Por Coletivo de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós
Nos dias 02 a 04 de novembro aconteceu a Caravana das Encantadas, o I Encontro de Acolhimento, Cura e Empoderamento de Mulheres Indígenas no baixo Tapajós. Dois barcos, com cerca de 110 pessoas entre indígenas, não indígenas, homens, mulheres e crianças, saíram rumo ao Território Indígena Cobra Grande, pelas margens dos rios Tapajós e Arapiuns, região de Santarém. O intuito foi promover e fortalecer o protagonismo, a liderança e os direitos das mulheres indígenas, as estratégias de combate à violência e racismo e intensificar a luta indígena, que tem seus territórios ameaçados pelo modelo de desenvolvimento predador, que afeta principalmente as mulheres. A iniciativa e realização foi do coletivo de mulheres indígenas Suraras do Tapajós, com financiamento do Fundo ELAS e Instituto Avon pelo fim das violências contra as mulheres, parceria do Engajamundo, ICMBio, PSA e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
Com o tema “Mulheres indígenas transformando suas realidades!”, reuniu-se a plurietnicidade das mulheres indígenas, tanto da cidade como das aldeias do baixo Tapajós, entre lideranças, mães, militantes, cacicas, parteiras, pajés, benzedeiras e universitárias, que marcaram presença e vivenciaram três dias intensos juntamente aos parentes Tapajó que já estavam na espera da caravana, percorrendo nas areias da Ponta do Toronó, navegando sobre as águas cristalinas do Arapiuns e adentrando as belas praias do solo sagrado do T. I. Cobra Grande.
Com o principal objetivo de desabrochar a própria mulher à sua autonomia perante a realidade vivida, foram apresentados meios para desenvolvimento de atividades direcionadas a esse público em situação de fragilidade e violência familiar. Foi um momento de abrir espaço para mais mulheres que desconhecem o tema e as formas de defesa e enfrentamento, especialmente em momentos de vulnerabilidade causados pela violência.
Diante da realidade, onde as violências vividas são cometidas pelos próprios parceiros, pelo Estado e sociedade em geral, a maioria desses atos está relacionada à baixa auto estima, falta de consciência das violências a qual são submetidas e à falta de autonomia financeira. Ao longo de 2018, as mulheres do coletivo Suraras do Tapajós debateram e buscaram espaços para o enfrentamento ao racismo e combate às violências moral, psicológica, física e sexual, visando o fortalecimento psicológico e financeiro da mulher indígena. Assim, diferenciando e ressaltando que é importante haver respeito à cultura e hierarquia existente em alguns povos indígenas, mas sem perder o discernimento de distinguir o que é tradição e o que é cultura de violência e abuso.
Acolher, combater a violência, curar e proporcionar autonomia e bem estar.
Envolvendo trocas de experiências, café da manhã na praia, uma maravilhosa pirakaia ( peixe assado na praia), momentos de interação cultural, diálogos, possibilitando a construção de alternativas de combate às violências sofridas para além da área urbana. Como, por exemplo, com a finalização da formação de mulheres indígenas multiplicadoras na luta, prevenção, enfrentamento ao racismo e as violências, que habitam as aldeias mais distantes. Na parte de auto estima do corpo e saúde da mulher, tiveram espaços de embelezamento, maquiagem indígena, sobrancelhas, massagens, limpeza de pele, grafismo corporal. Da medicina natural, banhos com ervas de cura, garrafadas para saúde da mulher, pomadas e xaropes de remédios caseiros. Da valorização cultural indígena, oficinas de grafismo em cuias e cerâmica. Para o empoderamento financeiro das mulheres as oficinas de economia solidária e empreendedorismo. Com as crianças foram desenvolvidas atividades interativas e com temáticas de igualdade de genero e de combate a violencia contra mulher, além da doação do livro “Templo da Luz” – da trilogia Guerreiros da Amazônia (Ronaldo Barcelos).
Tiveram presentes cerca de 300 participantes, grande atuação dos homens ajudando em toda logística e no preparo dos alimentos na cozinha.
Pelo direito de viver!
No final do dia todos participantes se juntaram na bela ponta de areia da Aldeia Lago da Praia em um lindo ato de resistência para defender os direitos dos povos e denunciar tudo que lhe afetam:
AMAZÔNIA e sua diversidade de povos, seguem em RESISTÊNCIA!
EM LUTA, nas margens dos Rios Tapajós e Arapiuns.
O Brasil vive um dos momentos mais difíceis da sua história, com legitimação de discursos e atos violentos, de ameaças, tortura, discriminação, desmatamento e armas.
Encontrar o amor, o acolhimento, a alegria e, sobretudo a força entre mulheres indígenas, é um fio de esperança em meio a esse caos.
CONTINUEMOS EM UNIÃO COM A FORÇA DE NOSSOS ESPÍRITOS GUARDIÕES NA CORAGEM E PERSISTÊNCIA!
EM LUTA
Pela demarcação das terras indígenas;
Pela equidade de gênero e igualdade de direitos entre homens e mulheres;
Pelo Ministério do Meio Ambiente;
Pela entrada e permanência dos povos indígenas nas universidades;
Pelo atendimento gratuito a mulheres vítimas de violência;
Pelo fortalecimento do Ibama, ICMBio, FUNAI;
Pelos ativistas que NÃO SÃO CRIMINOSOS;
Pela ampliação e manutenção dos direitos trabalhistas;
Pela permanência do Brasil no acordo com Paris;
Pela liberdade de expressão, etnocultural, religiosa, racial e de gênero;
Pelo direito à vida;
Pela educação livre;
Pelo direito de AMAR a quem quiser;
PELA AMAZÔNIA!!!
Surara! Sawê!
