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  • E-mails vazados da Cambrige mostram poucas ações no Brasil, mas confirmam democracia hackeada

    E-mails vazados da Cambrige mostram poucas ações no Brasil, mas confirmam democracia hackeada

    A campanha eleitoral de 2018, que elegeu o atual des-presidente Jair Bolsonaro, foi essencialmente marcada pela disseminação indiscriminada de informações falsas. Os métodos de manipulação adotados pela equipe do então candidato de extrema-direita foram baseados nas práticas da empresa Cambrige Analytica fundada em 2013. Nas eleições americanas de 2016, o supremacista branco Steve Bannon (amigo pessoal da família Bolsonaro e de Olavo de Carvalho) usou seus métodos para influenciar a campanha de Donald Trump.

    Apesar de não ser novidade que a Cambrige Analytica fez negociações para se instalar no Brasil com objetivo de manipular as eleições de 2018, por intermédio do publicitário baiano André Torretta, novos e-mails vazados na última quinta-feira, dia 3, pela ex-funcionária da empresa Brittany Kaiser revelam grandes intenções dos marketeiros, que fizeram até uma reunião com um candidato ao pleito para presidência (cujo nome não é citado). Os arquivos, que datam de maio de 2016 a janeiro de 2017, mostram o tamanho da ambição da Cambrige Analytica para interferir no Brasil: “Nos próximos 18 meses, teremos 28 campanhas políticas e, pelo menos, 84 candidatos com orçamento em torno de R$ 2 milhões. Isso sem mencionar os contratos com governo federal e os 27 estados”, escreve Pedro Vizeu-Pinheiro, diretor brasileiro da SCL Group, empresa que era a controladora da Cambrige Analytica, em 29 de setembro de 2016 .

    Ao mesmo tempo em que Vizeu-Pinheiro tentava cooptar políticos, ele orientou Mark Turnbull, diretor responsável pelo setor de campanhas eleitorais dentro da Cambridge Analytica, a orquestrar uma parceria com alguma empresa de marketing brasileira. Em um e-mail ele explica que “não há ‘estrangeiros’ trabalhando em consultoria política aqui. O último foi James Carville [estrategista político do Partido Democrata dos EUA] em 1996. Para entrar no ‘segundo maior mercado político do mundo em gastos de marketing’, é necessário um parceiro local”, escreveu.

    No mesmo e-mail, Vizeu-Pinheiro recomenda André Torretta, dono da empresa de marketing Ponte Estratégia, como um possível parceiro. A associação, que levou o nome de CA-Ponte, seria anunciada pouco menos de seis meses depois, em março de 2017. Em entrevista à BBC, Torretta explicou que a parceira teria como foco a transferência e a “tropicalização” da metodologia de segmentação psicográfica, que traça o perfil psicológico dos eleitores. A intenção não era saber o perfil político e demográfico dos brasileiros, mas sim identificar do que as pessoas têm medo, o que as inspira, quais temas rejeitam e quais apoiam para adaptar a mensagem do candidato ao público. “O cara pode ser um medroso de direita ou um medroso de esquerda. Com qualquer um desses dois eu vou poder conversar sobre armamento, por exemplo, sobre controle de fronteira”, disse o marketeiro à época. Ele também divulgou suas intenções em usar do WhatsApp para as campanhas.

    Entre maio e setembro de 2016, as negociações para interferir nas eleições brasileiras seguiram por e-mail — a intenção era que Turnbull viajasse ao Brasil para encontrar com os possíveis interessados em adotar os métodos da Cambrige Analytica em suas campanhas. A visita aconteceu, de fato, em 26 de outubro de 2016. No entanto, as conversas revelam que, apenas um dia antes, Vizeu-Pinheiro não havia fechado nenhuma reunião entre políticos e Turnbull, o que deixou o responsável pela Cambrige Analytica desapontado: “Eu pouso na quarta pela manhã e estou livre até a tarde de quinta. Será uma tremenda oportunidade jogada fora se eu fizer toda essa viagem e tiver de ficar sentado em meu quarto de hotel atrás de um computador!”, escreveu Turnbull a Vizeu-Pinheiro. Em seguida, ele pede que Brittany Kaiser — que administrou todas as trocas de e-mail — tentasse agendar algumas reuniões. “Brittany, eu me lembro que você tinha contatos em São Paulo que [talvez] eu pudesse encontrar? Não se preocupe se não tiver. É que o Pedro tem sido um tremendo desapontamento em organizar as coisas para mim”. Segundo as mensagens, ela consegue apenas um encontro com a cônsul-geral do Reino Unido em São Paulo, Joanna Crelin, e a responsável pela área de comércio, Lauren Frater.

