Cada metro a mais de cidade é um metro a menos de futuro.
Os elementos da resistência são a água, a terra, o ar, numa revolução Guarani, tal uma flor no horizonte da cor da pele, ouço bem nessa manhã.
O jovem homem, líder, clarea.
Dos clãs da terra infinda, alerta: há uma doença na conquista. Mata, desmata, suja impune.
Anhangabaú, os demônios estão vindo.
O espaço que fere, recorta, Anhanguera.
Do alto da pedra viam, do Jaraguá, aquele que cortava ao meio crianças, abria mulheres em duas, acorrentava homens.
Paixão de falso chefe, caminho de Anhanguera, o demônio a partir carne de gente.
Assim foi, assim contam.
Conta o homem jovem após tantos que ali viveram, índios Guarani, antigos, sucessivos.
Davi Karay Popyguá, indígena Guarani Mbya.
Há um pouco de água, nascente, que ao lado da casa de reza, rés. É uma aldeia, depois dela tanta cidade há, mas é aldeia e é índio, sobrevive, resiste.
Pedra, fumo, juro no pouco de mato que resta na grande metrópole.
Seria uma quarta-feira comum, não fosse um dia em aldeia,
ideia vazia entre branca fumaça para o mate.
Tudo quer aqui uma terra sem males, questão tão funda. Sinto-me angustiado.
O mundo começou com grandes catástrofes que resultaram do mau uso do poder e por desentendimentos entres os seres que habitavam a terra; após, os deuses antigos reconstruíram o mundo. Quem mantém a ordem são os pajés, chamados Guardiões dos Cosmos – escreve Denilson Baniwa em sua rede.
Denilson Baniwa, do povo indígena Baniwa é natural do Rio Negro, interior do Amazonas. É publicitário, artista visual comunicador, web ativista e ativista dos direitos indígenas e atualmente reside no Rio de Janeiro.
As atitudes do comunicador são surpreendentes, da arte ao pensamento, das interrogações às afirmações.
A violência sexual, aborto mata mais meninas indígenas que tiros. Acrílico recortado eletronicamente e serigrafado. 2017. 120 cm de altura.
Prossegue Denilson em suas redes:
A destruição do mundo é uma possibilidade presente, pois está marcado pelo mal que ainda vive dentro das pessoas. Estamos vivendo esse tempo onde a destruição dos seres humanos é bem provável, pois estamos destruindo tudo o que encontramos pela frente: os oceanos cheios de lixo, as florestas que viraram pastos sem vida, as cidades poluídas, as doenças que são derivadas do estilo de vida atual, as violências proporcionadas pela manutenção do Poder.
É provável que este mundo vá acabar logo, se não formos mais conscientes. A notícia boa é que logo após a destruição, haverá uma renovação onde o próprio mundo irá se curar, pois o veneno do mundo é o ser humano, onde reside toda sorte de maldade.
Música Nativa
Desde os anos pré-Constituição de 1988 que os povos indígenas viam a importância de se apropriarem dos meios de comunicação com debates presentes em suas discussões e esses meios já eram utilizados em prol do Movimento Social Indígena. Nos tempos atuais, esta necessidade permanece presente e se faz cada vez mais importante, pois através destas tecnologias e conhecimentos é possível realizar o reconhecimento e monitoramento territorial, a divulgação das questões indígenas dentro e fora do país, criar redes de povos onde possam unir ideias e estratégias, dentre outras possibilidades que são possíveis por meio das novas tecnologias.
Sobre índios usarem celular não serem mais índios: essa crença diz respeito ao desconhecimento sobre o que vem a ser identidade cultural. O progresso tecnológico da humanidade vem contribuir em diversos setores da sociedade e é instrumento a serviço dos seres humanos. Já a identidade cultural está ligada à história de um povo, seus signos, suas pertenças, visões de mundo, cosmologia e o sagrado. Dessa forma a utilização de “modernidades” ou novas ferramentas não significa o abandono ou a perda da cultura indígena, pode, inclusive, ajudar a fortalecer a identidade e transpor mudanças que ocorreriam naturalmente ou forçadamente pela violência externa.
