Na Paraíba, no último dia 30 de junho, o Governo do Estado publicou no Diário Oficial, uma seleção pública para a escolha de uma organização social para atuar na área de educação. De forma objetiva, isso significa a privatização da Educação Básica paraibana com o repasse da gestão pública para as chamadas organizações sociais, de caráter privado.
Essa ação do governo não nos estranha porque a educação da Paraíba vem, recorrentemente, sofrendo grandes ataques. No ensino básico, já foram fechadas mais de 200 escolas sob o pretexto de reordenação escolar. Na educação superior, a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) já teve sua Lei de Autonomia, nos aspectos financeiro e administrativo, desrespeitada quando o governo estadual estabeleceu um cálculo diferente para o repasse do percentual para a instituição, que segundo a lei, deve oscilar de acordo com a receita do Estado, além de não cumprir os repasses mensais referentes aos duodécimos estabelecidos e aprovados pela Assembleia Legislativa. Nos últimos meses, a quebra da autonomia administrativa também se consolidou quando o governo diminuiu o valor dos duodécimos sob a alegação de que estaria fazendo a reserva para garantir o décimo terceiro salário, essa ação de responsabilidade é assegurada por lei para a reitoria da instituição. O resultado disso é uma crise que se prolonga pelos últimos 6 anos. Agora, com a abertura da tal seleção pública, o governo do Estado passa a terceirizar as suas atribuições e responsabilidades com a educação básica para uma “organização social”. Com isso, o governo paraibano insere por vez a Paraíba na agenda neoliberal do século XXI.
As privatizações de hoje, embora apresentem uma nova roupagem, não alteraram a sua essência daquelas da década de 90. O país realizou grandes leilões para vender o patrimônio estatal como é o caso da Vale do Rio Doce, Embraer e outras e, ainda hoje permanece com a mesma sanha, mas no lugar de leilões temos ações sutis e comedidas já que a discrição faz parte da agenda repaginada do neoliberalismo. E é nesse momento que surgem as “organizações sociais”. Depois de vendidas as grandes estatais brasileiras, o capital exige uma nova forma de produção de lucro: a transformação da seguridade social, educação e saúde, ou seja, dos direitos sociais, em bens de consumo, passíveis, desta forma, à exploração das leis do mercado. Tudo isso, é claro, maquiado sob o discurso de gestão compactuada que nos remete a falsa ideia de solidariedade, de cooperação. Ou seja, externamente, esses direitos sociais têm um caráter público e na sua essência, são geridos sob as leis, regimentos e lógica do privado. Tal lógica, entretanto, não está compromissada com os ideais cidadãos proclamados na constituição de 1988.
Nesse cenário de perdas de direitos adquiridos, a medida que o governo paraibano quer aplicar à educação não é nova. Ela já está em vigor na área da saúde. Hoje, a administração de um dos maiores hospitais públicos do Estado, o Hospital Estadual de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, está nas mãos da organização social chamada Cruz Vermelha. Nesse sentido, o edital aberto pelo governo estadual tem a intenção de, seguindo a cartilha neoliberal já aplicada à saúde, transformar a educação paraibana em mercadoria, já que organizações passam a ganhar para administrar um direito social. Alguns veículos de comunicação locais noticiaram que o custo mensal gasto com essas “organizações sociais” ultrapassariam a cifra de 10 milhões, o que representa uma suntuosa fatia de mais de 120 milhões anuais da receita do Estado.
Ao lermos o edital, vislumbramos como se implantará essa empresa. O sistema educacional será loteado, termo textualmente explicitado no edital, tal qual a Coroa Portuguesa fez com as terras brasileiras no período colonial, e as entregará para as organizações sociais de caráter privado para a exploração ao longo de todo o território paraibano por prazos, a priori, de 2 anos. A organização que vencer o edital poderá interferir nas questões administrativas, financeiras e pedagógicas das escolas. De forma prática, as organizações sociais poderão interferir no conselho escolar, na compra dos itens da merenda, na construção do Projeto Político Pedagógico, na contratação e demissão de funcionários- da merendeira, passando pelos bibliotecários, até no processo mais elementar da esfera escolar que é “conduzir o aluno à sala de aula”.
