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  • Dilma é categórica: Agora é Lula Livre JÁ

    Dilma é categórica: Agora é Lula Livre JÁ

    A reportagem do “Intercept” está revelando, por meio da transcrição indesmentível de conversas em aplicativos, aquilo que muitos já sabiam, mas que agora restou provado e documentado: o ex-juiz que condenou Lula comandava a força-tarefa de procuradores da Lava Jato, o que contraria frontalmente a lei.

    Segundo o artigo 254 do Código Penal, um juiz será considerado suspeito e deverá ser afastado, a pedido do réu ou do acusador, caso se descubra que ele aconselhou uma das partes do processo que vai julgar.

    Foi exatamente o que o juiz fez. Os diálogos revelados pela reportagem mostram que ele instruiu, orientou, aconselhou e até repreendeu os procuradores, exercendo domínio e influência sobre eles. Esta relação de proximidade e ascendência caracteriza uma conspiração e desqualifica as decisões tomadas ao longo do processo.

    Pelo que se sabe até agora, o juiz indicou testemunha de acusação, determinou a antecipação e a mudança da ordem de operações de campo, vetou a presença de uma procuradora nas inquirições, por considerá-la despreparada, passou orientações aos procuradores sobre como obter resultados que poderiam facilitar a condenação do réu, e manteve com o chefe da força-tarefa um vínculo de forte cumplicidade.

    Trata-se do mesmo juiz que, para sustentar o golpe de 2016, grampeou e vazou ilegalmente para a Rede Globo uma conversa telefônica da presidenta da República, o que acabou por inviabilizar a posse de Lula como ministro.

     

    E o mesmo juiz depois, para eleger Bolsonaro, condenou e prendeu Lula sem provas, impediu-o de ser beneficiado por um habeas corpus concedido pelo TRF-4, inviabilizou uma entrevista autorizada pelo STF e vazou delação antiga contra o PT às vésperas da eleição. Por esta interferência direta sobre a eleição, foi recompensado com o ministério da Justiça e a promessa de ser ministro do Supremo.

    Por tudo isto, mas sobretudo pela autoridade que exerceu sobre os procuradores, instruindo-os a respeito de como agir para que pudesse condenar Lula, são evidentes os motivos que têm de levar à anulação do julgamento.

    Por tudo o que conhecíamos e também pelo que passamos a conhecer com a reportagem do “Intercept”, fica muito claro que, além de não ter provas cabais, nem mesmo convicções a Lava Jato tinha para condenar Lula, e isto chegou a ser confidenciado pelo chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, numa de suas conversas com Sérgio Moro.

    As únicas provas dessa história são as evidências, flagradas nas conversas vazadas agora, de que os procuradores fariam o que fosse preciso, independentemente da lei e do devido processo legal, para apoiar uma condenação, e de que para atingir este objetivo foram comandados pelo juiz, de maneira ilícita.

    E se tínhamos motivos para defender a libertação de Lula com o que se conhecia até a semana passada, hoje temos o direito de reforçar nosso apelo com um sonoro “Lula livre, JÁ!”

     

    DILMA ROUSSEFF

     

  • “Tchau, Querida” estreia revelando os primeiros passos do caminho da extrema direita até o poder

    “Tchau, Querida” estreia revelando os primeiros passos do caminho da extrema direita até o poder

    POR ANA CAROLINA RODRIGUES

    Três anos para a História é muito pouco. Normalmente, são de períodos mais longos que saem as grandes transformações que vão moldando a sociedade. No entanto, de 17 de abril de 2016, data da aprovação do processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, até os primeiros meses de 2019, o Brasil foi de um governo democraticamente eleito por 54 milhões de pessoas, passando pelas mãos de uma ala golpista e terminando sua caminhada em um governo de extrema direita. E é justamente para o ponto inicial dessa trama, o crucial 17 de abril, que o documentário “Tchau, Querida” olha atentamente.

    Dirigido pelo documentarista Gustavo Aranda e pelo jornalista Vinicius Segalla, e produzido pelos Jornalistas Livres, o longa será exibido, com entrada gratuita, no CINUSP Maria Antônia, em São Paulo, na próxima quarta-feira, dia 17 de abril. O filme, que acompanha os bastidores das votações que culminaram com o afastamento de Dilma do Palácio do Planalto, traz uma visão equilibrada das forças atuantes no processo. Com igual espaço para os que gritavam “não vai ter golpe” e para aqueles que só queriam acabar com o “comunismo e a esquerda”, a produção acerta ao deixar que espectador tire suas próprias conclusões a respeito dos desejos e anseios de cada um dos lados.

    (Assista ao trailer do filme “Tchau, Querida”)

    Enquanto os vestidos com camisas da seleção brasileira posavam para selfies em espaços equipados com food truck e Djs, se diziam “diferenciados” e vendiam pixulecos “originais”, os de vermelho compartilhavam refeições comunitárias, recebiam doações e ouviam atentamente a um presidente Lula quase afônico de tanto discursar.

