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  • Igreja: 152 bispos criticam “economia que mata” do governo Bolsonaro

    Igreja: 152 bispos criticam “economia que mata” do governo Bolsonaro

    A Igreja Católica encabeçada por Dom Paulo Evaristo Arns, Pedro Casaldáliga e Helder Câmara teve papel relevante na luta pelos direitos humanos e pela democracia durante a ditadura militar. Em tempos de grave autoritarismo como o que vivemos, a Igreja católica resolveu se manifestar novamente. No texto, chamado de “Carta ao Povo de Deus”, os bispos dizem que o Brasil atravessa um dos momentos mais difíceis de sua história, vivendo uma “tempestade perfeita”. Ela combinaria uma crise sem precedentes na saúde e um “avassalador colapso na economia” com a tensão sofre “fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República [Jair Bolsonaro] e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança”.

    O documento critica  “discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19”  e chama a atenção para o “caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço. Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja.”

    A Igreja Católica retoma sua tradição profética, tão valorizada pela Teologia da Libertação, e junta sua voz ao movimentos sociais e democráticos que lutam contra as políticas de morte comandadas pelo governo Bolsonaro.  

    Leia a carta:

    “Carta ao Povo de Deus”*

    “Somos bispos da Igreja Católica, de várias regiões do Brasil, em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que no exercício de sua missão evangelizadora, sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Escrevemos esta Carta ao Povo de Deus, interpelados pela gravidade do momento em que vivemos, sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo.

    Evangelizar é a missão própria da Igreja, herdada de Jesus. Ela tem consciência de que “evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Alegria do Evangelho, 176). Temos clareza de que “a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados […], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus […] (Lc 4,43 e Mt 6,33)” (Alegria do Evangelho, 180). Nasce daí a compreensão de que o Reino de Deus é dom, compromisso e meta.

    É neste horizonte que nos posicionamos frente à realidade atual do Brasil. Não temos interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus, presente em nossa história, na medida em que avançamos na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor.

    O Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, comparado a uma “tempestade perfeita” que, dolorosamente, precisa ser atravessada. A causa dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança.

    Este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados. Somos convocados a apresentar propostas e pactos objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta indiferença.

    É dever de quem se coloca na defesa da vida posicionar-se, claramente, em relação a esse cenário. As escolhas políticas que nos trouxeram até aqui e a narrativa que propõe a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não justificam a inércia e a omissão no combate às mazelas que se abateram sobre o povo brasileiro. Mazelas que se abatem também sobre a Casa Comum, ameaçada constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que despreza os direitos humanos e os da mãe terra. “Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós” (Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/06/2020).

    Todos, pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento tão grave e desafiador. Assistimos, sistematicamente, a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino, o caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço. Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que vê io “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

    Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises. As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo. É verdade que o Brasil necessita de medidas e reformas sérias, mas não como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres, desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos, afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum e a paz social. É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população.

    O sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço. Convivemos, assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população, e das leis do trânsito e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais.

    O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas.

    No plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda.

    Fechando os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil. Estes são os mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus e, lamentavelmente, não vislumbram medida efetiva que os levem a ter esperança de superar as crises sanitária e econômica que lhes são impostas de forma cruel. O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial para Enfrentamento à COVID-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxige

    nação sanguínea, nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais (Cf. Presidência da CNBB, Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020).

    Até a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário. Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?

    O momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos. Estamos comprometidos com o recente “Pacto pela vida e pelo Brasil”, da CNBB e entidades da sociedade civil brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e Clara”, bem como, unimo-nos aos movimentos eclesiais e populares que buscam novas e urgentes alternativas para o Brasil.