(Coletivo de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós)
O coletivo Suraras do Tapajós é um coletivo de mulheres indígenas, sem fins lucrativos, que
atua no baixo Tapajós com a missão de combater a violência e racismo, e no empoderamento econômico e político de mulheres indígenas desse território. Atualmente é formado por um grupo de aproximadamente 30 mulheres de diferentes povos, jovens, solteiras, curandeiras, estudantes, mães, militantes e ativistas, que carregam no sangue a forte plurietinicidade da região. São exímias artesãs, fabricam biojóias com penas, miçangas e sementes da região, grafismo corporal com genipapo e urucum e artesanatos (arco e flecha, cerâmicas, grafismo em cuias, maracás), doces, cantorias, rituais de purificação, garrafadas e banho de ervas (medicinais).
“Estamos mais vivas do que nunca. Estamos mais fortes e mais unidas. Estamos em luta por todos os direitos de nosso povo e de todos aqueles que lutam conosco!” Maria Eulalia Borari, integrante do coletivo.
“Nós seguimos demarcando as terras indígenas com luto e sangue”. A sentença é de Valdelice Veron, líder Guarani e Kaiowá, em depoimento para os Jornalistas Livres da Terra Indígena Takwara, no Mato Grosso do Sul. Escondida na mata junto com outras lideranças para se proteger da violência dos fazendeiros, ela, a mãe e outras mulheres realizam as cerimônias fúnebres alusivas ao aniversário de morte do pai, Marcos Veron. Oito mandados de despejo com prazo para execução até o dia 24 de janeiro pesam sobre os indígenas do Mato Grosso do Sul, como uma decorrência da decisão da Advocacia Geral da União, assinada por Michel Temer. Até os restos mortais do “cacique dos caciques”, torturado e assassinado há exatamente 15 anos, estão ameaçados de despejo pelos fazendeiros, denuncia Valdelice.
(Fotos: Pietra Dolamita para os Jornalistas Livres)
No firmamento da terra, jaz o corpo do grande líder da aliança Guarani Kaiowá
Em meio ao cerrado do Mato Grosso do Sul, na região de Dourados, as tempestades desfiguram repentinamente o céu límpido, de sol intenso. A chuva e os animais parecem prenunciar o perigo. Os canaviais, as matas ciliares e as plantações de soja escondem as lideranças indígenas juradas de morte. Na Terra Indígena Takwara, no município de Juti, onde sete etnias já vivem aterrorizadas pelos pistoleiros dos fazendeiros, o clima ficou mais tenso depois que o Governo Temer impôs medidas que
Uma das raras fotos do cacique Marco Veron, Taperety em Kaiowá
tornaram o já massacrado povo Guarani e Kaiowá ainda mais vulnerável aos ruralistas. Para expulsá-los de suas terras, os latifundiários atropelam e matam os indígenas em emboscadas, sequestram-nos e estupram suas mulheres e meninas. Por conta dos efeitos do chamado “Parecer Antidemarcação”, emitido em julho de 2017 pela Advocacia Geral da União e amplamente adotado pelo executivo, oito mandados de despejo pesam sobre o as terras retomadas no Mato Grosso do Sul. As liminares, com prazo de cumprimento até o dia 24 deste mês, repercutem na Terra Indígena de Takwara (no original, Taquara no laudo técnico): para efetuar a ação, a polícia precisará passar por duas áreas de retomada com pelo menos 12 mil indígenas, que não estão dispostos a entregar a terra de seus antepassados.
A líder sobrevivente do extermínio do povo Guarani e Kaiowá promete seguir a luta do pai assassinado
Entre o luto e a luta, a guerreira Valdelice Veron, 37 anos, percorreu muitos quilômetros sob o sol quente pela mata para chegar de manhã cedo ao local onde o pai está enterrado. O dia de ontem (13/1) foi inteiramente dedicado às cerimônias ritualísticas que marcam todos os anos a morte do grande cacique Marcos Veron, torturado e assassinado há 15 anos, quando um sanguinário ataque dizimou homens, mulheres e crianças do território. De 11 a 15 deste mês haverá cantos e cerimônias em homenagem ao líder em cada terra retomada de Takwara, onde Valdelice é líder do grande conselho de articulação Guarani Kaiowá. Até hoje a memória e a história do cacique são cultuadas pela filha que, desde os oito anos de idade, assumiu a liderança e a proteção do seu povo. Os massacres se intensificaram em 1953, quando os Kaiowá foram expulsos da Terra Indígena pelos fazendeiros do Mato Grosso e pelo Governo Federal para ocupar, contra sua vontade, as reservas, “lugar para o abate, confinamento e morte do índio”, como ela mesma define. O pai foi morto em 2003 e, em seguida, o primeiro irmão, ainda adolescente, e os outros dois irmãos, Zeca e Sérgio Verón, em 2015 e 2016, todos jovens lideranças da luta pelo direito à terra. Uma de suas irmãs perdeu dois filhos de fome quando no processo de despejo.
Aos 79 anos, a mãe de Valdelice, viúva do cacique assassinado, participa da cerimônia fúnebre
É no leito da terra sagrada de infância, nessa terra de doces lembranças de família e de traumas profundos, que ocorre a cerimônia fúnebre. O pequeno cortejo tem à frente a mãe sobrevivente do extermínio, Nhandecy, ou mama Júlia Cavalheiros, 79 anos, e Pietra Dolamita, 38 anos uma índia Kauwá Apurinã que veio do Rio Grande do Sul para apoiar a amiga-irmã neste momento de ameaça e triste celebração.