    Entre uma entrevista e outra, o documentário vai também revelando o crescente apoio da extrema direita aos militares e até mesmo a uma possível intervenção, além do alinhamento com correntes religiosas. Não por acaso, retrato fiel do governo atual.

    A produção abarca ainda a relação conturbada que a sociedade estabeleceu com a imprensa no período, discutindo por meio de pontos de vista divergentes o papel da comunicação no processo. Quando Dilma aparece na tela, já virtualmente fora do comando do país, são flores e sorrisos que ela traz nas mãos e distribui aos seus eleitores. E a frase “Tchau, Querida”, tão negativamente explorada durante muito tempo, ganha seu real e único significado.

    SERVIÇO
    “Tchau, Querida”
    17 de abril, 19h
    Centro Universitário Maria Antonia
    Edifício Rui Barbosa – Sala Carlos Reichenbach
    Rua Maria Antonia, 294
    Após a exibição, haverá mesa redonda com os diretores e convidados

  • Livro expõe atuação da mídia no impeachment de Dilma

    Livro expõe atuação da mídia no impeachment de Dilma

    Em agosto de 2016, Dilma Rousseff tinha seu mandato impedido após votação em plenária no Senado Federal. Polêmico e controverso, o processo de impeachment de Dilma contou com ampla cobertura midiática e forte repercussão nas redes sociais. Com vistas à investigação da atuação da mídia no processo de impedimento da ex-presidente, a Editora Insular, em parceria com a Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), lançou essa terça-feira (3) o sexto volume da série Jornalismo e Sociedade, a obra Desconstruindo uma queda: a mídia e o impeachment de Dilma Rousseff, organizada pelos professores Liziane Guazina (UnB), Helder Prior (PPGCOM UFMS) e Bruno Araújo (UFMT).

    Nos oito estudos reunidos no livro, os autores e autoras, pesquisadores de diversas universidades do país, investigam o cenário que permite compreender a derrubada de Dilma Rousseff do poder – e seus desdobramentos político-econômicos a partir de pesquisas centradas na observação empírica e na análise sobre a atuação dos meios de comunicação tradicionais e das mídias sociais em diferentes dimensões do processo político-midiático. Segundo os organizadores, os estudos mostram vários “mecanismos de construção midiática” que influenciaram a da queda de Dilma Rousseff. Eles sustentam que a mídia agiu na “construção de um cenário de opinião favorável ao impedimento e, ao mesmo tempo, de desconstrução da imagem pública do Partido dos Trabalhadores, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da própria presidenta eleita”.

    Para a Profa. Rousiley Maia, doutora em Ciência Política pela University of Nottingham e titular do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a obra é uma competente análise sobre a produção jornalística nacional e internacional e sobre as manifestações dos cidadãos nas redes sociais a respeito do impedimento: “Este livro reúne sofisticadas análises sobre essas questões, a partir de uma ampla e diversificada base de dados. O escopo e a magnitude desta obra são o resultado do esforço colaborativo empreendido por pesquisadores das mais destacadas universidades brasileiras.”

    O livro conta com pesquisas dos autores Anita Hoffmann (Cásper Líbero), Antonio Fausto Neto (Unisinos), Carla Cândida Rizzotto (UFPR), Eurico Matos (UFBA), Heitor Costa Lima da Rocha (UFPE), José Luiz Aidar Prado (PUC-SP), Kelly Prudêncio (UFPR), Laís Cristine Ferreira Cardoso (UFPE), Pedro Mesquita (UFBA), Tatiana Dourado (UFBA), Vinicius Prates (UPM), além dos também organizadores Liziane Guazina (UnB), Hélder Prior (Universidade Autônoma de Lisboa – UAL) e Bruno Araújo (UFMT). A obra está disponível para a venda no site da Editora Insular. A obra será lançada oficialmente durante o 8º Congresso da Associação Nacional dos Pesquisadores em Comunicação e Política – COMPOLÍTICA, de 15 a 17 de maio, na Universidade de Brasília.


    SOBRE A SÉRIE

    A Série Jornalismo e Sociedade, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília, uma parceria com a Editora Insular, situa o jornalismo como construção social e prática sociodiscursiva, que participa da constituição de horizontes de referência sobre o mundo. Contempla a divulgação de estudos empíricos e esforços de teorização que buscam construir/discutir/fazer avançar uma Teoria do Jornalismo e da Notícia, bem como discussões sobre o jornalismo como práxis, as formas de (auto)regulação da profissão e seu papel na promoção da democracia e da cidadania no contexto brasileiro e em comparação com outros países. A Série tem um categorizado Conselho Editorial formado por professores, doutores e pesquisadores do nosso e de outros países.

     

    SOBRE OS ORGANIZADORES

    Liziane Guazina é professora e vice-diretora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Doutora em Comunicação, membro do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UnB. Líder do Grupo Cultura, Mídia e Política e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP/CEAM), ambos da Universidade de Brasília.

     

    Bruno Araújo é professor na Faculdade de Comunicação e Artes da Universidade Federal de Mato Grosso. Doutor em Comunicação, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP/CEAM) e do Grupo de Pesquisa Cultura, Mídia e Política. Pesquisador colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, da Universidade de Coimbra.