    Neste tempo da pandemia que nos obriga ao distanciamento social e nos ensina um “novo normal”, estamos redescobrindo nossas casas e famílias como nossa Igreja doméstica, um espaço do encontro com Deus e com os irmãos e irmãs. É sobretudo nesse ambiente que deve brilhar a luz do Evangelho que nos faz compreender que este tempo não é para a indiferença, para egoísmos, para divisões nem para o esquecimento (cf. Papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi, 12/4/20).

    Despertemo-nos, portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo, alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).

    O Senhor vos abençoe e vos guarde. Ele vos mostre a sua face e se compadeça de vós.
    O Senhor volte para vós o seu olhar e vos dê a sua paz! (Nm 6,24-26).

  • “Nomeação de militar sem experiência com educação é novo desrespeito”

    “Nomeação de militar sem experiência com educação é novo desrespeito”

    Protesto de estudantes secundaristas em São Paulo contra Reforma do Ensino Médio Foto: Tuane Fernandes

    Indicado pela cúpula militar, por sugestão dos almirantes do governo, Carlos Alberto Decotelli é oficial da reserva da Marinha, o primeiro ministro negro do governo Bolsonaro e o terceiro a ocupar a pasta em um ano e meio. Economista e entendedor da área financeira militar, recebe o apoio de Paulo Guedes, ministro da Economia e foi nomeado nesta quinta, 25, à tarde, depois da fuga de Abraham Weintraub para o exterior, mesmo respondendo a inquérito do Supremo Tribunal Federal sobre a disseminação de Fake News e sobre ter evocado a prisão dos ministros do STF, a quem chamou de “vagabundos” em reunião do Governo Bolsonaro.

    O novo ministro da Educação já chega envolto na nuvem de uma suspeita   licitação montada durante sua presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. A licitação tinha como objetivo adquirir, ao preço de R$ 3 bilhões, uma quantidade de computadores muitas vezes maior do que o número de alunos de escolas públicas que pretendiam beneficiar.

    A quantidade a ser comprada superava em muito o número de crianças nas salas de aulas de 355 escolas, conforme o jornalista Marcelo Auler. A Escola Municipal Laura Queiroz, do município de Itabirito/MG, com apenas 255 alunos, receberia 30.030 laptops, o que equivaleria a 117,76 equipamentos para cada aluno, ainda segundo o jornalista. Em setembro passado, a licitação foi suspensa, sem que até hoje ninguém esclarecesse o seu descalabro.

     

    Nota das entidades estudantis sobre a indicação de Carlos Decotelli para o MEC

    O governo anunciou o senhor Carlos Alberto Decotelli da Silva como novo ministro da Educação, o terceiro em menos de 1 ano e meio de governo, o que, por si, já demonstra a falta de compromisso com essa área fundamental. Ele assume após a fuga de Abraham Weintraub, o pior ministro da história do MEC, o que lhe traz certo conforto comparativo para iniciar seu trabalho.

    Embora possua trajetória acadêmica e possa vir a representar um deslocamento do grupo olavista na gestão, o novo ministro não tem experiência vinculada à educação, mas sim nas áreas financeira e militar, o que é sempre motivo de preocupação. A educação não pode ser tutelada nem por grupelhos ideológicos estar a serviço dos interesses do mercado financeiro.

    Os estudantes conduziram grandes mobilizações em defesa da educação durante o governo Bolsonaro e permanecerão mobilizados e atentos contra qualquer tipo de ataque. É preciso superar a lógica que elegeu a educação e a ciência como inimigas, frear o projeto de desmonte das áreas e adotar o caminho de investimentos robustos para assegurar que estas possam cumprir suas missões diante da profunda crise de saúde pública e econômica que o país atravessa.

    Entendemos que o próprio governo Bolsonaro é uma limitação para um projeto de fato compromissado com a educação e com os estudantes brasileiros. Mas reafirmamos nossa luta para que o MEC assuma uma agenda fundamental para o momento, que envolve pautas como: a aprovação urgente do novo FUNDEB permanente; saídas para a educação básica durante a pandemia; realização do Enem de maneira segura e no tempo adequado; garantia de auxílio aos estudantes das universidades privadas para pagar as mensalidades; investimentos emergenciais na ciência e nas universidades públicas para permanência estudantil; valorização e investimento na pós-graduação; e todos os esforços de combate ao COVID-19.