Pintada e vestida conforme a tradição, Valdelice entoa os cantos sagrados sob a percussão do chocalho Mbaraka e discursa sobre a luta de resistência pacífica do seu povo. Cumpre assim um ritual no qual política e espiritualidade se intersectam num único fundamento: a paz e a retomada da terra sagrada. Ao mesmo tempo que chora, canta e reza, Valdelice protesta contra a perseguição dos Guarani Kaiowá e do pai. “Até os restos mortais dele estão ameaçados de despejo”, protesta. Ao discursar no meio da desertidão do Cerrado, ela exige que os fazendeiros devolvam o corpo dos irmãos, sequestrado de seus túmulos.
Pietra Dolamita, que é Kauwá Apurinã, veio do Rio Grande do Sul para apoiar a “amiga-irmã” neste momento de luta e de luto
Poucas mulheres acompanham a cerimônia porque o perigo das ordens de desocupação nas terras vizinhas serem cumpridas a qualquer momento torna a expedição uma missão de altíssimo risco. Aos homens e mulheres líderes cabe apoiar os caciques Ládio Veron e Arauldo Veron na proteção de seu povo e ajudar o coletivo a tomar as decisões importantes. Por isso, os líderes são tão visados pelos fazendeiros e precisam “ficar invisíveis” nestes dias temerosos. Mas o dia 13 de janeiro é uma data sagrada que não pode passar sem os devidos rituais .
Como faz todos os anos, a líder tinge o firmamento de madeira erguido sobre o túmulo do pai com o vermelho do Urucum, planta que simboliza o sangue da vida, assinalando ao mesmo tempo a sua ausência e a sua memória, que ela vive para preservar, junto aos 18 filhos que ele deixou, e outros tantos netos e bisnetos, muitos dos quais nem chegou a conhecer. Como faz também em todos os rituais, pendura no poste funeral um adereço indígena cujo significado não pode revelar. Pergunto se Taperendy é o nome do pai em Kaiowá inscrito no epitáfio da cruz e Valdelice responde que sim, mas faz questão de me corrigir com firme delicadeza: “Não é cruz, são firmamentos ancestrais que seguram a terra”. Pietra adverte que seria uma ofensa para a cultura Guarani chamar uma “Yvy Rojoasa Ropyta” de cruz, como na cultura jesuíta.
Não é uma cruz, é um firmamento de sustentação da terra, onde se inscreve o nome indígena do líder assassinado, que significa “Caminho iluminado”
Guarani e Kaiowá são dois povos diferentes que se uniram matrimonialmente na luta para retomar a Terra Indígena Takwara, que abrange 9.700 hectares, conforme o laudo oficial. Mas por direito a área seria maior, segundo Valdelice, formada em história indígena e estudante de Mestrado profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais, pela UNB. Takwara é uma das 42 áreas reocupadas que os Guarani Kaiowás chamam de “terras retomadas”.
Os despejos violentos começaram a partir de 1919, quando o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) criou as oito reservas, justamente com o objetivo de obrigar os indígenas a evadirem de seus territórios tradicionais. Valdelice simboliza a materialização dessa união interétnica estratégica, a partir do casamento com um índio Guarani. Além dessas duas etnias, outras cinco, num total de sete que habitam o Mato Grosso, também estão ameaçadas pela decisão da AGU: os Terena, Guató, Ofaiyé, Kinikinaua e Kadiwéu. “As liminares terão um efeito dominó devastador”, alerta Pietra.
Como os Guarani e Kaiowá foram os últimos a migrar para as reservas indígenas, são os mais perseguidos pela força de resistência dos seus clãs, feridos pelo sistema de matriarcado, explica Pietra, que é formada em Direito, especialista em Direito do Trabalho e Direito Público e fez mestrado em Educação pelo Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Sul, com a dissertação “Shanenawa, o povo do pássaro azul: as possibilidades de uma educação ambiental profunda” e agora realiza mestrado na Universidade Federal de Pelotas, com um estudo na área de antropologia da violência , chamado Mulheres Terra, Vida, Justiça e Demarcação: A luta das mulheres Kaiowá em Takwara/MS. “Os clãs começaram a retornar para a terra de seus antepassados nos anos 80, e a cada retorno são expulsos com muita violência”. Há mais de duas décadas essa aliança ancestral produziu inúmeros movimentos de retomada da terra roubada, num combate destemido de vida e de morte. Apesar da vida desgraçada pelos governos e ruralistas, os Guarani e Kaiowá acreditam que a Terra do Sol vai um dia pôr fim à sua dor. Do firmamento, sorri a esperança póstuma de Taperendy, que significa “caminho iluminado”. Antes de Jacinto Honório da Silva Filho ser condenado como mandante do crime que calou fundo na alma da comunidade, o neto do latifundiário já investe seu ódio contra os indígenas. Mas novas lideranças também se erguem na luta pela resistência. A luta continua e isso é o ciclo da vida.
Entoando cânticos tradicionais, as líderes indígenas homenageiam Marcos Veron, cujos restos mortais também estão ameaçados de despejo
Através da amiga Pietra Dolamita, que pesquisa, como Valdelice, a violência antropológica contra as mulheres Kaiowá, converso com a líder por telefone. Foi estudando que a filha do cacique Veron despertou o interesse pela verdadeira história de seus antepassados e do seu próprio nome. “Descobri que nosso sobrenome veio de um argentino que escravizava os índios e eles iam sendo registrados com o sobrenome dele”. Num depoimento gravado no celular, emocionada e trêmula, mas também convicta e corajosa, Valdelice conta a história de seu pai, de sua família e de seu povo. E afirma: “Nós estamos demarcando as nossas terras com o nosso próprio sangue”.
