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  • Funai corta cestas básicas a índios do MS

    Funai corta cestas básicas a índios do MS

     

     

    O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Fundação Nacional do Índio (Funai) e à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a continuidade da entrega de cestas de alimentos aos indígenas que vivem em terras ainda não demarcadas no sul do estado, na região de Dourados e Ponta Porã (MS). A Conab deverá quinzenalmente informar ao MPF dados referentes à entrega das cestas e famílias beneficiadas. A recomendação foi expedida em 27 de janeiro. O prazo para resposta é de 48h, contado a partir da data do recebimento. Caso não haja resposta, o MPF adotará as medidas administrativas e ações judiciais cabíveis contra Funai e Conab.

    As recomendações também foram enviadas para o Ministério da Justiça, solicitando que o órgão coordene a resposta às mesmas, e assuma seu papel de supervisão ministerial, previsto no decreto  nº 200, de 25/02/1967.

    “Funai se beneficia da própria torpeza”

    No início de 2020, obedecendo a um despacho da direção da Funai em Brasília, foi interrompida a distribuição de cestas de alimentos para as famílias indígenas residentes em terras não demarcadas em Mato Grosso do Sul. O documento alega não ser de responsabilidade da Funai a aquisição e distribuição de cestas às comunidades indígenas, nem existir orçamento para o deslocamento dos servidores que acompanham os caminhões da Conab na entrega dos alimentos.

    Uma decisão liminar da Justiça Federal, do final de 2017, em ação ajuizada pelo MPF, já havia determinado que o Estado de Mato Grosso do Sul se encarregasse de cadastrar e distribuir cestas de alimentos para as famílias indígenas de áreas regularizadas, enquanto a União deveria se responsabilizar pelas famílias em áreas de retomada e acampamentos não regularizados. A Funai alega que a responsabilidade descrita na liminar é da União, e não da autarquia, embora esta faça parte da União.

    Para o MPF, ao afirmar que as cestas de alimentos não podem ser entregues em áreas indígenas ainda não demarcadas, a Funai “estaria se beneficiando da própria torpeza”, uma vez que a não demarcação dessas terras indígenas foi ocasionada pela demora da própria autarquia em atuar dentro das suas funções legais. De fato, a Funai ainda não finalizou os procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Em 2007, chegou a assinar junto ao MPF um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), onde se comprometia a agilizar a regularização das áreas reivindicadas pelos indígenas. Pouco avançou desde então.

    O MPF constatou, em uma inspeção na Conab na última semana de janeiro, que alguns produtos da cesta básica destinada aos indígenas têm apenas três meses de validade. O perecimento destes produtos pode caracterizar improbidade administrativa por parte dos gestores. As últimas ações de distribuição de cestas básicas nas comunidades indígenas de MS, e que não foram cumpridas, estavam programadas para os dias 21 a 23/01 e 28 a 30/01.

    Mato Grosso do Sul concentra a segunda maior população indígena do país, com cerca de 70 mil pessoas. A maior etnia, guarani-kaiowá e guarani-ñandeva, ocupa majoritariamente o sul do estado. Esta região concentra os maiores conflitos por terra, o que faz com que as comunidades vivam em acampamentos na beira das estradas e em áreas de retomadas dentro de fazendas, legalizadas por decisões judiciais.

    Clique aqui para ler a recomendação para a Funai e aqui para a recomendação para a Conab.

    Assessoria de Comunicação Social
    Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul
    (67) 3312-7265 / 7283

  • Nota do Conselho Indigenista Missionário – CIMI

    Nota do Conselho Indigenista Missionário – CIMI

    Com política inconstitucional, Governo Bolsonaro pode provocar etnocídio e genocídio de povos isolados e de recente contato no Brasil. O Conselho Indigenista Missionário – Cimi manifesta grave preocupação e repudia veementemente as recentes iniciativas do Governo Bolsonaro que afrontam a Constituição Brasileira e a política sobre povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil.

    O governo Bolsonaro dá evidentes sinais de abando à perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos (CF Art. 231), para uma orientação neocolonialista e etnocida, de atração e contato forçados, com o uso do fundamentalismo religioso como instrumento para liberar os territórios destes povos à exploração por grandes fazendeiros e mineradores.

    Ao adotar este direcionamento, o governo Bolsonaro e os grupos econômicos e ‘investidores’ beneficiários desta política assumem, conjuntamente, a responsabilidade pelo potencial e iminente genocídio e etnocídio de povos indígenas no Brasil.

