “indisponibilidade de transporte aéreo em tempo hábil”, pois os helicópteros estariam todos em Brumadinho (MG), atuando na tragédia anunciada da Vale, o delegado Luciano Flores de Lima alegou “ausência de policiais disponíveis para assegurar a ordem pública” e “perturbações à tranquilidade da cerimônia fúnebre pelo aparato necessário para levar Lula”.

    A defesa recorreu, mas, com o mesmo argumento, o desembargador de plantão do TRF-4, Leandro Paulsen, manteve a proibição, pois considerou haver possibilidade de confronto entre apoiadores e opositores do ex-presidente. O pedido chegou até o Supremo Tribunal Federal, nas mãos de Tóffoli, que liberou a ida de Lula a São Bernardo para encontrar exclusivamente com os seus familiares, em uma Unidade Militar, somente quando Vavá já estava sendo sepultado e enterrado, o que parece um tanto sádico.

    E, assim como em tantas outras situações que o ex-presidente vem sendo extorquido de seus direitos, como por exemplo estar preso sem trânsito em julgado por causa da ação do “Tríplex no Guarujá”, ter tido sua candidatura à presidência, legal, impugnada pelo TSE mesmo após intervenção da ONU, conceder entrevistas à imprensa, ter visitas religiosas e de Fernando Haddad na condição de advogado, Lula não pôde se despedir de seu ente querido na qual mantinha laços afetivos paternais por ser seu irmão mais velho e muito presente em sua vida.

    “O Lula hoje é mais que um preso político. Lula hoje é um refém de uma lógica perversa que impõe ao tratamento que é dado a ele uma forma de sinalização pra tentar intimidar todos e todas deste país que tem coragem de insurgir. Se Lula quisesse ter fugido, ele teria fugido antes de se entregar, em abril do ano passado. Mas Lula não fugiu e nunca teve essa intenção porque acredita que poderá provar sua inocência”, disse o líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta, em ato de protesto pela proibição da ida do ex-presidente ao velório do irmão.

    EXCLUSIVA com ZANIN

    Sobre as decisões que claramente ferem princípio de dignidade humana do ex-presidente e o lawfare que ele vem sofrendo, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, concede ENTREVISTA EXCLUSIVA para o Jornalistas Livres.

    1. Qual a gravidade desse cerceamento do direito do ex-presidente Lula de ir ao velório do irmão? 

    Cristiano Zanin: Impedir Lula de participar do funeral do irmão é uma conduta muito grave por parte do Estado porque negou ao ex-presidente um direito expressamente previsto na lei e que está lastreado em razões humanitárias. Lula está sendo tratado como uma pessoa sem qualquer direito. Para um conjunto de autoridades no país, ele pode ser processado sem justa causa; pode ser condenado sem ter praticado um crime; pode ser encarcerado mesmo não havendo decisão definitiva transitada em julgado, como prevê a Constituição Federal; pode ser impedido de ter qualquer contato com o mundo exterior. Estão deturpando as leis e os procedimentos jurídicos para promover uma verdadeira cruzada contra o ex-Presidente Lula, para persegui-lo enquanto inimigo político. Isso configura um fenômeno denominado “lawfare” que eu e a Valeska Martins (também advogada de defesa de Lula) apresentamos aqui no Brasil em 2016 para designar o que estava ocorrendo com Lula já naquele momento.

    2. Por qual motivo vocês acham que a PF negou duas vezes?
    CZ: Respeito os policiais federais, mas não é possível concordar com esse posicionamento. Primeiro, porque quando o Estado decidiu realizar atos de persecução penal contra Lula foi possível constatar que tinham todo o aparado necessário, como ocorreu na condução coercitiva realizada em março de 2016. Segundo, porque não foi apontada qualquer situação concreta que pudesse efetivamente mostrar que a ida de Lula ao enterro do irmão poderia causar riscos à sua segurança ou à segurança das outras pessoas presentes. Terceiro e mais importante, porque o Estado não pode alegar suas eventuais deficiências para retirar direito dos cidadãos. É sempre importante lembrar, ainda, que apresentamos às autoridades, em última análise, se necessário, a possibilidade de terceiros relacionados ao ex-presidente suportarem os custos relativos ao frete ou do combustível da aeronave necessária para transportá-lo até São Bernardo do Campo. Isso foi recusado. Diante desse cenário, não temos dúvida de que o veto imposto à ida de Lula ao enterro do irmão é uma prática de lawfare.