As duas amigas conversam atentas aos sinais das plantas, dos bichos e do céu, pois os fazendeiros estão paramentados até com câmeras de drone para localizar a líder. Diante de qualquer suspeita, elas se embrenham na mata, onde o jagunço do fazendeiro não entra. “O mato tem uma coisa que não deixa o branco entrar”, diz Pietra. Ao anoitecer, antes de retornarem ao seu esconderijo com as outras mulheres, conversamos as três por telefone e Valdelice me dá o seguinte depoimento, que transcrevo na íntegra:
Valdelice Veron vive o luto do pai temendo novos massacres
“Hoje, 13 de janeiro de 2018, nós da família do cacique Marcos Verón, juntamente com as lideranças indígenas, estamos reunidos na Terra Indígena Takwara, município de Juti, Mato Grosso do Sul, no Brasil, para lembrar a história de luta, de resistência do cacique.
A nossa Terra Indígena tradicional é Takwara. Sempre vamos voltar nela. Tem um grande significado porque é uma terra sagrada. É onde nós temos a memória, onde nós temos a história. Por isso nós voltamos a retornar nossas terras indígenas aqui no Estado do Mato Grosso do Sul, porque aqui no Brasil nós não somos ouvidos.
Nossos governantes que era pra fazer respeitar nossa Constituição Federal, que é a nossa lei que está escrita, eles não respeitam, eles rasgam, queimam a Constituição Federal e matam nós quando nós lutamos por nossa terra. Nós somos perseguidos pelos latifundiários e mortos pelos pistoleiros dos fazendeiros aqui no Mato Grosso do Sul.
Apesar de termos já o cacique Marcos Veron e 289 líderes indígenas assassinados no Mato Grosso, entre eles Kurissiope, a matriarca indígena da Terra. Eles atiraram nela à queima-roupa, uma matriarca de 80 anos, na terra de Makurissiambá, no Mato Grosso do Sul. Outro também foi morto e cercado pelos pistoleiros. E assim nós seguimos demarcando nossa Terra Indígena com luto e sangue. Nós estamos demarcando as terras indígenas com nosso próprio sangue.
Hoje quando a gente lembra o cacique Marcos Veron foi um pai, foi um avô, foi um genro, um sogro, um amigo, um companheiro. Ele foi um guerreiro Kaiowá para nós. Por isso vão passar várias gerações e nós vamos lembrar dele. Vamos lembrar dele, esse guerreiro que ele é. Todos nós, os 18 filhos e filhas, netos e bisnetas ele vai se lembrar dele e da resistência e vamos lembrar da bandeira dele que é Terra, Vida, Justiça e demarcação.
No dia 13 de janeiro de 2003, fomos cercados pelos pistoleiros na nossa T.I. Takwara, quando a minha família, as mulheres, crianças foram espancadas estupradas, mulheres e meninas foram violentadas. Nosso cacique foi torturado e morto. Estamos lembrando nossa forma de resistência com muita força e coragem. Lembrando a luta dele fazendo esses ritos de canto e dança com Mbaraka. Nossa forma de luta Kaiowá é pacífica. Isso é o que estamos fazendo hoje 13 de janeiro de 2018, ainda com muita tristeza.
Eu agradeço vocês que são poucas jornalistas, que faz o papel falar, que leva a nossa luta, a nossa tristeza, para as pessoas saber que nós ainda estamos aqui, ainda estamos de pé, ainda estamos vivas. Agradeço a todos vocês.
Terra Indígena de Takwara sofreu o primeiro despejo em 1953. O povo foi arrancado da terra e jogado nas reservas indígenas criada pelo Serviço de Proteção ao Índio e pelo governo. Nós, índios Kaiowá, nunca aceitamos a reserva porque significa área de abate, de confinamento, área de morte.
Esse fazendeiro sem coração que torturou e matou nossa cacique Marcos Veron, de nome indígena Taperendy, que significa caminho iluminado, não vai ficar impune. Na terra, toda a divindade sabe, o que aconteceu com o povo indígena Kaiowá aqui no Mato Grosso do Sul”.
DECISÃO DE TEMER/AGU DETONA BOMBA DOS DESPEJOS
“Na prática, o parecer da AGU paralisou as demarcações de vez”, afirma em nota o Instituto Socioambiental (ISA). Mas a tese do marco temporal faz pior do que isso. Como uma estratégia do governo Temer e da bancada ruralista capaz de deflagrar a desocupação das áreas retomadas e favorecer ordens de despejo violentas a prerrogativa da Terra Raposo da Serra tende a produzir um drástico retrocesso, se não houver ampla reação nacional e internacional
Com seu poder de influência sobre a Justiça Federal, a Advocacia Geral da União (AGU), que deveria ser o principal órgão de defesa do cumprimento do direito à terra dos indígenas brasileiras, acabou criando um mecanismo desencadeador de ordens de despejo e de reintegração de posse contra os povos indígenas. A ameaça de novos massacres provocada pela decisão pode ser sentida por todas as etnias de terras retomadas do Mato Grosso do Sul, sobretudo na região de Dourados, conforme posição oficial do Conselho Missionário Indígena. Isso porque o estado concentra o mais acentuado passivo de regularização fundiária dos territórios tradicionais no país.
Publicado em julho pela advogada-geral, Grace Mendonça, e adotado pelo presidente Temer para todos os órgãos federais, o parecer 01/2017 teria, conforme as lideranças indígenas, a função de manter o quadro de não-reconhecimento dos direitos ao território como está. O dispositivo obriga toda a administração pública, inclusive a Fundação Nacional do Índio (Funai), a obedecer as condições estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (Roraima). “Na prática, o parecer paralisou as demarcações de vez”, afirma em nota o Instituto Socioambiental (ISA). Mas a tese do marco temporal faz pior do que isso: como uma estratégia do governo Temer e da bancada ruralista capaz de deflagrar a desocupação das áreas retomadas e favorecer ordens de despejo violentas, ela tende a produzir um drástico retrocesso, se não houver ampla reação nacional e internacional.