    O Cimi também repudia as agressões verbais do presidente Bolsonaro à entidade, demonstração de completo despreparo e desequilíbrio emocional do mesmo, que servem de incentivo às ameaças e violências contra membros da organização que atuam junto aos povos em todas as regiões do Brasil. Mesmo diante dessas intimidações, o Cimi reafirma o compromisso inarredável e solidário com a vida, os direitos e os projetos de futuro dos povos originários do Brasil.

    Brasília, 31 de janeiro de 2020
    Conselho Indigenista Missionário

  • Bolsonaro perde no STF por unanimidade,  e demarcação de terras indígenas continua na FUNAI

    Bolsonaro perde no STF por unanimidade, e demarcação de terras indígenas continua na FUNAI

    Na tarde desta quinta feira, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter na Funai (Fundação Nacional do Índio) a atribuição para demarcar terras indígenas. No mês passado, o relator, Luís Roberto Barroso, se colocou contrário às medidas provisórias de Bolsonaro,  que transferiam as demarcações para o Ministério da Agricultura. A decisão de Barroso foi referendada por unanimidade pelos demais nove ministros do STF.

    “O comportamento do atual presidente da República, revelado na reedição de medida provisória clara e expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional, traduz uma clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal e representa inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de Poderes” (Celso de Mello, ministro do STF)

  • Massacre sem fim

    Massacre sem fim

    Lançada nesta terça-feira (11) a plataforma Cartografia dos Ataques Contra o Povo Indígena (CACI) registrou 60 assassinatos de indígenas, entre 1985 e 2015, no Amazonas. O projeto foi desenvolvido pela Fundação Rosa Luxemburgo, em parceria com Armazém Memória e InfoAmazonia.

    No mapeamento, destaca-se o massacre de 14 indígenas no Vale do Javari, terra indígena regulamentada e localizada no sudoeste do Amazonas, que abrange os municípios de Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Jutaí e São Paulo de Olivença e ocupada pelos povos Kulina Páno, Matis e Matses. De acordo com o estudo, 13 das vítimas (entre adultos, adolescentes e crianças) foram assassinadas na mesma ocasião, em 1989. Relato de um sobrevivente dá conta de que as crianças brincavam na área da aldeia quando os acusados, um madeireiro e 20 homens a ele subordinados, começaram a atirar. Aos indígenas só restou correr.

    Em 1993, na terra indígena Kulina do Médio Juruá – municípios de Eirunepé, Ipixuna, Envira (AM) e Tarauacá (AC) –, Saulo de Souza Cunha foi assassinado por enforcamento como resultado de uma vingança. José Thomé foi morto a pauladas, em 1996, na área do Caititu, no município de Lábrea, no sul do estado. Ainda foi aberto um inquérito policial para apurar o caso, mas a investigação não foi adiante por falta de provas. Em ambos os casos, o acusado é não indígena.

    Dos casos mais recentes, uma adolescente Tikuna, de identidade desconhecida, estuprada e espancada até a morte, em 2014, na terra indígena Évare I, município de São Paulo de Olivença. Um dos acusados foi preso.

    Estes e outras centenas de casos foram registrados nos relatórios A violência contra os povos indígenas no Brasil, 1994 e 1996 e entre 2003 e 2015, elaborados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e Conflitos no Campo, publicados entre 1985 e 2015, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), utilizados como base do projeto.

    Foto: Andrés Pascal.

    “Não é um levantamento completo. Infelizmente, o número de assassinatos no período é muito maior do que os registrados pelas duas organizações. Mas trata-se de uma base sólida que, por si só, é um registro histórico que pode servir como ponto de partida para pesquisas e análises aprofundadas”, explica Daniel Santini, coordenador de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo, no texto de apresentação da plataforma.

    De acordo com Santini, “é a primeira vez que as informações foram sistematizadas e georreferenciadas em uma visualização que permite olhar os casos em sua dimensão territorial”. A plataforma mapeou e sistematizou dados de 947 casos em todo o Brasil e se apresenta como um “primeiro passo em uma tentativa de mobilizar um grupo de atores para reunir, sistematizar e visibilizar informações sobre assassinatos de indígenas, tema que nem sempre ganha a atenção que merece”, enfatiza.

    Num país que massacra os indígenas, o registro e a divulgação de casos como estes é crucial para manter viva a luta por dias melhores e mais justos com nossos povos nativos e não se deixar esquecer apesar da “dor”, representada em Guarany pela palavra Caci.