     

    Hélder Prior é doutor em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior (2013). Realizou estágio de pós-doutorado na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (PNPD/CAPES) entre 2014 e 2015. Investigador Integrado do LabCom.IFP da Universidade da Beira Interior e investigador colaborador no Observatorio Iberoamericano de La Comunicación da Universidade Autônoma de Barcelona. É professor do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Autónoma de Lisboa.

     

  • A MAIORIA PODE ERRAR?

    A MAIORIA PODE ERRAR?

     

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com charge de Berzé 

     

     

    Contrariando as previsões dos especialistas, Jair Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos válidos, uma votação bem expressiva. O bolsonarismo, definitivamente, é um movimento de massas. Está presente em tudo quanto é lugar, em todos os segmentos da sociedade. A popularidade do presidente eleito é altíssima.

    Eu, que não votei em Bolsonaro, que tenho verdadeiro horror à sua figura pública, pergunto a mim mesmo e pergunto a você, leitor e leitora: será possível que tanta gente assim esteja errada? A maioria pode errar?

    É essa a discussão que proponho neste ensaio.

    Pra começar, argumento que a maioria pode, sim, errar, e isso acontece com alguma frequência. Por isso, a cultura política ocidental inventou arranjos institucionais para proteger a sociedade dos erros da maioria. Está errado quem acha que a democracia é a simples imposição da vontade da maioria. A democracia é bem mais que isso, seu funcionamento é bem mais complexo.

    Quando o que está em discussão é a vontade das massas, costumamos tomar dois caminhos opostos: ou fetichizamos ou desqualificamos a opinião da maioria.

    As duas soluções são fáceis e equivocadas. Na primeira, o erro está em acreditar que a verdade é uma simples questão de soma matemática. Se 1 + 1 + 1 + 1….. dizem que o mundo é de determinada maneira, é porque deve ser mesmo. A segunda é alimentada por uma perspectiva prepotente e elitista que desvaloriza a opinião da maioria pelo simples fato de ser maioria.

    Penso que o caminho correto a tomar é aquele que encara com muita naturalidade o fato de que as massas podem, simplesmente, errar na avaliação da realidade, assim como podem acertar também. A história contemporânea do Brasil nos apresenta alguns exemplos.

     

    1) As vitórias de Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998.

    A massa que elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso sabia o que estava fazendo. Na época, eu ainda não tinha maioridade eleitoral. Se tivesse, certamente teria votado em Lula. Mas não posso negar que as pessoas sabiam o que estavam fazendo. Fernando Henrique Cardoso representava o controle da inflação, que é uma das políticas sociais mais importantes na proteção das famílias mais pobres.

    A inflação é particularmente cruel com as famílias mais pobres. A classe média ainda tem onde cortar em sua cesta de consumo, consegue se adaptar. Muda a marca do sabão em pó, cancela o almoço no restaurante aos domingos. A família pobre, que já vive no limite do consumo básico, é destruída pela inflação.

    Lembro do meu avô, homem muito humilde, indo votar todo animado em Fernando Henrique Cardoso. O velho dizia: “Agora, com cem reais, a gente consegue encher o carrinho o mês inteiro”.

    Fernando Henrique Cardoso foi eleito e reeleito por essa racionalidade popular. Não seria o meu candidato, mas não dá pra dizer que o povão estava errado.

     

    2) A reeleição de Lula em 2006 e a eleição de Dilma em 2010.

    É uma obviedade que não foram os governos dirigidos pelo Partidos dos Trabalhadores que inventaram as políticas públicas de amparo à pobreza. Se engatarmos uma marcha-ré na linha do tempo, passaremos pelos governos de Fernando Henrique Cardoso, pelos governos dos militares (especialmente pelo de Geisel), pelos direitos trabalhistas criados por João Goulart e Getúlio Vargas e chegaremos sabe Deus onde.

    Porém, sem dúvida, os governos do PT levaram essas políticas sociais a níveis de alcance e eficiência até então inéditos na história do Brasil.

    Como nunca antes no nosso país, a pobreza extrema foi combatida. O miserável foi transformado em pobre. O impacto na vida das pessoas foi enorme. Como mostra o pioneiro estudo de André Singer sobre as eleições de 2006, as pessoas perceberam isso e manifestaram eleitoralmente essa percepção.

    O Partido dos Trabalhadores, que até esse momento tinha enorme dificuldade em furar a bolha da classe média progressista e dos movimentos sociais organizados, se tornou o preferido da grande massa de brasileiros e brasileiras mais pobres.

    Há pouco, conversando com uma senhora muito humilde, em um bar aqui de Salvador, ouvi algo muito ilustrativo: “O Fernando Henrique dava um pozinho pra misturar na comida das crianças. Lula deu o Bolsa Família pra gente comprar um gás, um desodorante”.