Por fim o artista reza sua prece:
Pai Nosso que estás nos céus,
Neste dia 19 de abril,
Nos livre das professoras e professores que pintam seus alunos com canetinhas hidrocor
Nos livre das escolas que colocam cocares de papel nas crianças
Pai Nosso, que estás nos céus
Não deixem as professoras ensinarem para as crianças que o Dia do Índio é uma homenagem aos povos originários
Mantenha longe de Nós aqueles que repetem as palavras:
Índio, Oca, Tribo, Selvagem, Pureza e Exótico
Afaste de Nós os bu-bu-bu feito com a mão na boca
Senhor, perdoem aqueles que por desconhecimento nos fazem uma imagem estereotipada
Mas livre-os do desconhecimento e do preconceito que os fazem acreditar que ainda somos os indígenas de 1500
Ailton Krenak, o líder indígena e pensador, estará hoje à noite em São Paulo, e não estará no meio da avenida Paulista parando o trânsito, falando para a multidão, que pena! Não entendo porque a sabedoria fica restrita em pequenas salas, com público restrito, àqueles que chegam cedo às filas. É sempre assim para as pessoas de boa fala, ou estão presas e impedidas de falar, ou estão na universidade e salas reservadas, mesmo que públicas, ou em subterfúgios de vielas.
Ailton Krenak e Davi Kopenawa Yanomami
Mas a metrópole e seus institutos são assim, apenas para alguns. A palavra ameaça sempre, dizem que o lendário Jesus tinha que falar escondido também.
Ailton, que pintara a cara de preto no Congresso Nacional, em luto, em guerra, em pura dor pelos seus parentes indígenas, não esmorece ou desalenta.
Há oito anos, escreveu que todos os rios da América, um dia, vão chegar ao mar! Se não for pacífico vai pro atlântico…
Passei anos pensando nisso, nos ciclos dessa matéria líquida que se rebela a comandos, a água tão vital.
Nesses anos todos tanta água rolou debaixo das pontes, outras não tiveram a mesma sorte, deram em lama, assassinadas.
Na água vejo rebelião, protesto, sede de alforria. Paradoxo desses tempos, a água tem sede de água.
Da Colômbia ao Brasil, as barragens estão em polvorosa, ameaçam populações, evacuam qualquer esperança nos engenheiros e arquitetos, o capitalismo que invade as montanhas e as nascentes.
A água não se curva, por mais que doa, ao domínio dos homens. São tempestades, são tsunamis, secas profundas, acidez ou insalubridade.
Se o presidente tem medo do Triplo A e dos rios voadores, na terceira margem fica nosso lamento e um país de futuro duvidoso.
Na exposição Terra Brasilis: o Agro não é pop! de Denilson Baniwa, o artista apresenta a luta em um país cortado pelo colonialismo: o latifúndio em oposição aos povos indígenas que há séculos continuam resistindo e existindo apesar de todos os ataques. A exposição começa com duas pinturas, como se por escolha dos curadores esse conflito ficasse mais evidente. De um lado, um jovem índio com cruzes e grafismos na pele. Frases em nheengatu evocam o longo processo de silenciamento que indígenas viveram por toda América nas reduções jesuíticas e continuam vivendo até os dias de hoje com as missões evangélicas. As pinturas seguintes neste lado da exposição fazem uma crítica contundente ao agronegócio. Denilson Baniwa situa a monocultura do agronegócio junto com outros frutos do colonialismo, que também tentam exterminar a diversidade para a afirmar uma só espécie, um só Deus, uma só língua. Do lado contrário, a prova que o colonialismo não conseguiu silenciar a língua e a criatividade de um povo. Na pintura chamada Waferinaipe ou os antigos heróis do universo que abriram o umbigo do mundo, Denilson Baniwa torna presente uma cena fundante: a origem da humanidade.