     

    UNE – União Nacional dos Estudantes

    UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
    ANPG – Associação Nacional dos Pós-graduandos

  • Bolsonaro quer transferir ossadas da Vala de Perus

    Bolsonaro quer transferir ossadas da Vala de Perus

    A próxima reunião de conciliação entre representantes do governo Bolsonaro, Prefeitura de São Paulo e a Unifesp deve ocorrer nesta segunda-feira, 9/12. A União precisa apresentar justificativas, planejamento e orçamento coerente com a proposta de transferência do material ósseo e demais materiais colhidos da Vala de Perus para a Polícia Civil do Distrito Federal.

    Representantes de Familiares de Mortos e Desaparecidos vêem com muita apreensão essa iniciativa. Primeiro porque vai interromper a pesquisa que vem sendo feita desde 2014; segundo por tornar muito mais difícil o acesso dos familiares aos supostos resultados. Os familiares também denunciam que 27 ossadas dos mortos na região do Rio Araguaia foram para Brasilia, e estão desaparecidas ou engavetadas.

     

    A morte que nunca acaba

    Durante a audiência no último dia 18/11, em que a União fez a proposta, representantes dos familiares puderam se manifestar e Amélia Teles, afirmou: “Esses ossos são de seres humanos.” E completou dizendo que as vítimas só foram tratadas com o devido respeito quando foram para a Unifesp. Além dos mortos no período militar, acredita-se que existam vítimas dos Esquadrões da Morte ou de grupos de extermínio que atuavam em São Paulo nas décadas de 1970/80.

     

    Entenda a manobra do representante do governo Bolsonaro

    A Advocacia Geral da União (AGU), na segunda feira, 18/11, durante a reunião de conciliação na Justiça Federal, em São Paulo, alegou redução de custos, mas sem apresentar qualquer planilha, plano operacional ou mesmo justificativa plausível para a transferência das Ossadas da Vala de Perus para Brasília. O juiz não aceitou o pedido e deu um prazo até dia 2 de dezembro para que a AGU e o procurador, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), apresentassem a documentação a tempo de ser avaliada pelas partes.  A prefeitura, a Unifesp e os representantes dos familiares dos mortos e desaparecidos vão avaliar a documentação e podem se pronunciar na audiência da próxima segunda-feira, 9/12.

    A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Polítícos (CEMDP) é mais uma instância de Estado, não de governo, instituída desde 1993, encarregada de investigar casos de mortes por motivação política. E parte do conjunto de mecanismos do processo conhecido como Justiça de Transição, referentes aos crimes da ditadura militar.

    Brasília é um caminho quase sem volta

    Ouvida pela revista Carta Capita, a procuradora Eugênia Gonzaga, ex-presidente da CEMDP, explicou que foi exonerada por Jair Bolsonaro em agosto. No seu lugar foi empossado um assessor da ministra Damares, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, no mesmo período em que o presidente fez declarações ofensivas que atingiram familiares de Felipe Santa Cruz, morto durante a ditatura. O governo Bolsonaro prima também por empregar agentes do estado envolvidos em mortes, como denunciamos em: https://jornalistaslivres.org/ex-esquadrao-da-morte-nomeado-governo-bolsonaro/

    A manobra da União também pretende comprometer o convênio com a Unifesp, pois a solicitação feita na audiência do dia 18 de novembro ocorreu 20 dias antes da data limite para a Universidade solicitar a verba para continuidade da pesquisa para 2020, na parte federal do convênio.