Por esses aspectos e pelo retrocesso que representa, o edital é uma afronta a toda história de luta dos profissionais e da sociedade que ajudaram a construir a duras penas o sistema educacional que temos, mas que ainda não é o que queremos. Esse edital é um grave acinte à Constituição Federal e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação – (LDB). Terceirizar a educação, como está querendo e já começou a fazer o governo da Paraíba é, primariamente, atestar a imperícia de quem a gerencia, no entanto, o cerne da questão aponta para a falta de compromisso com a lógica social pública, com um modelo de gestão que combata as desigualdades sociais. É um modelo de gestão privilegia o lucro e esquece as pessoas e seus direitos.
A educação paraibana não é mercadoria, não pode ser loteada, não será vendida.
Por Igor Siqueira, especial para os Jornalistas Livres
A Laureate International Universities é a maior rede de instituições de ensino privado do mundo e está presente em mais de 70 instituições em 25 países. No Brasil, a empresa detém investimentos em 12 instituições brasileiras. São elas: BSP – Business School São Paulo; CEDEPE Business School; Complexo Educacional FMU; Centro Universitário do Norte (UniNorte); Centro Universitário IBMR; Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter); Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (FADERGS); Faculdade dos Guararapes (FG); Faculdade Internacional da Paraíba (FPB); Universidade Anhembi Morumbi; Universidade Potiguar (UnP); e Universidade Salvador (UNIFACS).
A compra da FMU aconteceu em 2013 após quase um ano de negociações. Segundo matéria divulgada no Estadão no mesmo ano, o valor do negócio foi de R$1 bilhão. Desde então, os alunos alegam queda na qualidade de ensino.
Recentemente os alunos foram informados sobre o novo modelo acadêmico previsto para o segundo semestre de 2017 que reduz em 25% a carga horária. A instituição também anunciou a demissão de 220 professores.
Em assembleia realizada no dia 03/07, os professores decidiram, por unanimidade, entrar em greve. Uma nova assembleia está prevista para o dia 2 de agosto, mas os professores afirmam que se a FMU não se retratar, as aulas não serão iniciadas
Os alunos se organizam para um ato público no próximo dia 15, às 11h. O principal objetivo é tentar barrar as demissões em massa de professores e a reestruturação do modelo acadêmico.
A manifestação está prevista para acontecer na Praça da Sé. De lá, os estudantes caminharão para o Campus Liberdade da FMU.
A mercenária mantenedora Laureate tem sido, mais uma vez, extremamente prejudicial aos alunos das Faculdades Metropolitanas Unidas, que sempre se orgulharam de sua instituição e corpo docente.
O novo modelo acadêmico imposto por esta reduz a carga horária e a qualidade do curso e gera aumento nas mensalidades sem oferta de uma educação melhor.
Nossa educação, em vez de ser tratada como direito fundamental está sendo tratada como mera mercadoria em um utilitarismo que visa apenas ao lucro desenfreado. Não queremos redução na grade horária! Não queremos disciplinas à distância nem que nossos professores sejam demitidos em uma clara manobra para redução de despesas. Queremos uma educação à altura do nome que a FMU ainda representa e do preço que se paga.
Laureate, nós dizemos não à precarização do ensino que vocês nos impõem.
Nos ajude!
Por mais que a FMU seja uma universidade particular, nós temos companheiros que vão às matrículas porque não vêem outra saída. Antes tinhamos alguns descontos mas a Laureate tirou todos e supervalorizou a mensalidade.
Nosso ato acontecerá no dia 15/07 (sábado), a concentração ocorrerá às 11h na Praça da Sé e sairemos com destino ao Campus Liberdade.
Chamem todos os seus amigos que estudam nos mais variados cursos da FMU ou em outras instituições para se unir a nós. Tragam cartazes, buzinas e muita disposição!
