A segurança do metrô de São Paulo é conhecida por sua truculência. Nesta segunda-feira, 21/12, os homens de preto do metrô puderam exercitar novamente suas habilidades na arte de espancar, humilhar e aterrorizar. Desta vez foi contra estudantes secundaristas, como o jovem Heudes Cássio Oliveira, de 18 anos, aluno do 3º ano do ensino médio da Escola Estadual Fernão Dias, em Pinheiros. Heudes foi covardemente atacado pelos seguranças do metrô quando não oferecia risco algum a ninguém –tudo o que ele portava nas mãos era o frasco azul do Leite de Magnésia Phillips, usado como antídoto aos efeitos do gás lacrimogêneo.
O jovem, que acabava de participar de um ato público contra a “reorganização escolar” do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), encontrava-se na estação Sé do Metrô quando foi encurralado junto a uma máquina de refrigerantes, e espancado. Então, correu para as catracas e lá encontrou o cassetete cruel de uma celebridade do metrô.
Sim, Companhia do Metrô! Ele já está devidamente identificado e pode ser punido pelo comportamento abusivo e pelo uso desproporcional da força.
Anota aí: Guilherme Leão é o nome do covarde. Trata-se do “segurança gato” do metrô, assim chamado pela revista “Veja São Paulo” em sua edição de 29 de março de 2014, quando foi aclamado o “segurança mais bonito do metrô”, depois de conquistar 76% de supostos 18.624 votos de leitores da revista.
No dia 18 de março do mesmo ano, a Companhia do Metrô de São Paulo, já sabendo do resultado da enquete, lançou uma campanha com os dizeres:
“Seguranças do metrô não são só bonitos. Eles são treinados em técnicas de imobilização, primeiros socorros e atendimento ao público”.
Bem poderia ter complementado: “E espancam estudantes magrinhos como ninguém.” Veja o vídeo de Beatriz Alonso, especial para os Jornalistas Livres…
Trabalhando na estação Sé, Guilherme Leão tem 1,87 metro de altura e 80 quilos de músculos, que usou para bater em Heudes.
À Veja, o brutamontes disse que gosta “de cuidar do cabelo, das roupas, de ser bem vestido, bem arrumado.”
“Às vezes, demoro meia hora para arrumar o cabelo. O que gosto é de sair de casa bem, com uma aparência legal.”
Sobre o momento mais tenso que já viveu como segurança do metrô, Guilherme Leão disse:
“Certa vez, uma moradora de rua entrou sem pagar, fui abordá-la, ela se exaltou, e acabei sofrendo um corte na mão, que quase atingiu o nervo. Tive de ficar afastado por 15 dias.”
E agora, segurança do Metrô? Vai demorar para punir o troglodita bonitão?
Por Beatriz Santoro, Larissa Rosa e Jeniffer Mendonça, com edição de Iolanda Depizzol, para os Jornalistas Livres
Alunos e professores da Escola Técnica Parque da Juventude (ETEC-PJ), no bairro do Carandiru, relatam assédio moral durante primeiro dia de reposição de aulas, realizada na segunda-feira, 14, na ETEC Santa Ifigênia.
Os estudantes contam que, na entrada do prédio, foram revistados sob orientação do grupo de pais contrários à ocupação, que filmavam os rostos e pertences dos secundaristas. Além disso, algumas aulas tiveram a presença desses pais dentro das salas.
De acordo com um professor, pais de alunos acompanhavam e vigiavam as aulas. “Isso não aconteceu comigo nem sequer no período da ditadura”, relata o docente, que leciona desde 1969 e há quatro anos dá aula na ETEC do Parque da Juventude.
Na semana anterior, o mesmo grupo de pais havia tentado invadir a PJ, como os alunos chamam a ETEC, para tirar os secundaristas que estavam ocupando o prédio escolar como forma de apoio à luta contra a “reorganização” de Geraldo Alckmin. As aulas de reposição visam dar continuidade ao ano letivo e acontecem das 7h30 até às 18h, mas os alunos são impedidos de saírem e entrarem na escola fora do horário, inclusive para almoçar. Os jovens contam que, além da falta de liberdade de ir e vir, o prédio não disponibiliza microondas e a cantina está fechada, o que tem prejudicado a alimentação.