    Nesse momento, não há mais registros do que se sucedeu após essa visita de Turnball ao Brasil. No entanto, sabe-se que a empresa CA-Ponte foi anunciada seis meses depois, além de um e-mail de reunião de andamento dos contratos da Cambrige Analytica, datado de 25 de janeiro de janeiro de 2017, que revela pré-acordo com quatro prefeitos brasileiros. Não há detalhes sobre as negociações. O contrato de Vizeu-Pinheiro, segundo planilha vazada, termina apenas em 19 de julho de 2017.

    Todos os métodos usados pela Cambrige Analytica foram replicados pela equipe de campanha de Jair Bolsonaro, que recebeu, inclusive, orientações de Steve Bannon. Tanto que, na primeira viagem que fez aos EUA, assim que eleito, Bolsonaro se reuniu com o estrategista de Trump. Outra evidência de interferência é que, na semana passada, o Ministério da Justiça e Segurança Pública multou o Facebook em 6,6 milhões de reais por conta do compartilhamento indevido de dados de mais de 400 mil brasileiros. No documentário Privacidade Hackeada, disponível na Netflix, a eleição de Bolsonaro é apresentada como exemplo de fraude eleitoral comandada pela empresa de análise de dados. Em uma mensagem publicada após o vazamento dos e-mails, Brittany Kaiser escreve: “Nos últimos dois anos, dei evidências a pesquisadores, jornalistas e acadêmicos para analisar o que aconteceu na Cambridge Analytica e como nossos dados foram usados ​​para influenciar democracias em todo o mundo. Em nome da divulgação dessas práticas obscuras, estou liberando documentos e e-mails na íntegra para o bem público”. Ela revela que foram, ao menos, 65 países influenciados pelas práticas criminosas da empresa.

  • A volta dos que não foram – Brasil redescobre os fascistas

    A volta dos que não foram – Brasil redescobre os fascistas

    Por Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com – especial para os Jornalistas Livres

    A mídia hegemônica e as redes sociais se espantaram essa semana ao “descobrir” que os fascistas brasileiros perderam totalmente a vergonha e resolveram mostrar suas atitudes e símbolos à luz do sol, em espaço público. Primeiro foi a retirada pela PM de uma faixa da torcida antifascista do Botafogo.

    Foto: reprodução Instagram

    Depois alguém flagrou um homem de meia idade sentado tranquilamente num bar de Unaí, Minas Gerais, com uma braçadeira de suástica nazista sobre a manga da camisa.

    Foto: reprodução Instagram

    E, finalmente, reportagem do tradicional jornal paulistano O Estado de São Paulo mostra que os Integralistas, versão brasileira do nazismo nos anos 1930, estão de volta à atividade em plena luz do dia.

    Captura de tela do site gratuito Press Reader de foto Hélvio Romero / Estadão – Fonte: https://www.pressreader.com/brazil/o-estado-de-s-paulo/20191215/283205855157928

    Para nós, que sempre fomos antifascistas e cobrimos as manifestações de rua no Brasil antes de virar modinha com as Jornadas de Junho de 2013, temos visto isso, fotografado, registrado, reportado e tentado alertar a esquerda, que infelizmente se achava invencível na política institucional e aparentemente até hoje não conseguiu se rearticular para barrar o processo de fascismo galopante que vivemos, e não somente no Brasil. 

    Barrar o fascismo é fundamental. Nem mesmo as ideologias de centro-direita, nem o liberalismo clássico podem fazer frente a um regime fascista, como explica nessa palestra em inglês o pesquisador Jason Stanley, escritor do livro Como o fascismo funciona: A política do “nós” e “eles” (um bom resumo didático em português pode ser visto no Meteoro.Doc, inclusive fazendo as referências corretas com o Brasil de Bolsonaro citado três vezes na palestra).