LEMBRANDO: ESSA MANIFESTAÇÃO NÃO É DO CURSO DE DIREITO, MAS DE TODOS OS ALUNOS QUE SE SENTEM LESADOS COM A PÉSSIMA ADMINISTRAÇÃO DA LAUREATE!
Na manhã de hoje (30) estudantes e funcionários da USP realizaram ato contra as reformas trabalhista e previdenciária.
A concentração começou por volta das seis e meia e, pouco depois, os manifestantes fecharam o acesso pelo Portão 1 da USP.
Agentes da CET colocaram cones para desviar o transito da rua Alvarenga e da avenida Afrânio Peixoto; viaturas da PM também estavam no local e a Força Tática se posicionou ao lado da guarita do P1.
Por volta das oito horas, os manifestantes saíram em marcha pela rua Alvarenga, fazendo um breve ato na estação Butantã do metrô, onde foram distribuídos panfletos sobre a greve geral.
A marcha seguiu pela Av. Vital Brasil até o cruzamento com a Av. Francisco Morato, onde bloquearam o acesso às pontes Eusébio Matoso, Bernardo Goldfarb e marginal do rio Pinheiros, assim como ocorreu na greve geral do dia 28 de abril deste ano.
Como os ônibus não puderam seguir pelas vias, os passageiros seguiram a pé pela ponte Bernardo Goldfarb.
Às dez horas, os manifestantes desocuparam as vias e retornaram ao campus da USP, encerrando o ato pacífico, sem ocorrências.
O ato foi organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores da USP – Sintusp – e pelo Diretório Central dos Estudantes da USP – DCE Livre Alexandre Vannucchi Leme, com a presença de organizações do movimento estudantil.
Nós, professores da Escola Estadual Andronico de Mello, repudiamos veementemente a ameaça de fechamento de salas durante o ano letivo de 2017. Entendemos que essa medida fere diretamente a autonomia escolar, desrespeita a vida profissional e pessoal de seus docentes, assim como não considera o trabalho diário, projetos e desafios pedagógicos desenvolvidos ao longo do presente semestre. Interromper de forma abrupta e burocrática sem consultar as demandas da unidade escolar fere diretamente as expectativas e o planejamento que nos colocamos e nos colocaram no início desse ano letivo.
O fechamento de salas de aula, com as reacomodações necessárias que implicará, irá gerar dificuldades imprevistas aos desafios pedagógicos assumidos e planejados no início do ano letivo. Essa medida é considerada por esse grupo como incompatível e incoerente com os programas de Transparência e Gestão Democrática, Método de Melhorias de Resultados, Busca Ativa e Superação dos índices do IDESP, programas propostos pela própria Secretaria da Educação. Perguntamo-nos como continuar com esses projetos diante de uma mudança que afeta diretamente a demanda diretiva, a realidade pedagógica, a organização e a dinâmica discente específica da nossa escola?
Como docentes, sabemos que adaptar o trabalho pedagógico para cada sala de aula demanda um longo tempo de consolidação. Mudanças repentinas como essa proposta, nos direcionam para um caminho diferente do que acreditamos em nossas práticas diárias. Entendemos que elas devam ser respeitadas e consideradas, antes de mudanças realizadas pela administração estadual. Ponderamos que seguir normas e resoluções meramente técnicas de metragem do espaço não atende nossos desafios por uma escola e ensino de qualidade. Além disso, conforme encontramos nas sugestões do PNE, a exigência de um mínimo de 40 com possibilidades de extensão, está longe dos 35 alunos sugeridos pelos Fóruns de Educação e pelos documentos e metas assinados pelo próprio Estado de São Paulo.
Essa mudança também desconsidera totalmente a realidade profissional e a vida pessoal de seus docentes. Cientes da dinâmica anual do ano letivo, suas escolhas e planos não podem ser alterados de forma que intensifique, precarize e desrespeite os compromissos assumidos e que envolvem sua vida como educador que se estende muito além dos períodos das aulas. Fechamento de salas promovem mudanças do quadro de seus profissionais não apenas entre os períodos e turmas, mas também de unidade escolar. Não entendemos como isso pode ser compatível com a política de valorização e respeito pelo magistério divulgado pela Secretaria da Educação.
