Por Laura Capriglione, Lucas Martins e Fernando Sato | Jornalistas Livres
Ao lado da aldeia do Jaraguá, na zona norte de São Paulo, fica uma das poucas áreas de Mata Atlântica preservada. É no Jaraguá que os indígenas Guaranis M’Bya têm sua terra sagrada, terra de seus ancestrais. Mas é nessa terra que a empreiteira Tenda pretende construir um conjunto de apartamentos com vista direta para o pico do Jaraguá. A construtora Tenda tem entre seus acionistas o bilionário Jorge Paulo Lemann, dono da Ambev, e fundos de investimentos administrados pelo Banco Itaú. Os guaranis resistem à devastação e estão ocupando a sua terra ancestral, enquanto a PM observa, a postos para reprimir o povo que, desde a conquista da América pelos europeus, há 520 anos, segue sendo massacrado pelos interesses capitalistas.
Autoridades, parlamentares e representantes dos indígenas Guaranis conversaram com o Coronel Alexander Bento, da Polícia Militar, que comanda a operação da reintegração de posse no terreno no Jaraguá, zona noroeste de SP.
Os indígenas exigem a presença do prefeito Bruno Covas para que saiam do terreno. Os Guaranis não oferecem nenhuma ação violenta. Seguem pacíficos aguardando Bruno Covas. A presença do prefeito traria uma possibilidade de diálogo sobre a importância do debate de demarcação de terras, da preservação e cuidados com o meio ambiente no local.
A palavra dos Guaranis é uma só, se as autoridades cumprem com o pedido, os indígenas saem do terreno. Mas não, sem antes, explicarem ao prefeito os males que podem ocorrer no local com a construção de torres de prédios.
A Juíza Estadual Maria Cláudia Bedotti já disse aos vereadores presentes que não vai rever a reintegração de posse. Apenas a construtora Tenda pode reverter a reintegração de posse. Os Guarani seguem resistindo em defesa do resto de Mata AtlÂntica que há no terreno entorno do seu território.
Uma comissão de vereadores, com Eduardo Suplicy, Juliana Cardoso, Eliseu Gabriel e Gilberto Natalini, foi encontrar com o prefeito Bruno Covas, que pode intermediar a negociação. A justiça federal é quem vai dizer o que pode ou não pode fazer. Pela justiça Federal, a obra está embargada, e é preciso esperar 40 dias.
Mas os Guarani precisam de mais garantias para sair do terreno onde a construtora Tenda já cortou cerca de 500 árvores nativas, e matou vários espécimes de aves e mamíferos.
Os Guarani estão ocupando para garantir a defesa da natureza e de sua cultura, já que propõem que ali seja construído um parque público destinado a preservar a sabedoria e as tradições guaranis, além das fontes de água e a biodiversidade da região.
Nota do Banco Itaú, enviada aos Jornalistas Livres no dia 11/03/2020
“O Itaú Unibanco não detém participação proprietária na construtora Tenda. A participação do banco na empresa se dá por meio de fundos de investimento distribuídos a clientes, que são indexados a índices da B3 e incluem diversas outras companhias de diferentes setores. O banco esclarece, ainda, que não aportou recursos no empreendimento em questão, seja por meio de financiamento ou de qualquer outro instrumento financeiro.”
Com reintegração de posse em favor da bilionária Construtora Tenda marcada para esta terça-feira, dia 10 de março, e que será levada à cabo pela Polícia Militar do Estado de São Paulo e todo seu aparato repressor, a ocupação do povo Guarani no Jaraguá declarou, no último dia 4, que não sairá da terra, que não estão defendendo não como sua, mas como essencial para a preservação e desenvolvimento da cultura Guarani, garantidas por leis federais. Estão lutando, também, pela preservação desse cinturão verde da cidade de São Paulo, o que inclui esse terreno, comprado pela Tenda há dois anos, através de obscuros caminhos de concessões pela Prefeitura de São Paulo, com total desconsideração por leis federais, o que por si só já se classifica como uma ação criminosa. Essa área está classificada, ainda, como parte do cinturão verde da cidade pela UNESCO e como área de amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá.
Evento de resistência contou com show de Arnaldo Antunes e falas de líderes Guaranis.
No sábado, dia 7, aconteceu uma intensa programação sócio-cultural-política na ocupação, que incluiu conversas com os Guaranis e suas lideranças, o engajamento do Fórum Verde de Parques, Praças e Áreas Verdes na luta pela preservação da área, um reconhecimento do terreno, seu rio, lagos, nascentes, a flora existente, do bosque já derrubado pela Tenda, além de todas as intervenções feitas recentemente pelos Guaranis, como o replantio de 200 mudas de árvores, ervas medicinais, espécies comestíveis, e identificar potenciais para a contrução do futuro Parque e Centro Ecológico Guarani YARY TY (CEYTY). As atividades contaram, ainda, com a adesão do artista e escritor Arnaldo Antunes, que vem produzindo obras artísticas de resistência, como o clip O Real Resiste.
O evento contou com apoio de centenas de arquitetos, premacultures, artistas, ativistas e apoiadores da causa, que marcaram presença no sábado na ocupação.
Uma ameaça à manutenção e desenvolvimento da cultura Guarani no Jaraguá
Em um dos momentos de nossa visita à ocupação Gurani no Jaraguá em 28 de fevereiro, o menino Kalisson Wera’i vê um carro adentrar o terreno, e reage, em tom de desaprovação: “Carros! Vão embora!”. Segundo seu tio, Karaí, Kalisson é um garoto inteligente e já bateu de frente com pessoas em frente à ocupação. “Não é à toa que ele gosta de usar a camisa do Super Homem”, conta o tio. Mais adiante, em entrevista com o líder indígena Thiago Henrique, ele nos contou que é comum carros pararem em frente à aldeia do povo Guarani no Jaraguá para aliciarem as crianças. Que é comum a polícia chegar com uma abordagem agressiva, embora negem.