Prova disso, é que a AGU também está anexando o parecer aos processos judiciais em que está arrolada como parte interessada, conforme nota do Instituto Sócio-ambiental, que está articulado com o movimento indígena #Resistência2018 para tentar revogar o parecer. “O resultado provável serão decisões judiciais desfavoráveis às comunidades indígenas. Assim, o governo Temer consolida o pior desempenho nas demarcações desde a redemocratização do país”, denuncia a entidade.
O Marco Temporal restringe os direitos territoriais dos povos determinando que só podem ter reconhecidas as terras que estavam sob sua posse na data em que a Constituição Federal foi promulgada, em 5 de outubro de 1988. Explica o artigo publicado pelo CIMI: “Existe uma crise humanitária na Reserva de Dourados se arrastando há pelo menos duas décadas. Os 16 mil indígenas Guarani Kaiowá e Terena vivem confinados em três mil hectares e buscam terras para desafogar’ a situação”.
Sem a sua participação ou concordância, os indígenas foram levados para a Reserva no decorrer do final da primeira metade do século XX, como política de colonização de “terras devolutas” do então estado do Mato Grosso. Portanto, em 5 de outubro de 1988, esses povos já não estavam nas terras tradicionais de onde foram retirados à base de força e violência, explica o documento. “Dessa maneira, a cada retomada ou ocupação de terra fora da Reserva, eles sofrem ações de reintegração de posse que desde o ano passado têm como principal argumento deferidor a tese do marco temporal”, diz ainda.
Em entrevista a jornalistas de Brasília, Sônia Guajajara, uma das coordenadoras da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), afirmou que se trata de medida do Poder Executivo como um todo, justamente o que tem como papel efetuar a política de demarcações: “Como a retomada de terra é a alternativa dos povos para garantir o território tradicional, esse parecer é o combustível necessário para abastecer a usina de reintegrações de posse, com destaque para as decisões de primeira instância”.
Cinco guerreiros caminham pela trilha na mata nativa. “Tudo limpo”, avisa alguém. No local escolhido, começam a limpar onde será o “Apy”, Casa de Reza, na língua Tupi. “Aqui é onde nossos filhos crescerão”, afirma Awaratan Wassu, líder indígena em Guarulhos, a 20 Km de São Paulo, capital. “Você viu que lugar lindo?”, pergunta Alex, liderança do povo Wuerá Caimbé, “ali tem um lago, ali uma nascente. Águas cristalinas”, diz com olhos de quem observa ancestrais. Enquanto os facões cortam a vegetação rasteira, chegam as mulheres com os mantimentos.
Foto: Christian Braga
Rosa Pankararu é a primeira a entrar no espaço sagrado. “Paz, tranquilidade. Este local é como se eu estivesse na minha aldeia, na minha terra. A mente da gente vai longe, sabia? Acho que cada parente aqui está com a mente longe, tenho certeza que cada um está na sua terra”. Rosa nasceu em Pernambuco, na Aldeia Brejo dos Padres, vive em Guarulhos há 32 anos, onde teve dois filhos. “Nós vamos poder fazer uma casa de farinha aqui?”, grita para todos mirando longe. Respondem com sorrisos, afirmativas e exemplos de como era a casa de farinha em suas aldeias.
Área da Terra Sagrada em Guarulhos que há 40 anos está sem uso, antigamente usado para a criação de porcos. Foto: Christian Braga
A aldeia multiétnica, Projeto Terra Sagrada, começou a ser gestado em 2002 pelas lideranças dos povos indígenas de Guarulhos. Em 2008 foi feito projeto junto à Prefeitura e neste ano, em abril, o Subsecretário de Igualdade Racial, de acordo com os indígenas, levou-os até duas terras, dois locais para que escolhessem onde seria a aldeia. “Aqui tem nascentes, tem mata nativa. Aqui escolhemos”, diz Alex Wuerá Caimbé. “Se é aqui que vocês querem ficar, é aqui que vão ficar, essa terra será de vocês. Não se surpreendam se em agosto tudo já estiver resolvido, disse o secretário. Gerou expectativa, fomos a nossas casas, falamos com nossos filhos, nos preparamos, fizemos um projeto para aqui viver”.
Toda a estrutura de concreto que já estava no local será derrubada e cada etnia vai ter uma área na aldeia. Foto: Christian Braga
Projeto que começa com a Casa de Reza. Local onde tudo acontece, o coração da aldeia. Nele são realizados os torés, cerimônias de canto e dança para conectar com os ancestrais, a cultura e a tradição de suas etnias. Nos torés, as diferenças, as questões, as propostas da aldeia são tratadas. Ao chegarem na Terra Sagrada, a primeira providência foi limpar o terreno para fazer a Casa de Reza. Entre tirar as folhas, revirar a terra e preparar a fogueira, Xukuru explica “a casa de reza é a primeira. Nela a gente faz orações, reza, dança o toré. Casa de Reza é a base para todas as etnias, e cada um em sua área poderá fazer seu templo. Temos diferentes religiões. O importante na aldeia é estar todo mundo junto, porque para ser aldeia o índio tem que estar junto. E é importante conhecer os costumes uns dos outros, acompanhar os saberes”. Cada etnia das 14 representadas nesta retomada de terra terá uma área própria em que irá desenvolver as tradições de seu povo.