    Abaixo, reproduzimos na íntegra a reportagem de março de 2014 publicada originariamente no site Brasil+40 sobre a dita Marcha Com Deus e a Família Pela Liberdade, que além dos integralistas e “segurança” de supremacistas brancos, trazia TODOS os grupos e mesmo slogans em faixas que apareceriam em todas as TVs, revistas e jornais do Brasil a partir de março de 2015 na campanha pelo Golpe contra Dilma Roussef e depois no apoio a Bolsonaro.

    Não digam que não avisamos!

     

    A VOLTA DOS QUE NÃO FORAM

    Reedição da Marcha com Deus e a Família pede o retorno dos militares ao poder ignorando que a mentalidade militarista nunca deixou a polícia, os presídios ou a periferia

    Com o golpe de 2016, de fato consequiram “seu” país de volta. Essa e todas as fotos seguintes: Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com

    Quando skinheads, integralistas, fanáticos religiosos e saudosistas do regime militar conclamam nas redes sociais a população brasileira a cerrar fileiras contra um golpe comunista e/ou gaysista (acuma?), a censura na internet (Marco Civil), os perigos à liberdade de expressão (dos discursos de ódio de “jornalistas” como a Rachel Sheherazade), a vinda de guerrilheiros/escravos disfarçados de médicos (de Cuba), as urnas eletrônicas (que fraudariam as eleições que eles não conseguiram ganhar) etc, a coisa pode até parecer piada ou alucinação. Mas quando mais de mil passeiam pelo centro de São Paulo gritando esses slogans e agredindo quem se coloca contra isso, aí já é vandalismo!

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    Brincadeiras à parte, o número de pessoas que saíram de suas cavernas e detrás das telas de computador onde estão relativamente protegidas para destilar toda sua falta de informação real e preconceito infelizmente não foi insignificante, como alguns jornais publicaram. Ao contrário disso, o fato de colocarem suas “ideias” na rua, de cara limpa, com propostas absurdas mas factíveis (como sempre diz a Professora Malena Contrera, os psicopatas são perfeitamente lógicos e coerentes em sua loucura) é muito significativo do momento que o Brasil e o mundo atravessam, além de ser resultado do processo histórico que vivemos entre 1964 e 1985, e no assim chamado período da redemocratização.

    Diferente de outros países como Chile e Argentina, onde os crimes das ditaduras foram abertos por comissões da verdade e os criminosos acusados, condenados e presos, no Brasil a Lei da Anistia de 1979 (recentemente reafirmada como juridicamente válida pelo STF, apesar dos acordos internacionais em contrário assinados pelo país e da Constituição de 1988) tem garantido a impunidade e preservado a identidade de torturadores e assassinos fardados, além de seus comparsas civis.

    Manifestante traz na camiseta o símbolo do DOPS - Departamento da Ordem Política e Social, usado durante da ditadura para perseguir, torturar e matar dissidentes

    Manifestante traz na camiseta o símbolo do DOPS – Departamento da Ordem Política e Social, usado durante da ditadura para perseguir, torturar e matar dissidentes

    Depois dos períodos ditatoriais no continente, presidentes envolvidos em grandes negociatas e esquemas de corrupção nas privatizações do ciclo neoliberal no Peru, Bolívia e Venezuela também foram julgados e detidos ou estão foragidos nos Estados Unidos. Por aqui, Sarney e Collor seguem sendo eleitos para o Senado e FHC não teme ser investigado pela venda por preço irrisório da maior empresa mineradora do mundo (a Vale), nem pelo sistema telefônico nacional e muito menos pela compra de votos para sua reeleição ou a brutal desvalorização do Real no segundo mandato que derrubou a menos da metade o valor das estatais vendidas.

    O CCC nos anos 1960 e 70 era o Comando de Caça aos Comunistas. Hoje dizem querer caçar corruptos mas atribuem a corrupção apenas à comunista Dilma

    O CCC nos anos 1960 e 70 era o Comando de Caça aos Comunistas. Hoje dizem querer caçar corruptos mas atribuem a corrupção apenas à comunista Dilma

    Para quem quiser conhecer a verdadeira origem da insegurança pública, da impunidade e da falta de qualidade nos sistemas públicos de saúde e educação no Brasil, um bom começo é estudar o que há disponível de história, antes que os revisionistas mudem os fatos, da ditadura civil-militar. Sim, civil! Afinal, jamais os militares teriam tomado o poder se não fosse o dinheiro grosso investido pelos Estados Unidos e por empresários nacionais no desmonte de serviços altamente lucrativos hoje como segurança, educação e saúde.