Na ocupação, só permitem a entrada de carros se seus ocupantes estiverem trazendo algo de útil para a sustentação dos índios que lá estão para impedir que um total de 4 mil árvores sejam derrubadas e a construção de até 11 torres habitacionais sejam levadas à cabo ali pela bilionária construtora Tenda, sob os duvidosos e criticados caminhos que o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) tomou nos últimos anos. A Tenda está com 69 obras em andamento em regiões metropolitanas, mais da metade do que tinha no ano anterior, e registrou vendas líquidas de 2 bilhões em 2019, como informa apurada matéria de 2 de janeiro de 2020, publicada no site De Olho nos Ruralistas. Entre os principais acionistas da Tenda estão a AMBEV, de Jorge Paulo Lemann, e o Banco Itaú.
A ação da Tenda, a 200mts da T.I. Guarani no Jaraguá, onde vivem os Guaranis Mbya e Ñandeva, acabou por trazer à tona práticas fraudulentas, desrespeito total à leis federais de proteção ao povo indígena, como Portaria Interministerial 060 de 2015 e a Convenção 169 da OIT, adotada em Genebra, em 1989, e aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 143, de 20 junho 2002, garantindo que qualquer tipo de ação do Estado que venha ferir comunidades indígenas qualquer forma, causando qualquer tipo de impacto, tem que haver uma consulta prévia, livre e informada, de boa fé.
O povo Guarani teve acesso, também, a documentos de interpretação viciada pela Tenda, como o da FUNAI, quando disseram aos Guaranis que a fundação havia autorizado a construção, o que é uma inverdade. Todas as provas e ações de má fé da TENDA estão expostas nessa matéria, publicada pelo Jornalistas Livres em 3 de março > Entenda a Luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP. Quando funcionários da Tenda procuraram os Guaranis, foi para simplesmente dizer que estava-tudo-acertado-só-estamos-aqui-para-informar-vocês.
Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guaranizz crédito: Nair Benedicto/N ImagensDesmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani crédito: Nair Benedicto/N Imagens
Líder Guarani fala no evento do dia 7 de março sobre os porquês da ocupação.
No final do evento do dia 7 de março na ocupação do povo Guarani no Jaraguá-SP, Thiago Henrique falou para as centenas de pessoas que lá foram para apoiar a resistência dos índios na região.
“Primeiro queremos agradecer a vinda de todos vocês aqui.
É muito importante as pessoas entenderem a luta dos povos indígenas.
Não é uma luta simplesmente contra a Tenda ou a Prefeitura. Nossa luta é em defesa da Mãe Terra, em defesa da Fauna e Flora, é em defesa do cinturão verde de São Paulo.
Esta área, onde a Prefeitura deu de mão beijada para um crime ambiental.
Juntos, vamos vencer essa luta.
É importante que cada um de vocês que está aqui hoje possa entender o que aconteceu pra gente chegar até aqui, quais são os motivos de estarmos aqui, o porquê de estarmos resistindo.
Não vamos fugir, porque somos a resistência desde que chegamos aqui.
Falamos para a Tenda, para a Polícia, para o Jurídico, que nõs estamos aqui em luto, porque a Tenda derrubou mais de 500 árvores sem ter respeito algum pelo meio ambiente.
Nós estamos aqui para pedir perdão para essas árvores, pedir perdão pelo que o diruá (branco/não índio) fez, por não nos deixarem fazer nosso luto.
Então, nosso luto virou luta!
E não importa se a PM virá, se vai jogar bomba, se a juiza virá mandar prender, não importa se o diruá quer fazer de todas as formas o empreendimento aqui.
O que importa é que cada um de nós vai defender esse território, que nenhuma árvore aqui vai ser tombada com um guerreiro de fé.
Todos nós somos guerreiros.
Todos nós somos responsáveis – nós temos a responsabilidade de defender a Mãe Terra, porque sem ela a gente não vive.
Aqui é um pedacinho da Mata Atlântica, que a Tenda comprou para desmatar, para matar os animais e acabar com a Fauna e a Flora que tem nessa região.
Aqui é Mata contínua do Pico do Jaraguá.
Os nossos animais silvestres usam todo esse espaço.
As abelhas nativas, que nós criamos na aldeia, migraram para cá.
Nós fizemos um trabalho para fortalecer o meio ambiente e agora o diruá, o espírito bandeirante, chega achando que vai fazer uma catástrofe e vai sair ileso disso.
Mas nós não vamos deixar.
Existimos há mais de 500 anos. Nós existimos e não vamos deixar de existir.
Tenham fé.
Esqueçam o modo de vida do branco e traga para o coração de vocês o modo de vida da Floresta.
Que cada um de vocês se torne um guardião da Floresta.
A Amazônia é aqui também.
A Mata Atlântica está aqui também.
A Fauna, a Flora, os animais, estão aqui também.
O espírito está aqui também.
Se o diruá continuar desmatando, se continuar fazendo da terra um papel, o dinheiro, não vai adiantar chorar quando tiver enchente, deslizamento, desmoronamento, ficar colocando na rede social que está triste porque uma árvore caiu em cima de um carro, porque alguém foi pego em um raio ou em um alagamento. Porque a Natureza não vai olhar para quem ela vai atingir, ela só vai responder que está sofrendo.
A Terra é como um corpo, é nossa Mãe. Se a gente fizer uma ferida nela, ela vai infeccionar, e vai tentar reagir para se curar.
Só que as bactérias que estão ferindo a Terra são o próprio ser humano, que está criando um tumulto, que está usando de sua ganância para acabar com a Natureza.
Que cada pessoa que está aqui assistindo entenda que não precisa esperar acontecer uma catástrofe para tomar uma atitude.
A Tenda veio aqui e aterrou um lago, colocou um monte de entulho no lago.
Fomos nós que limpamos aquele lago, onde as crianças hoje estavam tomando banho.
Aquele entulho vai parar aonde? Nos córregos e quando chover vai alagar.