    Peritos trabalham em Ossadas na Vala em 2010. Imagem da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo

     

    O reconhecimento do CAAF/Unifesp

    O Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Unifesp tem grupos multidisciplinares de pesquisa em Direitos Humanos, um deles é o Grupo de Trabalho de Perus, que foi criado em 2014 para analisar as 1.049 caixas com remanescentes humanos que foram encontrados na Vala de Perus. O trabalho pretende identificar 41 desaparecidos políticos cujas histórias indicam que foram colocados nesse local, nos anos 70, como modo de encobrir as graves violações de direitos humanos dos governos militares. A pesquisa se desenvolve mediante parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, hoje Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) e com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SMDH), da Prefeitura de São Paulo, por meio de um Acordo Técnico de Cooperação (ACT).

    O CAAF, além do reconhecimentos internacional, tem outros grupos de trabalho que desvendam crimes cometidos pelo Estado em períodos democráticos, como os Crimes de Maio de 2006.

    Mais sobre impunidade e violência do Estado em:

    Impunidade são 12 mil assassinatos por ano com quase ninguém na cadeia

     

    O Grupo Violência do Estado No Brasil  foi responsável pela pesquisa forense em parceria com Centro Latino-Americano da Universidade de Oxford e financiado pela Newton Fund. O projeto teve seu foco voltado para a análise de 60 casos de pessoas assassinadas por arma de fogo na região da Baixada Santista. Deste modo, no projeto foram reunidos indícios pelos quais foi possível observar que as pessoas assassinadas nesses episódios foram mortas pela violência do Estado. Como resultado, ao final do projeto, foi desenvolvido o relatório “Violência de Estado no Brasil: uma análise dos crimes de Maio de 2006”.

     

    A ATUAÇÃO DO CAAF HOJE

    O CONDEPE, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em parceria com o CAAF/Unifesp, está montando um grupo de trabalho para apurar as mortes dos nove jovens, ocorridas nesse domingo, 1/12, por ação violenta da PM no bairro Paraisópolis, como afirmou Dimite Sales, coordenador do CONDEPE, em seu twitter.

    Mais sobre as mortes de Paraisópolis:

    Família de um dos jovens mortos em Paraisópolis refuta versão de pisoteamento no massacre

     

    Os becos do massacre em Paraisópolis

     

    Abertura da Vala de Perus na década de 1990

    MAIS SOBRE A VALA DE PERUS:

    O Cemitério Dom Bosco, hoje com o nome de Colina dos Mártires, foi criado em 1971 pelo então prefeito Paulo Maluf, e foi utilizado para esconder os corpos de pessoas mortas, sepultadas como indigentes pelas forças de segurança do regime militar. A luta dos familiares na busca pelas pistas só começou a se concretizar na década de 1990, a partir da gestão de Luíza Erundina, por meio da CPI Perus – Desaparecidos Políticos, da Câmara de Vereadores de São Paulo, quando mais de mil ossadas foram transferidas para outros lugares e foi inaugurado o memorial da vítimas.

     

    Em ação civil pública ajuizada pelo MPF em 2010, a União foi condenada pela Justiça federal a examinar os cerca de 1.049 sacos com ossadas que apodreciam no cemitério do Araçá, e haviam sido retiradas da vala clandestina do Cemitério Dom Bosco. Em 2014, com base nesta condenação elas foram transferidas para Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que em convênio com a prefeitura criou o CAAF. Mais de 800 caixas de ossos já foram analisadas e o processo pôde ser acompanhado por familiares de mortos e desaparecidos. No ano passado foram identificadas as ossadas de Dimas Antônio Cassemiro e Aluísio Palhano, mortos em 1971 pela ditadura militar.

    LEIA TAMBÉM

    BANCÁRIO ASSASSINADO NA DITADURA É IDENTIFICADO NA VALA DE PERUS

     

     

     

    A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva, foi fundamental que este grupo de trabalho fosse criado.