Por isso, aprovamos essa denúncia e a moção de repúdio a essas medidas que atingem a nossa escola e que irão apenas aprofundar as ações de desvalorização da Escola Pública.
A qualidade formativa não se traduz e se resume por acomodação quantitativa de pessoas em um espaço físico. Medidas como essa se estabelecem em um contexto e momento estranhamente inapropriado e de forma totalmente arbitrária.
São Paulo, junho de 2017
Assinam essa moção de repúdio.
Professores:
Alécio de Araújo
Alex Sandro S. Correa
Ariana Almeida Gomes
Cláudia B. de Freitas
Claunice Iheda
Cristina Regina Montovani
Eliana Salomão Canton
Filomena Pereira Leal
Frederico Morrach
Ione Silva Lisboa
Janaina Silva Mendes
Kátia Pisaruk
Luciana Fabiola Goncalves
Luis Antônio Fernandes
Marina Gonçalves Platera
Marlise Goulart Balienio
Neide Rodrigues Coelho
Nereu Van Loon Bodê da Costa Dourado
Paulo Henrique Pereira
Pedro Willian S.F.
Priscila Silva de Souza
Roseli Dias
Samanta Nunes de Arruda
Socorro Magda da Cunha
Tomas Nunes Castilho”
No dia 13 de dezembro de 2016, a Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) vivia mais um dia tenso. Dezenas de estudantes secundaristas lotavam a galeria da Casa. Na mesa diretora, deputados liam o relatório da CPI da Merenda, que seria votado pelos demais membros do parlamento logo em seguida. À medida que a leitura transcorria, seu conteúdo revelava que políticos citados em supostos desvios da merenda escolar não seriam enquadrados dessa forma no documento. Os estudantes se exaltaram e os policiais militares entraram em ação. Novas cenas de repressão se iniciavam.
“Começamos a gritar palavra de ordem e a xingar alguns deputados. Foi quando os policiais partiram em nossa direção e um deles foi tentar levar o Anderson”, narra Gabriel Rodrigues dos Santos, 16 anos, estudante do 8° ano da Escola Estadual Dona Maria Alice Crissiuma Mesquita, situada em Carapicuíba, grande São Paulo. O outro estudante que, segundo ele, seria detido pela Polícia Militar chama-se Anderson Ribeiro, diretor da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES).
O que aconteceu em seguida é lembrado com detalhes pelo jovem. “Assim que um policial segurou o Anderson para levá-lo, eu reagi, puxando-o para tentar evitar. Outro policial me prendeu pelos braços e saiu me arrastando também”. As cenas seguintes são relatos de desproporcionalidade e uso excessivo de força. Gabriel – um garoto magro medindo 1,70 metro – foi enforcado pelo policial. Seu rosto já se avermelhara e lágrimas escorriam-lhe pelos olhos. “Ouvia gente gritando para me soltarem porque eu poderia morrer”. Arrastado até um elevador com mais policiais presentes, recebeu três socos na barriga e na costela, além de dois fortes tapas no rosto.
Gabriel foi levado para um Departamento Policial. Em sua companhia foram a deputada estadual Márcia Lia (PT) e um advogado da assessoria da sambista e também deputada estadual Leci Brandão (PCdoB). Na delegacia, policiais chegaram a fazer menção de que seu destino seria a Fundação Casa, um Centro de Atendimento Socioeducativo, mas a intervenção da deputada impediu. O estudante foi liberado após a chegada de sua mãe, Ana Rodrigues dos Santos, 43 anos.
Esses fatos encerraram um episódio marcante da política em São Paulo e que teve repercussão nacional. Ainda no primeiro semestre daquele ano, em 3 de maio, dezenas de estudantes ocuparam o plenário da ALESP. Movidos pela indignação com manchetes de jornais e telejornais, dando conta da existência de um esquema de fraude e desvio da merenda escolar na rede pública estadual de ensino, entraram ali dispostos a só saírem depois de os deputados se comprometerem a aprovar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso.
