Entrevista a Bruno Falci e Clara Luiza Domingos, de Lisboa, para o Jornalistas Livres
No momento atual, a Espanha é o segundo país com mais mortes pela pandemia por milhão de habitantes. Ou seja, para cada milhão o país tem 409 óbitos. O segundo país é a Bélgica como 419 por milhão de habitantes e, em seguida, vem a Itália como 358 e a França como 263. O Estado de Emergência na Espanha está sendo aplicado desde 15 de março e os números no país são assustadores. São quase 20 mil mortos e 180 mil infectados.
Para falar sobre a situação da Espanha e as medidas adotadas pelo Estado no país europeu, conversamos com a deputada do parlamento espanhol, Maria Dantas, pelo partido Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). Maria Dantas faz observações sobre os impactos do Coronavírus no país (e, particularmente, na Catalunha, que é sua base eleitoral), na economia, e, sobretudo, os impactos sobre as pessoas comuns, para o trabalhador, o imigrante, e as medidas adotadas pelo governo espanhol, que é um dos mais progressistas da Europa, a partir de uma aliança entre o Podemos e o PSOE.
Deve-se considerar que a pauta da democracia e da república é algo que importa muito à Izquierda Republicana da Catalunha, um partido historicamente vinculado às lutas contra o franquismo. Ela menciona também que o atual governo de coalizão de partidos de esquerda, criou um programa de renda mínima garantida, que será implementada no próximo mês de maio.
A deputada Maria Dantas faz parte de diversas comissões do parlamento, entre elas a Comissão de inclusão, Segurança Social e Imigrações. É também participante dos movimentos sociais, sobretudo no campo dedicado às políticas migratórias na Europa, sendo ainda uma voz ativa nas denúncias ao golpe de Estado de 2016 no Brasil e seus desdobramentos, que culminaram na prisão ilegal do ex-presidente Lula e nas medidas antidemocráticas do governo atual, como a Frente Internacional dos Brasileiros Contra o Golpe, que se reuniu no ano passado em Berlim.
Todas as manhãs de sábados, às 10h, traremos convidados que vivem na Europa e, juntamente com Maria Dantas, o Jornalistas Livres vai apresentar um boletim semanal sobre a situação dos países europeus na luta contra a Pandemia. Acompanhe as lives pelo página do Facebook e Youtube.
Entrevista de Bruno Falci e Luiza Abi Saab, em Coimbra, especial para o Jornalistas Livres
Texto: Bruno Falci / Jornalistas Livres
O professor Boaventura de Sousa Santos, doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973) e professor da Universidade de Coimbra e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, recebeu-nos em sua sala no CES – Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra para a terceira mais uma edição do “Jornalistas Livres entrevista em Portugal” , ciclo de conversa realizado pelos correspondentes do JL em Portugal. Na Universidade de Coimbra, onde é professor, Boaventura abordou diversos temas de âmbito internacional da atualidade. Entre esses temas, destacam-se a aliança política empreendida pelos partidos de esquerda em Portugal (conhecida pela denominação de Geringonça), que passa por mutações após as últimas eleições legislativas no país, assim como a experiência recente de uma coalizão de esquerda na Espanha.
Há alguns anos, Sousa Santos afirmou que Portugal era o único país de esquerda da Europa que realmente a governa à esquerda, através da aliança do Partido Socialista (PS), Partido Comunista Português (PCP) e Bloco de Esquerda (BE). O cenário atual apresenta a Espanha tendo uma experiência de coalizão de esquerda, através da junção de projetos do Partido Socialista e do Podemos. Essa coalizão apresenta traços semelhantes à Geringonça portuguesa, composta pelo PS, PCP e BE? Considerando o resultado das últimas eleições parlamentares realizadas em Portugal, podemos considerar que essa aliança pluripartidária de esquerda ainda existe no país?
O professor emérito do CES responde a essas indagações:
“O processo espanhol recebeu influência do processo português. Muitos de nós, eu próprio incluído, tenho fortes amizades com o Podemos desde o seu início. Sou muito amigo do Pablo Iglezias. Escrevi um livro no Brasil intitulado “Esquerda do Mundo, Uni-vos”, que está na segundas edição pela Editora Boitempo, em São Paulo. Este livro também foi publicado na Espanha e leva a ideia da unidade das esquerdas antes que os fascistas cheguem ao poder. Eu vi com muita força aqui em Portugal em 2015, quando a ultra direita aplicou as medidas de ajuste estrutural, destruindo parte do que era o nosso estado de bem-estar e as políticas sociais. Vi que havia uma ameaça e os portugueses precisavam votar à esquerda, pois a direita estava unida e a esquerda, como sempre, desunida”.
