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  • Debater ensino híbrido em tempo de isolamento social: o que pode estar nas entrelinhas?

    Debater ensino híbrido em tempo de isolamento social: o que pode estar nas entrelinhas?

    Por Daniel Filho

    O ensino híbrido, ou blended learning, consiste em professoras e professores como moderadores de um processo de aprendizagem cujo principal estímulo é a interação interpessoal e formação da autonomia para que estudantes encontrem e conduzam seu próprio método de pesquisa, tanto de forma presencial quanto virtual, essa mescla justifica o termo inglês “blend” que significa mistura.

    Uma necessária etapa de evolução do ensino, mas o resgate desse tema em tempo de isolamento social oriunda da pandemia pode encobrir intenções e riscos?

    Com o necessário isolamento social as aulas remotas foram postas no colo da comunidade escolar numa realidade onde uma grande parcela de docentes e discentes não tem pleno acesso a notebooks e internet. O primeiro de muitos “hibridismos” impostos.

    Esse artigo não visa criticar o conceito que, por sinal, é necessário a uma educação de qualidade, mas provocar a reflexão: temos unidades de ensino com estrutura física e tecnológica para o século XXI? O quanto retomar esse debate pode se converter em perda de direitos, logo, retrocesso, em vez de evolução no processo de ensino-aprendizagem?

    PROFISSIONAIS HÍBRIDOS

    Soa inerente ao profissional da educação essa condição híbrida. Da sua formação aos anos de exercício da profissão vê a necessidade de mesclar teoria, prática, tendências, conceitos… Políticas públicas e determinações de governos, muitas vezes são jogadas abruptamente, com pouca ou nenhuma discussão de base, na vida do profissional e, aos mesmos, o “tapinha nas costas” com o dizer: “Você é capaz, professora/professor!”

    Mas se trata de capacidade ou desrespeito? Mudanças que visam melhoria do ensino público ou assédio e precarização do trabalho? Em Pernambuco podemos ilustrar com alguns exemplos de como se dão essas rupturas e suas rápidas readaptações à realidade das comunidades escolares.

    AVALIAÇÃO

    Em Pernambuco a avaliação escolar deixou de ser feita por nota (0 a 10) para ser conceito (DC = Desempenho construído, DEC = Desempenho em Construção, DNC = Desempenho Não Construído) e, pouco depois voltar a ser nota. Isso falando das avaliações internas, mas surgiram ainda as avaliações externas, SAEPE, SAEB, são as principais. Bonificações para unidades de ensino que atinjam metas foram implantadas e o conflito se instala: educação para construção de aprendizagem e autonomia ou para competição?

    Há formações acerca do tema avaliação, mas, na prática, ainda estamos longe de um modelo avaliativo diagnóstico e inclusivo.

    ACOMPANHAMENTO INDIVIDUALIZADO

    O diário escolar que registra a vida escolar de estudantes já foi impresso, quase sempre entregue com atraso forçando professoras e professores a ter trabalho duplo (anotar em caderno para, depois, reescrever quando os diários chegavam). Depois foi modificado para o Sistema de Informações da Educação de Pernambuco (SIEPE). Informatizado, visou a melhoria, mas não veio junto com acesso à internet de qualidade e notebooks, tablets, aos profissionais da educação (administrativos e pedagógicos) ou mesmo formação continuada para explicar o sistema. Muitos profissionais tiveram que pagar para trabalhar, fazer cota para ter internet de qualidade e, assim, conseguir abastecer o sistema. Muitos têm trabalho duplo, pois quando o acesso é ruim na sala, precisa anotar para, somente então, incluir no sistema. Nas escolas que não têm o acesso, profissionais levam seu trabalho para casa.

    ESCOLA INTEGRAL

    O tema sempre foi muito debatido e Pernambuco se destaca pela ampliação do modelo. Um período estendido dentro da escola é visto como garantia de direito e prometia uma melhor condição trabalhista ao profissional que poderia ter melhoria salarial considerável, em caso de dois vínculos ter as duas matrículas em um mesmo local de trabalho, além de um tempo maior dentro da escola para planejamento, formação e avaliação o que, em tese, deveria impedir uma terceira jornada em casa.