    A maioria reelegeu Lula em 2006 e elegeu Dilma em 2010 movida por um diagnóstico correto da realidade. Não foi apenas o desejo da mudança, o mesmo que elegeu Lula em 2002. Nem o medo do retrocesso, que reelegeu Dilma em 2014.

    Em 2006 e em 2010, a maioria acertou na avaliação, partindo de uma experiência real de distribuição de renda e de melhoria na qualidade de vida. Temos aqui racionalidade política, cálculo eleitoral.

     

    3) A vitória de Jair Bolsonaro em 2018.

    A disputa eleitoral de 2018 foi atravessada pelos temas da corrupção e da violência urbana. Tudo mais ficou em segundo plano. Esses dois assuntos têm especial poder de afetar os sentidos das pessoas.

    A criatura liga a TV às 20 horas, depois de um dia inteiro de trabalho repetitivo e estafante, e é bombardeada por denúncias de corrupção em série. Pouco importa se os devidos processos legais confirmaram ou não as tais denúncias. Foi pra TV, no horário nobre. É o que basta para aumentar a sensação de corrupção.

    Naquele papo no portão, a pessoa fica sabendo que o filho da vizinha foi assaltado, logo depois dela mesma ter sido assaltada. Na TV, Datena espetaculariza cada evento de violência. Pouco importam as estatísticas. A sensação de insegurança já está plantada.

    Jair Bolsonaro foi capaz de se alimentar desse duplo sentimento para se apresentar como o candidato da mudança, como um antissistema. Grande parte de sua vitória se explica pelo sucesso em construir essa narrativa. Não foi apenas isso, é claro. Mas foi isso também.

    Mas esperem aí: Bolsonaro é deputado há 28 anos. Foram sete mandatos. Deputado federal pelo Rio de Janeiro, Bolsonaro nunca fez nada pela segurança pública do Estado conhecido com o mais violento do Brasil. Até 2016, Bolsonaro era filiado ao PP, o campeão da corrupção.

    Diante de uma realidade tão gritante, como ele conseguiu convencer 55% do eleitorado de que era um outsider capaz de “mudar tudo isso aí”?

    Está aqui o erro da maioria. Um gravíssimo erro de avaliação. Diferente dos casos anteriores dos quais falei há pouco, nas eleições desse ano a maioria, simplesmente, avaliou errado, errou e errou muito.

    O que levou a maioria ao erro?

    Uma campanha poderosíssima de destruição da imagem do petismo, a única força política capaz de fazer frente ao bolsonarismo; o impedimento de Lula; a indústria de fake news pelo WhatsApp… sem dúvida todos são aspectos importantes, mas que devem ser lidos com cuidado, para não corrermos o risco de endossar a velha tese da “manipulação da massa”.

    O povão não é gado. O povão erra o caminho, toma a trilha do abate, mas faz porque quer. As pessoas olham para a realidade e agem, conduzidas por uma lógica própria. O eleitor médio brasileiro viu, erradamente, Bolsonaro como um outsider porque quis ver, porque se sentiu afetado pela imagem de Bolsonaro, se identificou com ele.

    O tiozão tomando café da manhã numa mesa toda bagunçada, olhando para a tela do celular por cima dos óculos pendurados na ponta do nariz. Vocabulário estreito. Soluções fáceis para os problemas mais complexos. Falta de pudor em verbalizar uma agenda comportamental de controle dos corpos de mulheres e gays. A empatia levou ao erro.

    A maioria não foi manipulada. A maioria, simplesmente, errou.

    E agora? Temos um governo não empossado e que em menos de um mês depois de eleito já foi capaz de provocar dois incidentes internacionais, comprometendo diretamente o fluxo de exportação de proteína animal para os países árabes e os serviços de saúde que Cuba exportava para nós.

    Como proteger a sociedade de um gravíssimo erro cometido pela maioria?

    Novamente, as instituições da República, que desde o início da crise estão falhando, serão testadas.

    Não interessa se o governo eleito pela maioria quer flexibilizar o porte de armas de fogo. Os estudiosos da segurança pública dizem que essa não é a solução. Cabe ao Ministério Público contrariar a vontade da maioria.

    Se a maioria quer a criminalização das mulheres que interrompem gravidez, é função do STF contraditar e garantir o direito individual ao controle feminino do processo reprodutivo. Não importa se a medida é impopular. Nem sempre a opinião pública está correta.

    Não se trata de autoritarismo, ou de falta de respeito à democracia. A democracia não é a simples tradução da vontade da maioria. A democracia é o império do bem comum. Nem sempre a maioria sabe o que é o bem comum. A função da minoria ilustrada, nesses momentos, é evitar a destruição total, salvando a sociedade dela mesma.

    É função da democracia proteger as minorias da tirania da maioria.

    Resta saber se as instituições que até aqui faltaram com a República serão capazes dessa intervenção messiânica. Tomara que sim. Temo que não.

     

  • O lugar de Temer na história do Brasil

    O lugar de Temer na história do Brasil

     

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Michel Temer está se despedindo do Palácio do Jaburu. Pois sim, apesar do grande esforço para ser presidente, mesmo sem voto, Temer não quis morar no Palácio do Planalto. Ficou com medo dos fantasmas, dizem as boas línguas. Deve ser um lugar com energia carregada mesmo.