A limpeza no local foi feita rapidamente pelas nove etnias que vão morar no local. Foto: Christian Braga
“Terra é amor. Terra para índio é um sonho, o nosso sonho de consumo”, diz o líder Caimbé. Pai de quatro filhos, dentre eles um bebê de seis meses, Alex se mudou para a Terra Sagrada. “Não estamos aqui brincando de casinha, a partir de segunda-feira meu endereço e dos meus filhos é aqui”. A decisão de retomar a terra foi tomada há cerca de 15 dias após reunião das lideranças com a Prefeitura de Guarulhos. “A Terra Sagrada existe? – indagamos ao subsecretário. Ele abaixou a cabeça, cruzou as pernas e disse ‘não’. Ficamos sem chão”.
Há cerca de 1600 indígenas em Guarulhos, 14 etnias têm representantes na Associação Arte Nativa Indígena, organização com sede no Centro de Referência Indígena Kuaray Werá, de acordo com seu coordenador Awaratan Wassu. “Cada povo tem seu representante”. Nenhum indígena é Guaru, os donos primeiros da terra, aqueles que deram nome a Guarulhos. Os Guarus foram exterminados, suas terras tomadas, sua cultura e tradição extintas. A retomada da Terra Sagrada é uma homenagem aos parentes, como os indígenas se consideram e se chamam, além de representar a real possibilidade de vivenciar usos e costumes, de estar em contato com a natureza e de que os donos primeiros possam cuidar da mata, do local sagrado dos ancestrais, garantindo condições de vida a povos em situação de vulnerabilidade.
A aldeia multiétnica Terra Sagrada ocupará 130 mil metros quadrados de área de mata ao norte da cidade de Guarulhos, próximo ao Rodoanel. O projeto prevê uma área comum, cujo centro é a Casa de Reza, e espaços próprios para cada etnia atuantes na Associação Arte Nativa Indígena e no Centro de Referência Indígena Kuaray Werá de Guarulhos. “Já conta com uma enfermeira, uma auxiliar de enfermagem e com a futura assistente social da aldeia”, diz Vanusa Caimbé. Para ela, morar na aldeia significa conviver com a natureza, ter hortas, plantas e não depender de remédios para uma simples dor de cabeça ou de barriga. A proposta é valorizar a cultura indígena em seus mais diferentes aspectos, dando suporte para que tradições não se percam, como no caso dos Guarus.
“Sabe aquela árvore ali que eles podaram?”, aponta a diretora da Associação Arte Nativa Xukuru, “é ameixa. Serve para fechar ferimentos, ferida de útero. É cicatrizante, une a carne. A floresta é rica em tudo. A gente pode sobreviver desta terra”. Para o líder dos Wassu e coordenador do movimento indígena, Awaratan “este é um projeto pedagógico para cultivar, preservar, viver uma cultura profundamente vinculada à sacralidade da terra. É terra indígena. Nós cuidamos da terra, preservamos a mata. Temos respeito e cuidado com a natureza”. O discurso comum das lideranças presentes na retomada da Terra Sagrada foi o de buscar evitar a destruição de mais uma área de mata em Guarulhos.
“É uma área de mata, os não-indígenas estão entrando, destruindo já, queremos reverter isso”.
Foto: Christian Braga
Após a base da Casa de Reza, da fogueira pronta e do compartilhar do café, acontece a primeira dança sagrada no espaço prometido. O toré reúne saberes e ritmos. Retoma a conexão com a ancestralidade, reforça a beleza da cultura nativa brasileira.
Foto: Christian Braga | Foto: Guilherme Silva
“Não tem processo ”, foi a constatação que as lideranças chegaram na reunião com a Secretaria de Igualdade Racial. “Cadê o número do processo?”, pergunta Awaratan Wassu, “como podemos acompanhar o andamento sem um número de processo?” Ao perceberem que a Terra Sagrada pode ser promessa vazia, as lideranças indígenas decidiram retomar a terra dos Guarus.
“Hoje serão só os guerreiros, homens e mulheres. Crianças e mais mulheres entrarão no final de semana”, conta Awaratan Wasu. “A gente não quer morar em apartamento, a gente quer pisar na terra. É um direito que a gente tem, é um direito que a gente vai correr atrás”, reafirma Neide Xukuru. “Queremos conversar com o Prefeito, queremos um posicionamento”, diz Aléx Wuerá Caimbé. Na concentração da caravana em rumo à Terra Sagrada, Awaratan Wassu avisa:
“De lá eu só saio amarrado. Arrastado pelo trator”.
Histórico da Retomada Sagrada
A retomada ocorreu na tarde de 27 de outubro, sexta-feira. Após concentração no Centro de Referência Indígena Kuaray Werá, uma pequena caravana levou as guerreiras e os guerreiros até imediações da Terra Sagrada, no limite das obras do Rodoanel Norte. No dia anterior, as lideranças indígenas entregaram documento com reivindicações para a Chefe de Gabinete do Prefeito de Guarulhos. Dentre elas, está a imediata cessão da terra para a construção da aldeia multiétnica e a transferência da coordenação indígena para outra secretaria. “Não estamos satisfeitos com a Secretaria da Igualdade Racial”, reafirma Awaratan Wassu.
27 de outubro de 2017 – Retomada da Terra Sagrada – entrada das lideranças indígenas na área prometida. 26 de outubro de 2017 – Entrega de documento reivindicatório da Terra Sagrada ao Prefeito de Guarulhos. Início de outubro de 2017 – Subsecretaria de Igualdade Racial diz não ter o número do processo de efetivação da Terra Sagrada. Abril de 2017 – Escolha do local da Terra Sagrada e compromisso da Subsecretaria de Igualdade Racial na entrega do local ainda este ano. Janeiro de 2017 – Apresentação do projeto Terra Sagrada para a nova gestão municipal de Guarulhos. 2008 – Elaboração e entrada do projeto junto à Prefeitura de Guarulhos. 2002 – Concepção do Projeto Terra Sagrada pelas lideranças indígenas de Guarulhos.