    Na prática a gratificação está congelada a um teto, perdendo seu poder de valorização que teve no início, não poderá ser levada para a aposentadoria, no entanto sempre teve descontos previdenciários e, por todos problemas citados referentes à avaliação e sistema de informações, o terceiro turno em casa se tornou inevitável.

    Muitas professoras e professores, ainda, não conseguiram manter suas matrículas no mesmo local de trabalho e a jornada de trabalho é exaustiva.

    Estruturalmente muitas escolas não viram mudança para uma adequação a uma jornada diária de nove horas. Quadras poliesportivas sem cobertura (quando a escola tem quadra), refeitório e espaços de aprendizagem inadequados, banheiros com problemas, salas sem climatização… Um modelo de educação que deveria ser referência e desejada para todas e todos continua a enfrentar desafios e desigualdades gritantes.

    Profissionais da educação e estudantes se veem, mais uma vez, a “mesclar” promessa, tese e realidade.

    PANDEMIA E AULAS REMOTAS

    Com a pandemia, isolamento social, a cobrança aumentou e o conceito de educação híbrida voltou à tona. Não há nenhuma condição de retorno às aulas sem vacina por todos os problemas estruturais já citados. Para garantir aulas remotas a uma pequena parcela de estudantes, professoras e professores se desdobram para adaptar conteúdo, prática e condições de trabalho. Não chegando a todas e todos, fica a disputa da validação ou não das aulas remotas como dias letivos.

    Não sendo validada, professoras e professores, mais uma vez, acumularão trabalho. Sendo validada, estudantes que não tiveram acesso serão prejudicados e abre caminho para uma educação à distância ser normalizada para o pós pandemia o que torna tendenciosa a retomada do conceito “educação híbrida”.

    Retirada de direitos, precarização ainda mais aprofundada do trabalho docente, imposição do ensino domiciliar, conhecido também pelo termo em inglês “homeschooling”, evasão escolar, são algumas das muitas chagas que podem estar travestidas de modernização da educação e que aprofundariam ainda mais as já gritantes desigualdades sociais em nosso país.

    Reflexão posta fica a discussão acerca do que é ser híbrido quando o tema é educação pública de qualidade. Quando gestoras e gestores dos recursos e políticas públicas educacionais poderão adotar uma prática híbrida de respeito, valorização, democracia e acesso à tecnologia para profissionais, escolas e estudantes?

    VITÓRIA DA EDUCAÇÃO COM QUEM FAZ EDUCAÇÃO

    Com a promulgação da emenda constitucional que torna o FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) permanente, com ampliação gradual do repasse de dinheiro da União para o fundo (dos atuais 10% a 23% até 2026), a manutenção da educação pública ganha novo fôlego.

    Garantir que esses recursos se convertam em valorização profissional, modernização das estruturas das unidades escolares e pleno acesso a uma educação pública de qualidade se faz ouvindo quem vive e faz a educação desse país.

    Daniel Filho é Mestre em psicanálise aplicada à educação, escritor, professor e coordenador de Biblioteca da rede estadual de ensino em Petrolândia, sertão de Pernambuco e Coordenador regional afastado do Sintepe (Sindicato dos trabalhadores em educação de Pernambuco).

  • PM baiana trata com truculência movimento grevista das universidades estaduais

    PM baiana trata com truculência movimento grevista das universidades estaduais

    Carmen Carvalho e Karina Costa, especial para o Jornalistas Livres

    Em greve há quase 60 dias, os professores e estudantes das universidades estaduais baianas sofreram, na última quarta-feira (05/06), em Salvador, Bahia, com a truculência da Polícia Militar que tentou barrar a entrada dos manifestantes na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) para se abrigarem da chuva que caía na cidade. Cinquenta pessoas conseguiram entrar no prédio enquanto os demais foram obrigados a permanecer na parte de fora da instituição. Desde o dia anterior, o movimento grevista estava acampado em frente à Secretaria de Educação, que fica ao lado da SECTI, em protesto contra a falta de diálogo do governo Rui Costa (PT).