    Resta saber qual será o destino de Temer: a cadeia ou algum cargo no governo de Jair Bolsonaro. Só o tempo dirá. O que dá pra fazer agora é tentar entender os impactos do governo de Michel Temer na sociedade brasileira.

    Qual é o lugar de Michel Temer na história do Brasil?

    Foram apenas dois anos e meio de governo. Mas como a cronologia não é ciência exata, nesses dois anos e meio cabem 70 anos de história, da longa história de um projeto desenvolvimentista por muito tempo fracassado e que, finalmente, se sagrou vitorioso. Temer foi o arquiteto dessa vitória.

    Mas que projeto desenvolvimentista é esse?

    Vamos lá, à velha e boa síntese histórica, que sempre ajuda a orientar as ideias.

    O “Brasil Moderno” nasceu na década de 1930, quando uma revolução administrativa foi realizada no período que aprendemos a chamar de “Era Vargas”. Essa revolução transformou o Estado, o poder público, no agente idealizador e organizador do desenvolvimento nacional. Isso não quer dizer que em períodos anteriores não existiram experiências de centralização política e administrativa. O Estado brasileiro não nasceu em 1930, é claro. O protagonismo do governo central já tinha se manifestado antes, mas nada comparado ao que começou a acontecer depois da chegada do grupo político chefiado por Getúlio Vargas ao poder.

    Onde tem governo existe oposição. Sempre foi assim. No mesmo tempo em que o projeto getulista ganhava contornos mais nítidos, surgiu outro projeto de desenvolvimento, um projeto rival.

    Esse outro projeto, representado por um partido político chamado UDN, propunha que o desenvolvimento do Brasil deveria ser organizado e estimulado pelo mercado nacional e internacional, pela iniciativa privada. Na época, esse projeto ficou conhecido como “entreguista”. Pra usar uma linguagem mais sóbria, vou chamá-lo aqui de “privatista”.

    Importante mesmo é saber que desde então a história brasileira é movida pelo conflito entre esses dois projetos de desenvolvimento. De um lado, o desenvolvimento tutelado pelo Estado. Do outro lado, o desenvolvimento impulsionado pelas forças mercado.

    A UDN, liderada por um sujeito chamado Carlos Lacerda, fez o que podia (e o que não podia) pra derrotar o projeto estatista, hegemônico na década de 1950.

    A UDN Tentou inviabilizar o segundo governo de Getúlio, que começo em 1951 e terminou de forma trágica em 1954.

    A UDN tentou impedir a posse de Juscelino Kubitschek, tentou governar junto com Jânio Quadros.

    A UDN ajudou a tocar fogo no país durante o governo de João Goulart e acabou se associando aos militares, com a expectativa de chegar ao poder através de um golpe de Estado.

    A UDN deu com os burros n’água. Os militares assumiram em 1964 e Carlos Lacerda saiu corrido do Brasil. Foi mordido pela cobra que ajudou a alimentar.

    No geral, a agenda de desenvolvimento efetivada pela ditadura militar esteve mais perto do projeto estatista do que do projeto privatista. Os anos passaram e as coisas mudaram. No final da década de 1980, os defensores do mercado encontraram um novo amor: Fernando Collor de Melo.

    Collor falava em diminuir o Estado, em atacar os privilégios do funcionalismo público, em combater a corrupção. Era o caçador dos marajás. Por trás do discurso, estava o velho projeto de entregar o desenvolvimento nacional ao controle das forças do mercado. Não deu certo. Ainda não foi dessa vez.

    Fernando Henrique Cardoso subiu a rampa em 1995, levando junto o projeto privatista. Agora vai? Será que foi?

    Foi até foi, mas foi bem mais ou menos.

    A coisa andou, o projeto privatista conseguiu algumas vitórias, entre elas a aprovação da Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000, no finalzinho da era FHC. A LRF trouxe uma novidade: agora, o Estado não teria mais poderes plenos para investir, para estimular o desenvolvimento nacional. O investimento ficaria limitado ao “equilíbrio das contas públicas”. Foi uma vitória do projeto privatista, sem dúvida. Mas foi pouco. A LRF e meia dúzia de privatizações. Os tucanos não entregaram tudo que prometeram.

    Fernando Henrique Cardoso prometeu acabar com a Era Vargas e refundar o Estado brasileiro. Não conseguiu. Tentou, mas não conseguiu.

    Chega 2003 e é a vez de Lula subir a rampa.

    Apesar de ter mantido parte da cultura administrativa formulada por FHC, os governos do PT brecaram o projeto privatista. O Estado voltou a ser o tutor do desenvolvimento nacional. Isso é especialmente verdadeiro para os governos de Dilma Rousseff, muito menos tolerantes com as ambições do mercado que os governos de Lula. Dilma é herdeira direta do projeto desenvolvimentista getulista, que chegou a ela através do filtro do brizolismo. Dilma jogou duro, talvez até demais.