As manchetes fartamente reproduzidas em todo país tratavam de um desdobramento da Operação Alba Branca, deflagrada em 19 de janeiro de 2016 pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Estadual de São Paulo. De acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Ribeirão Preto, entre 2013 e 2015 as fraudes chegaram a R$ 7 milhões. Entre os investigados estava Fernando Capez, deputado pelo PSDB e presidente do parlamento estadual.
Os estudantes cumpriram o que prometeram. Três dias depois, na tarde do dia 6 de maio, deixaram o local e, na parte externa, comemoraram a conquista das 10 assinaturas que ainda faltavam para a criação da CPI da Merenda Escolar.
Foi um feito e tanto.
Nos quatro anos anteriores, nada menos que 26 CPIs foram enterradas na ALESP. A base de apoio do governador Geraldo Alckmin (PSDB), com ampla maioria, sempre atuou de forma rápida para evitar que qualquer investigação sobre os atos do governo fosse aberta.
Mas essa foi difícil conter. As principais emissoras de televisão, rádios e jornais cobriram amplamente os três dias de ocupação. Isso levou a uma grande mobilização de entidades da sociedade civil organizada, de artistas e intelectuais em solidariedade aos estudantes. Ainda na primeira noite, o cantor Chico César, conhecido pela música “Mama África” e dezenas de outros sucessos, compareceu ao local. Ele ouviu o relato dos jovens, manifestou seu apoio e cantou várias músicas para eles. Instantes após a sua saída, o Padre Júlio Lancellotti, responsável pela Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, chegou com pães e chocolate quente feitos por moradores de rua sob sua coordenação. A doação era o gesto de apoio daquela pastoral à manifestação das meninas e meninos. Num breve e empolgante discurso, ele destacou que “em tempos de injustiça, praticar a desobediência civil é uma virtude”.
O relatório aprovado naquele 13 de dezembro listou 20 nomes envolvidos no caso. Nenhum de político com mandato. Os nomes de Luiz Roberto dos Santos, o “Moita”, ex-chefe de gabinete da Casa Civil na gestão de Alckmin, além de Jéter Rodrigues e José Merivaldo dos Santos, ex-assessores de Fernando Capez, foram os que mais se aproximaram daqueles com poder de decisão na administração pública.
Apesar da blindagem política que os mantém impunes, os principais suspeitos de liderar o esquema saíram com a reputação manchada. O engajamento de uma geração de estudantes secundaristas, que já tinham chamado a atenção do país inteiro após ocuparem mais de 200 escolas no final de 2015 contra a proposta de “reorganização” escolar que poderia levar ao fechamento de dezenas delas, era responsável por isso.
… Vendedor de amendoins
É meio dia. Na estação Barra Funda do metro de São Paulo, milhares de pessoas trafegam freneticamente. Integrada com outras duas linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e mais um terminal rodoviário, cotidianamente centenas de milhares de pessoas circulam pelo local. Todo dia, nesse horário, Gabriel também chega ali. Vindo da periférica Carapicuíba, cidade onde nasceu e reside até hoje, anda sempre com uma mochila carregada de doces. Até às 17h, alterna entre as linhas 8 e 9 vendendo amendoins, chicletes e balas. Antes de anoitecer, retorna para a casa e em seguida vai à escola.
Negro, com um bigode sutil de adolescente cujos hormônios começam a moldar um corpo de adulto, Gabriel é o sexto filho entre oito irmãos. Seus pais são separados há seis anos. Ele mora no bairro Vila Lourdes com a mãe e quatro irmãos: Gleice, 21 anos, Juliana (17) e os gêmeos João Victor e João Augusto (15). Liliane, 22, mudou-se para Curitiba há cinco anos e desde então não recebe notícias dela. Cláudio, 28, está preso há 4 anos, acusado de participação em tráfico de drogas. O mais velho, Eduardo, morreu em 2011 na linha 8 da CPTM. Deslocava-se para o trabalho de manhã cedo quando caiu na linha do trem, após ser empurrado pela multidão que todo dia aglomera-se nas estações. Até hoje a família não recebeu a indenização que requisitou à Justiça. Sobre o pai, só sabe que mora na capital. Não tem contato com desde que ele e sua mãe se separaram.