    Religião, civis, militares, ideologia e mídia em uma única foto

    Religião, civis, militares, ideologia e mídia em uma única foto

    Do mesmo modo, a violência no campo e o inchaço das periferias certamente seriam menores se as reformas de base, como a reforma agrária, propostas pelo PTB de João Goulart em 1961, não tivessem sido abortadas pelo golpe.

    Na linha de frente da marcha à ré, os skinheads

    Na linha de frente da marcha à ré, os skinheads

    Quem empunhou as cores da bandeira nacional no último sábado 22 de Março,via de regra, são aqueles que se beneficiaram e ainda se beneficiam dos frutos de 1964, enquanto a maior parte da população padece de uma herança maldita ainda presente na impunidade cotidiana de torturadores e assassinos pagos com os impostos de todos para manter os pobres longe da velha classe média e garantir o direito à propriedade de grandes latifundiários e especuladores, mesmo que sejam escravistas ou grileiros.

    Um dos únicos detidos na marcha. A polícia não informou o motivo.

    Um dos únicos detidos na marcha. A polícia não informou o motivo.

    Afinal, quem são os heróis, saudados aos gritos nas ruas, numa corporação militar que matou 111 presos em 1992, assassinou mais de 600 em 48 horas nas periferias em 2006, desalojou com bombas 1.600 famílias no Pinheirinho em 2012 e agrediu e deteve de forma totalmente ilegal mais de 800 manifestantes e jornalistas entre junho de 2013 e março de 2014, pra falar só de São Paulo? Pior, o que cada uma dessas ações recentes resultou em termos de melhorias na segurança, educação ou saúde?

    Segurança reforçada "do nosso lado" , como dizia o panfleto de convocação da marcha.

    Segurança reforçada “do nosso lado” , como dizia o panfleto de convocação da marcha.

    Prós versus Contras

    Importante lembrar, contudo, que protestos civis questionando o atual modelo de democracia representativa refém dos grandes capitais, como temos visto desde junho passado, não são exclusividade do Brasil. Mas, distintamente dos que pregam maior repressão aos movimentos populares, os jovens nas ruas de todo o mundo ainda não conseguem apontar um caminho para a sociedade e o resultado final é a participação cada vez menor nos processos eleitorais. Não é à toa que os reacionários, sem número para se contrapor à maioria da população, bombardeiam os programas sociais ao mesmo tempo em que pedem o fim do voto obrigatório. Na Espanha dos “indignados”, onde mais de um milhão foram às ruas contra as medidas de austeridade no último fim de semana, os franquistas voltaram ao poder há dois anos também por causa de uma abstenção recorde de 46%. Na Grécia, os neonazistas não ganharam por pouco (diferente dos adeptos ucranianos que tomaram o poder à força e com apoio estadunidense) e na França o partido de extrema-direita acaba de ganhar as eleições municipais no mesmo esquema de poucos votos, falta de organização e desânimo das esquerdas.

    Se Deus foi, não dá pra dizer, mas representantes da igreja, com certeza

    Se Deus foi, não dá pra dizer, mas representantes da igreja, com certeza

    Por aqui, tirando vitórias pontuais de movimentos específicos, como o MPL que conseguiu barrar o aumento das tarifas de transporte em várias cidades, a maior parte dos protestos mais à esquerda não trazem propostas afirmativas, apenas negativas. A própria manifestação de contraponto à Marcha de sábado trazia o título de ANTIfascista e apesar de reunir mais gente teve, obviamente, repercussão menor. Da mesma forma, o movimento mais forte nas ruas esse ano traz em destaque a expressão NÃO vai ter Copa. A outra parte do slogan (sem direitos) quase não aparece. Uma pergunta simples, pragmaticamente falando, o que tem mais chance de se concretizar no curto prazo: a redução da maioridade penal ou o cancelamento da Copa do Mundo?

    Civis e militares juntos por uma nova intervenção "constitucional"

    Civis e militares juntos por uma nova intervenção “constitucional”

    Fundamental ressaltar, também, que é muito mais fácil criminalizar manifestantes mascarados, especialmente os adeptos da tática Black Bloc, e acusá-los na mídia de extrema violência (ainda mais depois da morte do jornalista Santiago Ilídio Andrade no Rio de Janeiro) do que apontar, dentro da PM e dos governos, os responsáveis pelas agressões a pessoas (e não a vidraças), mutilações e mortes na brutal repressão às manifestações. Não podemos esquecer, por exemplo, que NINGUÉM está respondendo processo pela perda do olho do fotógrafo Sérgio Silva em 13 de junho de 2013, enquanto a morte de Santiago foi esclarecida em menos de uma semana.