    Dilma levou à ideia de que cabe ao Estado conduzir o progresso da nação ao limite do exagero, segundo alguns.

    Não à toa, o golpe parlamentar de 2016 se travestiu de impeachment usando exatamente a Lei da Responsabilidade Fiscal. Aconteceram ali dois golpes: o golpe óbvio se deu pelo afastamento da presidenta eleita sem comprovação de crime de responsabilidade. O golpe simbólico se manifestou no pretexto, que foi um ataque ao projeto estatista. É como se as forças do mercado, avalistas do golpe estivessem dizendo: o Estado não pode mais tutelar a economia. Se o ciclo é de crise, o Estado deve obedecer a tendência do mercado.

    O golpe parlamentar de 2016 criminalizou o movimento anticíclico do Estado brasileiro. Essa foi uma vitória do projeto privatista. Não parou por aí.

    Michel Temer conseguiu fazer em dois anos e meio o que os militares não fizeram (ou não quiseram fazer) em 21 anos, o que FHC não conseguiu fazer em oito anos.

    Michel Temer refundou o Estado moderno brasileiro. Temer, o refundador!

    Somente um governo não eleito e comandado por um político extremamente habilidoso e experiente poderia chegar tão longe, conseguiria fazer tanto e em tão pouco tempo. Isso não é um elogio, que fique claro.

    A PEC 55 (a PEC dos Gastos ou a PEC do Fim do Mundo) é o símbolo dessa refundação.

    Temer terminou o que FHC começou. A PEC 55 é a complementação da Lei da Responsabilidade Fiscal. Agora, o Estado está subordinado ao mercado por 20 anos. Não é mais o interesse público que condiciona o investimento do Estado, mas, sim, os limites dados pelo crescimento do mercado. O projeto privatista, finalmente, venceu.

    Mas ainda existia o risco das eleições de 2018. Ah, as eleições. O projeto privatista é escaldado com esse papo de eleição. Sempre perdeu muito mais do que ganhou. Historicamente, as urnas rejeitaram o projeto privatista.

    O projeto privatista deu um jeito para contornar o problema, um jeito engenhoso, habilidoso. Nem precisou recorrer à baioneta e à farda verde oliva. A formalidade democrática foi mantida, a formalidade.

    Primeiro, o candidato favorito, o principal antagonista do projeto privatista, foi impedido de concorrer. A expectativa era o retorno dos tucanos. Não foi possível. Sobrou Bolsonaro. O projeto privatista topou o risco.

    Depois, a discussão moral foi trazida para o centro do debate eleitoral. Corrupção pra cá, kit gay pra lá, mamadeira erótica acolá. Não houve confronto entre projetos. O segundo turno passou sem que sequer um debate acontecesse. Nenhum debate!

    A língua de Paulo Guedes coçou. Ele começou a falar. Foi silenciado. Bolsonaro foi eleito sem dizer como pretende governar o Brasil. Qualquer um minimamente atento sabe como Bolsonaro pretende governar o Brasil.

    Bolsonaro pretende seguir a trilha aberta por Temer.

    Temer é o refundador do Estado brasileiro. É este o lugar que ele ocupa na história do Brasil. Bolsonaro é figura secundária e tem a única função de manter o que foi feito, de evitar retrocessos. Pra isso, o PT precisa ser destruído. Lula deve morrer preso, mudo e longe de qualquer palanque.

    Bolsonaro vai se contentar com esse lugar secundário? Vai aceitar ser um mero coadjuvante? Ou ele vai se deixar levar pela histeria ideológica e moralista, tentando imprimir sua marca pessoal nessa “nova era”? Será Bolsonaro um presente de grego para o projeto privatista, como foram Jânio Quadros e Collor?

    A ver o que acontece. Só dá pra escrever história se for do passado.

     

  • NOVAS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA PARA NOVOS TIPOS DE GOLPE

    NOVAS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA PARA NOVOS TIPOS DE GOLPE

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Stocker

    À direita dizem que não está acontecendo um golpe no Brasil. Afinal, os canhões não estão nas ruas e não tem milico governando. Se não tem milico governando e canhão na rua, os da direita dizem que não é golpe. Pra ter golpe mesmo só com canhões na rua e milico governando. Não pode ser diferente.

    À esquerda, por uma lógica inversa, também existe o mesmo fetiche com as baionetas. Os companheiros e companheiras estão sempre à espera da chegada dos canhões. Basta um general de pijamas e sem tropas vomitar meia dúzia de tweets que o pânico se espalha. Afinal, se é golpe, e os da esquerda dizem que é golpe, tem que ter canhão na rua e milico governando. Não pode ser diferente.

    Uns e outros erram porque não percebem que os tempos mudaram e os golpes mudaram junto. Mudaram também as formas de resistência. É exatamente disso que quero falar neste ensaio. Novos tipos de golpe exigem novas práticas de resistência. Trato aqui especificamente da resistência que vem sendo organizada pelo Partido dos Trabalhadores.

