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  • Donata Meirelles foi obrigada a pedir demissão para Vogue Brasil não demiti-la

    Donata Meirelles foi obrigada a pedir demissão para Vogue Brasil não demiti-la

    A festa de aniversário de Donata Meirelles, diretora da Vogue Brasil, é exemplo de “racismo recreativo”. A “comemoração” dos 50 anos de Donata, que ocorreu em Salvador na sexta-feira (8), lembrava a escravidão. Tinha até um ‘trono de sinhá’ para que os convidados tirassem fotos ao lado de mulheres negras caracterizadas como ‘mucamas’

    Yuri Silva

    A socialite Donata Meirelles, esposa do publicitário baiano Nizan Guanaes e agora ex-diretora de estilo da revista Vogue Brasil, foi obrigada a pedir demissão da publicação internacional após o caso de racismo envolvendo sua festa de aniversário de 50 anos, realizada no Palácio da Aclamação, em Salvador, na última semana. O Baile da Vogue, festa que reúne artistas e personalidades próximo ao Carnaval e em 2019 aconteceria no dia 21, com o tema de antigas óperas, também foi cancelado.

    Denunciado por ativistas negros e personalidades antirracistas, o caso polêmico de mulheres vestidas de ‘escravas mucamas’ na comemoração, enquanto Donata sentava-se em uma cadeira de ‘sinhá’, tornou insustentável a permanência dela na revista.

    Segundo informações de bastidores, a única alternativa para ela foi pedir desligamento da função que exercia. Assim, contaram pessoas próximas, Donata evitou ser demitida – o que geraria ainda mais desgaste público para sua imagem e do marido.

    Após o assunto tomar conta das redes sociais, Donata já havia compartilhado comunicado da Vogue Brasil informando que um grupo de ativistas (espécie de fórum editorial negro) seria criado para ajudar a definir critérios de escolha de conteúdos que combatam a desigualdade. O anúncio, contudo, não foi suficiente e a pressão de ativistas sobre o comando da publicação continuou na internet.

    Até a cantora Elza Soares, porta-voz de pautas negras em seus trabalhos, escreveu um texto crítico à festa da socialite, que tinha como tema o ‘Brasil Colônia’. Entidades do movimento social negro brasileiro também emitiram nota e pediram a cabeça da socialite.

    Na tarde desta quarta-feira, 13, contudo, a notícia do pedido de demissão de Donata Meirelles veio a público. A informação já circulava entre pessoas próximas e artistas ligados à família Guanaes desde a noite de terça-feira, 12, mas não se sabia em que formato se daria a saída da diretora de estilo da Vogue Brasil.

    LEIA TAMBÉM: Abaixo-assinado propõe nome de estilista negra para diretoria da Vogue Brasil

  • Um dia o engenho das ‘Donatas’ pega fogo

    Um dia o engenho das ‘Donatas’ pega fogo

     

    Por Marcos Rezende*

    Foram muitas as justificativas da “Casa Grande” para manter as suas posturas de mitológicos(as) democratas raciais. Ouvimos dizer que Donata, a diretora da Vogue é “boa e carinhosa” (Ivete Sangalo), que o sentimento dos críticos e das críticas era algo de rancor ou desrespeito, algo de quem os olhos “espreitavam por detrás do buraco da fechadura das redes sociais, muitos indignados, […] porque privados de participação no convescote […]” (Raul Monteiro, jornalista baiano).

    Achando pouco concordar com o projeto punitivo de Moro que amplia o excludente de ilicitude para policiais e reforça o extermínio do povo negro, Rui Costa, o governador do Estado mais negro do Brasil, participa da festa faz dancinha e posta nas redes sociais.

    Bom senso mesmo quem teve foi o Terreiro do Gantois, que cancelou a continuação da festa (sim, a última etapa do aniversário seria no espaço religioso) em respeito à ancestralidade do nosso povo.

    Enquanto isso, nessas últimas duas semanas, nos Estados Unidos, vários fatores demonstram como personalidades negras tem se comportado ou deveriam se comportar. A exemplo da cantora Rihanna, que não aceitou cantar no maior evento esportivo do País, a final do Superbowl, em respeito e homenagem ao jogador Kaepernick, que durante a execução do hino nacional se ajoelhava em sinal de protesto contra o racismo existente nos Estados Unidos e acabou sendo criticado por Trump e hoje está sem contrato.

    Também o rapper Drake protestou, ontem à noite, ao ganhar o Grammy e, ao aparecer de surpresa na premiação, estabeleceu forte crítica à indústria da música e valorizou as pessoas que reconhecem os artistas. O mesmo fez o ator e cantor Childish Gambino, que ganhou 2 Grammys e não foi buscar. Kendrick Lamar também não compareceu em protesto.

    Inclusive os três foram convidados para se apresentar na cerimônia e não aceitaram acusando a instituição Grammy de racista.

    Com certeza os brancos no Brasil fazem questão em não tratar disso. Como se essa realidade não existisse.

    Estamos cansados deste racismo que prega uma bondade que nunca inclui negros e negras, salvo quando na condição de serviçais, aqueles que sempre são dignos dos subcontratos, ou ainda quando na condição de quem conseguiu se adequar às regras da “Casa Grande” (por uma questão de sobrevivência, eu prefiro pensar). Não adianta pregar (falso) altruísmo, quando não se abre mão de seus próprios privilégios para que haja reparação.