    3. No primeiro pedido conforme a lei de execução penal não precisaria ter sido encaminhado para a Carolina Lebbos, e nem ela ao MPF, correto?
    CZ: A Lei de Execução Penal diz no seu artigo 120, parágrafo único, que cabe ao diretor do estabelecimento onde a pessoa está presa autorizar a sua saída para ir ao enterro do familiar. Fizemos esse pedido perante a Superintendência da Polícia Federal do Paraná por volta das 15 horas dia 29, assim que tomamos conhecimento do falecimento do irmão do ex-Presidente Lula. Como havia urgência na medida e não foi tomada nenhuma decisão administrativa de imediato, levamos o caso também à Vara de Execuções Penais, na expectativa de que o pedido fosse prontamente acolhido diante da clareza do direito alegado. Mas o que ocorreu foi que a partir daí o pedido ficou “girando em falso”: foi aberta vista do processo ao MPF, que, por seu turno, disse que somente iria se manifestar depois de ouvir a Polícia. Apenas por volta de uma hora da manhã, quando o velório do irmão do ex-Presidente já estava bastante avançado, é que tivemos uma decisão da primeira instância e foi negativa. Durante a madrugada fomos ao plantão do TRF4 e às 5 horas tivemos outra decisão, também negativa. Também fizemos requerimentos ao STJ e ao STF ao longo da madrugada. Do falecimento de Vavá até a decisão do Ministro Dias Toffoli, por volta das 13 horas do dia 30, protocolamos 19 petições nas mais diversas instâncias administrativas e judiciais para que Lula pudesse exercer um direito expressamente previsto em lei. Além de mostrar um trabalho hercúleo, esse número também mostra que algo que deveria ser simples, quando é para Lula, ganha uma complexidade singular.

    4. Existe alguma medida internacional de Direitos Humanos a qual possa ser apelada com relação às decisões e ao lawfare? Alguma denúncia a algum órgão que possa intervir internacionalmente juridicamente?

    CZ: Em 2016, eu, Valeska Martins e o Geoffrey Robertson, uma referência mundial na advocacia de direitos humanos, levamos ao Comitê de Direitos Humanos da ONU um comunicado mostrando àquele órgão internacional que Lula está sendo vítima de grosseiras violações às suas garantias fundamentais. Foi o primeiro comunicado feito àquele órgão internacional por um cidadão brasileiro. Desde então fizemos diversas atualizações naquele comunicado. Fomos instados pelo Comitê a apresentar uma nova manifestação no início de fevereiro e nessa oportunidade levaremos ao conhecimento do Comitê esses últimos fatos, pois eles reforçam todas as violações que são tratadas no comunicado. A partir dessa nova manifestação que iremos apresentar, em tese, o Comitê poderá julgar o mérito do comunicado a qualquer momento. E se o julgamento for favorável a Lula, como acreditamos, poderá ajudar o Brasil a restabelecer os direitos do ex-presidente e até mesmo a fazer mudanças legislativas necessárias para se adequar aos padrões internacionais de direitos humanos.

    Valeska Martins e Cristiano Zanin Martins, na sede da ONU em Genebra, na Suiça. Foto: Filipe Araújo
  • Denúncia contra Haddad faz democracia valer menos que R$ 14 milhões

    Denúncia contra Haddad faz democracia valer menos que R$ 14 milhões

    A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público de São Paulo denunciou na última terça-feira (28) por improbidade administrativa o candidato a vice-presidente pelo PT Fernando Haddad, por irregularidades supostamente por ele cometidas enquanto era prefeito de São Paulo, entre 2012 a 2015.

    Pena requerida: bloqueio imediato dos bens do ex-prefeito de São Paulo, proibição de exercer qualquer cargo público, perda, por dez anos, dos direitos políticos e de ter qualquer negócio ou relação com qualquer entidade pública, com a interferência esperada no processo eleitoral presidencial brasileiro.

    O inquérito e a denúncia à Justiça são de responsabilidade do promotor Wilson Ricardo Coelho Tafner. O texto de acusação é um documento público, disponível para quem quiser ler, inclusive em sites jornalísticos. Basta clicar aqui. São 177 páginas. Tudo o que se expõe nesta reportagem tem como fonte o referido documento.

    Tafner deu início a seus trabalhos investigatórios no segundo semestre do ano passado (página 5). Por meio deles, afirma ter desvendado um ato de improbidade travestido em doação para campanha eleitoral. Uma empreiteira teria pago uma conta de R$ 2,6 milhões da campanha de Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo em 2012 buscando obter favores do então prefeito.

     

    O ato de improbidade “em potencial”

    Também afirma que não é possível definir de forma inquestionável quais foram as vantagens que a empreiteira teria recebido por doar para a campanha de Haddad. Mas, afirma que o ex-prefeito cometeu ato de improbidade de qualquer jeito, porque teria prometido alguma vantagem, e mesmo que no final não a tenha concedido, teria cometido ato de improbidade, só pelo fato do doador ter “potencial possibilidade de ter seus interesses atendidos pelo gestor público”. Está na página 104.

    O promotor faz a acusação e nela inclui pedidos cautelares, quer dizer, pede que a Justiça, antes mesmo de se aprofundar no tema do processo e tomar qualquer decisão, já tome determinadas medidas de antemão contra a pessoa investigada, a fim de preservar bens ou direitos que possam estar sendo ameaçados. Então, no caso do promotor Tafner, ele requer que se bloqueie imediatamente os bens do ex-prefeito em R$ 14,1 milhões, que seria o valor que a empresa teria doado para sua campanha esperando receber favores, acrescido de juros, multas, custas processuais, etc. O candidato a vice-presidente Fernando Haddad declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 428 mil.  

    O pedido de bloqueio que faz Tafner é “inaudita altera parte”, termo em latim que, em tradução livre, seria algo como “sem ouvir a outra parte”, sem ouvir o que a defesa tem a dizer antes de executar o bloqueio e, nas palavras do próprio promotor, “inclusive antes da notificação para apresentação de defesa preliminar” (página 172).