Sousa Santos esclarece que “ que esse processo denominou-se de geringonça e foi criado por quem não gostava da união das esquerdas. Adotamos esse nome e hoje ele já tem sinônimos e traduções em inglês e alemão. Isto é uma inovação política obviamente. Chama-se geringonça porque é a primeira vez que os partidos de esquerda se uniram e não era uma coisa muito frequente na Europa, pelo contrário. Era um acordo muito limitado com pontos muito definidos e escritos. Os partidos divergiam em muitas coisas e se declaravam que, pelo menos, em alguns pontos estavam de acordo em por fim às privatizações, estavam de acordo em defender um sistema nacional de saúde e privilegiar a educação pública, aumentar o salário mínimo nacional, aumentar as pensões mais baixas. Havia muitos pontos em desacordo, mas nesses estavam em acordo. Esse foi o modelo pragmático e tem a característica de ser somente dos partidos de esquerda. Até as eleições passadas esse modelo funcionou bem”
Para Boaventura de Sousa Santos não existe mais uma geringonça formal na política portuguesa como anteriormente. O que existe hoje é uma geringonça informal, que já está sendo mostrada no Parlamento, na discussão do orçamento.
Entrevista completa no vídeo abaixo:
Jornalistas Livres entrevista em Portugal
A entrevista realizada com o professor de Boaventura de Sousa Santos é a terceira realizada pelos correspondentes do Jornalistas Livres em Portugal, para o programa especial de entrevistas e discussão sobre a sociedade, política e direitos humanos. Outras duas entrevistas já foram realizadas para o ciclo, a estreia foi realizada com o ator, roteirista, diretor e militante do PCdoB, Benvindo Sequeira, que atualmente mora em Portugal, em uma entrevista ao vivo pelo facebook. O segundo encontro foi com o também ator brasileiro Paulo Betti, ao vivo pelo Facebook. O ator que passou uma temporada em terras lusitanas apresentando sua peça “Autobiografia autorizada” e participando de outros encontros culturais, conversou com o Jornalistas Livres em Portugal sobre a cultura, suas impressões sobre Portugal e o cenário político no Brasil.
Além de Sequeira, Betti e Sousa Santos; os correspondentes do Jornalistas Livres em Portugal também vão entrevistar outras figuras públicas, ativistas dos mais diferentes da sociedade brasileira, portuguesa, da América Latina e mundo que estejam morando ou de passagem por Portugal. Acompanhe as chamadas de entrevistas pelas redes do JL e participe ao vivo conosco das transmissões pelo facebook enviando comentários e perguntas.
Abaixo as entrevistas com Bemvindo Sequeira e Paulo Betti:
Uma centena de portugueses e catalães se manifestaram ontem (26/03), no final da tarde, diante da embaixada da Espanha, em Lisboa, na Avenida da Liberdade, para exigir a “libertação dos presos políticos” da Catalunha, considerando que existe uma “judicialização” dos acontecimentos.
O ex-presidente da Catalunha foi detido no norte da Alemanha, proveniente da vizinha Dinamarca, no cumprimento de um mandado europeu de detenção, emitido pela Espanha.
Na sexta-feira, o Supremo Tribunal Espanhol acusou de delito de rebelião 13 separatistas pela sua participação no processo de independência da Catalunha, entre os quais o ex-presidente do executivo regional Carles Puigdemont. Protestos ocorreram em todo o mundo contra a prisão dos líderes separatistas, eleitos por voto popular.
O parlamento Catalão discutiria amanhã, 28/03, o direito de Carles Puigdemont, Jordi Turull e Jordi Sánchez de submeter suas candidaturas à presidência da Generalidade. A petição foi feita pelos partidos Juntos pela Cataluña (JCat), Esquerda Republicana de Cataluña (ERC) e Candidatura de Unidad Popular (CUP), que somados representam a maioria do parlamento catalão.
Carlos Serrano, brasileiro, doutorando em ciência politica em Lisboa, estava presente no ato e prestou depoimento no vídeo abaixo, neto de combatente republicano na Guerra Civil Espanhola e filho de catalão, explica que o processo não vem de hoje, que a luta pela independência da Catalunha é histórica e sempre foi combatida a sangue e fogo por governos autoritários espanhóis, como o de Mariano Rajoy, representante máximo dos interesses da monarquia espanhola.