A Tenda fala que quer fazer conjunto habitacional para o pobre, que nós estamos contra o pobre, que ela quer favorecer o pobre.
Quero saber se a Tenda está lá, com o pobre, na hora que tiver um alagamento. Não vai estar!
Quero saber se a diretora da Tenda vai morar aqui. Não vai morar!
Simplesmente veem apenas o lucro e querem colocar as pessoas contra a gente.
Nesse momento era para a população do entorno – dos coletivos, as pessoas que moram na Vila Clarice, no Jaraguá, em Pirituba, na região – estarem fazendo a resistência aqui com a gente.
Essa responsabilidade não é so com o Guarani.
Cada um de vocês tem o espírito da Floresta, cada um de vocês tem a força da Mãe Natureza e é um guardião também.
“O povo indígena está com os negros, está com os pobres, está com os favelados, está com o rappers. Nós precisamos mudar nosso país, estamos à beira do colapso final. Nós Guarani estamos alertando isso há muito tempo”
Sônia apresenta a luta Guarani para diversos coletivos de São Paulo
Assim Sônia Barbosa (Ara Mirim), liderança Guarani, saudou coletivos de Rap, Saraus periféricos, coletivos LGBTQI+, movimentos de catadores de recicláveis, representantes do MTST, professoras de escolas públicas e tantas outras pessoas que se juntaram na ocupação Yari Ty na última quinta feira, 27/02. Os coletivos foram convocados pelos Guarani do pico do Jaraguá para colaborarem na luta contra um condomínio da Construtora Tenda a ser construído em território sagrado Guarani num terreno vizinho à Terra Indígena Jaraguá. Os participantes ouviram as lideranças Guarani e propuseram ações que dessem visibilidade à resistência Guarani na Ocupação Yari Ty.
A Construtora Tenda pretende construir 5 torres totalizando 396 apartamentos num terreno sagrado para os cerca de 800 Guarani que vivem ao redor do empreendimento em 6 aldeias da Terra Indígena Jaraguá. Surpreendidos pelo início inesperado das obras na última semana de janeiro os Guarani iniciaram a ocupação assim que as primeiras árvores foram cortadas. Eles denunciam que o condomínio ameaça aproximadamente 4.000 árvores, além de cursos d’água, nascentes e animais que habitam a região. Como protesto a esse cenário de destruição estão construindo a Ocupação Yari Ty, um lugar de vida focado na preservação do meio ambiente. Os Guarani exigem que o terreno seja destinado à construção de um parque e memorial Guarani aberto e formando um corredor verde para a cidade. Nesse espaço aberto, eles poderão praticar e demonstrar suas práticas sustentáveis, como a criação de abelhas nativas, o desenvolvimento de uma agrofloresta, além da realização de formações em práticas agrícolas sustentáveis.
Canteiro de obras da Construtora Tenda já derrubou espécies nativas e ameaça a TI Jaraguá
Ao invés de cimento e concreto, os Guarani agem para a construção de um espaço com floresta, alimento e cursos de água limpa que sirva como um corredor verde para a cidade. Eles mesmo já iniciaram o processo e nesse quase um mês de ocupação já foram plantadas 800 mudas de espécies nativas e uma horta de plantas medicinais. Além disso, um lago para a criação de peixes está sendo construído a partir de um trecho do Ribeirão das Lavras.
Lago sendo construído em área ameaçada pela Construtora Tenda
Vale lembrar que o Jaraguá possui inúmeras nascentes de ribeirões que correm diretamente para o Rio Tietê. Se forem construídas, as torres da Construtora Tenda vão impermeabilizar toda uma grande área, fazendo com que a água que não for absorvida vá direto para o Rio Tietê, gerando alagamentos em toda cidade de São Paulo. O empreendimento tende a piorar a situação trágica que já presenciamos com os alagamentos de janeiro deste ano. Assim, a construção deste corredor verde com manejo adequado das águas é vital para toda a cidade.
No aspecto jurídico os advogados atentam para a ilegalidade da obra, por se tratar de empreendimento a menos de 8 quilômetros de distância de uma Terra Indígena, o que torna obrigatória a consulta prévia aos Guarani como pré-condição para o licenciamento das obras, como garante a Portaria Interministerial 60, de 2015. Além disso a consulta prévia aos povos é assegurada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário e a área também é protegida como parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), desde 1994. Trata-se de um dos últimos pontos de Mata Atlântica da região.
A prefeitura tem sido evasiva diante da situação e mantém a autorização para a obra. A Construtora Tenda alega estar com todas as licenças ambientais. A Justiça de São Paulo autorizou a reintegração de posse e a PM afirma que esta deverá ser realizada até o dia 10 de março. Diante dessa situação David Karai Popygua, liderança Guarani, promete resistir de todas as maneiras.
“Não se negocia a destruição. Se existe lei juruá (não-indígena) que coloca PM aqui, existe lei Guarani que diz que a gente vai ficar aqui até o último Guarani”
É com o apoio de todas e todos habitantes da cidade que os Guarani pretendem barrar a reintegração de posse e garantir a criação do Parque Ecológico YARY TY (CEYTY) e Memorial da Cultura Guarani. Com a reintegração de posse agendada para 10 de março, essa semana é decisiva para a ocupação que construiu uma extensa programação para marcar a resistência com aulas de guarani, mutirões, oficinas e tantas outras atividades socioambientais. É uma ótima oportunidade para quem está interessado em conhecer a ocupação e colaborar com os Guarani. A ocupação é de fácil acesso de transporte público, está a 10 minutos de caminhada da estação Vila Clarice da CPTM e a apenas 5 estações do terminal Barra Funda pela linha 7-Rubi. Vale também assinar o abaixo assinado para a criação do Parque Ecológico (http://bit.ly/37YwRwb).
A Ocupação Yary Ty (CEYTY) comunica ESTADO DE EMERGÊNCIA DO TERRITÓRIO INDÍGENA da T.I. Jaraguá e convoca imprensa, parceiras e parceiros para comparecerem dia 04 de março, às 15h, no Fórum da 14a. Vara Federal, na Avenida Paulista 1682, para fortalecer na reza dos Guarani durante a audiência. A luta do povo Guarani no Jaraguá continua.