A noite do dia 23 de agosto de 2017 ficou marcada por um encantamento e diversidade jamais vistos no centenário Teatro Amazonas, em Manaus. Subiram ao palco, com suas vestimentas e instrumentos tradicionais, grupos de dança das etnias Sateré-Mawé, Tukano, Dessana e Tikuna para um pré-show do espetáculo inédito do lançamento do CD “Tchautchiüãne” (significa em português “minha aldeia”) da cantora e compositora indígena Djuena Tikuna, que canta na língua do seu povo, Tikuna – autodenominado Magüta.
Um público de 823 pessoas, incluindo 300 indígenas convidados de diversas etnias, lotou o teatro, fundado 1896. No palco, a artista Djuena foi acompanhada pelo marido, Diego Janatã (na percussão e flautas), e pelos músicos Poramecú Tikuna (maracá e voz), Anderson Tikuna (violão), Antón Carballo (violino) e Agenor Vasconcelos (contrabaixo).
Dividiram o espetáculo com ela a cantora Yra Tikuna, na canção “Ewaré”, e Marlui Miranda, na música “Maraká´Anandé”, canção tradicional do povo Ka´apor (do Maranhão). Marlui, que é etnomusicóloca, cantora e uma referência e pioneira em música indígena no Brasil, cantou ainda com Djuena a música “Araruna”, uma canção que fez parte do seu disco “Vozes da Floresta”, de 1996, inspirada na música tradicional dos índios Parakanã (Pará).
O CD “Tchautchiüãne” de Djuena Tikuna tem 12 faixas, incluindo o Hino Nacional. Foi com a interpretação do hino brasileiro na língua Tikuna que a artista abriu sua apresentação no Teatro Amazonas acompanhada de crianças da comunidade Wotchimãücü e do imitador de pássaros Cleudilon de Souza Silveira, conhecido como Passarinho. Ele, que acompanhou a cantora em outras canções ao longo do show, assovia os cantos de 37 diferentes espécies da fauna amazônica, entre elas o bacurau, o sabiá-laranjeira e o tucano.
As composições no CD “Tchautchiüãne” falam da resistência cultural, da identidade indígena, dos rituais e das ameaças aos direitos indígenas. O espetáculo foi dirigido por Djuena em parceria com o diretor de teatro Nonato Tavares, da Companhia Vitória Régia.
Djuena Tikuna (“a onça que pula no rio”) nasceu na Terra Indígena Tikuna Umariaçu, município de Tabatinga, no Amazonas, região do Alto Rio Solimões, na fronteira entre o Brasil, Colômbia e Peru. O gosto pela música ela herdou da avó, Awai Nhurerna (em português Marilza), já falecida, a quem a cantora fez uma homenagem durante o espetáculo no Teatro Amazonas.
Texto: Kátia Brasil / Amazônia Real
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Direção: Christian Braga Fotografia: Robert Coelho Câmeras: Christian Braga e Robert Coelho Produção: Renata Frota Assistente de Produção: Nadyne Oliveira Apoio: Jornalistas Livres, Greenpeace e Amazônia Real
Lideranças indígenas de todo o país acamparão em Brasília, entre 10 e 13 de maio, para se manifestar contra os riscos de retrocesso aos direitos indígenas no Brasil. Maior mobilização etno-política do país, o Acampamento Terra Livre é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e coincidirá, na capital, com a votação do processo de Impeachment da presidente Dilma no Senado.
Em entrevista exclusiva para os Jornalistas Livres, a coordenadora-executiva da APIB, Sonia Guajajara, apresenta as principais reivindicações do grupo, avalia o Governo Dilma e fala sobre a expectativa dos povos indígenas em relação a um eventual Governo Temer. “Vamos acompanhar o resultado [do Impeachment] e sair de Brasília com uma estratégia definida de luta, aconteça o que acontecer (…) Continuamos com risco de retrocesso nos três poderes”.
Jornalistas Livres – O Acampamento Terra Livre deste ano ocorre em meio a um verdadeiro terremoto político. O que está em jogo para os povos indígenas caso prospere o Impeachment da presidente Dilma?
Sonia Guajajara – Se temos um cenário ruim hoje, nossa leitura é de que um governo do PMDB nos dará um trabalho dobrado ou triplicado porque eles já mostraram claramente que são totalmente contrários às demarcações e aos direitos que conquistamos na Constituição de 88. Todas as medidas contra os direitos dos povos indígenas no Congresso hoje vêm da aliança deste grupo que quer assumir o poder, então não podemos ser omissos. O que está em jogo é nosso direito de viver, não tem como a gente ficar de fora de tudo isso.
JL – O governo Dilma não foi exatamente, até hoje, um governo pró-ativo na promoção dos direitos dos povos indígenas. Acredita na possibilidade de uma inflexão verdadeira da presidente caso o Impeachment seja derrubado?
SG – Esse governo fez muitas alianças para se manter, e essas alianças impediram na prática o avanço da pauta indígena. É claro que nenhum presidente governa sozinho, e tem lá que fazer seus acordos políticos, mas a pauta indígena ficou refém de uma governança que ainda vê as terras indígenas como áreas improdutivas. É lamentável que a presidente tenha assinado demarcações e homologações de TIs apenas no final do processo de impeachment. Ela deveria ter governado para o povo, para os movimentos sociais, para quem a apoiou. Mas ela preferiu atender as demandas das alianças que ela firmou. Ela poderia até retomar a pauta indígena se não houvesse essas alianças. Mas, com elas, continua tudo como está.
JL – A APIB tem posição fechada sobre sua atuação em um eventual governo Temer?