  • II Feira Mebengokré de Sementes Tradicionais reúne indígenas de mais de 30 aldeias

    II Feira Mebengokré de Sementes Tradicionais reúne indígenas de mais de 30 aldeias

    De 12 a 16 de setembro, a Associação Floresta Protegida realizou a II Feira Mebengokré de Sementes Tradicionais, na Aldeia Moikarakô, próxima ao município de São Félix do Xingu (PA). Participaram indígenas do povo Mebengokré (Kayapó) de 25 aldeias do Pará e do Mato Grosso, 48 Krahô vindos de sete aldeias do Tocantins e cerca de 50 nãoindígenas convidados. Mais de 50 variedades diferentes de sementes foram apresentadas. Uma ação fortalecida pelas mesas redondas realizadas com temas ligados à recuperação de sementes tradicionais e ao fortalecimento da autonomia indígena por meio da valorização dos sistemas produtivos tradicionais. Discussões sobre políticas públicas e programas de incentivo à produção agrícola e à gestão territorial e ambiental, além de outras pautas ligadas à causa indígena, geraram uma carta-aberta que nos próximos dias será direcionada ao Poder Executivo, o que também foi feito na primeira edição da Feira, em 2012.

    Foto: Kamlkia Klsedje

    Entre as pautas da carta, elaborada em conjunto por todas as lideranças indígenas presentes, estão a a PEC 215, o marco temporal, o Pronara (Programa Nacional para Redução do Uso de Agrotóxicos), a PL 13.123 e a luta do povo Guarani Kaiowá “e a de todos os demais parentes que sofrem de forma mais violenta com a opressão do grande poder econômico sobre suas Terras e recursos, com a participação, conivência ou omissão dos três poderes da República”.

    O cacique Raoni, grande liderança indígena, agregou a todas as discussões palavras de encorajamento à luta e à preservação da cultura e das terras Kayapó. “Quando eu for, qual é o guerreiro que vai continuar no meu lugar?”, questionou na primeira noite. Em coro, os jovens que escutavam bradaram positivamente e levantaram as mãos em sinal de apoio. “Eu e Raoni nos encontramos e conversamos sobre a preservação dos territórios de todos os povos indígenas, pensando em nossos netos”, diz o cacique Getúlio Krahô. “Tudo o que vem do não-indígena está envenenado com agrotóxicos. O que vem da nossa roça é natural, faz bem para a saúde. Jovens têm que cuidar pra não perder”.

    Fotos: Simone Glovine.

    Estiveram presentes representantes de instituições como Embrapa, Imaflora, Funai, Sesai e ANA (Articulação Nacional de Agroecologia), que contribuíram com a troca de sementes, realizada na quarta-feira, 14 de setembro. “A troca é o coração da Feira. Um momento de extrema confraternização por meio da maior tecnologia indígena: a semente”, explica Terezinha Dias, pesquisadora da Embrapa. “A feira permite que os agricultores acessem sementes que vão reforçar seus sistemas, gerar experimentações e fortalecer o orgulho da herança tradicional”.

    A Feira também representou o encontro entre os parentes em celebração e afirmação à cultura indígena, com apresentações diárias de danças e cantos tradicionais, nas quais o sentimento de uno prevalece. A profusão de cores e sons, as batidas ritmadas dos pés no chão de terra, as palmas, o coro dos cantos, os braços dados, as coreografias ancestrais, as pinturas corporais, o artesanato, a alegria e a força dos guerreiros e guerreiras marcaram os cinco dias de evento, assim como a receptividade calorosa dos anfitriões de Moikarakô.

    Os parentes Krahô, precursores na realização das feiras de sementes e convidados especiais dos Mebengokré – que este ano optaram por fortalecer o movimento interno de conservação e produção sustentável entre as aldeias da T.I. Kayapó – apresentaram cantos durante os metoros (festas) e na madrugada e organizaram sua tradicional corrida de tora, que reuniu indígenas e não-indígenas na competição. Para registro de todos os momentos da Feira, uma equipe audiovisual foi montada com cineastas e fotógrafos indígenas dos povos Mebengokré, Krahô e Kisedje. Fotos e vídeos serão publicados nas próximas semanas nas redes sociais da Associação Floresta Protegida e no blog sementeskayapo@blogspot.com.br.

    Fotos: Kamlkia Klsedje.