    “Entramos na Secretaria de Ciência e Tecnologia para nos abrigar e fomos recebidos pela Polícia Militar do governo Rui Costa de maneira ostensiva, violenta, sem compreender que nós, professores e professoras e alunos das universidades estaduais, não poderíamos continuar ao relento e na chuva”, desabafou a presidente da Adusb (Associação dos Docentes da Universidade Estadual do Sudoeste Baiano), Soraya Adorno.

    Os manifestantes acamparam em frente à Secretaria de Educação na terça-feira (04/06), quando foram realizar a plenária das universidades baianas “Em Defesa da Autonomia Universitária” e foram recebidos com os portões do prédio fechados, grades na entrada e a Tropa de Choque da PM na parte de dentro, além de quatro viaturas e policiais de uniforme e à paisana na parte de fora. Realizou-se então o ato na parte da tarde com falas de professores e estudantes que defenderam a educação pública no estado. O Fórum das Associações das Universidades Estaduais (FAD’s) tentou protocolar a contraproposta das quatro universidades no órgão. Isso, no entanto, não foi possível porque os funcionários se recusaram a receber o documento. Nem o secretário, Jerônimo Rodrigues, apareceu no local.  O Comando de Greve então decidiu por fazer uma vigília por meio de um acampamento no local em protesto contra o governo.

    “Hoje (05/06), amanheceu com chuva, as barracas alagadas, o terreno encharcado, e então resolvemos nos abrigar aqui (SECTI) e a polícia resolveu fechar a porta e nos pressionar. Estamos nos sentindo sitiados, a situação ainda é muito delicada, o governo não acena com uma tentativa de deixar as portas abertas e a entrada e saída livre para professores e estudantes”, relatou coordenador do FAD’s, André Uzeda.

    Além da pressão policial, os manifestantes acampados ficaram sem acesso ao banheiro no prédio. Segundo a professora da Uesb, Andrea Gomes, os professores e estudantes, em um primeiro momento, foram obrigados a fazerem as necessidades fisiológicas em vasilhames e descartá-las na porta da SECTI. E só as mulheres foram liberadas a saírem para usarem o banheiro químico e voltarem. Já os homens que saíssem, não poderiam retornar. “Nós somos funcionários públicos e estamos aqui em defesa do patrimônio público, em defesa das universidade, e a segurança do patrimônio, do prédio, é mais importante que as pessoas. Querem nos retirar daqui”, contou Gomes. “Estamos impedidos de usar o banheiro independente da situação, da idade, da condição. Todos impedidos, mas a gente improvisa. E ainda dizem defender as liberdades democráticas. Quanta contradição desse governo petista da Bahia”, disse a diretora da Adusb, Iracema Lima.

    http://https://youtu.be/KCxnKznCbqc

    Durante a madrugada, houve uma reunião entre os representantes do FAD’s, o comandante de Operações da Polícia Militar, coronel Humberto Sturaro,  os deputados estaduais Fabíola Mansur (PSB) e Hilton Coelho (PSOL), membros do movimento estudantil e o vereador de Salvador Marcos Mendes (PSOL) para a desocupação da SECTI e para marcar uma reunião de negociação entre o governo e o movimento. Às 4 da manhã de hoje (06/06), Alexandre Galvão, da Adusb, e Ronalda Barreto, da Aduneb, informaram que uma nova reunião com o governo foi agendada para às 12h, do mesmo dia. Segundo eles, a expectativa é que esse encontro defina os rumos do movimento grevista “avançando na pauta de reivindicações”.

    Ainda na madrugada de hoje (06/06), os manifestantes deixaram o prédio da SECTI e foram abrigados no campus da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Salvador, onde passaram a noite. Já pela manhã, os professores e estudantes se mobilizaram novamente em frente a Secretaria de Educação do estado, enquanto aguardavam o resultado da reunião entre representantes do governo e do Fórum das Associações das Universidades Estaduais (FAD’s), marcada para as 12h.

    A equipe de reportagem tentou ainda conversar via telefone com o secretário de Educação, Jerônimo Rodrigues,  para saber qual o posicionamento dele sobre a maneira como a PM tratou os professores e estudantes, mas não obteve uma resposta.

    Greve

    A greve nas universidades estaduais baianas foi deflagrada oficialmente dia 9 de abril em três (Uesb, Uefs, Uneb) das quatro instituições e dia 15 entrou também a última que faltava, a Uesc. Desde então, conforme determina a lei de greve, permanecem em funcionamento 30% das atividades, no âmbito do ensino, da pesquisa e dos projetos de extensão e da parte administrativa. Na Bahia, atualmente, o quadro docente das UEBA’s é formado por 5.355 profissionais para atender a uma demanda de 46.127 estudantes, de acordo com dados do FAD’s.

    Os salários dos professores foram cortados pela segunda vez no dia 31 de maio e foram incluídas faltas nos contracheques. Só receberam aqueles que estão afastados para pós-graduação (mestrado ou doutorado) ou estão à frente de chefia de Colegiado de Curso ou de Departamento e de setores administrativos das universidades.

    Durante os quase dois meses de greve, já aconteceram reuniões entre o Fórum das Associações Docentes, que reúne representantes das quatro universidades, e a Comissão de Educação, que tem à frente os deputados estaduais Fabíola Mansur e Rosemberg Pinto. A última reunião foi no dia 26 de maio, domingo, quando estava presente também o Secretário de Educação, Jerônimo Rodrigues. No entanto, até o momento, não houve avanço nas negociações em relação as três reivindicações principais do movimento grevista: mais recursos para as universidades, a reposição inflacionária das perdas salariais dos últimos quatro anos, que chegam a mais de 25%, e o respeito ao Estatuto do Magistério Superior.

    O governo, por meio dos seus mediadores no legislativo, Pinto e Mansur, sinalizou, em carta no dia 17 de maio, apenas com a devolução de 36 dos 110 milhões contingenciados entre 2017 e 2018 do orçamento das universidades. Esse valor então não significa mais investimento para o ensino superior, é uma restituição dos cortes anteriores. Além disso, também se propôs a dar andamento aos processos de promoção dos professores que estavam parados. Mas ainda é uma promessa, não houve nada concreto e não menciona as promoções e mudanças de modalidade de trabalho, de 40 h para dedicação exclusiva, as quais vários professores aguardam para conseguir. Sobre a questão salarial, nada foi apresentado. Nesse ponto, o governo Rui Costa se recusa a conversar. O Estatuto do Magistério Superior não foi mencionado. Quanto aos salários cortados dos professores, ficou assegurado que serão pagos a partir da apresentação do cronograma de reposição das aulas. E os interlocutores disseram ainda que só haverá uma mesa de negociação com a saída imediata dos professores da greve.

    “É um governo difícil de negociar porque ele não negocia, não deixa ninguém negociar e, quando negocia, não admite que é negociação e quer chamar aquela reunião de reunião informal.  Não assina documentos. Então a gente acha que é uma postura anti-sindical mesmo e de ataque a uma categoria que está em greve”, desabafou o coordenador do Fórum das AD’s.

     

     

  • Mato Grosso se levanta pela Educação!

    Mato Grosso se levanta pela Educação!

    A produção e difusão industrial de fakenews (como o tal de kit gay) que elegeram Bolsonaro já está invadindo novamente as redes sociais, em especial o WhatsApp, para mostrar que as universidades públicas são lugar de baderna, doutrinação ideológica, orgias, consumo de drogas… Ou seja, dinheiro público jogado fora. Nada mais distante da realidade! Qualquer pessoa que tenha estudado em instituições públicas de ensino superior no Brasil, ou mesmo frequentado esses lugares, SABE que as universidades e institutos federais são locais de muito trabalho e dedicação por professores, pesquisadores e funcionários que em geral recebem mal e têm poucos recursos físicos e financeiros para exercer suas atividades com excelência. Ainda assim, é desses locais que saem as reflexões, estudos, pesquisas e produtos que permitem a evolução da sociedade e uma infinidade de melhorias nos mais diversos campos práticos. Mais de 90% de TUDO o que se desenvolve no Brasil em novas tecnologias em medicina, física, química e nos estudos sociais que alicerçam políticas de infra-estrutura, segurança pública, comunicação, etc, saem das universidades públicas. Acabar com a universidade, é matar o futuro do Brasil. Cortar 30% do orçamento das despesas discricionárias é paralisar essas atividades HOJE!

    Mas a comunidade acadêmica não vai se deixar abater tão facilmente. Contra as mentiras espalhadas pelas redes, estudantes, professores e técnicos estão tomando as ruas em todo o país denunciando a estratégia bolsonarista de atacar a inteligência, o pensamento crítico, a argumentação sobre dados e fatos para nos transformar todos em idiotas mais facilmente massacráveis. Em Mato Grosso não podia ser diferente. A primeira iniciativa é a #BalburdiaUFMT (https://www.instagram.com/balburdiaufmt/), marcada por estudantes para esse sábado, 11 de maio, às 16:00 no Parque Tia Nair


     

    Imediatamente, as outras instâncias da universidade encamparam a iniciativa. O sindicato dos professores, em reunião na última quinta feira, decidiu que não apenas irá levar à praça a verdade sobre a produção intelectual e prática da universidade, como também irá promover outras atividades durante a semana, culminando com uma Jornada em Defesa da Educação e adesão total à Greve Nacional da Educação, prevista para o dia 15 de maio, com atos conjuntos com o Instituto Federal de Educação de Mato Grosso e a Universidade Estadual de Mato Grosso durante todo o dia, dentro e fora dos campi de Cuiabá e outras cidades (http://www.adufmat.org.br/portal/index.php/comunicacao/noticias/item/3858-docentes-da-ufmt-aprovam-15-05-como-dia-nacional-de-greve-geral-da-educacao). E também em preparação à Greve Geral de 14 de junho contra esse governo genocida, a reforma da previdência e o desemprego.

    É assim, com fatos, com verdade, com vontade, dedicação e trabalho que vamos mostrar ao sinistro da educação que os brasileiros não são idiotas pra comer esse chocolatinho mentiroso e ruim de conta que ele quer nos fazer engolir (https://www.youtube.com/watch?v=yndoGcsExME&feature=youtu.be).

  • Reitor da UFRJ denuncia catástrofe iminente na educação

    Reitor da UFRJ denuncia catástrofe iminente na educação

    Desde de 2016, quando do Golpe e do anúncio da então Emenda Constitucional 55 (PEC55), os Jornalistas Livres cobrimos as manifestações contra o que já chamávamos de PEC do Fim do Mundo. Dezenas de milhares de professores, estudantes e pesquisadores, com outros profissionais e ativistas, protestaram pacificamente em Brasília durante as votações na Câmara e no Senado da hoje Emenda Constitucional 95. E foram violentamente reprimidos pelas forças de segurança, com centenas de feridos e outros tantos detidos. Passados nem ainda dois anos, o reitor da maior universidade pública brasileira, Roberto Leher, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, em artigo para o Jornal do Brasil, denuncia o desastre que isso já causou na Academia e o iminente colapso do sistema educacional nacional.

    A catástrofe se aproxima das universidades federais e do sistema de ciência e tecnologia

    Roberto Leher* – 14/08 às 00h00

    Em meio à neblina cerrada que recai sobre o futuro dos conhecimentos científico, tecnológico, artístico e cultural, provocada pela emenda dita do Teto (declinante) dos Gastos (EC 95/2016), a rigor, emenda da reforma não consentida do Estado, a ponta do iceberg emerge ameaçadoramente. Como consagrado no dito popular, a parte visível da catástrofe que se aproxima oculta a grande massa submersa, justamente a referida EC 95. Um alerta à comunidade acadêmica: manobras de pequena envergadura não livrarão o país dos problemas advindos da obtusa alteração constitucional.

    Brasília, 29/11/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/cronica-de-um-dia-tragico-em-brasilia/

    As dimensões visíveis dos efeitos da EC 95 são importantes e, por isso, devem ser cuidadosamente examinadas. Em 1º de agosto, a direção da Capes veio a público para alertar que, com os cortes estimados para 2019, as 93 mil bolsas de pós-graduação e as 105 mil de formação docente deixarão de ser pagas em agosto. É sistêmico. Uma semana depois, o presidente do CNPq manifestou a mesma preocupação sobre o futuro do órgão. A previsão é de que o orçamento despenque do irrisório R$ 1,2 bilhão em 2018 para apenas R$ 800 milhões em 2019. Nem sequer as bolsas poderão ser pagas. É necessário lembrar que em 2014 o orçamento foi de R$ 2,8 bilhões. Ademais, em virtude do teto, recursos advindos das empresas para o fomento científico e tecnológico não poderão ser integralizados no orçamento do CNPq em 2019 por inexistência de limite orçamentário. Com isso, as bolsas de pós-graduação e de pesquisa e os investimentos em ciência e tecnologia serão literalmente interrompidos no país.

    Carina Vitral – Presidente da UNE – Brasília, 29/11/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/cronica-de-um-dia-tragico-em-brasilia/

    A parte visível das consequências sobre a área de ciência e tecnologia é devastadora. Mas é preciso ampliar o olhar para a destruição do sistema de educação superior, ciência, tecnologia e inovação em sua amplitude. As atividades apoiadas pela Capes e pelo CNPq são desenvolvidas, em sua grande maioria, nas universidades públicas federais, e elas estão sobrevivendo por meio de respiração artificial, na iminência de risco de colapso. De modo direto: a crise orçamentária da Capes e do CNPq não pode ser vista de modo desvinculado do apagão orçamentário das universidades federais.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    De nada resolveria alocar mais recursos para a Capes retirando ainda mais recursos das universidades e institutos federais de educação tecnológica. Tampouco dos programas destinados à educação básica. Igualmente, de nada resolveria melhorar os recursos da educação canibalizando as verbas do MCTIC ou do Ministério da Saúde. O problema real é a armadilha produzida pela EC 95/2016. Nenhum país sobrevive sem investimentos públicos.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    Recente estudo de Vilma Pinto e Manoel Pires, do Ibre/FGV, confirma o iminente colapso do funcionamento do Estado Federal. As verbas discricionárias que pagam o custeio e o investimento dos órgãos federais podem ser reduzidas de R$ 126 bilhões, em 2018, para R$ 100 bilhões em 2019, e, em 2020, para R$ 70 bilhões. Isso considerando-se que o salário mínimo e a remuneração dos servidores não serão corrigidos, hipótese socialmente deletéria.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    Contudo, o custo mínimo da máquina pública é de R$ 120 bilhões. Episódios como a suspensão da emissão de passaportes se repetirão em todos os órgãos. Com isso, toda a grande área associada à ciência será desmoronada ao longo de 2019. A pesquisa não é uma linha de montagem em que, desligadas as máquinas, elas podem ser religadas em momento mais favorável. Linhagens de seres vivos precisam ser mantidas. Processos de investigação são cumulativos. Os jovens pesquisadores e estudantes precisam de mensagens positivas sobre o futuro. É fantasioso supor que o mercado irá preencher esse vazio.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    Um exemplo concreto ajuda a dimensionar o problema. Em 2015, na UFRJ, a maior federal do país, as verbas da União autorizadas pela LOA foram de R$ 341 milhões para o seu custeio e investimentos, sendo que  R$ 53 milhões foram contingenciados. Em 2018, o orçamento da União está reduzido para R$ 282 milhões. E novos cortes estão sendo anunciados. Assim, as verbas de investimento despencaram de R$ 51 milhões, em 2016, para R$ 6 milhões em 2018. E com isso prédios estão com a construção interrompida, os prédios prontos estão sem fornecimento de energia, moradias estudantis ficam atrasadas, alimentando a evasão de estudantes. E o estoque da dívida somente não cresce em virtude do forte corte de gastos de custeio empreendido desde 2015, ceifando mais de 1,3 mil postos de trabalho terceirizados. Mas os cortes chegaram ao limite.