Membros do Bloco de Esquerda estiveram presentes: “Existem 13 presos políticos em território europeu. É inaceitável e inacreditável que não exista uma tomada de posição séria sobre o que o Estado espanhol está a fazer e temos visto muita violência da polícia sobre manifestações pacíficas. Foram eleitos livremente, só podemos estar solidários e fazer pressão para que exista uma posição dos vários governos e parlamentos”, disse Isabel Pires, deputada do Bloco de Esquerda.
Mais de 90 pessoas ficaram feridas em protestos na Catalunha.
Por Igor Zahir, especial para os Jornalistas Livres
No último sábado (30.09), ao carregar um cartaz durante protesto na Praça de Sant Jaume, no centro de Barcelona, o simpático estudante Juan Carlos, de 23 anos, representava o pensamento de milhares dos seus conterrâneos: “Amar a Espanha sem ser um fascista e amar a Catalunha sem querer a independência. Posso?”. Em julho passado, quando o governo regional catalão realizou uma pesquisa oficial, foi revelado que, entre seus moradores, apenas 41,1% eram a favor do separatismo. No entanto, cerca de 70% defendeu a realização de um referendo a fim de decidir, de forma democrática, o futuro da Catalunha com relação ao país. Neste domingo (1º/10), contrariando os avisos das autoridades nacionais, o povo foi às ruas votar pela independência e o resultado foi mais uma execrável demonstração do que acontece quando uma nação é comandada por um governo intransigente e reacionário.
O que querem os catalães
Com 7,5 milhões de pessoas e detentora de quase 20% do PIB espanhol, a Catalunha é uma das regiões mais ricas do país, com seu próprio governo regional (Generalitat), sua polícia exclusiva (os Mossos d’Esquadra) e identidade secular. Além da preservação da língua, cultura e história, os defensores do separatismo não concordam com muitos aspectos da política de Madri e consideram que o repasse econômico que a Catalunha recebe do governo é relativamente pequeno, se comparado à sua colaboração para a geração de recursos financeiros.
A luta por autonomia total não é recente – tendo sido uma das causas que desencadearam na Guerra Civil Espanhola, na década de 30, quando a ditadura do general Francisco Franco marcou uma era de diversas repressões, inclusive ao idioma catalão. Em novembro de 2014, 80% dos eleitores votaram em um plebiscito pela mesma causa, mas o percentual – que resulta em 2,2 milhões dos 5,4 milhões de eleitores da região – não foi suficiente para dar sustento à independência. Assim como o ocorrido neste domingo, naquele ano o referendo já era considerado inconstitucional pelo governo espanhol.
https://www.youtube.com/watch?v=APsHNIrS7-s
Repressão
Entre censura – cerca de 140 sites independentes da Espanha foram bloqueados por apoiar o referendo – e outros atos antidemocráticos, mais de 10 mil agentes de segurança foram enviados para a Catalunha na última semana. Durante o dia de votação neste último domingo, o povo sentiu o efeito da pior forma possível: a polícia espanhola confrontou os eleitores para impedi-los de votar, arrancando-os à força das zonas eleitorais e arrastando-os pelo cabelo nas ruas. Mais de 840 pessoas ficaram feridas, entre elas, cidadãos em situação grave nos hospitais após serem atingidos por balas de borracha no olho – que, vale salientar, tem o uso legalmente proibido na cidade. Além disso, os guardas destruíram mesas de votação, confiscaram milhões de urnas e cédulas, e interromperam mais de 340 seções de voto. Os bombeiros da Catalunha, em apoio ao referendo, chegaram a formar uma barreira de escudo-humano para proteger os eleitores, mas também acabaram agredidos.
“É inacreditável que tudo isso é porque queremos votar, exercer nosso direito de liberdade. Parece até que regredimos aos tempos de Castela e Aragão”, disse a aposentada Teresa Rocio à reportagem, minutos antes de ser enxotada junto à multidão de eleitores que resistia em uma das escolas. Assim como a senhora de 69 anos, outros idosos, mulheres e adolescentes que estavam pelas ruas foram empurrados e espancados com cassetetes, como mostram os vídeos ao longo desta edição. A jovem Marta Torrecillas, ao tentar defender essas pessoas, também foi vítima da polícia nacional e da guarda civil, e teve seus dedos da mão quebrados e os seios pressionados pelos guardas, que riam numa clara demonstração de abuso de poder.