    MAIS EM: http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-i/parte-i-cap4.html

    http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-i/downloads/I_Tomo_Parte_1_A-formacao-do-grupo-de-antropologia-forense-para-identificacao-das-ossadas-da-vala-de-perus.pdf

    Outras informações podem ser obtida neste livro (arquivo pode ser baixado por este link). Ele foi realizado durante o governo Dilma Rousseff, via Comissão da Anistia. Podem ser encontrados diversos artigos sobre a vala e a luta para conquistar este direito à memória, verdade e justiça, que não pode ser usurpada pelo governo Bolsonaro.

     

  • Missa da terra sem males

    Missa da terra sem males

    Recebo a notícia num vagão do metrô, num túnel escuro, a cidade sobre a cabeça. Coincidência ou não, ouvia um texto musicado a tocar na rádio, Missa da Terra Sem Males, na voz de Diana Pequeno: Eu sou América, sou o Povo da Terra, da Terra-sem-males, o Povo dos Andes, o Povo das Selvas, o Povo dos Pampas, o Povo do Mar… Do Colorado, de Tenochtitlan, do Machu-Pichu, da Patagônia, do Amazonas, dos Sete Povos do Rio Grande…

    Dom Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra, na década de 80, já chorando nossos mortos, nossos índios. A arte e a fé sempre em protesto, forte como deve ser numa terra fraca de direitos.

    A mancha que há em nosso ser não cessa, cresce a cada ano no tecido que veste a nação há cinco séculos: o assassinato dos indígenas destrói toda fantasia de país.

     

    No final de semana, as cidades conviveram com a notícia de sangue da Amazônia distante, tão dentro de nós,  do assassinato de um cacique dos índios Wajãpi por garimpeiros. 

    Muitos artistas se manifestaram, imediatamente, quando a notícia rompeu o isolamento da floresta na terra livre da arte. Com perfurações matam o índio, homens em busca do ouro e pedras preciosas, que, um dia, embarcará pelos aeroportos do país, para terras mais distantes ainda. Nosso rio de ouro e diamantes a nutrir as veias de bancos e mercados do mundo. 

     

    Para nós, restará a terra devastada.

    Protesto dos povos indígenas diante do Congresso Nacional, durante o Acampamento Terra Livre, 2017.

    Um corpo caído no chão, seu espírito livre entre a mata, agora. Partiu e não voltará mais. 

     

    O índio Wajãpi sempre me lembrou beija flor, talvez aquele pano vermelho caído sobre a nudez, a linda coroa de finas plumas, a lembrar o martírio sutil de um povo, seus corpos pequenos, uma leveza no falar.

     

    A Amazônia insiste em nos mostrar seus mortos, que serão tantos. Um inferno verde virá a expor nossa cara, a conquista tardia do ocidente.

     

    imagens por Helio Carlos mello©

  • Na SBPC, lideranças indígenas gritam para não virar estátua e item de museu

    Na SBPC, lideranças indígenas gritam para não virar estátua e item de museu

    por Jones Mário 

    Demarcações de terras indígenas foi tema de mesa-redonda durante a 71ª Reunião Anual, na UFMS

     

    “Não quero ser estátua. Não quero ser peça de museu, como essas cabeças de animais que a gente vê”, falou hoje a guarani-kaiowá Clara Barbosa de Almeida, convidada para mesa-redonda sobre demarcações de terras indígenas na 71ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). O misto de protesto e lamento se deu após a liderança da Terra Indígena Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, caminhar pela Avenida da Ciência e se deparar com exposição de crânios de bichos já extintos.

    Clara Barbosa de Almeida, indígena guarani-kaiowá, durante mesa-redonda na Reunião Anual da SBPC (Foto: Kísie Ainoã)

    “Eu quero que meu povo guarani-kaiowá resista ainda por muitos e muitos anos”, continuou. Graduada em Ciências Sociais pela UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Clara aponta para 78 áreas reivindicadas por povos indígenas em Rio Brilhante, hoje ocupadas por produtores. A tensão no local é preocupação constante da liderança e das pessoas que vivem na comunidade.