    Brasília, 29/11/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/cronica-de-um-dia-tragico-em-brasilia/

    O país necessita de uma concertação democrática e comprometida com o desenvolvimento social, o que requer, obrigatoriamente, recolocar no eixo da política nacional a valorização do trabalho. É preciso uma coalizão que permita um pacto republicano que impeça a desorganização do exitoso sistema de ciência e tecnologia lastreado pelo sistema federal de ensino superior.

    Brasília, 13/12/2016 – Foto: www.mediaquatro.com – https://jornalistaslivres.org/13-de-dezembro-de-2016-o-comeco-do-fim-do-mundo/

    A premissa, lastreada pelas evidências empíricas, é a revogação da EC 95. Frente à necessidade de sustentabilidade do fundo público, outras medidas mais abrangentes e inteligentes terão de ser apresentadas, envolvendo reforma tributária, isenções e renúncias fiscais, melhor abordagem da problemática da dívida, entre outras. Na transição, é preciso impedir que a EC 95 salgue o solo do porvir da educação, da ciência, da tecnologia, da arte e da cultura. Para que as universidades federais não entrem em colapso, a Lei Orçamentária terá de restabelecer, no mínimo, o montante corrigido da média das LOAs do período 2013-2016, anterior à EC 95, e alocar recursos que possibilitem a conclusão das obras interrompidas e a correção do orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil, assegurando, ao mesmo tempo, que o CNPq e a Capes recebam o valor real médio do mesmo período.

    * Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

     

    Fotos: Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com

    Artigo original em: http://www.jb.com.br/artigo/noticias/2018/08/14/a-catastrofe-se-aproxima-das-universidades-federais-e-do-sistema-de-ciencia-e-tecnologia/

     

  • Entenda o plano do PSDB para a Educação (ou por que São Paulo, Paraná e Goiás têm escolas em luta)

    Entenda o plano do PSDB para a Educação (ou por que São Paulo, Paraná e Goiás têm escolas em luta)

    Em 2015, professores da rede pública de seis estados desafiaram os governos estaduais com uma greve que buscava não só melhores salários como também uma escola pública de qualidade. Em São Paulo, foram 92 dias. No Paraná, com 50 dias de greve, a violência policial contra os servidores públicos, manifestantes e jornalistas mostrou quem era a PM do governador Beto Richa (PSDB).
    Greve dos Professores_Paraná_2015Em São Paulo, a truculência da PM contra os estudantes não foi diferente com o projeto de “reorganização” das escolas. Após o levante dos secundaristas pelas ruas e pelas mais de 200 ocupações, Geraldo Alckmin (PSDB), que não recuou durante a greve, cedeu, temporariamente, às reivindicações e suspendeu a aplicação do plano para 2016.
    Em Goiás, desde dezembro, os estudantes seguem na luta contra a militarização do ensino e a imposição do governador Marconi Perillo (PSDB), em transferir a gestão das escolas públicas a organizações sociais. Até o momento, são 27 escolas ocupadas.

    O que há por trás dessas medidas? Neste primeiro vídeo de uma série de quatro blocos, o Diretor da Faculdade de Educação da UNICAMP, Luís Carlos de Freitas, explica aos Jornalistas Livres quais são os atalhos impostos pelos governadores contra a escola pública de qualidade.

    Reportagem: Laura Capriglione e Jeniffer Mendonça / Edição: Oscar Freitas Neto, especial para os Jornalistas Livres.