Todo dia o jovem que desafiou deputados e contribuiu para difundir na sociedade o escândalo sobre o desvio da merenda escolar de diversas crianças e adolescentes iguais a ele repete essa rotina. De 2014 para cá, entretanto, as atividades políticas passaram a alterar esse script. Atraído pela identidade construída pelo Partido dos Trabalhadores de atuação em favor das classes populares, reforçada pela imagem e atuação do ex-presidente Lula, Gabriel se envolveu na campanha de reeleição da então presidente Dilma Rousseff. Vinha duas vezes por semana para a capital e também nos fins de semana. Se informava sobre as atividades que a militância realizaria e, sem conhecer ninguém, se somava a elas. Distribuía panfletos em grandes pontos de concentração de pessoas (estações de metrô e avenidas principais), participava de caminhadas, carreatas e etc.
Contra o impeachment de Dilma Rousseff
Esse envolvimento iniciou-se em sua própria cidade, na eleição municipal de 2008. Ainda criança, pregou adesivos da campanha do então candidato a prefeito pelo PT Sérgio Ribeiro, que seria eleito e reeleito em 2012. Na reeleição de Ribeiro, dividiu seu tempo com vindas a São Paulo para participar também das atividades de campanha de Fernando Haddad, que numa arrancada surpreendente sairia de 7% das intenções de voto para se tornar prefeito da maior cidade da América do Sul. Gabriel driblava sua mãe dizendo que “ia bem ali”. Só retornava cinco ou seis horas depois.
“Nem sei como começou direito. Em 2008, era criança ainda e participava por participar. Mas em 2010 (na primeira eleição de Dilma), vi toda aquela discussão contra ela, por ser mulher e apoiada por Lula. Isso despertou minha atenção porque já tinha noção dessa ligação do Lula com as pessoas mais pobres e ser contra ele me incomodava por isso”, explica.
Após a eleição que reelegeu Dilma, o campo político que foi derrotado nas urnas, liderado pelo candidato Aécio Neves (PSDB), iniciou uma série de ações para reverter o resultado eleitoral. Todo esse processo culminaria no impeachment da presidente eleita no final de agosto de 2016. Mas entre uma data e outra, a polarização política na opinião pública e nas redes sociais ganhou as ruas.
No ano de 2015, um total de sete grandes manifestações foram realizadas em todo país. Três convocadas por organizações como Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Nacional dos Estudantes (UNE) e Movimentos dos Sem Terra (MST) – em março, agosto e dezembro -, e quatro (em março, abril, agosto e dezembro) chamadas por organizações criadas para fazer oposição aos governos de Lula e Dilma, como “Vem Pra Rua”, “Revoltados On Line” e Movimento Brasil Livre (MBL). Gabriel participou de todas aquelas que os movimentos sociais realizaram.
Em 2016, as atividades realizadas contra o impeachment de Dilma e a favor da democracia multiplicaram-se exponencialmente. A condução coercitiva do ex-presidente Lula, em 4 de março daquele ano, foi recebida por muitos como um excesso do juiz Sergio Moro, no bojo da operação “Lava Jato”, conduzida a partir de Curitiba. Nos dias seguintes ao episódio, uma pesquisa de opinião simulando o cenário eleitoral para a Presidência da República indicava Lula liderando a corrida eleitoral pelo cargo que ocupou entre 2003 e 2011. Esse fato, somado a proximidade da primeira votação do impeachment na Câmara dos Deputados, que ocorreria em 17 de abril, suscitou centenas de atividades em todo o país.
Comitês pela democracia em dezenas de universidades, divulgação de manifestos assinados por artistas, intelectuais, juristas e políticos, vários debates nas redes sociais elevaram a temperatura da política no país. Do ponto de ônibus ao botequim, passando pela padaria e a igreja. Em todos os lugares alguém falava sobre o assunto.