SG – É um grupo político que tem uma pauta muito divergente da nossa, então não vemos muita possibilidade de dialogar. Mas faremos o embate político no sentido da manutenção dos nossos direitos e contra qualquer retrocesso, inclusive contra qualquer tentativa de revogação dos decretos assinados recentemente pela presidenta Dilma. Vamos lutar para manter o que conquistamos.
JL – Quais são hoje os principais riscos?
SG – A PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 215 é o primeiro, porque impede a demarcação de novas Terras Indígenas (TIs) e a revisão para cima de limites de TIs já demarcadas. Também continua no Congresso o Projeto de Lei (PL) 16/10 da mineração em Terras Indígenas, o próprio Código da Mineração e agora a flexibilização do licenciamento ambiental, que pode facilitar a realização de grandes empreendimentos nos nossos territórios. Já no Executivo continua a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU). Também no Executivo há boatos de que a Secretaria Especial de Saúde Indígena seja extinta e transferida para o Instituto Nacional de Saúde Indígena.
JL – E no Judiciário?
SG – O Judiciário também tem sido um setor que tem negado muito o direito territorial no sentido da interpretação do marco temporal a partir de 88. Então já houve casos em que o próprio STF suspendeu terras já homologadas. E agora, mais do que nunca, temos esse risco de o STF estar sempre entrando contra ou suspendendo essas portarias mais recentes. Continuamos com risco de retrocesso nos três poderes.
JL – Em 2015, o Acampamento Terra Livre reuniu em Brasília mais de 200 etnias. O que pode adiantar sobre a edição deste ano?
SG – Esse ano mudaremos de espaço. Tradicionalmente realizamos o acampamento na Esplanada dos Ministérios, até temos lá um quadrante que consideramos como terra indígena demarcada por nós (risos). Mas achamos importante fortalecer também o espaço do Memorial dos Povos Indígenas. Devemos ter nossa tradicional marcha para a Esplanada na quarta à tarde e uma audiência no Senado na quinta, ainda a confirmar. E, como sempre, teremos lideranças de todas as regiões do país que vão aprofundar nossos debates sobre terra e território. Como está hoje, de fato, o quadro de demarcações no país? Onde estão os processos engavetados? Quais são, enfim, nossos principais desafios neste momento? O Acampamento Terra Livre é a maior mobilização indígena nacional, considerada a Assembleia dos Povos. É o momento para fortalecer nossas estratégias e pensar na vida pós-votação do impeachment. Vamos acompanhar o resultado e sair de Brasília com uma estratégia definida de luta, aconteça o que acontecer.
Representantes indígenas da tribo Pataxó estiveram reunidos com o vereador Gilson Reis (PCdoB), na tarde da segunda feira, dia sete de março, na Câmara Municipal de Belo Horizonte/MG. Acompanhados da advogada Gabriela Rocha e da jornalista Celeste Ainda Gontijo, membros do Comitê Mineiro de Apoio à Causa Indígena (CMACI), os integrantes indígenas levaram como reivindicação para o encontro a recente e burocrata portaria SMSU 099, de 28 de novembro de 2015, do Setor de Gerência Regional de Licenciamento e Fiscalização, da Prefeitura de Belo Horizonte, regional centro-sul.
Ela foi criada para restringir os espaços públicos a serem utilizados por comerciantes “nômades e hippies”, como local de venda de produtos manufaturados, restringindo também aos indígenas, que passam a ser considerados como esses em igualdade de deveres e poucos direitos. A exigência do RANI (Registro de Nascimento de Índio) emitido pela FUNAI, está em desuso e não mais faz-se necessário seu uso pelos indígenas.
Atualmente, existem outras formas deles serem reconhecidos de forma oficial, como a declaração emitida pelo cacique da aldeia de origem, que reconhece aquele como integrante da mesma. Esta declaração é o suficiente para serem tidos como um membro da comunidade, bastando que junte aos documentos que já possuem.
Já é tradição encontrar indígenas de diversas aldeias fazendo comércio em pontos turísticos como na Praça Sete e na tradicional Feira Hippie. Inaugurada ainda nos anos 60, por artesãos que eram conhecidos como “hippies”, a feira acontece na avenida Afonso Pena, em frente ao Parque Municipal Renné Giannetti. Agora, os indígenas estão encontrando dificuldades para exporem os seus trabalhos artesanais e sua cultura, originária do Brasil, principalmente nesse local. Agentes da prefeitura alegam que os mesmos não contribuem com impostos ou licitações e estão proibindo os mesmos de permanecerem ali. Muitas dessas famílias necessitam do comércio para o custeio e seu próprio sustento que consomem produtos e serviços que a própria cidade exige e oferece.
Como forma de combater mais um ato cerceador e burocrata da atual gestão municipal, o vereador Gilson Reis se dispôs a criar um projeto de lei para ampliar (e devolver) aos indígenas o direito de exporem seus artesanatos e, principalmente, sua cultura em qualquer local público da cidade. Um dos líderes do grupo, o Pataxó Jorge Chawá relata um pouco da situação em que os indígenas estão sofrendo na cidade. Ele lembra que há oito anos realiza o comércio na região central de Belo Horizonte e, de forma paralela, apresenta um pouco da sua cultura (tão deturpada pelos livros de história) em escolas da região metropolitana de BH.
Esse foi mais um dia de buscar os direitos e o reconhecimento da cultura indígena como a expressão e tradição dos povos originários do Brasil. O país, muito deve a eles, em aspectos culturais, costumeiros, tradicionais e de hábitos que preenchem o dia a dia rotineiro do brasileiro. Resta agora aguardar a criação deste projeto de lei que irá ampliar e devolver os direitos que estão sendo retirados deles: direitos culturais e sociais que são garantidos constitucionalmente.