    II Carta Aberta de Mojkarakô

     

    Nós, 81 lideranças de 25 aldeias dos povos Mẽbêngôkre/Kayapó, Krahô e Kisedje, reunidos por ocasião da II Feira Mebengokré de Sementes Tradicionais, ocorrida na aldeia Mojkarakô, Terra Indígena Kayapó, entre os dias 12 a 16 de setembro de 2016, viemos manifestar o que se segue.

     Somos os primeiros donos desta terra que chamam Brasil e até hoje continuamos a preservar nossas matas, nossos rios, nossas sementes e nossa cultura;

     A Constituição de 1988 assegurou nossos direitos e não vamos aceitar que retirem nenhum deles;  Afirmamos mais uma vez que somos contra a PEC 215;

     Somos contra o PL 1610, que foi feito por um grande inimigo dos indígenas para autorizar mineração em nossos territórios;

     Somos contra o PL 13.123, que autoriza a biopirataria de nossos recursos naturais e conhecimentos;

     Não aceitamos o “marco temporal” como critério para a demarcação de Terras Indígenas;

     Nos solidarizamos à luta do Povo Guarani Kaiowá e a de todos os demais parentes que sofrem de forma mais violenta com a opressão do grande poder econômico sobre suas Terras e recursos, com a participação, conivência ou omissão dos três poderes da República;

     Exigimos a imediata instituição do Programa Nacional para a Redução do Uso de Agrotóxicos (PRONARA);

     Exigimos que sejam urgentemente implantadas faixas de proteção ambiental no entorno de Terras Indígenas, proibindo o uso de transgênicos e a pulverização de agrotóxicos;

     Solicitamos que o PLANAPO – Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica fortaleça o diálogo com os povos indígenas e incorpore mais ações para a promoção da soberania alimentar e nutricional, a conservação de sementes tradicionais e a geração de renda;

     Que seja garantido aos produtos da Sociobiodiversidade a isenção de impostos;

     Não aceitamos o projeto do MATOPIBA, que só favorece o grande produtor;

     Desde a chegada do branco, nossas terras nunca deixaram de ser invadidas. Mas nós não temos medo e não vamos parar de lutar;

     Exigimos uma cadeira para uma liderança Kayapó no Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI, responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas. E que este órgão colegiado não seja de caráter consultivo, mas sim deliberativo;

     Exigimos ser escutados em todos os projetos de lei que nos afetem e que nossas opiniões sejam respeitadas;

     Estamos atentos ao momento político conturbado pelo qual passa o Brasil, acompanhando de perto todos os atos deste novo governo que assumiu o país sem ter sido eleito pelo Povo. Exigimos desde já uma porta de diálogo aberta com os Povos Indígenas. Iremos à Brasília conversar com o novo Governo, e queremos ser recebidos, escutados e respeitados;

     Por fim, esperamos que a sociedade brasileira, inclusive aqueles que nos têm atacado reiteradamente, perceba a contribuição fundamental que os povos indígenas representam para as presentes e futuras gerações, para a qualidade do ar que respiramos e da água que bebemos, e que possamos conviver de forma pacífica e respeitosa, e trabalhar juntos por um Brasil e um mundo melhor.

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  • “A terra é para todos. Nenhum de vocês deve ter ciúme da terra”

     

    A data de reintegração de posse da aldeia Guarani de Itakupe, no Jaraguá, já está marcada: acontecerá entre 25 e 29 de maio se não houver decisão de suspensão da liminar cujo recurso tramita no Supremo Tribunal Federal ou assinatura do ministro Eduardo Cardozo na portaria que dá prosseguimento à demarcação das terras.

    Do lado de fora do 49 Batalhão da Polícia Militar de Vila Clarice, na região noroeste de São Paulo, um círculo de Guarani Mbya se forma. Começam a cantar ao som de violão e viola.

    Eles estão rezando. A Nhanderú, o “Deus Verdadeiro”, aquele que disse: “A terra é para todos. Nenhum de vocês deve ter ciúme da terra”. A fumaça dos petengua, o cachimbo tradicional, faz parte do ritual. Estão rezando porque lá dentro, em uma sala do batalhão, seus líderes estão reunidos com advogados, oficial de justiça, representantes da PM e com o homem que alega ser dono das terras onde eles vivem e plantam. É o ex-prefeito de São Bernardo do Campo, Antonio Tito Costa, que chegou acompanhado de dois filhos. Está lá também o secretário dos Direitos Humanos de São Paulo, Eduardo Suplicy.

    Enquanto os Guarani cantam, ouve-se das matas que cercam o batalhão o grito dos PMs que participam de um treinamento ali perto. Geni, sentada na grama aperta as mãos nervosa: “São meus filhos que estão aqui lutando ao lado do avô (o Cacique Ari) para não tirarem a nossa terra”. Ao lado dela, Richard, de apenas 12 anos, acompanha tudo com ar tranquilo. Mas só na aparência. Na primeira reunião realizada no Batalhão há duas semanas, era ele que esperava na aldeia e que perguntava ansioso: “Quando a PM vai vir tirar a gente daqui?”. Richard e Geni, para que fique bem claro, são seus “apelidos” em português. Todos os Guarani Mbya do Jaraguá tem seus nomes na cultura original, mas adotam os “apelidos” para facilitar a convivência com os “juruá”, como são chamados os não-indios.

    Hoje veio a resposta para a pergunta de Richard. Os PMS irão a Itakupe — que para Antonio Tito Costa chama-se Gleba Jaraguá — entre 25 e 29 de maio para executar a ordem de reintegração de posse. O resultado da reunião desta terça-feira só muda se houver suspensão da liminar que autorizou a reintegração e a decisão para tanto está nas mãos do Ministro Ricardo Lewandowiski no Supremo Tribunal Federal. O resultado também muda se o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, assinar a portaria declaratória que dá prosseguimento à demarcação dos 532 hectares reconhecidos pela Funai como Terra Indígena (TI) tradicional dos guarani, fundamentada em um estudo de 10 mil páginas divulgado em 2013 depois de 11 anos de estudos. A “Gleba Jaraguá” , que inclui a área de moradias e plantação em Itakupe, se constitui de 72 hectares dentro da TI.

    Todos os Guarani, e não só os do Jaraguá, dizem que vão resistir à retomada das terras se a reintegração de fato acontecer. “Somos dois mil Guarani Mbya em São Paulo e vamos resistir”, diz David Martim, um dos líderes, ao sair da reunião. Enquanto David fala, Antonio Tito Costa vai saindo pela lateral, mas é parado pelos jornalistas. Repete o que disse na reunião anterior, que não pretende construir “condomínio de luxo” na região, que está fazendo estudos sobre o que fazer com as terras, talvez uma plantação de eucaliptos (um de seus filhos já é dono de uma empresa de cultivo de eucaliptos em Torrinha, cidade natal de Tito Costa, no interior paulista). “Mas os eucaliptos secam as nascentes e deixam as matas sem vida”, diz o ativista Adriano Sampaio. “Não vou ficar aqui discutindo com vocês”, diz Tito Costa, já de saída.

    Eduardo Suplicy também sai para dar entrevista e diz que esteve tanto na aldeia conversando com o Cacique Ari quanto na casa de Antonio Tito Costa, buscando um entendimento. Disse que está em conversas com o ministro Eduardo Cardozo, procurando uma solução.

    A questão é que o tempo é curto. Os Guarani tem apoio de seus parentes de outras aldeias. E de um grupo de juruás também. Mas as vozes precisam crescer. Não só no Jaraguá, mas em todas as terras habitadas pelas diversas etnias indígenas brasileiras, os juruás parecem dar pouca atenção aos gritos de socorro que vêm das aldeias. Onde se perdem terras, onde se perdem vidas, onde se perde a saúde, onde o preconceito, a violência e a intimidação imperam. Essa pouca atenção faz pensar na frase que o ex-presidente Jânio Quadros teria dito ao indigenista Orlando Villas Boas, cena que aparece no filme Xingu, de Cao Hamburguer: “No Brasil ninguém gosta de índio”.

    No mesmo filme, um capanga diz a Orlando que “branco que ajuda índio é ‘pior’ que índio”. É essa a sensação de quem procura apoiar os Guarani e encontra pouco eco dos outros “juruás”. Somos ‘pior’ que índio, somos os ecochatos, somos os ‘assistencialistas’. Não são muitos que vêm valor naqueles que se preocupam com a sobrevivência das tantas culturas indígenas assim como com o futuro do pouco que resta da nossa Mata Atlântica, ameaçado de virar um deserto de eucaliptos.