Em nota, o Centro Paula Souza, responsável pela administração das ETECs, disse que os estudantes foram revistados porque chegaram “para assistir aula com corrente e cadeado pendurados no pescoço” e que “a equipe da Etec verificou as mochilas de modo a garantir a segurança de todos os alunos”.
Entramos em contato com a direção das duas ETECs, mas não houve retorno.
Os advogados abaixo assinados vêm expressar solidariedade aos estudantes e pais que exercitam suas liberdades de manifestação, de reunião e de defesa de direitos. Se o Decreto Estadual 61.672/15 que estabeleceu a reorganização das escolas estaduais foi revogado pelo Decreto Estadual 61.692/15, os próximos atos administrativos devem ser motivados. Salutar em saber que houve anúncio de realização de audiência pública no tema, pois é na audiência pública que o ato administrativo deve encontrar seus motivos para depois se explicar fundamentadamente porque sim e porque não adotou o que foi ouvido. Se a OAB-SP se dispõe a realizar a interlocução para promoção do diálogo com o governo estadual: nosso apoio. A educação é regida pelo princípio constitucional democrático, que está densificado no art. 14 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. E a desobediência civil nada mais é do que exercício de defesa da Constituição. É regida pelo princípio da cidadania. O direito de petição também assegura a defesa de direitos. Ministério Público e Defensoria Pública ingressaram com ação coletiva e como o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, nos pedidos de reintegração de posse, o que há: exercício de defesa de direito. Neste caso, cabe petição nos termos do art. 13.7 da Constituição Paulista c.c. art. 31, VIII e IX do Regimento da ALESP para que sejam realizadas audiências públicas, a propósito da discussão do Plano Estadual da Educação. E que também por meio do aludido Regimento os parlamentares possam realizar indicações e convocar a Secretária da Educação a prestar esclarecimentos. No pensar de Maria Garcia, a desobediência civil pode ser ativa ou passiva, fundando-a no princípio democrático e processualizando-a via direito de petição: “A desobediência civil pode-se conceituar como a forma particular de contraposição, ativa ou passiva, do cidadão à lei ou ato de autoridade, quando ofensivos à ordem constitucional ou aos direitos e garantias fundamentais, objetivando a proteção das prerrogativas inerentes à cidadania” (Desobediência Civil. Direito Fundamental, RT, São Paulo: 2004, p. 317). Pelo direito de reunir, se manifestar e contestar. Por evidente, que o exercício deste direito comporta limites, como o fechamento completo de vias públicas, entretanto, já é hora de se debater um protocolo de atuação para as polícias em manifestações, o que dizer, de um protocolo de atuação em manifestações com crianças e adolescentes, dado o dever constitucional de todos, da família, Estado e Sociedade, de deixá-los a salvo de qualquer opressão ou violência. Possuem as polícias o dever primordial de assegurar a livre manifestação. Não há crime algum de desacato, isto fere de morte a Convenção Americana de Direitos Humanos. E, no mais, nossas homenagens aos advogados e advogadas que mesmo sendo detidos diante de uma ação truculenta se mantêm firmes na luta pelo devido processo legal.
Konstantin Gerber, Marina Tambelli, Alessandra Gotti, Cecilia Galicio Brandão, Bruno Pegorari, João Vitor Cardoso, Fernando Faina, Gabriel Capristo Stecca e Diego Roda Reis, advogados em São Paulo.