    Assim, se atendida a pretensão do promotor, haveria interferência no processo eleitoral, na medida em que o candidato a vice-presidente da chapa que lidera todas as pesquisas passaria a ter que fazer campanha com a totalidade de seus bens bloqueados.

    Tafner afirma não ignorar esses fatos, pelo contrário. Apesar disso, é um promotor do patrimônio público da capital paulista, e só age em sua defesa. Assim, explica, na página 154, por que é preciso bloquear todos os bens de um candidato a vice-presidente:

    “É medida indispensável para assegurar o resultado útil do processo; o devido ressarcimento do erário, da moralidade pública, conspurcada pela prática dos atos ímprobos aqui apontados.” (grifo do autor)

    Como afirma Tafner, seu interesse no processo é só defender o patrimônio de São Paulo. Isso não impede, porém, que ele expresse, no processo, sua contrariedade com a insistência do Partido dos Trabalhadores em concorrer em eleições.

    “E, ainda, quando o Partido de HADDAD perde a administração federal e ele, a Prefeitura de São Paulo, não havendo quem por ele falasse (…), ele assume o protagonismo de ir às redes sociais e, buscando o que lhe restava de capital político com os militantes, pede, em nome próprio, doações para a quitação das dívidas da campanha de 2.016.

    E mesmo ante as delações dos dirigentes da UTC/CONSTRAN, da ODEBRECHT, dos marqueteiros Monica Moura e João Santana sobre como foi feito o financiamento e pagamento de suas dívidas de campanha anterior, novamente, sai como candidato para o mais elevado cargo executivo da nação!

    Os grifos são do próprio autor, estão na página 106. Na seguinte, o promotor explica que o fato de Fernando Haddad desconhecer qualquer esquema parecido com aquele por ele narrado pode ter, na verdade, outra significação:

    “Sua pretensa cegueira – na verdade, deliberada, dolosa – demonstra que tinha pleno domínio do fato acerca da vantagem indevida que recebeu (no importe da impressionante cifra de DOIS MILHÕES E SEISCENTOS MIL REAIS), da qual era o principal beneficiado, no cargo de Prefeito da maior cidade do país; ou seja, o pagamento de SUA DÍVIDA DE CAMPANHA, por empresa que tinha interesses diretos na sua gestão,!”

    As letras maiúsculas são do próprio autor. 

     

    O promotor trabalha em nome do interesse do patrimônio público paulistano, mas não se furta ao direito de dizer o que acha do fato de o PT querer concorrer em eleições

     

    O crime, a vítima, o réu

    A tese de improbidade sustentada pelo promotor tem origem em outro processo, que corre na Justiça federal. O promotor paulista solicitou e o obteve o empréstimo dos autos (depoimentos, documentos, perícias) desse processo para, somando às suas próprias diligências, abrir uma nova ação judicial dentro de sua competência, ou seja, defesa do patrimônio da cidade de São Paulo.

    O inquérito original tratava de questões eleitorais. Baseado em delações premiadas do empreiteiro Ricardo Pessoa e de um diretor de sua empreiteira, a UTC Engenharia, investigava doações e contas eleitorais de campanhas do Partido dos Trabalhadores.

    Quando abriu seu inquérito local, Tafner requereu aos delatores premiados da empreiteira e a um operador financeiro que completassem seus depoimentos abordando os assuntos que a promotoria paulista estava tratando. São eles, Ricardo Pessoa, o diretor da UTC  Walmir Santana e o doleiro delator originário da Operação Lava Jato, Alberto Yousseff.

    Ele ouviu suas testemunhas no último dia 9 (página 10). A oitiva dessas três testemunhas, três delatores premiados, é a única contribuição do promotor paulista ao processo. Todo o resto vem da ação eleitoral. Os testemunhos colhidos no dia 9 deste mês, então, levaram o promotor a ter convicção suficiente para, em duas semanas, formatar e escrever uma denúncia de 177 páginas, que inclui o pedido de bloqueio integral dos bens de um candidato a vice-presidente da República. É tal a urgência em proteger o erário paulista.

    O que disseram os delatores premiados? O que o promotor já desconfiava: que, sim, conforme a denúncia, a empreiteira pagara uma conta de campanha de Haddad de R$ 2,6 milhões para, com isso, obter vantagens ilícitas em contratos com a prefeitura de São Paulo.

    Não consta nas 177 páginas da denúncia, porém, quais seriam as vantagens que foram obtidas. O promotor, então, elenca possibilidades. A principal delas é uma obra contratada pela gestão Kassab de um terminal rodoviário em Itaquera, na zona leste de São Paulo, de R$ 415 milhões, ou, nas palavras do promotor, “QUASE MEIO BILHÃO DE REAIS” (página 42). A UTC tinha participação minoritária no consórcio que tocava a obra, que estava enfrentando contestações judiciais. Assim, diz o promotor, o ato de improbidade de Haddad teria “feito andar aquela obra de R$ 415 milhões”, mesmo que sob contestações judiciais, como contrapartida à empreiteira pelo pagamento de sua conta de campanha de R$ 2,6 milhões.

    Não há na denúncia, contudo, nada nem perto de indicar que o ex-prefeito tenha engendrado qualquer esforço ou cometido qualquer tipo de ato nesse sentido.

    De qualquer forma, como afirma o promotor, basta que exista o potencial de ajudar a empreiteira por meio de um ato ilícito para que se possa considerar consumado o ato de improbidade.

    Assim, só um elemento é a fonte da acusação do Ministério Público: os delatores premiados. Resumindo o que consta nas páginas do promotor:

    • Ricardo Pessoa diz que seu diretor financeiro pagou ao doleiro Alberto Yousseff a quantia de R$ 2,6 milhões, para que este repassasse a um dono de uma gráfica, em pagamento a um serviço prestado à campanha de Haddad. Ele não sabe que serviço é esse. Ele afirma que nunca conversou com Haddad sobre qualquer acordo de pagamento de contas eleitorais, nem de favorecimento nesta ou naquela obra. Ele diz que quem lhe informou que aquele dinheiro era para pagar uma conta da campanha de Haddad é um ex-deputado estadual do PT. Ele diz que aceita pagar porque espera manter boas relações com o PT e com a prefeitura de São Paulo, porque tem muitas obras acontecendo na cidade, e ele tem interesse em obter contratos nesse mercado. Ele não sabe dizer se chegou efetivamente a obter qualquer tipo de vantagem para sua empresa graças a esse pagamento. Também não pode afirmar que o dinheiro foi efetivamente destinado ao pagamento da conta de Haddad, conforme lhe havia dito o ex-deputado estadual.
    • O diretor Walmir Santana confirma tudo o que diz seu empregador, e informa que era ele quem efetuava os pagamentos dos R$ 2,6 milhões que iam parar com Alberto Yousseff. Que fazia estes pagamentos a um terceiro que afirmava que estava ali em nome dos interesses de Fernando Haddad.
    • Alberto Yousseff confirma integralmente a versão e diz que o dinheiro entrava na chamada “caixa-geral de propina do governo federal”, que o PT mantinha com todos os empreiteiros, e que o ex-tesoureiro João Vaccari Neto lhe disse que especialmente aquele dinheiro iria pagar conta da campanha de Haddad.

    Quem também já tinha falado a respeito do episódio é o dono da gráfica em questão, que teria recebido o dinheiro por serviços prestados à campanha de Haddad. Afirmou que nunca recebeu qualquer quantia por parte de Alberto Yousseff ou quem quer que seja em pagamento a serviços para a campanha de Fernando Haddad. Ele já tinha dado este testemunho no processo eleitoral do qual Tafner emprestou os autos. Nesta ação contra o ex-prefeito, o promotor preferiu não ouvi-lo.

    É este o resumo das 177 páginas da ação de improbidade contra o ex-prefeito Fernando Haddad, do PT.

    Vale a leitura.  

  • NOVAS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA PARA NOVOS TIPOS DE GOLPE

    NOVAS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA PARA NOVOS TIPOS DE GOLPE

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Stocker

    À direita dizem que não está acontecendo um golpe no Brasil. Afinal, os canhões não estão nas ruas e não tem milico governando. Se não tem milico governando e canhão na rua, os da direita dizem que não é golpe. Pra ter golpe mesmo só com canhões na rua e milico governando. Não pode ser diferente.

    À esquerda, por uma lógica inversa, também existe o mesmo fetiche com as baionetas. Os companheiros e companheiras estão sempre à espera da chegada dos canhões. Basta um general de pijamas e sem tropas vomitar meia dúzia de tweets que o pânico se espalha. Afinal, se é golpe, e os da esquerda dizem que é golpe, tem que ter canhão na rua e milico governando. Não pode ser diferente.

    Uns e outros erram porque não percebem que os tempos mudaram e os golpes mudaram junto. Mudaram também as formas de resistência. É exatamente disso que quero falar neste ensaio. Novos tipos de golpe exigem novas práticas de resistência. Trato aqui especificamente da resistência que vem sendo organizada pelo Partido dos Trabalhadores.

    Antes, alguns esclarecimentos:

    “Guerra Híbrida” / “Lawfare”

    É impossível entender o que está acontecendo no Brasil sem compreender o que essas palavras significam.

    “Guerra híbrida” é um termo usado para definir estratégias de ataque que não se limitam à esfera militar. Na “guerra híbrida” não ouvimos bombas estourando e metralhadoras produzindo o som da morte. Não há vísceras e membros espalhados no chão. A “guerra híbrida” acontece em silêncio e com tom de legalidade. A “guerra híbrida” é tão discreta que nem parece guerra. Mas é guerra sim. É muita guerra.

    A “guerra híbrida” envolve ciberataques, difusão de fakenews, espionagem, desestabilização de governos.

    Até hoje ainda existe quem acredita que o Lulinha é dono da Friboi. Os donos da Friboi já foram presos, já ficou evidente que o Lulinha nunca teve nenhuma relação com a empresa. Mesmo assim, não é difícil ouvir na rua alguém dizendo “Lulinha era zelador de zoológico e agora é dono da Friboi!”. A “guerra híbrida” também deixa cicatrizes.

    Na “guerra híbrida” chefes de Estado são espionados. Foi isso que a CIA fez com Dilma entre 2013 e 2015. Deve ter feito mais, provavelmente fez mais. Deve tá fazendo isso agora com centenas de pessoas ao redor do mundo.

    Sabiam não, leitor e leitora? Tão achando que é teoria da conspiração? Não é não. É verdade verdadeira. A CIA espionou a Dilma entre 2013 e 2015, exatamente quando a crise brasileira se tornava mais aguda. Teve maior repercussão na época. Deu até no “Fantástico”. Só googlar aí que vocês acham.

    É tática da “Guerra Híbrida” utilizar a lei para perseguir adversários políticos. É isso que chamamos de lawfare. O caso do triplex do Guarujá é o exemplo mais acabado de lawfare. Daqui uns tempos vai ser tutorial de lawfare.

    Resumindo, relembrado:

    A família Lula da Silva comprou uma quota imobiliária num condomínio. Essa quota foi declarada no Imposto de Renda de Lula e de dona Marisa. Até aqui não existe triplex. É uma quota imobiliária, apartamento na planta, desses que a gente paga as prestações.

    Aí, Leo Pinheiro, um “campeão nacional” (termo usado para designar os maiores empresários do país), sabendo que Lula é um ativo político importante, chegou à meia voz e disse:

    – Que apartamento chinfrim, presidente. O senhor merece mais. Vamos dar um plus nesse negócio!

    Leo Pinheiro, no lugar da tal quota imobiliária, ofereceu um triplex para Lula no mesmo condomínio. Ele queria que Lula pagasse um apartamento normal e recebesse um triplex, com elevador privativo, cozinha planejada, banheira de hidromassagem e um monte de outros luxos que eu nem sei que existem.

    Lula visitou o apartamento, foi fotografado. O zelador do prédio disse que a obra estava sendo supervisionada pessoalmente por Marisa Letícia. Essas são as provas mobilizadas por Sérgio Moro: a fotografia e o testemunho do zelador.

    Lula aceitaria o regalo? Daria algo em troca? A relação de Lula com os “campeões nacionais” se tornou abusiva e imoral? Lula poderia ter sido mais cuidadoso?

    Temos aí conversa pra mais de metro e cada um pode acreditar no que quiser. Fato, fato mesmo é que a família Lula da Silva não ficou com o triplex, nunca morou no triplex. O triplex nunca foi de Lula. Além disso, Sérgio Moro não conseguiu mostrar em quais atos de ofício, Lula, na posição de presidente da República, beneficiou a OAS para fazer por merecer os mimos.

    Hoje, Lula está preso, condenado a 12 anos em regime fechado.

    Por outro lado, existe um e-mail onde Fernando Henrique Cardoso pede dinheiro a Marcelo Odebrecht, outro “campeão nacional”. Entendam: FHC pediu, textualmente, dinheiro. Tipo, “Ei você aí, me dá um dinheiro aí”.

    O Ministério Público e a Polícia Federal não tocaram em Fernando Henrique Cardoso, não relaram nenhum dedinho nele.

    É assim que a lawfare está funcionando no Brasil: a ampliação seletiva do conceito de “corrupção” visando a criminalização de determinadas lideranças políticas.

    É evidente que estamos vivendo em uma situação de golpe, um outro tipo de golpe, é claro. Sem canhões na rua, sem milico no governo, mas nem por isso menos golpe. Não precisa ter canhão na rua e milico governando para ser golpe.

    Como é possível reagir a esse novo tipo de golpe?

    Luta armada? Fugir da polícia? Milhões de pessoas nas ruas protestando?

    No dia da prisão de Lula, muitos companheiros e companheiras, tomados pela emoção, prometiam resistência direta. Outros diziam que Lula deveria fugir para uma embaixada. Todos estavam equivocados.

    Politicamente é melhor ser mártir do que ser fugitivo. É melhor estar preso do que estar foragido. É mais seguro também. Duvido que alguém tenha coragem de matar Lula numa prisão brasileira. Agora, em qualquer outro lugar do mundo….

    Milhões de pessoas nas ruas protestando seria algo maravilhoso de ver. Mas essa não é a nossa realidade. Não vivemos, no Brasil e no mundo, tempos de mobilização. As agendas coletivas não afetam mais as pessoas. As pessoas olham umas para as outras e enxergam mais diferenças que semelhanças.

    O que fazer, então, diante de um cenário tão complexo? Como reagir a esse novo tipo de golpe?

    Estou convencido de que a direção do Partido dos Trabalhadores encontrou a estratégia adequada: insistir nos trâmites institucionais.

    Trata-se de uma crença ingênua na legalidade?

    Não, de forma alguma. O objetivo é esgotar as instituições, levando-as ao seu limite, obrigando-as a adotar medidas de exceção. O Partido dos Trabalhadores obriga os golpistas a deixarem no chão as suas pegadas. Destaco três momentos em que a estratégia ficou muito clara.

    1) O processo de impeachment da presidenta Dilma

    Desde a admissão do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados já estava claro que Dilma seria afastada. Mesmo assim, o Partido dos Trabalhadores foi até o fim, esgotando os mecanismos institucionais. Isso não foi feito para permitir que José Eduardo Cardozo desse seus showzinhos de eloquência. O objetivo era fazer com que os deputados, em rede nacional, encenassem aquele espetáculo grotesco que vimos em 17 de abril de 2016. O objetivo era forçar os senadores a dizerem com clareza que não estavam a favor do impedimento por causa das pedaladas fiscais, mas, sim, pelo “conjunto da obra”.

    Apenas no parlamentarismo é possível derrubar um governo ruim. No presidencialismo, somente crime de responsabilidade derruba governo. O impeachment de Dilma é um golpe parlamentarista contra uma República presidencialista.

    Tá tudo gravado, registrado em nota taquigráfica. O golpe de 2016 talvez seja o evento mais documentado da história política brasileira. É fácil, fácil contar essa história.

    2) A ofensiva de Rogério Favreto

    Ainda está fresco na memória de todos nós o dia 8 de julho de 2018, um domingo, quando Rogério Favreto, desembargador do TRF-4, ligado ao Partido dos Trabalhadores, autorizou um habeas corpus em benefício de Lula.

    Nenhuma ilegalidade aqui. O desembargador de plantão é soberano e sua decisão somente pode ser anulada pelos outros juízes. Nesse dia, as forças do golpe agiram à revelia da lei e, informalmente, ordenaram que a PF descumprisse a ordem de soltura. Qualquer outro preso seria solto, nem que fosse para prende outra vez no dia seguinte, quando o habeas corpus fosse derrubado.

    O que vale para todos não vale para Lula. No dia 8 de julho de 2018, o Partidos dos Trabalhadores obrigou os golpistas a saírem daquela tradicional preguicinha de domingo para mostrar ao mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

    3) A representação na ONU

    A notícia de que a ONU havia feito uma recomendação pela garantia dos direitos políticos de Lula caiu como uma bomba em 15 de agosto de 2018, provocando reações apaixonadas por todos os lados.

    Na letra fria da lei, a recomendação não altera em nada a situação do presidente Lula. Porém, a manifestação da ONU, provocada pelo PT, irá obrigar as forças do golpe a descumprirem tratados internacionais que o Brasil, no exercício de sua soberania, assinou.

    Isso pode se desdobrar em sanções comerciais, em constrangimento diplomático, além de desgastar a imagem de algumas lideranças do Judiciário brasileiro, especialmente de Luís Roberto Barroso, que é o relator do caso Lula no TSE. Barroso é aquele típico bacharel tropical colonizado: adora pagar de civilizado no centro do mundo, como quem diz “Vejam como sou limpinho”.

    Se fosse outro preso, o golpe não sacrificaria o pouco de credibilidade internacional que ainda lhe resta. Lula vale o esforço. Com Lula, tudo é diferente. É que Lula não é um preso comum, é um preso político.

    De burro, nosso povo não tem nada. As pessoas viram isso tudo, estão vendo o que está acontecendo e essa percepção se traduz em manifestação eleitoral.

    Tá tendo golpe, tá tendo muito golpe. Mas tá tendo resistência também. Uma resistência possível e adequada aos novos tempos. Não é a resistência dos nossos sonhos. Todos sonhamos com resistência direta e épica. Nossos sonhos estão ultrapassados.

    Ao que parece, a resistência está dando resultado, um resultado possível: Dilma lidera com folga para o Senado em Minas Gerais. Lula, no calabouço de Curitiba, sem fazer campanha, cresce a cada pesquisa. Tudo indica que Haddad herdará uma quantidade suficiente de votos para chegar pelo menos ao segundo turno. A situação não está fácil também para os golpistas.

    Penso que há motivo para termos algum otimismo, nem que seja para preservar a saúde mental. Além disso, como já disse Frei Beto, mais vale deixar o pessimismo para dias melhores.

  • Jornalista de Mato Grosso é perseguido por enfrentar oligopólio da mídia

    Jornalista de Mato Grosso é perseguido por enfrentar oligopólio da mídia

    No país da delação premiada, infelizmente não é de se estranhar que uma condenação judicial relativa à reparação de danos morais tome por desrespeito à lei a divulgação de trechos de uma colaboração oficializada junto às instâncias do próprio poder judiciário.

    A situação piora ainda mais quando, entre os argumentos da decisão, está a menção a uma lei que foi considerada incompatível com a Constituição Federal. Pois é o que ocorreu com a sentença assinada pelo juiz Gilberto Lopes Bussiki, que condenou o jornalista independente Enock Cavalcanti ao pagamento de R$ 28 mil, acatando pedido do empresário João Dorileo Leal, filiado ao MDB e dono do Grupo Gazeta de comunicação, que reúne o principal jornal em papel do estado, quatro emissoras que veiculam o conteúdo da Rede Record, seis rádios, uma empresa de dados e uma gráfica.

    A decisão em desfavor do profissional, que atua em Cuiabá e edita o blog Página do E (www.paginadoenock.com.br), se deu porque ele mencionou o que a maior parte da Grande Mídia de Mato Grosso deixou de divulgar: que, em delação premiada em 2017, o ex-governador do estado, Silval Barbosa (então no PMDB), informou ter pago uma dívida de campanha mediante contratação pós-eleição de um serviço de gráfica que não foi realizado. O relato é oficial e está disponível na Internet para quem quiser ler (em https://www.conjur.com.br/dl/delacao-silval-volume.pdf) 

    Outros veículos de mídia menores também mencionaram a delação de Barbosa, como por exemplo os sites Olhar Direto (http://www.olhardireto.com.br/juridico/noticias/exibir.asp?id=36619&noticia=silval-afirma-que-secom-foi-utilizada-em-esquema-de-lavagem-para-pagar-dividas-com-grafica) e Cacetão Cuiabano (http://cacetaocuiabano.blogspot.com/2017/08/mais-bombas-de-silval-barbosa-etico.html).