https://www.youtube.com/watch?v=2w3KeAuOQxI
As imagens da repressão, que se espalharam no mundo inteiro, despertaram a atenção de vários líderes políticos internacionais. O chefe do Parlamento Europeu para o “Brexit”, Guy Verhofstadt, disse que “não queria interferir nas questões da Espanha, mas é absolutamente condenável o que aconteceu na Catalunha“. Charles Michel, primeiro-ministro da Bélgica, acrescentou que “a violência nunca pode ser a resposta! Condenamos todas as formas de violência e reafirmamos o nosso apelo ao diálogo político“. Em seu programa nacional de televisão, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou que “o primeiro-ministro Mariano Rajoy tem de responder ao mundo pelo que fez hoje ao povo catalão. Rajoy optou pelo mais vulgar, a repressão brutal, inclemente contra gente inocente”.
Em declaração oficial, Rajoy não apenas ignorou o nível da agressão sofrida pelos eleitores, como ainda elogiou e agradeceu publicamente ao trabalho da polícia que agiu com “firmeza e serenidade”.
Direito à autodeterminação
No pronunciamento final do plebiscito, o presidente catalão, Carles Puigdemont, agradeceu aos que protestaram contra a violência, homenageou os mais de 800 feridos, e afirmou que, depois desse domingo, a Catalunha conquistou o direito de ser um Estado independente em forma de República. “Nos próximos dias apresentaremos os resultados do dia de hoje ao Parlamento da Catalunha para que este atue segundo a Lei do Referendo”, antes de criticar: “O governo espanhol escreveu hoje uma página vergonhosa em sua relação com a Catalunha. Hoje a Catalunha ganhou muitos referendos. Temos o direito de decidir nosso futuro“.
Dos quase 2,3 milhões de votos, 90,09% optaram a favor da independência, e 7,87% votaram contra. O resultado não possui status legal, já que foi bloqueado pelo Tribunal Constitucional da Espanha por não estar de acordo com a Constituição de 1978. Na manhã de domingo, Mariano Rajoy afirmou que “não houve um referendo na Catalunha hoje” e que ainda esperava que os catalães renunciassem a essa escolha. Dias antes da votação, o governo espanhol já havia avisado que contestaria o referendo e, caso o Parlamento catalão declare a independência unilateral, Madri será firme quanto à invalidade da votação.
Vale ressaltar que, ao contrário do que muitos pensam, o movimento pela independência da Catalunha não é uma simples tentativa emancipatória da esquerda. Inclusive o nacionalismo catalão tem sido tipicamente conservador. A própria coalizão que organizou o referendo é liderada pelo conservador Carles Puigdemont em aliança com partidos anticapitalistas. E vários esquerdistas veteranos que se opuseram ao governo Francisco Franco durante a Guerra Civil desconfiam dos separatistas e rejeitam a independência, como apontou uma reportagem do jornal britânico “The Guardian”. Paralelo a isso, é importante lembrar que nem o governo espanhol nem o parlamento catalão estão isentos de escândalos políticos, mas o mais emblemático entre eles, o “caso Gurtel”, será sempre uma pedra no sapato do Partido Popular (PP), com 37 acusados, mais de 300 testemunhas e o primeiro-ministro Rajoy, apesar de não ter sido acusado diretamente de participação, visto como uma autoridade que “fechou os olhos” ao esquema de corrupção.
Sobretudo com essa luta de poderes e o jogo de interesses dos dois lados, é indiscutível que a autodeterminação é um direito ao qual o povo catalão deve recorrer. O que o governo espanhol fez é uma afronta à democracia, não existe outra descrição mais adequada. Rajoy declarou que “nunca perderia a oportunidade para diálogos”, mas como o povo catalão vai se vislumbrar dialogando com um governo fascista que deprecia seus direitos civis? O primeiro-ministro defende que o referendo viola a Constituição. E o que pode ser mais inconstitucional e antidemocrático do que usar de violência para impedir os cidadãos de decidirem sobre o seu futuro enquanto patriotas? O que aconteceu na Catalunha neste domingo causará um impacto sem precedentes não somente para a região, independente ou não, quanto para a Espanha como um todo. Essa batalha, à medida que se torna cada vez mais distante de terminar, fica mais difícil de solucionar pacificamente. O estrago foi feito. Agora é um caminho sem volta.
Igor Zahir é escritor e jornalista. Após ter feito reportagens sobre ativismo e Direitos Humanos para as principais revistas femininas do Brasil durante anos, atualmente está focado no noticiário estrangeiro e colabora, semanalmente, como correspondente internacional deste portal.