Um relato do desmonte da escola pública durante a Ditadura e da esperança nos jovens que tomaram posse dos rumos de seus destinos
Por Gastão Guedes, especial para os Jornalistas Livres
Em 1976, Gal. Geisel comandava o país! Naquele ano nós, alunos da 5ª série, percorríamos as salas de aula angariando votos para nosso grupo que pretendia que a diretoria, entre outras coisas, programasse mais excursões pela cidade. Pregávamos cartazes desenhados por nós mesmos, com o nome do nosso “partido”, pelas paredes do belíssimo prédio da escola, disputando espaço com dezenas de outros grupos que propunham coisas distintas das nossas… Discutíamos com alguns professores nossas propostas e tínhamos de visitar outras classes para dizer sobre elas aos outros alunos. Eram conteúdos pré-adolescentes, é bom lembrar, mas que não teria a menor importância: um corpo docente corajoso despejava exercícios de democracia, ainda que às escondidas, nos alunos do Grupo Escolar Barão de Souza Queiroz através do micro exercício do parlamento e do voto!
Ao deixar a Penha, meus pais colocaram-me na escola particular mais conhecida do bairro do Campo Belo. À época uma escola reconhecidamente “puxada”, termo usado para quantificar o nível de esforço que o aluno teria que ter para passar de ano. Escolas particulares já eram consideradas, nos anos 80, superiores na qualidade de ensino em comparação com as do Estado.
Por volta de 1982, minha segunda passagem pela escola pública, no mesmo bairro, foi escolhida por mim no intuito de terminar os dois anos colegiais restantes. Nem seria preciso dizer que já eram escolas destruídas, com uma quantidade enorme de equipamento quebrado e abandonado nos pátios, cozinha desativada, pintura velha, portas rachadas e sem trinco, quadra sem pintura… E professores cada vez menos capacitados para ministrar aulas com seus salários baixos e pouco estimulantes, embora ainda fossem pessoas bem formadas e com sonhos de carreira! Mas o diferencial aprendido por mim, no retorno à escola pública, é que eu voltava a um mundo real depois de ter experimentado conviver com garotos de classe média alta por três anos naquela escola particular do Campo Belo.
Amanda, Cauã e Vitoria na cozinha, cuidando das doações de alimentos e transformando-as em comida para os alunos do movimento
Nesse retorno ao ensino público, eu começava a me inteirar com alguns meninos que se interessavam por política, preocupados com o momento de redemocratização do país, que liam jornais e defendiam a independência do Brasil junto ao FMI entre tantas outras coisas que eu, até então, nunca tinha ouvido falar! Alguns vinham de ônibus pra escola, pois moravam mais à periferia da cidade; outros até trabalhavam…
Daqueles tempos até o presente, profundas e constantes transformações econômicas; uma revolução tecnológica brutal remodelando todo o comportamento social e uma recodificação sexual em curso que busca reequilibrar as condições de gênero… Não, não é pouca coisa! A velocidade de transformação de códigos e valores nessa passagem de séculos talvez não tenha similar na história humana!
Pintura de camisetas: feminismo e resistência
E são transformações que parecem evocar uma necessidade de sentido da vida que ainda não demos conta, gerado entre tudo que tem se modificado rapidamente, lançando-nos em dificuldades de adaptação natural do espírito versus tudo aquilo outro que, como um monólito, resiste a qualquer mudança ainda que pese no atual cenário das coisas líquidas.
Muito se tem escrito sobre a ocupação dos alunos da escola pública nesse final de ano de 2015. E de tudo que se lê, uma impressão fica: no fundo, não sabemos ao certo que experiência é essa e nem no que isso tudo vai nos levar! E foi isso que motivou minha terceira passagem pela escola pública nesse domingo, 6 de dezembro, na EE Professor Emygdio de Barros na região do Butantã. Uma ocasião especial, quando definitivamente parece haver um choque entre as demandas sociais de um país em ascensão, que angariou algumas conquistas sociais na última década, contra um governo local que exerce política de forma pouco afeita ao diálogo com seu eleitor.
Aluna Kathleen, sua mãe e primo, já promovendo a festa de natal com ceia e rojões. Luta até que o governo desista do fechamento de sua escola
De cima prá baixo implantam constantemente políticas com vistas a reduzir o Estado ao mínimo possível, transformando todas as relações em valores de mercado a serem resolvidas pelo próprio mercado conforme suas demandas de lucros… “A reorganização escolar do governo Alckmin é pura redução de custos”, criticam alguns; mas o secretário de educação de São Paulo, Herman Woorvald, afirma não ter na reorganização um objetivo financeiro, mas estrutural: “Eu tenho vergonha, enquanto Secretário de Estado da Educação, dos resultados (…) que o Estado de São Paulo apresenta. Não é possível que a sociedade se conforme com isso.” Porém, com essa afirmação, o próprio secretário comete um quase requintado suicídio político, já que essa educação vergonhosa está sob o comando do mesmo partido, do qual ele tem feito parte ultimamente, há 20 anos!
Pergunto a alguns alunos: “porque essa ocupação nunca aconteceu antes? Porque precisaram tomar “porrada” da polícia militar para virem dar conta que a escola pertence à comunidade?” Não obtive respostas politizadas e objetivas, não escondo. Mas numa conversa com dois professores que apoiam o movimento dos alunos, pudemos elucubrar a possibilidade de eles terem passado, em última instância, por um sentimento de perda de suas rotinas, seus amigos, e uma profunda vontade de manter e aprimorar algo de suas vidas que estão sendo negligenciadas, talvez nessa confusão moderna entre o que se modifica e o que se quer preservar.
E eu ainda perguntaria: “mas porque a escola?” Será que a escola, num súbito lufar de memória cívica veio remexer um DNA social, trazendo de volta a importância dessa instituição como símbolo de reunião de pessoas em torno de um bem comum, qual seja a educação? Educação que precisaria ser revalorizada no sentido de aprimoramento das possíveis linguagens dos alunos, ao invés desse desmonte paulatino abreviado numa reestruturação financeira… É, pode ser que a destituição da tão maltratada rede escolar espalhada pelos bairros, sob essa linha política do atual governo do estado de São Paulo, tenha provocado nos alunos essa memória genética da importância que é se desenvolver no âmbito da cidadania, tendo como referência a boa e velha sala de aula daquele velho e depredado colégio…!
É bom lembrar que na história de alguns países, escolas e universidades formaram as cidades ao seu redor, tornando-se até hoje centros de referência no mundo. E nesse nosso tempo de ausência de significados e coisas incertas, algo latente ainda representado pela escola pode ter reacendido nesse aluno que perdê-la seria, talvez, a última e grande coisa a perder…
Outra dúvida, que dividi com os adolescentes, foi: “vocês acham que conseguem permanecer ocupando as escolas até o ano que vem?” Resposta unânime: “até que o governo revogue por completo a reforma, já que até agora ele apenas adiou”. Acredito que a permanência dos alunos vai depender do quanto essas comunidades no entorno das escolas ocupadas irão participar e se comprometer com o movimento, já que até hoje nem mesmo a presença nas aulas tem, dos alunos, tanto compromisso.
Porém, em tempos de redes sociais, as informações conseguiram suplantar a grande mídia, de interesses monolíticos, fazendo um estrago na relação do governo Geraldo Alckmin com o eleitor, rebaixando para 28% seu índice de aprovação. Para quem pretende se lançar na disputa à presidência do país em 2018, foi a ação de governo mais desastrosa que ele poderia cometer; e será um trabalho hercúleo, se não impossível, desfazer-se das imagens de policiais militares em suas centenas de ações violentas, transbordando nas redes sociais, agora “salvas” por partidos de oposição que certamente as usarão nas próximas campanhas políticas. Ou seja, teremos campanhas de baixo nível por um tempo, ainda. Dessa vez, embora por um caminho torto, talvez para o bem dos alunos das escolas públicas.
Portanto, a ocupação que vi, em particular na EE Professor Emygdio de Barros, não tem caráter de guerrilha, tampouco de teimosia juvenil, muito menos de força social contra uma fragilidade institucional do governo. Tem outra feição, outra característica, outros posicionamentos que não estavam até então visíveis na nossa sociedade. É aquilo que só a história nos fará entender…
Banda de punk rock de alunos da EE Emygdio de Barros
Nada do que dissermos por hora conseguirá construir uma análise segura e isenta. O que está se desenvolvendo é ainda uma semente em forma de manifestação, contrária à velha e, mais uma vez, monolítica forma de se fazer política, autocrática e sem visão social alguma. A despeito de tantas conquistas sociais, sejam econômicas ou cidadãs, essa reestruturação parece visar interesses de grupos, apesar de não caber aqui discutir a questão do estado mínimo do qual se vale toda a política desses específicos partidos, um dos quais o estado de São Paulo está submetido por tanto tempo! Ademais, tem sido notável como na profusão de debates via redes sociais, ainda que pueris e na maioria despolitizadas, encontra-se o completo adverso das investidas militares nas suas ações de choque com gás pimenta e cassetetes, deliberadas pelo governo Alckmin que se põe sinistro diante da sociedade brasileira, que já vem a 30 anos modernizando-se no pleno exercício da democracia. As decisões desse governo são implantadas na inexistência dos debates com a sociedade, através de uma Assembléia Legislativa silenciosa e sem representatividade com a população, tomadas por já ultrapassadas ideias neoliberais que encontram eco apenas em lugares onde, de fato, não existe o debate necessário para o consenso das vantagens e desvantagens na transformação de bens públicos em interesses privados.
Grupo de Carlinhos Antunes, que propõe concertos mensais doados por artistas e que e uma obrigação de todos a participação pela defesa da escola
É assim que se compõem, então, uma elite que se fecha numa cúpula de poder e, às cegas, tomam decisões particulares bem articuladas com o interesse econômico, asseguradas pela grande mídia que as protegerão de insatisfeitos que se proponham a debater outros caminhos possíveis… Mas, parece que agora, sem se ater a isso tudo, alunos secundaristas e do ensino fundamental de escolas de bairros de São Paulo resolveram que ter escolas fechadas, por mais que estas também não lhes assegure um futuro, na forma em que estão mantidas e preservadas, é impedir-lhes ainda mais de algo que já não está tão disponível há tempos!
Nessa minha terceira passagem pela escola pública, venho novamente aprender algo: a instituição “escola”, lugar público de ensino e aprendizagem mútua, parece ser um símbolo monolítico dos povos, e o termo aqui torna-se elogioso! Porque não se pode transformá-la em lugares ermos com o intuito de destituí-la do interesse social. O conhecimento, assim como a fé, têm seus templos e neles se reúnem toda a gente para a construção de cidadania, troca de ideias, reconhecimento espiritual e confraternização de toda sorte de sentimentos. E, junte-se a isso, é impossível tentar calar movimentos de pessoas carentes de dignidades, como é o povo brasileiro ao longo de sua história.
Inusitada visita de Supla, autografando a agenda da aluna do movimento, que veio como mero cidadão, segundo suas próprias palavras
Portanto, esquecido nas periferias da educação, o ensino público paulista vem reascender a demanda primordial das comunidades na sua formação cidadã: o reconhecimento de si mesmos como protagonistas da construção de suas próprias vidas. E, pasmemos, um grupo de jovens adolescentes, já vitoriosos diante de resquícios autoritários recompõem essa luta, embora nunca esquecida mas meio abandonada, de preservar o caráter público da instituição de ensino, mesmo numa era sem qualquer futuro prometido e repleto de certezas líquidas. Talvez, simplesmente porque quando tudo se torna muito líquido, algo iminente se faz necessário para represar todo esse conteúdo… Quiçá, descobriremos juntos que, nesse específico caso, essa represa poderá vir a se reconstituir no formato de uma boa e velha escola pública!
Allan Ferreira e Ana Trevisan da Universidade de São Paulo — Imargens, especial para os Jornalistas Livres
Nesta sexta-feira (04/12), logo após a declaração do Governador Geraldo Alckmin sobre a suspensão do plano de reorganização das escolas em São Paulo a defensora pública Dra. Mara Renata da Mota Ferreira do Núcleo Especializado da Infância e Juventude concedeu entrevista exclusiva por telefone aos Jornalistas Livres:
Acompanhe a entrevista pelo vídeo:
Suspensão do plano de reorganização das escolas não é suficiente:
“…há intenção de suspensão pra abertura de diálogo, mas de não retirada do projeto da reorganização. O próprio governador defendeu o projeto, os benefícios que eles entendem com a reorganização, mas neste momento ele entendeu que seria importante reabrir o diálogo. Da nossa parte eu acho que esse é um primeiro passo de um sinal do governo de que tem interesse em dialogar, é um reconhecimento de que houve falha no processo de construção desse projeto […] precisa ser aberto o diálogo para pais, alunos, professores, a comunidade, e os acadêmicos sejam efetivamente ouvidos sobre o projeto.”
Possibilidade de ser somente uma manobra para evitar a Ação Civil Pública movida pela Defensoria Pública em conjunto com o Ministério Público de São Paulo:
“…eu acredito que não até porque o nosso pedido é mais amplo do que a suspensão, tem alguns outros pedidos ali no nosso processo que incluem a comprovação de não fechamento de nenhuma escola, de manutenção das matrículas das escolas onde eles estão, e por fim, o pedido que vai além do anúncio do governador, da suspensão, que é o pedido de apresentação de uma agenda, de um calendário comprovando que esses debates serão aprofundados nos locais apropriados: nos conselhos, nos grêmios, nos fóruns… do nosso ponto de vista o anúncio da suspensão não inviabiliza o andamento da ação.”
Governo se vendo obrigado a retomar o diálogo?
“…não acredito que tenha sido uma intenção apenas de interromper uma ação judicial, eu acho que tem um conjunto de fatores, um aumento da violência e a pesquisa que foi divulgada [pesquisa do Datafolha publicada em 04/12] de queda da popularidade, eu acho que isso interferiu sim na decisão do governador de voltar atrás na manutenção desse projeto. Que o governo efetivamente apresenta a proposta da agenda dos debates.”
Os estudantes não devem recuar diante de um simples anúncio de suspensão do governo do Estado de São Paulo (PSDB):
“Eu acredito que sim [que a agenda de diálogo vai ser cumprida] porque o próprio movimento via cobrar. Ficou muito claro pra gente que o movimento está muito forte, muito unido eu não acredito que os estudantes vão recuar, que o simples anúncio da suspensão vai ser suficiente. Os próprios estudantes vão ter que fiscalizar isso.”
A mobilização da sociedade como o motor principal da garantia dos direitos à educação:
“É fundamental que os estudantes se mobilizem e participem e ocupem estes espaços. Além dos grêmios e dos conselhos de classe, nós temos também a Assembleia Legislativa do Estado onde tem o Plano Estadual de Educação tramitando e que ainda não foi aprovado. Este é um espaço importante, o plano é um documento importante. Então, nós temos vários espaços que podem ser ocupados num debate qualificado e eu acho que tem que partir dos interessados, dos estudantes, dos pais e dos professores esse movimento para que o debate seja qualificado.”
A defensora pública convida para que os pesquisadores e especialistas da área de educação também contribuam com o diálogo:
“A gente agradece muito também o envolvimento das universidades e dos especialistas, porque nós temos o ponto de vista jurídico e legal, mas nós precisamos dos especialistas e dos pesquisadores para que nos subsidiem com dados.”
A revogação do decreto de reorganização publicado na última terça-feira (1/12) é um ato de suma importância, segundo a Dra. Mara Ferreira, demonstrará que o gesto do Governador não se limitará a simples declarações. Para a defensora pública, outro aspecto importante é a garantia de que as matrículas possam ser realizadas tanto para alunos que querem se manter em suas escolas, quanto para alunos que preferem, por livre e espontânea vontade, pedir transferência.
Com 121 anos de funcionamento, a primeira escola pública fundada em São Paulo entra na luta contra a “reorganização”
Por Taynah Meira, colaboração para os Jornalistas Livres
Dentro do Parque Dom Pedro 2º, na zona leste, fica a Escola Estadual São Paulo. No enorme prédio em meio ao parque degradado, já de cara podemos observar os vidros quebrados e as necessidades de mudanças no espaço escolar. Os alunos há muito vem percebendo tais necessidades, como também a importância de apoiar o movimento contra a chamada “reorganização escolar” proposta por Geraldo Alckmin e no dia 2 de dezembro começaram mais uma ocupação.
A E.E. São Paulo atualmente conta com o Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano e com o Ensino Médio. Se a “reorganização” passar, perderá o fundamental e passará a ter apenas o Ensino Médio.
Depois de tentativas falhas de diálogo com o diretor, cerca de 30 alunos ocuparam a escola pela tarde e lá ficarão por tempo indeterminado. Os relatos dos estudantes demonstram o descaso não só com a educação e o patrimônio, mas com a integridade física dos alunos.
A escola, localizada dentro do parque, está em posição de grande exposição e insegurança. Por ser em uma região perigosa e de difícil acesso, assaltos fazem parte do cotidiano dos estudantes. Os portões que dão para a tentativa de verde do parque que é habitado por moradores de rua, trazem mais situação de vulnerabilidade que de segurança.
Ontem, em meio à ocupação, chegou a notícia de que dois alunos que haviam acabado de sair do colégio haviam sido assaltados a menos de 300 metros dali. “Falta segurança dentro do colégio e em torno dele, todo dia sabemos de alguém que foi assaltado”, afirma Karen, estudante do segundo ano.
Mas o descaso não fica só por conta da segurança: “Muitos que estudam aqui nem sabem da existência dos laboratórios”, me confessa Leonardo Silva, um dos alunos da escola que está organizando a ocupação. A grande escola tinha tudo para ter as condições ideais de estudo, com laboratórios e biblioteca, porém não é o que acontece na prática.
São mais de dez salas de aulas que estão inutilizadas, em péssimas condições, com piso quebrado e paredes rachadas, além de dois laboratórios que nunca foram frequentados pelos alunos e que atualmente servem como depósitos (!!!).
A Escola e a reorganização educacional
O anúncio do fechamento das 93 escolas não atingiu apenas as que seriam fechadas, mas todos que fazem parte dessa precária educação pública. “Achamos um absurdo escolas serem fechadas quando mais precisamos de mais escolas”, afirma o aluno Leonardo. Diz também que não é uma questão só de solidariedade, mas de imposição dos estudantes. “É muito importante o governo perceber que estamos todos querendo estudar e também de melhorias na nossa escola”.
Diferente do que ouvimos por aí, “que muitos jovens não estão preocupados com a educação pública”, o movimento vem mostrar o contrário. Os jovens estão se organizando e precisam de uma educação de qualidade. “Sabemos que a mudança só vem a partir da educação, precisamos mudá-la e também mudar o rumo desse país, por isso estamos ocupando, resistindo e lutando”, afirma o aluno.
História
Ano passado a escola ocupada completou 120 anos de funcionamento. Fundada em 1894, originalmente chamada de Ginásio do Estado de São Paulo, foi a primeira escola paulista a ter ensino secundário (ensino médio). Começou seu funcionamento dentro da Pinacoteca do Estado, mudou-se para São Joaquim e desde 1958 ocupa as dependências do Parque Dom Pedro I.
É muito conhecida também pela gama de intelectuais e cientistas que frequentaram as suas salas de aula, como o jornalista Vladimir Herzog, um dos nomes centrais do movimento pela restauração da democracia no Brasil após 1964, quando o país vivia sob uma ditadura militar cruel e assassina.
Como ajudar
Os alunos do E.E. São Paulo estão precisando da ajuda de todos. A questão mais urgente é a segurança. Como o colégio fica dentro do parque é muito perigoso andar pelas imediações à noite. Então eles precisam de gente. E a doação de alimentos é muito importante para a sobrevivência dos que ali estão morando. Todo apoio é bem vindo.