    Além disso, o caso teve prosseguimento em 2018, com operação da Delegacia Fazendária junto à sede do Grupo Gazeta de Comunicação, em Cuiabá (http://www.hipernoticias.com.br/policia/defaz-cumpre-dez-mandados-de-busca-e-apreensao-em-cuiaba/100270), o maior integrante do oligopólio midiático de Mato Grosso.

    O texto da decisão pontua a importância da liberdade de imprensa, de divulgar o que é de interesse público, contudo que tal direito social não pode ceder ao abuso e à ofensa à honra das pessoas. A sentença busca até estabelecer o limite entre a sadia e a abusiva liberdade de imprensa, tendo a primeira o condão meramente informativo e a segunda, “o alvoroço da análise/opinião”, conforme a Lei de Imprensa (5.250/1967).

    Ocorre que a Lei de Imprensa foi classificada como incompatível com a Constituição Federal em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=107402). A maioria dos ministros da corte que apreciou a matéria enxergou a lei demarcada pelo período da ditadura e incongruente com a nova ordenação jurídica estabelecida a partir de 1988 no Brasil. O desfecho não foi tão positivo assim, pois basta ver que, com a decisão, o STF também pôs por água abaixo o dispositivo do direito de resposta, deixando o cidadão mais fragilizado ainda perante a relação com o oligopólio da comunicação.

    Não fosse a empreitada liderada pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) em defesa de um projeto de lei de direito de resposta e a sua sanção em 2015 pela presidenta Dilma (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13188.htm), a situação permaneceria a mesma.m Porque a concentração de poder no setor de mídia prejudica a diversidade de opiniões e o exercício da democracia. Inibe o processo educativo junto à população que mostre, por exemplo, que emissoras de rádio e TV, não são propriedades privadas, mas, sim, concessões públicas.

    A concessão das outorgas é regulada por contratos com prazos definidos e enfoque no interesse coletivo da sociedade, que, se forem descumpridos constantemente, podem gerar inclusive cassação de licença. Portanto, informar sem contextualizar é impossibilitar o debate bem informado junto à sociedade. Afinal, como Enock pontuou em seu blog, o Grupo Gazeta de Comunicação possui emissoras de rádio, TV, portal, instituto de pesquisa e jornal e despontou enquanto empreendimento durante as gestões Dante de Oliveira, nos anos 90. No período, a relação ficou tão evidente que no meio jornalístico a Gazeta ganhou o apelido “órgão oficial do governo”.

    Em nível nacional, constituem o danoso oligopólio as famílias Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes), Frias (Folha de São Paulo), Civita (Grupo Abril), o empresário e pastor Edir Macedo (Record) e alguns outros, de acordo com estudo das ongs Intervozes e Repórteres Sem Fronteira (http://brazil.mom-rsf.org/br/). Esse distúrbio no processo comunicativo brasileiro se entrelaça ao oligopólio transnacional contemporâneo, liderado por Google e Facebook (http://monopoliosdigitais.com.br/site/).

    Então, é papel do jornalista, sobretudo aquele que dispõe de maior liberdade por tocar o próprio veículo e conduzi-lo a partir de uma linha contra-hegemônica, problematizar as informações, e não apenas reproduzi-las. Pois uma das ferramentas capazes de transformar a sociedade é a leitura crítica da realidade concreta, e isto exige mostrar as entranhas do sistema. Assim como exige prosseguir na luta, apontando a retórica falaciosa desse modelo de sociedade e o uso pernicioso de suas estruturas de poder.

    XXXXXXXXXXXXXXX

    PS do editor dos Jornalistas Livres: No momento em que preparávamos essa matéria para publicação, a conta do blog de Enock Cavalcanti havia sido suspensa do servidor (http://paginadoenock.com.br/cgi-sys/suspendedpage.cgi). Estamos aguardando um posicionamento oficial do jornalista para saber o motivos. Enquanto isso, repassamos abaixo um dos seus últimos textos, felizmente salvo no cache do navegador:

    O Sr. João Dorileo, o empresário que comanda o conglomerado que é o Grupo Gazeta de Comunicação, em Mato Grosso, resolveu me processar, eu, o blogueiro Enock Cavalcanti. O sr. Dorileo alega que eu ataquei sua honra, em 3 de setembro do ano passado quando, aqui nesta PAGINA DO E, publiquei o artigo intitulado ” APONTE O DEDO PARA A CORRUPÇÃO – Dorileo Leal, citado por Silval em sua delação, teria recebido R$ 4 milhões”.

    O que o Sr. Dorileo, através dos seus representantes legais, do escritório de advocacia comandado por Cláudio Stábile, alega? O Sr.Dorileo tenta fazer crer, entre outras alegações, que eu, Enock Cavalcanti, afirmei naquele artigo que ele está envolvido em esquema de corrupção, capitaneado pelo ex-governador Silval Barbosa, que é atualmente investigado em Mato Grosso. Ao contestar na Justiça, diante do juiz Gilberto Bussiki, da 9ª Vara Civel de Cuiabá, o pedido inicial do sr. Dorileo, reafirmei os termos efetivos de meu artigo, em que eu não acusava Dorileo de nada, simplesmente chamava a atenção para o que o ex-governador Silval Barbosa, esse sim, afirmara em depoimentos ao Ministério Público e à Justiça mato-grossense. Ora, não é essa atribuição do jornalista atento às suas responsabilidades?

    Vejam que o Sr. Dorileo, manipulando a realidade do meu texto, ao que considero, tentou, o tempo inteiro, atribuir a mim, acusações que partiram efetivamente do Sr. Silval Barbosa e que eu, cumprindo minhas responsablidades como jornalista, volto a destacar, me limitei a reproduzir, chamando a atenção dos leitores para este fato que, sem dúvida nenhuma merece destaque: que o chefe do maior grupo de comunicação de Mato Grosso fora alvo de larga citação por parte do Sr. Silval Barbosa, ex-governador que, a partir do episódio de sua delação, passou a ser um corrupto confesso, disposto a devolver parte do que surrupiara dos cofres públicos mas também a nomear tantos e tantos que porventura tenham se beneficiado de seu governo. Publiquei isso com a ressalva de que o fazia porque certamente os veiculos vários de comunicação controlados pelo Sr. Dorileo não dariam o devido destaque ao caso e a esta citação específica.

    Para melhor conhecimento daqueles que acompanham a PAGINA DO E, divulgo aqui, mais uma vez, a integra da ação em que o Sr. Dorileo reclama de minha parte uma indenização de R$ 50 mil contra possíveis danos que lhe teria causado, como também o inteiro teor da minha contestação, com os documentos que a ela juntei. Poderão, assim, os leitores, terem uma ideia mais dos fatos e das argumentações que o juiz Bussiki tem expostos diante de si, antes de proferir sua decisão sobre o caso.

    Vejam que, depois de uma detalhada análise das acusações inverídicas contra mim dirigidas pelo Sr Dorileo, encerro minha contestação deixando para o julgador os seguintes pedidos:

    Diante do exposto, é esta CONTESTAÇÃO para, REQUERER:

    a) o indeferimento da inicial por, como demonstrado ficou, não ter qualquer relação entre a publicação imputada e a capitulação legal que lhe
    foi dada.

    b) em consequência, que o valor da indenização pedida, e seus corolários [verba honorária, custas processuais etc.], seja indeferido uma
    vez que inexiste qualquer relação entre o noticiado pelo Querelado (eu, Enock Cavalcanti) e a repercussão que tal possa ter causado ao Autor (ele, Sr. Dorileo).

    c) que o Autor – por abusar do direito de petição, atirando -se a uma aventura judiciária, na qual pretende se utilizar do já assoberbado Poder Judiciário para fins claramente intimidatórios e de indevido enriquecimento – seja considerado litigante de má-fé, com todas as consequências legais advindas.

    d) que, em decorrência, seja o mesmo condenado a indenizar o Requerido em quantia a ser arbitrada por Vossa Excelência, porém, não inferior ao valor que atribuiu à causa com multa por ato repleto de ma -fé.

    e) que seja condenado em sucumbência no percentual de 20% (vinte por cento) do montante que atribuiu à causa ou em valor a ser arbitrado por Vossa Excelência.

    f) que o mesmo seja condenado a publicar na íntegra em seu jornal e a veicular na sua mídia televisiva, sob pena de multa, a Sentença e o v. acórdão.

    Ler a contestação exigirá um pouco de paciência dos internautas que acessam esta página do E, que que o PDF que divulgo arrola também os documentos que juntei à ela, tal qual a denuncia do Ministério Público de Mato Grosso contra o Sr. Dorileo no episódio também recente do Escândalo das Gráficas e cópias de reportagens que relembram detalhes do Secomgate que muitos esqueceram ou fazem questão de abafar.

    Agora é aguardar pela decisão da Justiça, em primeira instância.

    Enock Cavalcanti rebate Dorileo Leal, dono de conglomerado de midia que tenta calar blogueiro em MT by Enock Cavalcanti on Scribd

     

     

     

  • O Xadrez e o Direito

    O Xadrez e o Direito

    Através de uma analogia do Xadrez com o Direito (a torre é a Polícia Federal, o cavalo é o Ministério Público…), Igor explica o que é Lawfare e como é possível prender qualquer inimigo político, seja quem for.

    Sobre os acontecimentos do domingo, 08 de julho, envolvendo o habeas corpus de Lula, Igor afirma: “Você não entendeu nada. Por quê? Porque há muito tempo esse jogo deixou de ser xadrez. Só o tabuleiro é de xadrez. As peças estão se movendo como bem entendem. O rei ainda está de pé e ele está validando todo esse jogo. Lawfare é isso que está acontecendo: um campo de batalha jurídico, onde leis e instituições estão sendo usadas para atingir fins políticos.”

    Para saber mais sobre Lawfare, veja a matéria Movimentos sociais: prestem atenção a essa expressão em inglês: “Lawfare”! Quem será a proxima vítima?” em https://jornalistaslivres.org/movimentos-sociais-prestem-atencao-essa-expressao-em-ingles-lawfare/.