Principais tópicos da luta do povo Guarani no Jaraguá
Em visita à ocupação do povo Guarani na área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY), descobrimos vários caminhos fraudulentos e mesmo criminosos trilhados pela Tenda Negócios Imobiliários, que tem como principais acionistas a AMBEV e o Itaú, e que estão garantindo à construtora tomar posse dessa área para construir até 11 torres de apartamentos a 200 metros de território indígena (T.I.), o que, por si só, transgride a Portaria Interministerial 060 de 2015. Mas as ações ilegais não param aí.
Entre as diversas contradições dessa especulação imobiliária está o fato dessa área ter sido classificada como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), sendo que já estava classificada como ZEPAM (Zona de Preservação Ambiental). Leia mais em “Outras Ações em Curso” no final do texto.
A área é considerada, ainda, uma Reserva de Biosfera, instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável de recursos naturais.
522 árvores da Mata Atlântica já foram derrubadas pela Tenda na área, além de diversas espécies de animais mortas, como abelhas sem ferrão. Depois dessa ação, a comunidade Guarani do Jaraguá ocupou o local para impedir que essas devastações ambientais continuassem.
No dia 10 de março, a Tenda deve entrar nessa área continuar a derrubada de um total de 4 mil árvores, uma ação orquestrada com aval de uma juíza estadual, que pode calar diversas defesas garantidas por leis de preservação daquela área, considerada, ainda, área de amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá. A ação da Tenda pode, ainda, acabar por isolar a comunidade Guarani e seu território demarcado, a 200mts dali, tornando praticamente inviável a manutenção e o desenvolvimento cultural Guarani naquele território, além de minar a preservação de uma das já poucas áreas verdes em São Paulo.
Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens
O chamado agora é para que todos os habitantes da cidade de São Paulo acordem para esse crime ambiental!
“Ontem nos reunimos com vários coletivos daqui para uma ação no dia 10 de março. Estaremos promovendo vários eventos e atividades na ocupação. Acabamos, de certa forma, sendo protagonistas aqui no Jaraguá. Mas essa luta é um dever de todos. Assim como estão vindo pessoas de outros países, o principal é que as pessoas que moram em São Paulo façam parte dessa resistência com a gente”, disse o líder Thiago Henrique, que nos conta os detalhes dos encontros líderes do povo Guarani no Jaraguá com a Tenda.
Entendendo todo o histórico da luta abraçada pelo povo Guarani no Jaraguá pela criação do Parque Yary Ty (CEYTY) e um Memorial da Cultura Guarani.
Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens
Depoimento de Thiago Henrique, líder da ocupação indígena no futuro parque:
“A Tenda Negócios Imobiliários comprou este terreno há mais ou menos dois anos. Aqui havia o Clube Sul Riograndense. Por mais que fosse uma área privada, nossa comunidade sempre usou essa área, porque as pessoas da administração do clube entendiam que estávamos aqui antes do clube. Então, nunca barrou a comunidade de vir nadar no rio, pescar, brincar nas árvores, até porque nosso território aqui é a menor terra indígena demarcada por um governo federal – tem 1,7 hectares, onde meus avós iniciaram, de novo, a família Guarani aqui.
O clube faliu e a Tenda comprou este terreno, já com um projeto de construção de apartamentos. Quando a Tenda nos procurou, no final de dezembro de 2019, disseram que iam construir cinco torres para 800 habitantes, que teriam que derrubar 4 mil árvores, que a gente não precisava se preocupar, pois já estava tudo licenciado, com alvará da prefeitura e autorização da FUNAI, e que eles só estavam avisando a gente.
Foi quando dissemos que não era assim que funcionava, que não íamos aceitar o corte de 4 mil árvores do nada. E eles disseram que havia uma área dentro desse terreno, onde não poderiam construir, e seria cedida para nós contruirmos uma escola, na compensação para a prefeitura – uma área no meio do terreno, que é uma área de lagos (rs).
Argumentamos, então, que não estávamos ali para negociar terra, mas sim a vida das árvores e queríamos um esclarecimento do Ministério Público, porque dentro de uma área de 8 km de uma terra indígena nenhum tipo de especulação ou obra pode ser feita sem um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena (Portaria Interministerial 060, de 2015). Estamos a 200mts desse empreendimento.
Esse estudo determinaria quais seriam os impactos dentro da terra indígena e de que forma esses impactos podem ser minimizados ou compensados e se há a possibilidade de serem compensados, porque existem impactos que não têm como serem compensados.
A Tenda, então, argumentou que não precisava fazer isso, que estava isenta desse processo/estudo, pois a FUNAI já tinha dado a autorização, e que a Tenda não precisaria respeitar a legislação federal.
Mais uma vez trouxemos à Tenda a Portaria Interministerial 060, de 2015. Além dela, existe a Convenção 169 da OIT, adotada em Genebra, em 1989, e aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 143, de 20 junho 2002, e que nos garante que qualquer tipo de ação do Estado que venha ferir a comunidade de qualquer forma, causando qualquer tipo de impacto, temos que ter uma consulta prévia, livre e informada, de boa fé. Ou seja, o próprio Município de São Paulo não poderia ter dado uma autorização ou alvará, liberando uma obra aqui, sem antes ter consultado a comunidade, porque esse licenciamento da prefeitura, mesmo sendo ilegítimo, passa a ser criminoso quando fere a Convenção 169 da OIT, quando nos coloca em uma situação de vulnerabilidade e de risco.
Entre os dias 7 e 9 de janeiro, levamos essa denúncia ao Ministério Público Federal, com essas alegações da Tenda. O Ministério Público, então, marcou uma audiência de conciliação mais pra frente. Mas, até a gente chegar a esse consenso, pedindo para que não houvesse mais cortes das árvores aqui, acabamos fazendo essa ocupação porque, do dia para a noite, a Tenda começou a derrubar árvores na área…
Em menos de dois dias cortaram 522 árvores.