    Antes, alguns esclarecimentos:

    “Guerra Híbrida” / “Lawfare”

    É impossível entender o que está acontecendo no Brasil sem compreender o que essas palavras significam.

    “Guerra híbrida” é um termo usado para definir estratégias de ataque que não se limitam à esfera militar. Na “guerra híbrida” não ouvimos bombas estourando e metralhadoras produzindo o som da morte. Não há vísceras e membros espalhados no chão. A “guerra híbrida” acontece em silêncio e com tom de legalidade. A “guerra híbrida” é tão discreta que nem parece guerra. Mas é guerra sim. É muita guerra.

    A “guerra híbrida” envolve ciberataques, difusão de fakenews, espionagem, desestabilização de governos.

    Até hoje ainda existe quem acredita que o Lulinha é dono da Friboi. Os donos da Friboi já foram presos, já ficou evidente que o Lulinha nunca teve nenhuma relação com a empresa. Mesmo assim, não é difícil ouvir na rua alguém dizendo “Lulinha era zelador de zoológico e agora é dono da Friboi!”. A “guerra híbrida” também deixa cicatrizes.

    Na “guerra híbrida” chefes de Estado são espionados. Foi isso que a CIA fez com Dilma entre 2013 e 2015. Deve ter feito mais, provavelmente fez mais. Deve tá fazendo isso agora com centenas de pessoas ao redor do mundo.

    Sabiam não, leitor e leitora? Tão achando que é teoria da conspiração? Não é não. É verdade verdadeira. A CIA espionou a Dilma entre 2013 e 2015, exatamente quando a crise brasileira se tornava mais aguda. Teve maior repercussão na época. Deu até no “Fantástico”. Só googlar aí que vocês acham.

    É tática da “Guerra Híbrida” utilizar a lei para perseguir adversários políticos. É isso que chamamos de lawfare. O caso do triplex do Guarujá é o exemplo mais acabado de lawfare. Daqui uns tempos vai ser tutorial de lawfare.

    Resumindo, relembrado:

    A família Lula da Silva comprou uma quota imobiliária num condomínio. Essa quota foi declarada no Imposto de Renda de Lula e de dona Marisa. Até aqui não existe triplex. É uma quota imobiliária, apartamento na planta, desses que a gente paga as prestações.

    Aí, Leo Pinheiro, um “campeão nacional” (termo usado para designar os maiores empresários do país), sabendo que Lula é um ativo político importante, chegou à meia voz e disse:

    – Que apartamento chinfrim, presidente. O senhor merece mais. Vamos dar um plus nesse negócio!

    Leo Pinheiro, no lugar da tal quota imobiliária, ofereceu um triplex para Lula no mesmo condomínio. Ele queria que Lula pagasse um apartamento normal e recebesse um triplex, com elevador privativo, cozinha planejada, banheira de hidromassagem e um monte de outros luxos que eu nem sei que existem.

    Lula visitou o apartamento, foi fotografado. O zelador do prédio disse que a obra estava sendo supervisionada pessoalmente por Marisa Letícia. Essas são as provas mobilizadas por Sérgio Moro: a fotografia e o testemunho do zelador.

    Lula aceitaria o regalo? Daria algo em troca? A relação de Lula com os “campeões nacionais” se tornou abusiva e imoral? Lula poderia ter sido mais cuidadoso?

    Temos aí conversa pra mais de metro e cada um pode acreditar no que quiser. Fato, fato mesmo é que a família Lula da Silva não ficou com o triplex, nunca morou no triplex. O triplex nunca foi de Lula. Além disso, Sérgio Moro não conseguiu mostrar em quais atos de ofício, Lula, na posição de presidente da República, beneficiou a OAS para fazer por merecer os mimos.

    Hoje, Lula está preso, condenado a 12 anos em regime fechado.

    Por outro lado, existe um e-mail onde Fernando Henrique Cardoso pede dinheiro a Marcelo Odebrecht, outro “campeão nacional”. Entendam: FHC pediu, textualmente, dinheiro. Tipo, “Ei você aí, me dá um dinheiro aí”.

    O Ministério Público e a Polícia Federal não tocaram em Fernando Henrique Cardoso, não relaram nenhum dedinho nele.

    É assim que a lawfare está funcionando no Brasil: a ampliação seletiva do conceito de “corrupção” visando a criminalização de determinadas lideranças políticas.

    É evidente que estamos vivendo em uma situação de golpe, um outro tipo de golpe, é claro. Sem canhões na rua, sem milico no governo, mas nem por isso menos golpe. Não precisa ter canhão na rua e milico governando para ser golpe.

    Como é possível reagir a esse novo tipo de golpe?

    Luta armada? Fugir da polícia? Milhões de pessoas nas ruas protestando?

    No dia da prisão de Lula, muitos companheiros e companheiras, tomados pela emoção, prometiam resistência direta. Outros diziam que Lula deveria fugir para uma embaixada. Todos estavam equivocados.

    Politicamente é melhor ser mártir do que ser fugitivo. É melhor estar preso do que estar foragido. É mais seguro também. Duvido que alguém tenha coragem de matar Lula numa prisão brasileira. Agora, em qualquer outro lugar do mundo….