O Minotauro ou Mánhene (O veneno do mundo)
Na legenda desta imagem, o artista conta que só mesmo um golpe publicitário conseguiria fazer o agronegócio (latifúndio modernizado, o que há de mais velho no Brasil) passar por pop. Também formado em publicidade, Denilson Baniwa revela o que se esconde por trás dos slogans: o minotauro, tal como o agronegócio, prende o Brasil em seu labirinto de suposta salvação econômica. Enquanto isso o devora. O deserto verde de um campo de soja aparece em outra pintura como uma “terra envenenada com odor de morte”, plantas crescendo com agrotóxico sobre um cemitério de floresta. Mas a resistência se faz presente. Em uma Amazônia cada vez mais destruída, as terras demarcadas são um oásis. Denilson Baniwa presta uma homenagem a todos ativistas indígenas que lutam para reverter a situação e garantir o direito à terra, como fez a liderança guarani Marçal Tupã até ser assassinado em 1983 no Mato Grosso do Sul.
Waferinaipe ou Os antigos heróis do universo que abriram o umbigo do mundo
Já no outro lado da entrada, a obra Waferinaipe mostra que cinco séculos de colonização não foram capazes de silenciar as expressões cosmológicas de um povo e a criatividade de um artista. Talvez seja esta a obra de maior força da exposição, uma força capaz de afirmar outra origem para o mundo. Denilson Baniwa é um dos principais nomes de uma geração de artistas que afirmam a diferença no mundo da arte. Posições minoritárias que sempre existiram, mas como disse o poeta, ensaísta e tradutor Haroldo de Campos foram “objeto de sequestro” pela historiografia oficial. Este resgate feito por Denilson Baniwa, também realizado pela Rádio Yandê da qual é um dos coordenadores, se aproxima de uma estratégia bastante usada no Brasil ao longo do século XX, por nomes como o próprio Haroldo de Campos. Trata-se de incorporar o que pode ser positivo no Ocidente (suas tecnologias de comunicação, por exemplo), negar seus aspectos negativo (neste caso o agronegócio), e a partir daí afirmar uma outra posição, mas desta vez bem armado. Tudo isto, é claro, afirmando a contemporaneidade dos povos indígenas. No vídeo do Instituto Socioambiental, “#menospreconceitomaisíndio, uma voz baniwa se pergunta: se tudo mudou desde 1500 e o homem branco continua branco, por que os indígenas não podem mudar e continuar indígenas?
awá uyuká kisé irumu, ta uyuká kurí aé kisé irü (quem com ferro(faca) fere, com ferro(faca) será ferido)]
A exposição Terra Brasilis: o agro não é pop! de Denilson Baniwa com curadoria de Wallace de Deus e Pedro Gradella vai até terça-feira (01/05, até as 22h) e é parte do projeto Brasil: a Margem, que aconteceu no mês de abril no Centro de Artes da UFF, Niterói – RJ. O projeto também contou com uma apresentação de Nelson Sargento, a exibição do filme Híbridos, a exposição Devotos, e um debate sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro, dentre outras atividades.
Quase 200 indígenas das comunidades Guarani Mbya ocuparam na manhã desta quarta-feira (4) os escritórios da Secretaria da Presidência da República em São Paulo. As comunidades pedem a demarcação da Terra Indígena Tenondé Porã. A Portaria Declaratória de demarcação espera aprovação do Ministério da Justiça desde 2012.
Veja o manifesto dos Guarani Mbya:
“Hoje, quarta-feita (04/05) nossas comunidades Guarani Mbya estão desde as 8h da manhã no escritório da Presidência da República em São Paulo, na Avenida Paulista (n°2163), exigindo a assinatura da Portaria Declaratória de demarcação da Terra Indígena (TI) Tenondé Porã.
Já faz muito tempo que aguardamos a publicação da Portaria Declaratória da TI Tenondé Porã, parte de nosso território tradicional que está no município de São Paulo e tem uma pequena área em São Bernardo do Campo. Nos últimos dias o governo federal finalmente movimentou alguns processos de demarcação, aumentando a expectativa de nossas comunidades, mas seguimos aguardando a demarcação da Tenondé Porã que está na mesa do Ministério da Justiça, desde 2012, sem nenhum impedimento legal para que seja assinada!
O ministro da justiça já mudou de nome, até a presidente pode mudar e seguem adiando nosso direito de viver em nosso território tradicional. Estamos cansados de esperar e por isso resolvemos dizer: BASTA! Exigimos Demarcação Já!
A prefeitura da cidade de São Paulo já manifestou publicamente seu apoio à demarcação de nossas terras no município. A inclusão das TIs Jaraguá e Tenondé Porã no Plano Diretor da cidade como Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM) foi um passo importante nesse sentido. Na terça-feira (03/05) nossas lideranças estiveram na prefeitura de São Bernardo e conseguiram mais um apoio, a assinatura de um documento em que o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, se manifesta a favor da demarcação da TI Tenondé Porã.
Agora é a vez do Ministro da Justiça, Eugênio Aragão e da Presidente Dilma Rousseff se mostrarem do lado da demarcação de nossa terra. Se a presidência e os dois prefeitos envolvidos na questão são todos do Partido dos Trabalhadores, não acreditaremos nas supostas boas intenções do PT com o povo Guarani se a portaria declaratória da TI Tenonde não sair enquanto o partido segue no Governo Federal. O Partido dos Trabalhadores, que hoje está sendo atacado por setores conservadores da sociedade, será responsável caso não ocorra essa demarcação e fiquemos sem garantias de viver em nosso território tradicional, podendo ser expulsos de várias aldeias! Agora não há mais desculpas, se não houver assinatura da portaria declaratória nos próximos dias, o PT será favorável a que fiquemos sem terras para viver, será favorável ao nosso genocídio!
ANTES QUE SEJA TARDE! ANTES QUE SEJA TEMER! DEMARCAÇÃO JÁ!
Sobre a TI Tenondé Porã Atualmente apenas a área de duas de nossas aldeias (Aldeia Barragem e Aldeia Krukutu) no extremo sul da metrópole, na beira da represa Billings, em Parelheiros estão demarcadas com cerca de 26 hectares cada. As áreas reconhecidas na década de 1980 tem uma densidade populacional crítica de 26 pessoas por hectare. A falta absoluta de espaço é o detonante de inúmeros problemas sociais e culturais.
Por isso, após a reivindicação de nossas lideranças, iniciou-se em 2002, um estudo para a correção desses limites, de acordo com os parâmetros constitucionais de 1988. Dez anos depois, em 19 de abril de 2012, a Funai aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES No 123) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem cerca de 15.969 hectares como compondo os limites constitucionais da Terra Indígena Tenondé Porã, que abrange as aldeias da região sul de São Paulo e uma área em São Bernardo do Campo. Desde então o processo está nas mãos do Ministro da Justiça, de quem reivindicamos a publicação imediata da Portaria Declaratória da TI Tenondé Porã.
De acordo com o Decreto Presidencial nº 1775, que regulamenta o processo de demarcação de Terras Indígenas no país, abre-se, a partir da publicação desses estudos, período de 90 dias para que os interessados apresentem contestações administrativas. Após esse período, já encerrado, cabe ao Ministro da Justiça publicar uma portaria declaratória que permite iniciar o processo de indenização dos ocupantes não indígenas para devolver as áreas ao usufruto exclusivo das comunidades indígenas. Muito tempo já passou e não existe mais nenhum motivo para seguirmos esperando confinados enquanto vemos a cidade crescer e nossos problemas aumentarem.
ANTES QUE SEJA TARDE! ANTES QUE SEJA TEMER! DEMARCAÇÃO JÁ!”
Noite em fim de feriado, e nos arredores diários da Vila Mariana vejo gente pendurada na parede alta de prédio desenhando índio de tinta em forma moderna de guerra.
É maluquice de artista, logo identifico.
Penso na maluquice sana entre toda a loucura que permeia as notícias nacionais. À luz do dia de hoje voltei à avenida Domingos de Moraes e me inteirei do assunto: é Crânio, o Fábio Oliveira, da periferia norte que encucou com índios em sua arte. É coisa de periferia enfiada na cuca da gente, coisa de índio no sangue que ninguém finda ou dá na conta, coisa que insiste no código da gente do Brasil.
Subo nas alturas com Crânio em determinado momento de vento na tarde. Spray na mão enquanto conversa comigo, ele insiste em dar pequenos detalhes em preto na bandeira verde e amarela em tapar o sexo do índio. Crânio me fala baixo entre o vento alto que sopra no guindaste que nos ergue:
a gente é tudo índio na floresta urbana, hoje só tem prédio onde era árvore, floresta de pedra. A gente tá aqui na máquina, mas eram dois homens antes conversando em cima da árvore. Dois índios. É isso que penso.