Na capital paulista, Gabriel se tornou figura corriqueira nas principais atividades. Com um traquejo de garoto travesso e comunicativo, adquirido na lida diária da venda de doces, se aproximava das pessoas com facilidade. Inquieto, como é característico de adolescentes da sua idade, circulava entre os vários grupos presentes nas atividades. Com um tempo, percebeu ali também uma oportunidade de aumentar seus dividendos. Passou a revender broches com frases que ouvia serem pronunciadas nas palavras de ordens repetidas pelos manifestantes, como “não vai ter golpe” e “fora golpistas”.
Não demorou para Gabriel ser chamado pelo próprio nome nas atividades políticas. Isso também se refletia em seu perfil na rede social “Facebook”. Hoje tem 2.677 amigos, sendo a maioria filiados ao PT, PCdoB e PSOL. Seu álbum de fotos tem várias em que ele aparece junto de figuras conhecidas, como Lula e Gleisi Hoffmann, seus preferidos. Mas também Dilma Rousseff, Jandira Feghali, Vanessa Grazziotin e Lindbergh Farias.
Os contatos não se limitam ao momento das fotos. Como vai às principais atividades e já é reconhecido nelas, tem contato com os ativistas via WhatsApp também. Gabriel integra vários grupos, onde se informa sobre fatos e opiniões dos acontecimentos da política. Durante a entrevista, por vezes inverteu o papel perguntando sobre a maior possibilidade da saída de Temer: via impeachment no Congresso Nacional ou cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
…Aniversário com Lula
No aniversário de Lula e Gabriel, os dois celebraram juntos
“Nasci em 27 de outubro de 2000. É o mesmo dia em que Lula faz aniversário”, frisa. A coincidência da data o levou a comemorar seu último aniversário junto com o ex-presidente e seu maior ídolo. “Alguns militantes decidiram fazer uma surpresa para o Lula e foram até o Instituto (Lula). Eu fui junto. Passei o dia lá, esperando para dar os parabéns para ele. Quando acabou uma reunião em que ele estava com a bancada do PT em Brasília, o encontramos e pude cumprimentá-lo”, descreve.
O mais recente encontro entre eles ocorreu dia 31 de maio. Marcaram, inclusive, a próxima data em que vão se ver. No dia 10 de junho, durante a posse da direção estadual do diretório PT paulista, Lula combinou de receber sua filiação e anunciá-la publicamente.
Engana-se quem acha que o ato de se filiar é mero capricho do garoto. “Quero ser candidato a vereador em Carapicuíba, em 2020”. Quando perguntado se esse é o maior objetivo da sua vida, ele responde que sim. “Já pensei em estudar Direito também, mas a maior coisa que eu penso mesmo é ser candidato”.
As limitações materiais da sua família fizeram com que ele assumisse responsabilidade cedo. Mas isso também foi uma opção sua. Sua mãe trabalha como vendedora numa loja no endinheirado Shopping Iguatemi, em Pinheiros. Com a renda desse trabalho, ela arca com as despesas da família. Os irmãos que moram com que ele não trabalham. No bairro, divertem-se todos os dias na quadra de esportes. “No esporte sou meio coxinha”, ele diz abrindo um sorriso inocente. Pergunto se o esporte dele é ganhar dinheiro. “Quem não gosta, né?”, responde rindo novamente.
Com o dinheiro que ganha com as vendas de doces, costuma comprar roupas e ir ao cinema. Assiste a maioria dos lançamentos. Prefere as salas do shopping JK. Sua mãe, segundo ele, diz que não é preciso ajudar em casa. Em momentos de maior restrição, vai ao supermercado e compra alguns alimentos. “Mas só às vezes mesmo”, diz.
A desenvoltura que tem em conversar e fazer brincadeira com as pessoas não é a mesma diante de circunstâncias que animam muitos garotos de sua idade. “Você namora, Gabriel? Tem alguma gatinha?”, pergunto. O rosto muda de feição. Fica com uma expressão nitidamente envergonhada, faz alguns segundos de silêncio e responde sorrindo novamente, só que com a voz mais baixa: “Sou de Deus”.