    As críticas não se dão pela pobreza da Bahia, Raul Monteiro, pois ela não é pobre. Muito pelo contrário! A Bahia é de uma riqueza incomparável, seja pela grandeza de sua população, composta majoritariamente por mulheres negras, seja pelas suas riquezas naturais. As desigualdades que existem na Bahia, no Brasil e em grande parte do mundo se dão pelo racismo e pela concentração das riquezas nas mãos de uma minoria branca, ainda resquício do patriarcado de um Brasil colonial e escravocrata.

    Afeto, amor ao próximo ou qualquer altruísmo não são compatíveis com um país que foi o último a abolir o trabalho escravo. Ou melhor, a abolir o trabalho escravo do ponto de vista formal, já que a escravização dos corpos e da força de trabalho da população negra ainda se mantém como uma constante no Brasil. Negros e negras não são alvo da afetividade da elite branca brasileira, pois uma relação afetiva não permite a concentração de tantos privilégios para uns (umas) em detrimentos de outros (as). O nome que se dá a isso é subjugação, como estratégia do racismo de manter negras e negros no lugar do ostracismo serviçal.

    A perversidade é tão grande que as profissionais, baianas negras, sentem-se obrigadas a sair em defesa dos seus algozes, assim como negras e negros eram “obrigados” a serem “pretos (as) da “Casa Grande”. Assim, o racismo se retroalimenta, com um altruísmo deletério e seletivo, onde negras e negros são queridos quando se encontram nas “senzalas” contemporâneas, preferencialmente com vestes e poses que fazem alusão à condição de mucamas. O racismo que estrutura o nosso País não pode se naturalizar nem muito menos ser atenuado por um pedido de perdão e sob a justificativa de (falso) afeto.

    Já que não abrem mão das heranças e privilégios do processo de escravização, se assumam racistas e entendam que um dia o engenho pega fogo!

    *Marcos Rezende, Ogan, Historiador, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Social pela UFBA e Coordenador de Relações Internacionais do Coletivo de Entidades Negras (CEN)

  • QUEM FETICHIZA A ESCRAVIDÃO TEM QUE SER PRESO POR RACISMO

    QUEM FETICHIZA A ESCRAVIDÃO TEM QUE SER PRESO POR RACISMO

    O ato racista da socialite, diretora da Vogue Brasil e esposa do publicitário baiano Nizan Guanaes, Donata Meirelles, que comemorou seu aniversário de 50 anos sentada em uma cadeira de sinhá e cercada de mulheres negras ‘fantasiadas’ de mucamas, dá uma noção a nós de até que ponto o fetiche da elite branca brasileira pela escravidão pode chegar.
     
    A festa, que aconteceu no Palácio da Aclamação, em Salvador, foi frequentada por personalidades, artistas, famosos e subcelebridades que, a troco das boas relações com o centro do poder comercial brasileiro, passaram pano para o racismo e fingiram que nada relevante acontecia ali. De Caetano Veloso a produtores culturais, empresa´rios e jornalistas do metiê, ninguém sequer questionou o simbolismo da ‘temática’ da festa: o Brasil Colônia.
     
    Nada de novo sob o sol, diria o próprio Caetano (que inclusive cantou durante a festança) em uma de suas canções. O que vimos foi mais um episódio do racismo brasileiro, subjetivo, engenhoso e disfarçado de ‘homenagem’. E aplaudido por gente como o governador do Estado e o prefeito da capital, que se fizeram presentes.
     
    Sob o pretexto de saudar a Bahia, Donata Meirelles evocou os fetiches, mas principalmente as saudades dos brancos ricos do País. Com sua festa de aniversário, a socialite terminou por festejar, de verdade, o maior desejo da mesma elite que construiu a candidatura vencedora da última eleição presidencial: o retorno da subjugação do nosso povo por eles.
     
    Como a emenda é pior que o soneto, ao tentar se justificar por uma rede social, Donata afirmou que a comemoração não era temática e que a cadeira na qual ela e suas convidadas brancas sentavam para serem fotografadas não era de sinhá, mas sim um assento religioso do candomblé. Disse ainda que as mulheres negras não estavam vestidas de mucamas, mas sim de baianas, ofício que, lembrou ela, é considerado Patrimônio Imaterial.
     
    Ora, sendo assim, nada muda. Continua evidente o tesão branco sobre as nossas tradições, que, na cabeça adubada por racismo deles, devem servir como cenário e fantasia para suas festas regadas a champanhe e nas quais, sabemos bem, nosso povo tem local e funções reservados: a cozinha, a portaria e o papel de garçons e garçonetes.
     
    Não adianta Nizan Guanaes tentar trazer o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama para a Bahia, se o episódio envolvendo sua mulher, do qual tratamos aqui, trata-se do velho e violento racismo estrutural, como bem pontuou em uma rede social a escritora Lilian Schwarcz: racismo tão enraizado e banalizado socialmente que parece não existir, que parece invisível. Mas existe, é visível, machuca, desrespeita e mata todo um povo.
     
    O genocídio da população negra na diáspora africana no Brasil se dá de várias formas. Duas delas, o encarceramento e o extermínio físico, são mais concretas. Mas as outras, a exemplo da destruição subjetiva da nossa história e a zombaria comumente feita com a nossa dor, não são menos graves. São racismo. São práticas criminosas. E devem levar à cadeia.
     
    Não sendo assim, brancos continuarão festejando a escravidão.
     
    Yuri Silva, jornalista e coordenador-geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN)