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  • Decreto de Bolsonaro libera armas para menores de idade

    Decreto de Bolsonaro libera armas para menores de idade

    O governo Bolsonaro, de forma absolutamente irresponsável, continua estimulando o armamento civil, inclusive de crianças e adolescentes. A medida, que pode transformar o Brasil em um país de chacinas em escolas, como os EUA que ele tanto ama, é ilegal, mas isso e o recente massacre na cidade de Suzano, São Paulo, parecem não fazer qualquer diferença. Afinal, continua EM VIGOR o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8069, de 1990) que prevê no artigo 242 a proibição EXPRESSA de “vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente arma, munição ou explosivo”, com pena de 3 a 6 anos de reclusão.

     

    Vejam a seguir matéria a respeito produzida pelo site Brasil247:

    DECRETO DE BOLSONARO PRATICAMENTE LIBERA USO DE ARMAS POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES

    Outros aspectos do decreto são de alta permissividade quanto ao porte de armas. Nem aqueles que eventualmente ferirem ou matarem outra pessoas perderão o direito à posse e porte de armas se alegarem “utilização da arma em estado de necessidade, legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito” (parágrado 3º do artigo 14).

    O volume de munição que será colocado em circulação é incalculável. Diz o parágrafo 1º do artigo 19 do decreto que “o proprietário de arma de fogo poderá adquirir até mil munições anuais para cada arma de fogo de uso restrito e cinco mil munições para as de uso permitido registradas em seu nome”.

    Veja a matéria original em: http://amp.brasil247.com/pt/247/brasil/392719#referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&amp_tf=Fonte%3A%20%251%24s

     

    Abaixo, a legislação em vigor:

    ECA – Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990

    Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.

    Art. 242. Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente arma, munição ou explosivo:

    Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

     

  • NOTAS SOBRE A PROTEÇÃO INTEGRAL, DIVERSIDADE E ENFRENTAMENTO DAS VIOLÊNCIAS

    NOTAS SOBRE A PROTEÇÃO INTEGRAL, DIVERSIDADE E ENFRENTAMENTO DAS VIOLÊNCIAS

    Foto: Leonardo Koury / 2014* Curumim Gávea

     

    Leonardo Koury Martins[1]

    A tentativa de construir um texto curto, de fácil linguagem e entendimento é o que norteará o breve diálogo sobre os termos e conceitos que falam dos desafios postos para a 11ª Conferência Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Portanto a perspectiva é que possamos iniciar uma localização do porquê sobre a proteção integral, diversidade e violências (no aspecto dos enfrentamentos) estão colocados neste conjunto.

    De início, falar sobre a proteção integral, em especial para esta parcela da população, não se pode descasar com as condições em que a maioria população brasileira na atualidade está disposta. Baixos salários, desemprego, precariedade no acesso das políticas públicas entre outros flagelos. Entender que é neste contexto a difícil tarefa em garantir uma noção de que proteger deve estar concatenada com a Seguridade Social e as políticas sociais.

    No que trata de crianças e adolescentes, sujeitos de direitos, viventes numa sociedade adultocêntrica (que não reconhece as diversas formas de representação política deste segmento) e por outro lado o constante desafio de estar com suas vidas garantidas meio à precariedade posta no parágrafo acima que retrata a conjuntura atual.

    Não é por acaso que o artigo 227 da constituição federal se inicia com a palavra é “dever” e não é direito. Pois às crianças e adolescentes, para ter os seus direitos resguardados, de forma primária precisam que (no aspecto do dever) a Família, a Sociedade e o Estado garantam o compromisso com a proteção integral que vai de questões relatas na materialidade pública até as políticas sociais, acesso ao mundo do trabalho protegido e resguardá-las de toda e qualquer violência.

    É necessário também fazer um recorte que as famílias são um pequeno núcleo da coletividade e quando a entendemos paralelas a sociedade e ao Estado não quer dizer que ela tenha as mesmas condições de garantir a proteção integral. Se é dever da família e da sociedade o cuidado (por exemplo) ele se materializa nas condições em que o Estado construa através de orçamento e políticas públicas o que se expressa no artigo no âmbito da materialização da saúde, educação, assistência social, esporte entre outras.

    Vale ressaltar que nos últimos anos o Estado Brasileiro tem deixado de lado a ampliação de uma série de serviços públicos e a partir da aprovação da Emenda Constitucional 95, e será um grande desafio a proteção não apenas deste segmento, mas para toda a sociedade. Vejamos os números e questões colocadas:

    De acordo com Grazielle David, assessora do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), o orçamento do ano de 2017 para as políticas públicas marcou o pior investimento dos últimos 50 anos. União, estados e municípios ampliaram no valor de 2016 apenas 1,17% do PIB em todas as políticas públicas. Em contrapartida, as isenções tributárias e os juros da dívida pública chegam a somar 52,7% do Orçamento Público. O que isto quer dizer? Que até o ano de 2036, quando termina o prazo da emenda 95, os investimentos serão cada vez menores o que acarretará inclusive o fim do orçamento para algumas políticas como a de Assistência Social ou mesmo a terceirização de serviços públicos como Escolas, Unidades de Saúde e Hospitais. Como garantir a proteção integral neste cenário?

    Antes de falar da diversidade é necessário dialogar sobre as diversas violências sofridas cotidianamente por crianças e adolescentes no Brasil e no Mundo. As violações de direitos são um tema contínuo e deve ter a atenção deste conjunto de atores sociais (Família, Sociedade e Estado), as crianças e adolescentes estão em todo e qualquer dado estatístico como as mais vulneráveis à violência e exploração sexual, tortura ou mesmo propícias ao abandono. O olhar adultocêntrico deve ser quebrado em nossa sociedade.

    De acordo com a Organização das Nações Unidas, a cada 7 minutos morre uma criança ou adolescente no mundo.

    O cuidado passa ao compreendemos que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e suas formas de verbalização e política devem ser compreendidas na sua integralidade. Nos anos de 2016 e 2017 o número de violações no Brasil para este segmento aumentou em 56% no âmbito das denúncias feitas pelo Disque 100 de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos.

    Criar políticas de enfrentamento às violências é preciso, mas os números que tratam das diversas violações só irão cair quando a qualidade de vida das crianças, adolescentes e suas famílias forem foco do investimento público. Não se pode investir mais no capital financeiro do que em políticas sociais (vide Emenda 95). Prevenir violências passa por garantir condições de acesso as políticas públicas e que este acesso seja pautado na qualidade da oferta e construída inclusive com a participação das crianças e adolescentes que tem toda a condição e legitimidade de dizer sobre o que demandam e o que esperam desta oferta.

    E por onde caminha neste conjunto de conceitos a Diversidade? É importante primeiramente construir a ideia de que diversidade é esta que estamos colocando como desafios para a garantida dos direitos da população entre zero até dezoito anos. O Brasil esconde por uma condição hipócrita de democratismo e passividade sob a realidade de que somos majoritariamente negras/os como exemplo concreto.

    Além disso, a condição não pode determinar quem somos, porém, a esperança é que nas crianças e adolescentes, em especial na primeira infância, que o compromisso de desconstruir o preconceito e valorizar nossos saberes, da sexualidade, histórias e cores de uma sociedade brasileira seja potencializada no dia a dia da Família, Sociedade e Estado.

    A infância e a juventude podem dar para o presente /futuro a convivência das nossas diferenças sem que se tornem desigualdades. Está presente também neste segmento pessoas com deficiência, mulheres, religiosidade e enquanto classe: a potencial luta por sobreviver ao preconceito construindo alternativas cotidianas de ter o sorriso e a esperança como a estratégia de afirmar nossas diferenças.

    O texto termina por aqui, o diálogo não; mas ao parafrasear Rosa Luxemburgo é necessário acreditar em uma sociedade em que crianças e adolescentes sejam farol de um mundo humanamente diferente, socialmente igual e claro, um dia, todas e todos totalmente livres.

    [1] Leonardo Koury Martins – Assistente Social (CRESS 15.472 6ª Região), Professor do Curso de Serviço Social do Centro Universitário Unihorizontes, servidor público em Ribeirão das Neves e conselheiro coordenador da Comissão de Direitos Humanos do CRESS-MG.

    REFERÊNCIAS:

    CONANDA, Documento Orientador da XI Conferência Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Brasília, 2018.

    Desafios da Emenda Constitucional 95, portal Jornalggn: https://jornalggn.com.br/noticia/por-que-revogar-a-emenda-constitucional-95-por-grazielle-david0020 Acessado: 11/08/2018

    Violência sofrida por Crianças e Adolescentes, EBC: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-11/unicef-violencia-mata-uma-crianca-um-adolescente-cada-7-minutos  Acessado: 11/08/2018

  • Carol não verá seu irmão nascer

    Carol não verá seu irmão nascer

    Por Roberto Corcioli, especial para Jornalistas Livresadolas_sato
    Foto: Fernando Sato/Jornalistas Livres

    Naquele abril de 2014, Carol (nome fictício, claro) foi abordada por guardas municipais. Estava com seu namorado, mais velho, e foram ambos levados à delegacia sob a acusação de que praticavam tráfico de drogas: portavam uma dúzia de porção disso, meia-dúzia de porção daquilo. Carol tinha 12 anos de idade.

    Carol ficou 45 dias internada na Fundação Casa, tendo atingido o prazo máximo de permanência enquanto se aguarda a sentença. Esta veio semanas depois, e concluiu que a conduta da adolescente tinha sido absolutamente hedionda. Por isso, sua internação seria imprescindível e por prazo indeterminado.

    O advogado nomeado para a defesa de Carol recorreu. Passei a atuar no juízo em que tramitou o processo e, então, recebi o recurso de Carol determinando que ela aguardasse em liberdade até que houvesse uma condenação definitiva.

    É o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente. É o que está escrito na Constituição, que resguarda a presunção de inocência.

    Quem recorreu, dessa vez, foi o Ministério Público. E o tribunal deu razão. Carol deveria ser internada imediatamente.

    Recebi a ordem e determinei, então, seu cumprimento, anotando que Carol deveria ser trazida à minha presença assim que encontrada pela polícia – é o que manda o Pacto de São José da Costa Rica.

    Hoje trouxeram Carol ao fórum.

    Entrou na sala com ar despreocupado. Estava acompanhada de sua mãe – mulher já não muito jovem, rosto que não deixava dúvidas a respeito da vida sofrida que levava e barriga que evidenciava certamente mais de oito meses de gravidez.

    Vim a saber depois o motivo da tranquilidade de Carol ao vir ao meu encontro. O policial que a acompanhava não escondera suas impressões acumuladas (e hiperbolizadas) após estar presente em tantas audiências comigo: “fique sossegada, esse juiz solta todo mundo”.

    Audiência iniciada, expliquei para mãe e filha que ela fora procurada pela polícia porque havia uma determinação do tribunal para que Carol cumprisse imediatamente a condenação que sofrera há mais de ano, a respeito daqueles fatos ocorridos há dois.

    Naquele instante, a mãe de Carol já percebeu a gravidade da situação: “não acredito, doutor. Internada? Mas ela não fez mais nada! Eu tô grávida, doutor. Preciso da ajuda dela. Ela já ficou 45 dias na Fundação… Mais quanto tempo ela ficará lá?”

    “Não é possível saber, senhora, mas agora é para cumprir uma medida, e ela pode durar por volta de seis meses – algumas vezes menos, mas às vezes mais…”

    “Seis meses!”

    A mãe de Carol chorava copiosamente. E Carol? Ela, no alto de seus 14 anos, estava atônita.

    O desespero de ambas não parava de aumentar e eu, que costumo enfrenta situações como tais, em meu ofício, com aquela convicção firme de que o trabalho precisa ser feito, passei, neste caso, a não apenas temer que algo mais grave acontecesse com aquela mulher, grávida a ponto quase de ter seu bebê, mas também a sentir um nó na garganta.

    O que pude fazer foi explicar que passaríamos o endereço de onde mãe de Carol poderia obter o auxílio de um advogado custeado pelo Estado e que procuraria ajudar na situação.

    Foi então que ouvi uma última pergunta. Na verdade, quase que uma afirmação:

    “Mas, doutor, depende do senhor, não é?”

    A vontade que sentia era dizer o quanto considero estúpida e cruel a chamada guerra às drogas (que é guerra contra uma parcela bem específica da população, como se sabe), minha discordância com aquela condenação, com a ordem de cumprimento imediato da internação… Mas apenas expliquei que a ordem era do tribunal, e que, portanto, eu não poderia nada decidir a respeito.

    É provável que eu não tenha sido convincente – afinal, quem, diante de tal cena, teria a coragem de dizer, olhos nos olhos, que “sim, depende”?

    Carol, sentada, envolvia a barriga da mãe – que permanecia chorando em pé – num abraço desesperado. Era um abraço a três. Mas Carol não verá seu irmão nascer.

    Itapevi, 14 de abril de 2016.

    Roberto Luiz Corcioli Filho, juiz de direito.
    Para Alexandra Szafir.

  • Artistas fazem ‘Virada Penal’ contra a redução da maioridade nesse fim de semana em SP

    Artistas fazem ‘Virada Penal’ contra a redução da maioridade nesse fim de semana em SP

    Centenas de pessoas e movimentos estão se reunindo quase que diariamente — inclusive neste momento — por uma causa urgente: organizar, em menos de três meses, uma grande mobilização social contrária à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da redução da maioridade penal, antes da sua votação em plenário na Câmara dos Deputados.

    Enquanto os trabalhos contra a redução ganham dimensões nacionais, o silêncio da imprensa tradicional diante dos movimentos passa uma falsa sensação de consenso. O próximo sábado (9) já está se configurando como um grande dia de ações e mobilizações por todo Brasil — parte da grade de programação será disponibilizada nesse evento, onde tudo está sendo organizado de forma colaborativa.

    A demanda pela redução da maioridade penal está baseada no sentimento de medo. Mas pesquisas demonstram que encarcerar adolescentes em conflito com a lei como se fossem adultos, não diminui em nada a violência. Ao contrário: quanto mais pessoas são presas no sistema carcerário brasileiro, menos chances de conviverem como sujeitos de direitos na sociedade.

    É um erro também argumentar que crimes hediondos são praticados por adolescentes. Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), menos de 1% dos homicídios foram cometidos por jovens com menos de 18 anos. A rede Jornalistas Livres acredita que a luta para enfrentar a violência depende de garantir o acesso a direitos fundamentais como educação, saúde, alimentação, moradia e vida digna, previstos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

    Artistas contra a redução

    Para se ter uma ideia do alcance dessas mobilizações, em São Paulo o cartunista Laerte disponibilizou para a campanha o uso irrestrito de quatro de suas tiras feitas sobre a redução da maioridade, que serão impressas em formato de lambe-lambe e coladas pela cidade. A ideia é que o próprio artista participe das intervenções.

    O mote também será o tema da penúltima etapa do ZAP! Slam — uma competição de spoken word (poesia falada), comum nos EUA e Europa –, organizado pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos com apoio da Escola SP de Teatro, que disponibilizará a sua sede para o encontro, na Praça Roosevelt, às 16h.

    A algumas estações de metrô de distância, outra aguardada programação acontecerá na Ocupação Mauá, símbolo da luta por moradia na Capital e do importante papel que esses movimentos têm na questão da redução da maioridade penal. Confirmados já estão os shows do rapper vanguardista Rico Dalasam e do DJ WC Beats, com suas batidas de MPC cheias de flow. Vale ficar atento à programação, pois novas atrações devem colar no local.

    No B_arco Centro Cultural, em Pinheiros, ocorrerá uma grande projeção do filme De Menor, de Caru Alves de Souza — filha da cineasta Tata Amaral. O longa-metragem — premiado como o melhor de 2013, no Festival do Rio — retrata a experiência de uma jovem advogada defensora pública de adolescentes em conflito com a lei ao se deparar com o seu próprio irmão caçula apontado como réu na Vara da Infância e Juventude de Santos. Após a exibição ocorrerá uma roda de debates.

    Também vindo da zona oeste, o pessoal do coletivo casadalapa e mais alguns artistas parceiros se reunirão no Vale do Anhangabaú e pintarão uma grande bandeira, de 12 m x 12 m, de repúdio à medida. Depois de finalizada, ela será pendurada em várias pontes da cidade, ação que será registrada em vídeo.

    Fotos de João Claudio de Sena também farão parte das intervenções do sábado em SP.
    Já na Serralheria Espaço Cultural ocorrerá um show do cantor e compositor Siba. Paralelamente, será inaugurada a nova fachada do local, assinada pelo grafiteiro Lobot, também com temática da redução.

    E não vai parar por aí. “Até agora, por cima, já é possível citar o apoio e adesão ao movimento de picos como o Movimento dos Artistas de Rua, Laboratório Experimental, Condomínio Cultural, FLM (Frente de Luta por Moradia), Cooperativa Paulista de Teatro, toda uma rede de saraus como Sarau do Binho, Sarau Suburbano, Sarau do Burro, Liga do Funk, Nação Hip Hop, coletivos como o Poetas Ambulantes, Alvorada Vermelha, Frente 3 de Fevereiro, Contra Filé, Coletivo Nova Pasta, além da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), UNE (União Nacional dos Estudantes), UEE (União Estadual dos Estudantes), UJS (União da Juventude Socialista), JPT (Juventude do Partido dos Trabalhadores), Casa Fora do Eixo, Matilha Cultural, Instituto Choque Cultural, A Batata Precisa de Você, Casa Amarela, LucasBambozzi, Rochelle Costi, Organismo Parque Augusta, entre muitos outros que ainda estão definindo como será a sua participação. Quem se identificar já pode usar ahashtag #viradapenal”, explica Sato, da Casadalapa e Jornalistas Livres, um dos articuladores dos trabalhos. “O sábado será um início vigoroso e forte de uma campanha que ainda vai se fortalecer muito e, quem sabe, se tornar grandiosa a ponto de mudar os rumos da discussão!”, conclui.