    Atualmente existem três aldeias da etnia Guarani Mbya no bairro do Jaraguá. São elas Tekoa Ytu, Tekoa Pyau e Tekoa Itakupe. Apenas uma delas, Ytu, foi demarcada até hoje, com 1,7 hectare: trata-se da menor área demarcada em todo o país. Nas demais, pesam sobre os Guarani processos que podem leva-los a perder as terras. Tekoa Itakupe é o único local que a comunidade de 800 pessoas tem para plantação de subsistência e para água limpa. Isso porque nas demais aldeias, já em área urbanizada, falta saneamento básico, os córregos estão poluídos e o abastecimento de água tem sido interrompido com frequência. Essa situação tem levado a inúmeros problemas de saúde, especialmente entre as crianças, que sofrem de desidratação e desinteria.

    Tito Costa, de 92 anos, alega que a chamada “Gleba Jaraguá” seria sua por herança de sua falecida esposa, Léa Nunes Costa. Esta, por sua vez seria dona do local em condomínio com outras pessoas, todas já falecidas. Apesar da “propriedade” coletiva, o juízo da 10 Vara Federal de SP aceitou que Tito Costa movesse sozinho a ação contra os Guarani e autorizou em medida liminar a reintegração de posse.

    As informações disponíveis sobre Tito Costa dão conta de que ele nasceu em 31 de dezembro de 1922 na cidade de Torrinha, que ironicamente faz parte da chamada Chapada Guarani, no interior de São Paulo e que ele teria cursado o seminário por três anos antes de se mudar para a capital paulista. Formou-se em Direito na Faculdade do Largo São Francisco, USP, em 1950.

    Sua carreira começou como advogado e procurador da prefeitura de São Bernardo do Campo. Em 1953, casou-se como Léa Nunes Costa, com quem teve cinco filhos. Foi vereador em Torrinha e prefeito de São Bernardo do Campo entre 1977 e 1983. Foi deputado federal constituinte pelo PMDB entre 1987 e 1990. E vice-prefeito de SBC na gestão de Walter Demarchi, de 1993 a 1996. Também já ocupou o cargo de vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional de São Paulo.

    Em fevereiro de 2015, a Justiça do Estado de São Paulo condenou Antonio Tito Costa, juntamente com o ex-prefeito de Osasco Francisco Rossi de Almeida, o advogado Aymoré de Mello Dias e o também advogado José Daniel Farat Junior ao pagamento de R$848.455,15 na Ação Civil Pública (processo número 0015717–46.1996.8.26.0405 ) de Improbidade Administrativa. O motivo foi a prestação de serviços de advocacia à prefeitura de Osasco sem ter passado por licitação.

    No fim de semana passado, quando os “juruás” apoiadores dos Guarani estiveram em Itakupe para uma mobilização em favor da manutenção das terras, um menino guarani se aproximou e falou baixinho: “Você viu o que o Tito Costa fala da gente?”. Sim, a gente viu, ou melhor, leu, em uma reportagem. “Os índios estão lá, alvoroçados. Meia dúzia de índios desocupados. Porque há um acampamento de índios próximo dali. Lá eles recebem cesta básica, ajuda do Estado. E tem uma mulherada barriguda dançando pra lá e pra cá. Criança suja. Não fazem nada, mas vivem lá. E agora querem invadir outras áreas para continuar não fazendo nada”, disse ele à reportagem do site R7. Nos autos da ação de reintegração de posse, os advogados de Tito Costa alegam que os “posseiros” não são índios, mas pessoas “ridiculamente fantasiadas”.

    Desabafo

    Minha militância na causa indígena não é longa, mas suficiente para perceber que a raiz dos problemas que vivemos hoje em relação às comunidades indígenas parece estar no preconceito e no profundo desconhecimento sobre a história, os costumes e a cultura desses povos. Somos um bando de juruás que dizemos “programa de índio” quando nos referimos a um entretenimento ruim. Que diminuímos nossa cultura brasileira chamando-a de “tupiniquim”. Somos um bando de juruás que não saberiam citar mais do que três nomes de etnias indígenas brasileiras. Que estudam na escola tudo sobre a Grécia Antiga e nada sobre nossos povos originários. “Nossas crianças não são sujas. A sujeira está na cabeça do branco. Nossas crianças pisam com os pés descalços na terra. Seus pés estão “sujos” de terra. Tito Costa chama a terra que ele tanto quer para si de suja”, diz David Martim.

    Saiba mais sobre a causa Guarani:

    Comissão Guarani Yvyrupa — CGY

    Resistência Guarani SP — Campanha: assina logo, Cardoso!

    No Facebook: https://www.facebook.com/yvyrupa