    A campanha contra o Marco Civil da Internet, chamada de censura pelos manifestantes, não conseguiu impedir sua aprovação na Câmara

    A campanha contra o Marco Civil da Internet, chamada de censura pelos manifestantes, não conseguiu impedir sua aprovação na Câmara

    Se queremos um avanço real na sociedade e não a volta da ditadura, devemos olhar com atenção quais táticas trazem resultados de fato, quais nos levam a ficarmos reféns da violência para conseguir visibilidade e o que significa essa armadilha. É preciso observar a ação dos grupos que conseguem passar sua visão de mundo nos meios de comunicação em massa, inclusive os reacionários, quem os apóia e quais os interesses não revelados por trás deles. Temos de desconfiar da cobertura da grande imprensa, mas criar formas de diálogo e de influenciar e influir nos seus fluxos. E, finalmente, temos de desenvolver as alternativas factíveis para os modelos atuais que sejam mais democráticos e justos para o conjunto da população e especialmente os mais vulneráveis e historicamente prejudicados. A rua é de todos que têm coragem de ocupá-las. Mas as vitórias políticas são de quem tem plano e estratégia para conquistá-las.

    A população realmente marginalizada não tava nem aí pra marcha

    A população realmente marginalizada não tava nem aí pra marcha

  • Evo, amigo, o mundo está contigo!

    Evo, amigo, o mundo está contigo!

    Grande ato de solidariedade ao povo boliviano, vítima de um golpe de Estado que derrubou o presidente legitimamente eleito Evo Morales. A oposição não aceitou o resultado das urnas e junto às forças armadas orquestrou o golpe de Estado que após pressões e manifestações violentas levou à renúncia do ex presidente. Somos contra o golpe na Bolívia e contra o imperialismo!

    Texto: Bia Borges/UNE
    Fotos: Karla Boughoff

  • Sobre o golpe na Bolívia

    Sobre o golpe na Bolívia

    No início de 1952, a Bolívia vivia uma grave crise eleitoral, que resultou na subida ao poder de uma junta militar. Em abril daquele ano uma convulsão social varreu o país, em um processo revolucionário de caráter nacionalista, uma verdadeira revolta popular que levou ao poder, Victor Paz Estenssoro, que havia sido o candidato vencedor das eleições, de perfil reformista, e líder do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário). Mineiros e camponeses aliados a militares nacionalistas formaram a força motriz desse movimento. O exercito foi totalmente derrotado. Foram criadas por todo o país milícias populares formadas por sindicatos, que assumiram o poder de policia nas ruas. A partir daquele momento, a Bolívia passou por um amplo processo de modernização e valorização da classe trabalhadora, com nacionalização das principais minas e aplicação da reforma agrária. Esse processo de reformas nacionalistas durou até 1964, quando ocorreu um golpe liderado pelo general René Barrientos, que era vice na chapa do próprio Estenssoro e que contou com o apoio do Governo dos EUA, dando início a um grande retrocesso social.

    Em 1953, ainda no período inicial da revolução, viajava pela Bolívia um jovem aventureiro, de nome Ernesto Guevara de La Senra, que aos 24 anos ficou empolgado com o processo social que ali ocorria. Hoje o mundo fica estarrecido com a ocorrência na Bolívia do mais violento golpe militar do século XXI, disfarçado de “renuncia do presidente”.

    Não houve pressão popular pela renuncia. O que houve foram hordas fascistas armadas, alimentadas por policiais, mercenários e integrantes de falsas igrejas evangélicas, todos previamente acertados com as FFAA, que se “fingiu de morta” e nada fez para impedir a barbárie, passando a falsa impressão de que não houve participação militar. Houve sim, por omissão. A posição das FFAA foi decisiva para a consolidação do golpe.

    Por trás desse golpe militar, travestido de renuncia, está a não aceitação, pela burguesia branca boliviana, do poder nas mãos de um nativo originário, um “colla” que representa a maioria da população, além dos interesses imperialistas de olho no lítio, mineral utilizado na produção de baterias pelas indústrias de alta tecnologia. Hoje, seu celular e os de todos, funciona com baterias de lítio e seu futuro carro elétrico será movido por ele também. O lítio é hoje, estrategicamente, mais importante do que o petróleo. A Bolívia tem a maior reserva de lítio do mundo, praticamente inexplorada, equivalente a metade da que existe no planeta. Morales optou pela extração e industrialização do litio por empresas nacionais, e chegou há poucas semanas atrás, a lançar um veiculo elétrico totalmente produzido na Bolívia.

    De nada valeram os excelentes índices de crescimento da economia boliviana, os melhores da America Latina, que conforme projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgada em outubro/19, sinalizam um avanço de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), isso além de uma média de 5% de crescimento na ultima década.

    Está claro que assim como produziram um golpe no Brasil para se apoderarem das imensas reservas de petróleo localizadas no Pré Sal, também na Bolívia, a questão eleitoral foi apenas um pretexto para mais essa tragédia latina.

    Não houve renúncia, houve golpe.

    – Por Sérgio Prata

  • Golpe é Golpe e renúncia não é covardia

    Golpe é Golpe e renúncia não é covardia

    Ontem tivemos o texto de um importante historiador e intelectual de esquerda chamando de covardes Evo Morales e outros líderes históricos da esquerda e centro-esquerda que renunciaram a seus legítimos mandatos populares diante de pressões golpistas. É fato que depois ele escreveu um novo texto se reposicionando, mas ainda assim questionando “a quem foi útil?” a renúncia de Evo. Discordamos totalmente dessa linha de pensamento! E temos de levar em conta, ainda, que se trata de um novo tipo de golpe na América Latina ao contar, também, com forças milicianas e fanáticos fundamentalistas neopentecostais que acreditam num perversão total da mensagem cristã para justificar a tortura e morte de inimigos políticos, como se Cristo não tivesse sido torturado e morto por motivos políticos. A análise desse novo tipo de golpe, contudo, merece outro texto.

    Nas ruas de Assunção, havia a possibilidade de resistência – foto: www.mediaquatro.com

    Sobre a escolha de Evo, estivemos no Paraguai em 2012 e havia uma possibilidade real de resistência de Fernando Lugo perante o golpe disfarçado de impeachment relâmpago. No entanto, os telhados em volta da principal praça da cidade estavam repletos de militares armados. Naquele mesmo local houve um massacre num golpe anterior. Qualquer palavra errada dele levaria a um banho de sangue imediato. Em 1964 tínhamos uma frota de navios de guerra estadunidenses estacionada bem próximo do litoral. No Chile em 1972 o palácio do governo, La Moneda, foi efetivamente bombardeado e o presidente Salvador Allende se matou pra não ser torturado e humilhado em praça pública. Na Bolívia, além da prefeita quase linchada, temos notícia das casas de dois governadores, da irmã do Evo e do reitor da universidade incendiadas.

    Quanto sangue de civis desarmados vale a resistência de um governante? – foto: www.mediaquatro.com – Paraguai 2012

    Qual o preço, em sangue, merece ser pago pela resistência armada? Podemos até não concordar com a renúncia ao cargo, como aconteceu com Evo, ou à luta como aconteceu com Jango, mas NUNCA podemos chamá-los de covardes. Tem de ter coragem, e muita, para aceitar quando a batalha está perdida e não botar inutilmente pilhas de cadáveres em sua biografia.

    Veja Aqui nossa matéria sobre o golpe no Paraguai em 2012

    Veja Aqui o novo texto intelectual citado no primeiro parágrafo se reposicionando e Aqui o texto original, ambos em sua coluna no site Brasil247

  • O golpe na Bolívia é racista, religioso e ultraconservador e pode assanhar as milícias evangélicas no Brasil

    O golpe na Bolívia é racista, religioso e ultraconservador e pode assanhar as milícias evangélicas no Brasil

    Por Yuri Silva*, do Mídia 4P

    O golpe de Estado a que foi submetido o povo boliviano, por meio da pressão das Forças Armadas para que o presidente Evo Morales e seu alto escalão renunciasse ao governo, expõe o avanço acelerado das milícias religiosas conservadores na América Latina e o racismo delas contra os povos originários indígenas e os negros latinos.

    Qualquer paralelo com o momento vivido atualmente no Brasil, com ataques a templos de religiões de matriz africana e perseguição aos povos indígenas que vem tendo seus espaços de culto incendiados e seus direitos sociais vilipendiados, não é mera coincidência. Trata-se de uma ação articulada, e em violenta escalada, em todo o continente.

    As cenas que se sucederam no roteiro de consumação do golpe militar na Bolívia — que ainda está em curso até o momento em que ficará mais nítido quem será o ditador a ocupar o comando do país — apontam que o ódio aos povos andinos é o combustível que faz mover a deposição de Evo.

    Além da imagem aberrante do opositor Fernando Camacho, líder da extrema-direita, de joelhos defronte a uma bíblia dentro do Palácio de Governo, relatos e vídeos publicados ainda dão conta de atos de incêndio contra a bandeira Whipala, símbolo das nações originárias, os quíchuas e os aimarás, para os quais tal representação é a expressão do pensamento filosófico andino.

    O golpe, que tenta se justificar com base em ilações de fraudes no percentual da vantagem obtida por Morales no primeiro turno das eleições bolivianas, é edificado, contudo, nesse sentimento de fundamentalismo religioso, de destruição de tradições e de “conversão” de todo um povo.

    A ultradireita – que fortalece-se em todo mundo, vide o resultado das eleições espanholas deste final de semana com um crescimento enorme do ultraconservador Vox nas urnas – segue em marcha para dar respostas às recentes vitórias das forças de esquerda, como triunfo do kichnerismo e do lulismo na Argentina e no Brasil e a revolta do povo chileno nas ruas.

    As Forças Armadas da Bolívia, prontamente apoiadas pelo governo Bolsonaro e pelos generais que compõem as fileiras do bolsonarismo (atual instrumento de atuação da ultradireita brasileira), iniciaram logo cedo a perseguição aos governistas, com prisões, violência, saques e ameaças veladas. Também estão, até a finalização desse texto, em perseguição a Evo, que tenta chegar até o México para receber lá asilo político.

    Situação grave? Imaginemos, então, que o Brasil, possuidor das mesmas características de avanço do conservadorismo evangélico neopentecostal, e com a assunção a passos largos de um Estado miliciano, já tem tido que lidar com declarações dos filhos do presidente Jair Bolsonaro a favor de “um novo AI-5”.

    Os fatos que se desenrolam na vizinhança atestam que tais discursos não são desarticulados. E geram uma reflexão importante de se responder: O que será de nós caso a tendência que emerge de forma concreta da Bolívia consolide-se também por aqui?

    A aliança conservadora-religiosa-paramilitar já está formada e em atuação no Brasil, infestando a estrutura do Estado e vencendo algumas batalhas todos os dias.

    Sem mostrar-se com nitidez, e ainda às sombras do patrimonialismo que domina o Brasil, essa coalizão ultraconservadora já foi capaz de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, de destruir templos de candomblé e umbanda na Baixada Fluminense numa combinação igreja-tráfico, de incentivar a morte da população LGBTQI+, de pregar a catequização violenta dos povos indígenas em pleno ano de 2019, de defenestrar o direito dos quilombolas ao território, de apostar nas queimadas na Amazônia, por meio do qual ataca os povos tradicionais da floresta, entre outros golpes diários.

    Resta saber qual impacto o avanço de um grupo golpista de características idênticas na Bolívia terá sobre a nossa conjuntura política.

    Terão coragem de escancarar ainda mais a disposição que possuem para o golpismo, o autoritarismo e o genocídio? Sairão definitivamente do armário em que tentam se esconder mesmo com a porta entreaberta?

    É difícil saber, mas sem dúvida o incentivo à radicalização ultraconservadora nunca foi tão excitante para os cães que entram no cio ao menor sinal de coturnos por perto.

     

    *Yuri Silva é jornalista formado pelo Centro Universitário Jorge Amado – Unijorge, coordenador nacional do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e membro do Conselho Editorial 4P. Foi repórter de Cidade, Política, Economia e outras editorias no jornal A Tarde durante quatro anos e meio, especializando-se na cobertura de temas relacionados à pauta negra e das religiões afro-brasileiras. Também trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo, o Estadão, como correspondente na Bahia durante as eleições presidenciais e estaduais de 2018. Atualmente, atua como consultor na área de comunicação política, para meios digital e offline, além da paixão que mantém pela reportagem