  • Proteger as crianças

    Proteger as crianças

    A antropóloga Adriana Facina, da UFRJ, reflete sobre a ‘sexualização’ das crianças no funk, que virou polêmica após Ministério Público abrir investigação sobre MCs mirins

    Nos ano 1980, com roupas mínimas, Xuxa comandava o programa infantil de maior audiência da TV brasileira e Sandy e Junior, bem pequenos, cantavam em rede nacional a música de duplo sentido “Maria Chiquinha”, que foi o início de uma bem sucedida carreira de estrelato mirim.

    Nos anos 1990, foi a vez do É o Tchan e Companhia do Pagode botarem as meninas para rebolar em roupas curtas e descer na boquinha da garrafa, simulando ato sexual. Tudo isso nas tardes de domingo, em atrações como o Domingão do Faustão.

    De lá pra cá, foram incontáveis os comerciais de cerveja exibindo fartamente corpos femininos de modo sensual. Publicidade disponível a qualquer horário, para quem quiser ver. A ampla indústria pornográfica também exibe há décadas suas publicações em bancas de jornais de modo livre e desinibido. Busdoors de propagandas de motéis e lingerie ocupam as janelas dos ônibus que carregam entre seus passageiros crianças em idade escolar. Sem falar em filmes, novelas e todo um amplo cardápio de produtos em que o sexo é prato principal, oferecido cotidianamente aos cidadãos e cidadãs brasileiras de todas as idades.

    Podemos dizer, sem medo de errar, que estamos imersos numa cultura do corpo que não somente objetifica o corpo feminino como fonte de prazer sexual como também naturaliza esse papel da mulher. Quanto mais sexualmente desejada, mais bem sucedida.

    Não é de se espantar que as meninas em nosso país aprendam essa lição a cada dia mais cedo. Sobretudo as meninas das camadas populares que, desde pequenas, assumem muitas tarefas como cuidar de casa, dos irmãos e de si mesmas, já que a rotina de trabalho dos pais e a ausência de um sistema de educação pública de qualidade que funcione em tempo integral lhes impõe isso. São elas também que, pelos mesmos motivos, mais tempo ficam expostas às mensagens dos meios de comunicação que mencionei acima. É aí que começa a chamada adultização.

    MCs Melody e Belinho, filha e pai — Reprodução Facebook

    O que quero dizer é que a performance da MC Melody expressa processos mais profundos. Criminalizar seu pai (MC Belinho) é abafar, com farta dose de sensacionalismo, as questões que afetam a infância e juventude popular no nosso país. Um dos grandes méritos do funk como arte e manifestação cultural é trazer essas contradições que ninguém quer ver e que nossa sociedade prefere enfrentar apoiando a redução da maioridade penal.

    Criança dançando sensualmente é algo visto com horror, mas menores de idade enviados para as abjetas e desumanas prisões brasileiras é aceito. De que e de quem queremos proteger nossas crianças? É preciso que a sociedade se mobilize para fazer esse debate de modo democrático e qualificado, pois da resposta a essa pergunta depende nosso futuro como país. Que o caso da pequena MC possa servir para isso, o que só será possível se superarmos o elitismo, o preconceito e o moralismo com que usualmente são tratadas as produções culturais das periferias.

    Enquanto isso, o C.A.I.C. Theóphilo de Souza Pinto, escola estadual situada no Complexo do Alemão, abriga uma base da UPP desde 2011. Como resultado, o prédio está cravejado de tiros, pois a escola tornou-se abrigo para policiais militares durante trocas de tiros com traficantes. De 1.330 alunos, restaram 700 que muitas vezes ficam sem aulas. Recentemente, foram divulgadas inscrições feitas por esses alunos em volta dos buracos de balas nas paredes de sua escola. Uma delas me marcou e trazia a pergunta: “Como estudar assim?”

    O medo dessas crianças e jovens é real. Afinal, segundo a Anistia Internacional, só em 2012 foram 30 mil jovens assassinados no Brasil, 77% deles eram negros, em sua maioria moradores de favelas e periferias do país. Os alunos da escola do Alemão sabem que podem se tornar parte dessa estatística. Até agora o Ministério Público ainda não se pronunciou sobre o caso.


    Adriana Facina é professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/Museu Nacional/UFRJ. Desenvolveu pesquisa de pós-doutoramento sobre música e lazer popular no Rio de Janeiro, com ênfase no funk. Atualmente pesquisa arte, produção cultural e práticas de letramento em favelas cariocas