    “A morte ronda a gente 24 horas por dia. Eu não posso andar em Rio Brilhante como uma pessoa comum. Não atendo telefone de número desconhecido, porque sei que vem ameaça”, disse.

    A mesa-redonda debateu as consequências do chamado “marco temporal”, cuja tese prevê que os indígenas só teriam direito à demarcação das suas terras se estivessem presentes na região na data da promulgação da Constituição de 1988. A medida está presente no caso que discute a posse da Terra Indígena Xokleng-La Klãnõ, dos Xokleng, em Santa Catarina, que teve repercussão geral reconhecida pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Assim, a decisão no processo servirá de referência aos demais sobre o mesmo tema.

    “O marco temporal é uma bomba para nós. Seria um extermínio”, classificou Clara. Ela apontou que parte dos indígenas guarani-kaiowá foram expulsos de suas terras pelo extinto SPI (Serviço de Proteção ao Índio). “Quando voltamos tinham vários obstáculos. Fazendeiro da Alemanha, do Japão, que diziam ter comprado a terra, que a terra era deles, e que nós éramos os invasores”.

    Terena Lindomar Ferreira também participou de debate sobre demarcação de terras indígenas na UFMS (Foto: Kísie Ainoã)
    Terena Lindomar Ferreira também participou de debate sobre demarcação de terras indígenas na UFMS (Foto: Kísie Ainoã)

    O terena Lindomar Ferreira também participou das discussões. “As lideranças estão aqui para dizer que a luta vale à pena. Estamos aqui para dizer quem somos, de onde viemos, o que queremos e porque devemos lutar”, pontuou.

    A SBPC reservou um segmento de sua programação apenas para debates e encontros com temáticas afro e indígenas. As conferências protagonizadas por estes grupos continuam nesta sexta-feira (veja aqui os eventos).

    Maior evento científico da América Latina, a 71ª edição da Reunião Anual da SBPC é realizada pela primeira vez em Campo Grande, na UFMS, e segue com portões abertos até sábado (27). Serão pelo menos 250 conferências, palestras, rodas de conversa, oficinas e minicursos. As atrações são gratuitas. 

     

     

  • Gunga-muxique

    Gunga-muxique

    Pedaços do mundo ficarão nos muros, fotografias penduradas, 

    saudades daquilo que éramos.

    O meio ambiente migra para as paredes das casas, 

    seus aposentos. 

    .

    As imagens da Terra ocuparão Marte um dia, 

    planeta árido, vazio, os horizontes distantes daqui, 

    o jeito que fomos um dia.

    É o homem guardador de arquivos, antigos rebanhos? 

    Gente a numerar risos perdidos no tempo?

    .

    Desmontam o país e toda legislação para o meio ambiente,

    sufocarão os povos da terra. 

    .

    A fotografia é grande invento,

    descoberta fundamental.

    Os dinossauros não tiveram tal sorte, deixaram pegadas,

    um ovo de pedra aqui, outro ali

    nada mais.

    Chegamos naquele momento em que joga-se

    a moeda para cima:

    ou é cara ou coroa, amor ou pavor.

    .

    O que de fato importa é a linha da costura,

    delicados pontos, furos nos dedos,

    sangue

    e coágulos.

    O que mancha ou faz calos,

    o que se escreve e deixa sua marca, 

    palavra no livro, rumo ou rota.

    .

    Ficam os joanetes.

    A terceira margem é senda

    onde vou com tantos, vento absorto,

    cismarento.

    .

    Não sei se o chefe, o gunga-muxique,

    tal um imperador que crê nos filhos, 

    sabe dos meandros da história e sua cunha,

    fatos de afogamento e sucuri.

     

    .

    Nós, os outros, canhotos,

    morreremos em paz, plenos no nado

    e vacinados.

     

    imagens por helio carlos mello