Saímos dos bancos situados na parte externa da biblioteca Mário de Andrade, na rua São Luís, centro de São Paulo, onde fizemos a entrevista, em direção à estação república do metrô. Descemos as escadas e, no sentido contrário, uma mulher branca, maquiada, de cabelos pretos subia pela escada rolante. “Olha ela”, fala em voz alta. A moça olha assustada e Gabriel ri alto. A cena indica que suas tardes de trabalho estão repletas de descontrações como essa.
Momentos depois nos despedimos. Lá iria Gabriel, com a sua alegria juvenil e acanhada, mesclada ao encantamento com a política e o sentimento de que, ao participar dela, podemos mudar a vida das pessoas para melhor.
“Em defesa da autonomia nacional, democracia, desenvolvimento econômico com a diminuição da desigualdade” por Ciro Gomes, Bresser Pereira e Eleonora de Lucena
Na última sexta feira, o Projeto Brasil Nação foi lançado para os estudantes presentes no 55º CONUNE. Correspondendo às expectativas dos presentes – que formaram fila na espera da palestra e até uma pequena concorrência pelos primeiros assentos -, o vice-presidente do PDT, Ciro Gomes, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira e a jornalista Eleonora de Lucena, dissertaram e argumentaram sobre sua proposta brasileira.
Logo de início, a jornalista Eleonora convidou ao debate um projeto nacional: “eu acho que a gente tá acostumado muito a discutir políticas específicas (…), o que falta é uma política nacional que englobe tudo isso”. E continua: “(o projeto) é uma defesa da autonomia nacional, da democracia, do desenvolvimento econômico com a diminuição da desigualdade e da defesa do meio ambiente”.
Bresser, ao tomar palavra, deixou claro que o que se procura é uma alternativa ao modelo liberal vigente, objetivando a volta do crescimento do país junto da justiça ao povo. Segundo ele, sofremos de três crises: econômica, política e moral e, “desde 1880, o Brasil cresce muito pouco”. Depois de apresentar um panorama da situação brasileira dos últimos governos, afirmou que o projeto segue a linha do novo desenvolvimentismo, o qual concorda com uma política econômica baseada em cinco pontos: uma regra fiscal responsável; uma taxa de câmbio competitiva; um nível de taxa de juros baixa; uma capacidade de investimento Estatal e um sistema tributário progressivo – “só assim se distribui renda. O Brasil é o único país onde tributos são regressivos”.
Foto: Isabela Abalen / Jornalistas Livres
Para finalizar a apresentação, Ciro Gomes conquistou a simpatia dos estudantes com discurso em defesa dos ideais do projeto Brasil Nação. Considerando pontos da história política e econômica do país enquanto apontava falhas governamentais, Ciro enfatizou o problema da inflação – a qual “toma todas as energias do país”-, a importância da presença do Estado na economia e o problema de termos “abrido mão do investimento interno” e, agora, dependermos de exportação. Ele aconselhou: “leiam tudo, mas não deixem de observar a realidade com seus próprios olhos, porque o Brasil não é nem para amadores nem para manuais estrangeiros”. E continuou: “O Brasil, para crescer, precisa compreender que estamos proibidos de crescer. Primeiro, anos na fila de juros alto colapsou o balanço das empresas privadas; não há um ponto que nós podemos esperar das empresas privadas para o investimento no país. Segundo, há um colapso do real que está fazendo despencar a receita pública.”
Ciro afirmou que a taxa de câmbio – presente em um dos cinco pontos do projeto – deve se tornar assunto público, já que interfere diretamente na vida das pessoas. Além disso, ressaltou: “Nós precisamos de política industrial de comércio exterior que supere esse desequilíbrio e (…) ter um câmbio estimulante que trabalha e produz”, terminando com um convite: “vamos pensar o Brasil”.
O manifesto do projeto Brasil Nação conta com assinaturas de Chico Buarque, Raduan Nassar, Laerte, entre outras influências. Seu acesso é livre pelo site.