Nossa ocupação é para deixar que nenhuma árvore a mais seja derrubada aqui.
Que nenhum tipo de empreendimento aconteça aqui de forma ilegal.
E que um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena seja feito para podermos chegar a um consenso.
Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N ImagensDesmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens
AS MENTIRAS DA TENDA E AS DEFESAS DO POVO GUARANI.
Quando ocupamos a área descobrimos que eles mentiram – não têm autorização para a derrubada de 4 mil árvores, mas estão pleiteando essa derrubada.
Falaram na implantação de cinco torres para 800 moradores, mas quando vimos o projeto da Tenda, descobrimos que estão pleiteando um total de onze torres, divididas entre a parte de frente e de trás do terreno, dividido por um rio. Por isso o total dá 4 mil árvores. Só que as pessoas da Tenda que vieram falar com a gente chegaram todas desinformadas, mesmo sendo da empresa. E acabaram expondo que seriam 4 mil árvores sem querer. Foi quando nós, da comunidade Guarani, começamos a entender que a Tenda estava agindo com a mentira.
O documento que eles dizem ter da FUNAI é, na verdade, um documento informativo de um setor da FUNAI, dizendo que esse terreno não está dentro da aldeia, com a FUNAI deixando claro que aquele papel não era nenhum tipo de autorização de construção. Mas a Tenda pegou esse documento e tentou usá-lo de má fé, dizendo que a FUNAI tinha autorizado a construir sem o estudo.
Tudo que a Tenda tem é um documento fraudulento da prefeitura, e essa informação da FUNAI, que o terreno não é um terreno tradicional Guarani.
A única coisa que a gente diz para a Tenda é: a partir de agora vocês não vão cortar mais nenhuma árvore, nenhum empreendimento vai ser feito. E o caminho para vocês agora é aceitar o termo de transferência de potencial construtivo da prefeitura e construir em outro lugar e aqui ser feito um parque para a população, visando o meio ambiente, a ecologia, a permacultura, a agrofloresta, a criação de abelhas nativas sem ferrão.
Decidimos que a nossa luta continua.
A própria Tenda criou um cemitério de árvores aqui, a partir do momento que derrubou 522 árvores e tem que ser responsabilizada por esse tipo de ação.
Os impactos já estão aí: Mata Atlântica dizimada, diversas abelhas nativas sem ferrão foram mortas aqui com esse desmatamento, como as arapuás e uruçus amarelas, além de cobras, pássaros… Desde 2016 passamos a criar abelhas sem ferrão em nossa aldeia, pois estavam sumindo e conseguimos expandir essas espécies para o território e aí vem a Tenda e mata também as abelhas que estávamos fortalecendo.
Para nós, tudo isso é um crime inaceitável”
Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens
OUTRAS AÇÕES EM CURSO
Como publicado na Folha Noroeste de 26 de fevereiro de 2020, “há dois projetos de lei protocolados na Câmara Municipal, ambos de autoria do vereador Eliseu Gabriel. Um deles muda o zoneamento local, hoje classificado como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), para Zona de Preservação Ambiental (ZEPAM). O segundo propõe transformar a área em questão em parque municipal. Já o vereador Gilberto Natalini entrou com duas representações junto aos Ministérios Públicos Federal e Estadual com o objetivo de garantir a integridade física dos índios e impedir que mais árvores nativas sejam derrubadas. No documento, o parlamentar questiona o fato do terreno ser classificado como ZEIS estando ele inserido numa ZEPAM. A área, inclusive, é considerada uma Reserva de Biosfera (instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável dos recursos naturais)”.
O povo Guarani que hoje ocupa a área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY) já plantou mudas de novas árvores onde as nativas foram derrubadas, além de estar em curso a limpeza da vegetação e a instalação de jardins filtrantes com plantas macrófitas, para recuperar as águas do lago, que estão sendo analisadas.
RESUMO – ALERTA DA SITUAÇÃO
DIA 4 DE MARÇO, 14HS – CONVOCAÇÃO – 14a. Vara Federal, Avenida Paulista, 1682.
Audiência de conciliação na Justiça Federal para tratar sobre essas questões, quando o povo Guarani, através de sua assessoria jurídica – a Comissão Yvyrupa, que representa os povos Guaranis, além de uma representação da OAB e do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) – farão os trâmites legais de dizer que a obra é inviável e que, embora os Guaranis não estejam brigando pela posse do terreno, isso não significa que o cinturão verde de São Paulo, assim estabelecido pela UNESCO, deva ser devastado, como a Tenda quer.
DIA 10 DE MARÇO – MOBILIZAÇÃO GERAL
Diversos eventos e atividades estão sendo organizadas pelo povo Guarani na área ocupada, junto a coletivos da cidade, no mesmo dia em que a Tenda deve novamente entrar no terreno, depois de ganhar, recentemente, uma reintegração de posse emitida irregularmente por uma juíza estadual, que será executada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, conforme comprova ofício emitido pela própria PM, no qual consta, ainda, a necessidade de uso de armamentos de impacto controlado, como armas de choque e VANT – Veículo Aéreo Não Tripulado, como drones, uma clara declaração de guerra ao povo Guarani e a Ocupação Yary Ty. A reintegração de posse foi emitida apesar de todo o levantamento apresentado, esclarecendo tratar-se de um empreendimento ilegal e o fato de uma juiza estadual ter tomado uma decisão ilegítima, ao atuar sobre uma questão federal, colocando em risco a integridade física da comunidade Guarani, em uma ação na qual a juíza não tem representatividade alguma.
Há mais de quinhentos anos os povos nativos do Brasil lutam pela sua sobrevivência, pela preservação de sua cultura, suas terras e a natureza. Durante toda a história deste país, os indígenas sofreram perseguições, escravidão, genocídio e os que restaram foram expulsos de suas terras pelo avanço do homem branco.
Quando essas terras foram conquistadas pelos portugueses, havia aqui uma população indígena superior a 5 milhões de habitantes, reduzidos ao longo dos anos para menos de 900 mil. Os portugueses que se consideravam donos destas terras, obrigaram grande parcela desses indígenas a realizar trabalhos forçados. Sua escravidão foi auxiliada pela ação dos Bandeirantes, caçadores de nativos e responsáveis pela morte de diversos deles. Além disso, muitas doenças trazidas pelos europeus e africanos, potencializaram o desaparecimento de um grande número de indígenas.
Segundo dados da FUNAI e do Censo do IBGE (2010), a atual população indígena brasileira, é de 817.963, confinados em áreas correspondentes a 13,8% do território original que estes nativos possuíam. Desde 1500 até a década de 70 a população de nativos decresceu, chegando a extinção de diversas etnias. O cenário teve mudanças a partir dos anos 90 quando o IBGE incluiu os indígenas no censo demográfico nacional. O crescimento de pessoas que se consideravam indígena foi de 150%.
Depoimento de Cláudio Barros de 93 anos, cacique da aldeia Tekoha Porã, em Guaíra — PR, e de sua esposa, Vitória. Enfrentou e resistiu a sucessivas tentativas da sociedade e do Estado brasileiro de expulsá-los de sua terras.
Atualmente a FUNAI estima que existam no Brasil 274 línguas faladas, o Censo mostrou que cerca de 20% da população nativa não fala o português. A entidade aponta que esses indivíduos têm enfrentando uma transformação social muito grande, tendo que buscar maneiras de garantir a sobrevivência física e cultural. Entre os principais problemas estão invasões territoriais, degradação do meio ambiente, exploração sexual, aliciamento e uso de drogas e exploração de trabalho. O que não falta são questionamentos sobre a falta de atuação do Estado em relação a esses problemas.
O antropólogo e coordenador da Pastoral Indigenista da Arquidiocese de São Paulo e do Programa Pindorama da PUC-SP, Benedito Prezia, acredita que a lentidão no processo de demarcação dessas terras é devido ao grande interesse nas terras indígenas, geralmente situadas em áreas onde há minério ou rios, destinados a hidrelétricas. Em outros casos, são terras férteis, objeto de exploração do agronegócio. “São também áreas que o governo, em épocas passadas, resolveu destiná-las para projetos de colonização, como a terra dos Gurani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em 1973, com o Estatuto do Índio, o governo militar deu um prazo de 5 anos para demarcar todas as terras e não cumpriu. Em 1988, quando foi promulgada a nova constituição, foi dado um novo prazo de 5 anos e também não foi cumprido. Assim, há também uma conivência do executivo com os grupos econômicos para não avançar as demarcações”, afirma.
Para o coordenador do CIMI Sul (Conselho Indigenista Missionário), Roberto Liebgott, apesar das conquistas constitucionais, os direitos indígenas estão sob ameaça, na atual conjuntura brasileira, em decorrência da influência dos poderosos grupos econômicos-agronegócio que pressionam o governo, o Congresso Nacional e o Poder Judiciário no sentido de impedir que as regras postas pela Constituição sejam cumpridas.
Documentário realizado para o Acampamento Terra Livre, com depoimentos de lideranças e imagens da luta dos indígenas por todo o Brasil.
A constituição Brasileira de 1988 assegura aos povos nativos a posse permanente das terras, cabendo-lhes o uso exclusivo das riquezas em seu interior. No ano 2000 foi proposta, por um executivo da bancada ruralista, a PEC 215, sugerindo que as demarcações de terras indígenas sejam feitas, não mais pela FUNAI e sancionadas pelo ministro da Justiça, mas sim pelo Congresso Nacional. A proposta parte do interesse da chamada bancada ruralista, grupo de deputados e senadores que defendem os interesses do agronegócio, principal inimigo dos indígenas.
Prezia julga que a aprovação da PEC seria um desastre, pois não haveria mais demarcação de terra indígena. Apesar de não conseguir aprovar a PEC, o governo esvaziou a FUNAI, cortou recursos, e colocou como presidente da entidade um militar que segue a cartilha dos ruralistas, aumentando os conflitos. Para o antropólogo, precisa haver mais autonomia da FUNAI por parte do poder executivo e uma vontade política do governo em apoiar os povos indígenas.
A essa proposta soma-se uma série de projetos para alterar os artigos 231 e 232 da Constituição Federal. De acordo com Liebgott, uma dessas artimanhas são as decisões judiciais que tomam por base o que tem sido chamado de “Marco Temporal”. “Isso pressupõe de que as terras indígenas e quilombolas a serem demarcadas seriam somente aquelas efetivamente ocupadas no ano de 1988, quando se promulgou a Constituição Federal. São intensas as pressões de setores agrários e ruralistas sobre o Congresso Nacional, pois as terras indígenas e quilombolas representam novas fronteiras de expansão do agronegócio”, declara ele.
(Foto: Ana Mendes)
Dados do Conselho Indigenista Missionário revelam que atualmente existem 1296 terras, sendo destas 640 regularizadas, as demais se encontram paralisadas ou os processos de demarcação não foram iniciados pelo órgão indigenista.
O coordenador do CIMI região Sul, assegura que no fundo dessa disputa há três argumentos que tentam convencer a população para se contrapor as demarcações. Liebgott alega que esses mesmos argumentos servem ao convencimento de políticos de autoridades do executivo e do judiciário. A primeira das três alegações é que há interesse de grupos estrangeiros nas terras indígenas e isso explicaria o empenho de ONGs e entidades na defesa das demarcações. Outro discurso utilizado é de que há muita terra para os “índios”, presumindo que eles não produzem nas terras onde vivem. A terceira justificativa é a de que não se pode cometer a injustiça de demarcar as terras para os índios e deixar os agricultores e produtores, que alimentam a população, sem terras para produzir.
Um levantamento realizado pelo De Olho nos Ruralistas, com base em informações do Instituto Socioambiental (ISA), aponta que pelo menos 25 projetos de lei que configuram ameaças aos direitos dos povos indígenas tramitam no Congresso, 90% destes projetos foram apresentados pela bancada ruralista. O estudo feito ainda apontou que a maioria desses parlamentares responde algum processo judicial.
(Foto: Teresa Paris / Comissão Guarani Yvyrupa/Divulgação)
Em meio aos diversos conflitos por direitos indígenas nos últimos anos, o caso mais recente que chamou atenção foi a anulação por parte do Ministério da Justiça da portaria nº 581, de 2015, que garantia mais de 500 hectares de terras guaranis no Parque do Jaraguá. Segundo o Ministério a anulação se deu por erro administrativo no procedimento inicial.
O texto emitido argumenta que a área “foi demarcada sem a participação do Estado de São Paulo na definição conjunta das formas de uso da área”. De acordo com o governo a terra indígena do Jaraguá tem extensão aproximada de três hectares.
Liebgott afirma que essa revisão ocorreu em função de dois fatores essenciais. “O governo tem a intenção de conceder partes da área para s especulação imobiliária e com o intuito de atender aos interesses econômicos que visam à exploração dos parques e áreas ambientais, dentro da lógica neoliberal de privatização. A revisão da demarcação daquela terra ocorreu para atender, portanto, pedido do governo de São Paulo, que pretende entregar aquela região toda para a iniciativa privada”.
No ano passado o governo estadual, enviou um decreto a Assembleia Legislativa privatizando todos os parques estaduais, incluindo o do Jaraguá. De acordo com a lei, os parques serão concedidos por 30 anos para a exploração dos serviços como o ecoturismo, além da exploração comercial madeireira ou de subprodutos florestais.
Por outro lado, existe outro empecilho que dificulta a conclusão do processo de demarcação dessas terras. Desde 2005 a família de Tito Costa, ex-deputado federal e prefeito de São Bernardo do Campo, alega ser dono de uma parte de onde ocorreu a ampliação da área do Jaraguá onde está a aldeia Itakupé.
Atualmente a reserva abriga cerca de 700 nativos de cinco aldeias. A reportagem feita pelo G1 em março deste ano, constatou que moram mais de 140 famílias no local com muitas crianças. Faltam recursos naturais para esses indígenas, a reportagem apontou que esses índios vivem em condições precárias, morando em casas feita de chapas de madeira e chão de barro. Algumas famílias fazem e vendem artesanato, muitas recebem o Bolsa Família.
Depoimento de indígenas explicando o motivo da ocupação do prédio da Presidência da República.
A revogação da demarcação causou uma série de protestos por parte da aldeia e de movimentos que apoiam os indígenas. No final de agosto um grupo de índios e diversos outros movimentos, ocuparam o vão livre do MASP, em seguida saíram em caminhada pela Av. Paulista até a sede da Presidência da República. Os indígenas chegaram a ocupar o hall de entrada do prédio.
(Foto: Luiza Calagian/Comissão Guarani Yvyrupa)
No mesmo dia, indígenas acamparam em frente ao Ministério da Justiça em protesto contra a decisão do governo de reduzir a área da reserva. No dia 13 de Setembro os indígenas ocuparam o pico do Jaraguá como forma de protesto, chegando a desligar antenas de rede, deixando mais de 600 mil pessoas sem televisão.
(Foto: Comissão Guarani Yvyrupa/Divulgação)
A luta pela revogação da portaria nº 683, do Ministério da Justiça, ganhou adeptos nas redes sociais, que subiram a tag “Jaraguá é Guarani” no Twitter com milhares de mensagens, além de eventos e publicações no Facebook. Questionado sobre o papel da Pastoral Indigenista da Arquidiocese de São Paulo, o coordenador Benedito Prezia alegou que desde 1999 a pastoral tem contato direto com a aldeia do Jaraguá, procurando orientar e apoiar essa comunidade no sentido de reivindicação de um espaço maior. Prezia ainda afirmou que após a ampliação da área em 2015, o grupo tem enviado algum recurso material para as famílias que estão na nova aldeia Itakupé.
Na ocasião, a pastoral participou dos atos na Av. Paulista, além de emitir uma nota de repúdio por meio da Comissão Caridade, Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, encampada por outras entidades e movimentos.
Em nota a Comissão declarou que a “portaria é mais um ato violento contra os povos originários do Brasil, e ironicamente sobre um povo que vive às margens da rodovia dos Bandeirantes, referência e perversa homenagem a seus antigos algozes. E mais uma vez tornam-se vítimas de uma política discriminatória, emanada de um governo que deveria, sim, pagar uma dívida histórica, em reparação à prática genocida dos bandeirantes paulistas”.
O texto prossegue reafirmando o repúdio ao decreto do governo e declarando o total apoio das pastorais sociais da Igreja Católica e organismos cristãos comprometidos com a causa indígena.
Na noite do dia 15 de setembro os índios Guarani encerraram a ocupação no Pico do Jaraguá após um acordo com o Governo do Estado. As lideranças indígenas se reuniram com representantes das Secretárias do Meio Ambiente, Segurança Pública e da Justiça e da Defesa da Cidadania. O acordo feito define que o parque não será privatizado, reivindicação dos indígenas, além de não criminalizar as lideranças que participaram dos atos. A reunião também estabeleceu uma comissão intersecretarial para tratar das reivindicações das aldeias indígenas. Apesar do acordo as tribos ainda lutam para que a portaria nº 581 seja revogada.
Reivindicações Indígenas
As questões que envolvem os indígenas não se resumem às demarcações de terra. Diversos outros assuntos foram apresentados e discutidos, mas pouco se fala das propostas apresentadas pelos povos indígenas e comunidades quilombolas.
As exigências são direcionadas à Presidência da República, ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário.
Abaixo algumas das exigências:
Presidência da República
Retomada de todos os procedimentos de demarcação de terras paralisados pela presidência da república no ano de 2013.
Garantia de orçamento para retomada dos grupos de trabalho da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), para demarcação dos territórios indígenas.
Garantia de orçamento para titulação dos territórios quilombolas.
Suspensão do Parecer 1 da AGU que impõe condicionantes ao uso dos territórios.
Congresso Nacional
Arquivamento imediato da PEC 215/2000 que visa impedir a demarcação das terras indígenas, pois repassa a responsabilidade ao Congresso Nacional, espaço onde não tem representação dos povos, a decisão sobre reconhecer territórios indígenas e quilombolas.
Poder Judiciário
Que haja, por parte de juízes e magistrados, justa e adequadas decisões no que tange as ações possessórias e de reintegração de posse movidas contra famílias pobres e que lutam por moradia nos espaços urbanos.
Que no âmbito da Justiça Federal, nos Tribunais Regionais, no STJ e STF, sejam revogadas as interpretações restritivas de direitos dos povos indígenas e quilombolas, especialmente no tocante ao marco temporal da Constituição Federal de 1988, tese jurídica desproporcional, pois afronta direitos originários e tradicionais de indígenas e quilombolas.
Texto originalmente publicado em https://medium.com/@mathstark25/a-resist%C3%AAncia-ind%C3%ADgena-contra-os-novos-bandeirantes-7040214ea961
Quase 200 indígenas das comunidades Guarani Mbya ocuparam na manhã desta quarta-feira (4) os escritórios da Secretaria da Presidência da República em São Paulo. As comunidades pedem a demarcação da Terra Indígena Tenondé Porã. A Portaria Declaratória de demarcação espera aprovação do Ministério da Justiça desde 2012.
Veja o manifesto dos Guarani Mbya:
“Hoje, quarta-feita (04/05) nossas comunidades Guarani Mbya estão desde as 8h da manhã no escritório da Presidência da República em São Paulo, na Avenida Paulista (n°2163), exigindo a assinatura da Portaria Declaratória de demarcação da Terra Indígena (TI) Tenondé Porã.
Já faz muito tempo que aguardamos a publicação da Portaria Declaratória da TI Tenondé Porã, parte de nosso território tradicional que está no município de São Paulo e tem uma pequena área em São Bernardo do Campo. Nos últimos dias o governo federal finalmente movimentou alguns processos de demarcação, aumentando a expectativa de nossas comunidades, mas seguimos aguardando a demarcação da Tenondé Porã que está na mesa do Ministério da Justiça, desde 2012, sem nenhum impedimento legal para que seja assinada!
O ministro da justiça já mudou de nome, até a presidente pode mudar e seguem adiando nosso direito de viver em nosso território tradicional. Estamos cansados de esperar e por isso resolvemos dizer: BASTA! Exigimos Demarcação Já!
A prefeitura da cidade de São Paulo já manifestou publicamente seu apoio à demarcação de nossas terras no município. A inclusão das TIs Jaraguá e Tenondé Porã no Plano Diretor da cidade como Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM) foi um passo importante nesse sentido. Na terça-feira (03/05) nossas lideranças estiveram na prefeitura de São Bernardo e conseguiram mais um apoio, a assinatura de um documento em que o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, se manifesta a favor da demarcação da TI Tenondé Porã.
Agora é a vez do Ministro da Justiça, Eugênio Aragão e da Presidente Dilma Rousseff se mostrarem do lado da demarcação de nossa terra. Se a presidência e os dois prefeitos envolvidos na questão são todos do Partido dos Trabalhadores, não acreditaremos nas supostas boas intenções do PT com o povo Guarani se a portaria declaratória da TI Tenonde não sair enquanto o partido segue no Governo Federal. O Partido dos Trabalhadores, que hoje está sendo atacado por setores conservadores da sociedade, será responsável caso não ocorra essa demarcação e fiquemos sem garantias de viver em nosso território tradicional, podendo ser expulsos de várias aldeias! Agora não há mais desculpas, se não houver assinatura da portaria declaratória nos próximos dias, o PT será favorável a que fiquemos sem terras para viver, será favorável ao nosso genocídio!
ANTES QUE SEJA TARDE! ANTES QUE SEJA TEMER! DEMARCAÇÃO JÁ!
Sobre a TI Tenondé Porã Atualmente apenas a área de duas de nossas aldeias (Aldeia Barragem e Aldeia Krukutu) no extremo sul da metrópole, na beira da represa Billings, em Parelheiros estão demarcadas com cerca de 26 hectares cada. As áreas reconhecidas na década de 1980 tem uma densidade populacional crítica de 26 pessoas por hectare. A falta absoluta de espaço é o detonante de inúmeros problemas sociais e culturais.
Por isso, após a reivindicação de nossas lideranças, iniciou-se em 2002, um estudo para a correção desses limites, de acordo com os parâmetros constitucionais de 1988. Dez anos depois, em 19 de abril de 2012, a Funai aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES No 123) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem cerca de 15.969 hectares como compondo os limites constitucionais da Terra Indígena Tenondé Porã, que abrange as aldeias da região sul de São Paulo e uma área em São Bernardo do Campo. Desde então o processo está nas mãos do Ministro da Justiça, de quem reivindicamos a publicação imediata da Portaria Declaratória da TI Tenondé Porã.
De acordo com o Decreto Presidencial nº 1775, que regulamenta o processo de demarcação de Terras Indígenas no país, abre-se, a partir da publicação desses estudos, período de 90 dias para que os interessados apresentem contestações administrativas. Após esse período, já encerrado, cabe ao Ministro da Justiça publicar uma portaria declaratória que permite iniciar o processo de indenização dos ocupantes não indígenas para devolver as áreas ao usufruto exclusivo das comunidades indígenas. Muito tempo já passou e não existe mais nenhum motivo para seguirmos esperando confinados enquanto vemos a cidade crescer e nossos problemas aumentarem.
ANTES QUE SEJA TARDE! ANTES QUE SEJA TEMER! DEMARCAÇÃO JÁ!”