    Milhões de pessoas nas ruas protestando seria algo maravilhoso de ver. Mas essa não é a nossa realidade. Não vivemos, no Brasil e no mundo, tempos de mobilização. As agendas coletivas não afetam mais as pessoas. As pessoas olham umas para as outras e enxergam mais diferenças que semelhanças.

    O que fazer, então, diante de um cenário tão complexo? Como reagir a esse novo tipo de golpe?

    Estou convencido de que a direção do Partido dos Trabalhadores encontrou a estratégia adequada: insistir nos trâmites institucionais.

    Trata-se de uma crença ingênua na legalidade?

    Não, de forma alguma. O objetivo é esgotar as instituições, levando-as ao seu limite, obrigando-as a adotar medidas de exceção. O Partido dos Trabalhadores obriga os golpistas a deixarem no chão as suas pegadas. Destaco três momentos em que a estratégia ficou muito clara.

    1) O processo de impeachment da presidenta Dilma

    Desde a admissão do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados já estava claro que Dilma seria afastada. Mesmo assim, o Partido dos Trabalhadores foi até o fim, esgotando os mecanismos institucionais. Isso não foi feito para permitir que José Eduardo Cardozo desse seus showzinhos de eloquência. O objetivo era fazer com que os deputados, em rede nacional, encenassem aquele espetáculo grotesco que vimos em 17 de abril de 2016. O objetivo era forçar os senadores a dizerem com clareza que não estavam a favor do impedimento por causa das pedaladas fiscais, mas, sim, pelo “conjunto da obra”.

    Apenas no parlamentarismo é possível derrubar um governo ruim. No presidencialismo, somente crime de responsabilidade derruba governo. O impeachment de Dilma é um golpe parlamentarista contra uma República presidencialista.

    Tá tudo gravado, registrado em nota taquigráfica. O golpe de 2016 talvez seja o evento mais documentado da história política brasileira. É fácil, fácil contar essa história.

    2) A ofensiva de Rogério Favreto

    Ainda está fresco na memória de todos nós o dia 8 de julho de 2018, um domingo, quando Rogério Favreto, desembargador do TRF-4, ligado ao Partido dos Trabalhadores, autorizou um habeas corpus em benefício de Lula.

    Nenhuma ilegalidade aqui. O desembargador de plantão é soberano e sua decisão somente pode ser anulada pelos outros juízes. Nesse dia, as forças do golpe agiram à revelia da lei e, informalmente, ordenaram que a PF descumprisse a ordem de soltura. Qualquer outro preso seria solto, nem que fosse para prende outra vez no dia seguinte, quando o habeas corpus fosse derrubado.

    O que vale para todos não vale para Lula. No dia 8 de julho de 2018, o Partidos dos Trabalhadores obrigou os golpistas a saírem daquela tradicional preguicinha de domingo para mostrar ao mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

    3) A representação na ONU

    A notícia de que a ONU havia feito uma recomendação pela garantia dos direitos políticos de Lula caiu como uma bomba em 15 de agosto de 2018, provocando reações apaixonadas por todos os lados.

    Na letra fria da lei, a recomendação não altera em nada a situação do presidente Lula. Porém, a manifestação da ONU, provocada pelo PT, irá obrigar as forças do golpe a descumprirem tratados internacionais que o Brasil, no exercício de sua soberania, assinou.

    Isso pode se desdobrar em sanções comerciais, em constrangimento diplomático, além de desgastar a imagem de algumas lideranças do Judiciário brasileiro, especialmente de Luís Roberto Barroso, que é o relator do caso Lula no TSE. Barroso é aquele típico bacharel tropical colonizado: adora pagar de civilizado no centro do mundo, como quem diz “Vejam como sou limpinho”.

    Se fosse outro preso, o golpe não sacrificaria o pouco de credibilidade internacional que ainda lhe resta. Lula vale o esforço. Com Lula, tudo é diferente. É que Lula não é um preso comum, é um preso político.

    De burro, nosso povo não tem nada. As pessoas viram isso tudo, estão vendo o que está acontecendo e essa percepção se traduz em manifestação eleitoral.

    Tá tendo golpe, tá tendo muito golpe. Mas tá tendo resistência também. Uma resistência possível e adequada aos novos tempos. Não é a resistência dos nossos sonhos. Todos sonhamos com resistência direta e épica. Nossos sonhos estão ultrapassados.

    Ao que parece, a resistência está dando resultado, um resultado possível: Dilma lidera com folga para o Senado em Minas Gerais. Lula, no calabouço de Curitiba, sem fazer campanha, cresce a cada pesquisa. Tudo indica que Haddad herdará uma quantidade suficiente de votos para chegar pelo menos ao segundo turno. A situação não está fácil também para os golpistas.

    Penso que há motivo para termos algum otimismo, nem que seja para preservar a saúde mental. Além disso, como já disse Frei Beto, mais vale deixar o pessimismo para dias melhores.