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Tag: Democracia

  • Assassinato de Vladimir Herzog por agentes da ditadura completa 45 anos

    Assassinato de Vladimir Herzog por agentes da ditadura completa 45 anos

    Após quatro décadas de luta, familiares ainda esperam respostas do Estado brasileiro e justiça pela tortura e morte do jornalista

    Vladimir Herzog

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    Caso Herzog. Nesse domingo, 25 de outubro, o assassinato do jornalista e intelectual Vladimir Herzog por agentes da ditadura militar completa 45 anos. Após quatro décadas de sua morte, o legado de Herzog segue presente em todas as ações do Instituto Vladimir Herzog (IVH), criado para manter viva sua memória e para honrar os valores que defendeu em sua trajetória pessoal e profissional. No entanto, o IVH e os familiares do jornalista ainda esperam respostas do Estado brasileiro e que se faça justiça pela tortura e morte do jornalista.

    O Judiciário brasileiro tem, sistemática e continuamente, violado o direito à justiça das vítimas da ditadura militar, incluindo o dever de investigar, processar e sancionar os responsáveis pelos crimes imprescritíveis contra a humanidade como os que foram perpetrados contra Vladimir Herzog.

    Retrospectiva do Caso

    Em 5 de março de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) proferiu uma sentença internacional em que determinou que os crimes cometidos pela ditadura militar brasileira foram crimes contra humanidade.

    Vladimir Herzog

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    A versão de suicídio dada pela Justiça Militar foi caracterizada pela CIDH como fraudulenta. A sentença responsabilizou internacionalmente o Estado brasileiro pela falta de investigação e ausência de verdade sobre os crimes praticados contra Herzog, e determinou que o Estado brasileiro inicie com a devida  diligência, a investigação e o processo penal cabíveis para identificar, processar e, caso seja pertinente, punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir Herzog.

    Nessa perspectiva, a Corte considerou que, frente ao contexto da época da tortura e assassinato de Herzog, essas práticas eram utilizadas pelo Estado brasileiro como uma forma sistemática de coerção e controle social pelo medo, sobretudo em relação à oposição política ao regime militar que governava o país.

    Dessa forma, tendo em vista esses elementos contextuais, a gravidade das violações e o envolvimento direto de agentes estatais, a Corte entendeu por considerar os crimes cometidos contra Vladimir Herzog como crimes contra a humanidade, tal qual o fez em outros casos.

    Vladimir Herzog

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    Em 17 de março de 2020, obedecendo à determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) de 2018, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra 6 militares responsáveis pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em 1975.

    O juiz federal Alessandro Diaferia, da 1.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, rejeitou a denúncia no dia 5 de maio, citando a Lei da Anistia, que marcou um processo incompleto de transição democrática ao conceder anistia para “crimes políticos ou conexos com esses” cometidos entre 02/09/1961 e 15/08/1979.

    Segundo o juiz, sua decisão não visa “acobertar atos terríveis” ocorridos durante a ditadura militar brasileira, mas “pontuar que a pacificação social se dá, por vezes, a duras penas, nem que para isso haja o custo elevado da sensação de impunidade àqueles que sofreram na própria carne os desmandos da opressão”.

    “Ficamos absolutamente indignados com a resposta do juiz. A Corte IDH entendeu que o crime cometido contra o meu pai e outras pessoas que foram presas e torturadas caracteriza-se como Crime de Lesa-Humanidade, crimes estes que são imprescritíveis e não podem ser perdoados (anistiados). Cabe, portanto, ao Estado Brasileiro investigar as circunstâncias da morte do meu pai e punir os responsáveis. Esperamos que esta decisão possa ser revista”, disse Ivo Herzog, filho do jornalista.

    Não podemos aceitar que, tendo passado quatro décadas de busca por verdade e justiça, a Justiça continue negando a investigação e o processamento dos responsáveis pelos crimes contra a humanidade cometidas contra Vladimir Herzog, ignorando o fato de que decisões da Corte IDH são vinculantes, descumprindo as suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos.

    Vladimir Herzog

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    Instituto Vladimir Herzog

    Trabalhar com a sociedade pelos valores da Democracia, Direitos Humanos e Liberdade de Expressão.

    Democracia
    O Instituto Vladimir Herzog luta pelos valores democráticos: essa missão requer o resgate da nossa História – especialmente da mais recente, ocultada pela ditadura sob sistemática censura – e a sua exposição às novas e às próximas gerações.

    Direitos Humanos
    Almejamos transformar a cultura da sociedade para transformar a própria sociedade. Trabalhamos na formação dos valores do indivíduo, desde os seus primeiros anos de vida, buscando a vivência do respeito à diversidade em todas as dimensões e a consciência de seus direitos e como buscá-los.

    Liberdade de Expressão
    Inspirados na grandeza dos valores de Vlado, não é o medo que nos move, mas a confiança no ser humano e em seu potencial. Por isso, garantir a plena Liberdade de Expressão é uma de nossas missões. Este valor não é um direito garantido. É preciso estar atento para assegurar o diálogo e a tolerância às opiniões diversas na sociedade.

    Para conhecer um pouco mais: https://vladimirherzog.org/o-instituto/

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    Ação-Projeção:

    Sato do Brasil https://www.instagram.com/satodobrasil/

    Casadalapa https://casadalapa.net/

    Condô Cultural https://condo.org.br/

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    Leia também: https://jornalistaslivres.org/instituto-vladimir-herzog-e-oab-denunciam-bolsonaro-na-onu-por-comemoracoes-do-golpe-de-64/

  • Dia da Independência da Venezuela celebra Simón Bolívar em Paris

    Dia da Independência da Venezuela celebra Simón Bolívar em Paris

    Cercado pelo czar Alexandre III, por Churchill e o sanguinário rei belga, lá está a estátua de Simón Bolívar, libertador das Américas, símbolo da luta anti-imperialista, de como é importante que os países latino-americanos estejam unidos para o melhor desenvolvimento de todos. Assim como a Venezuela na atualidade, essa pobre estátua está cercada de imperialistas. Não é o único símbolo desse guerreiro americano por Paris, que também tem direito a um boulevard, uma estação de metrô, uma rua. Muito mais do que em qualquer cidade brasileira, não? 

      

    Ontem foi o aniversário de independência da Venezuela, e enquanto no Brasil nós quase tivemos uma invasão fascista à embaixada, aqui em Paris houve uma pequena celebração embaixo dessa estátua pela manhã, que contou com a presença de embaixadores de outros países em luta, como de Palestina e Cuba, que deixaram flores embaixo da estátua ao final da celebração. 

     

    Essa estátua é um símbolo da liberdade latino americana: foi dada de presente pelas embaixadas da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Panamá à Paris, e colocada pela cidade em um local nobre, ao lado da ponte construída pelo czar Alexandre III, no Sena. Do outro lado da ponte temos o Ministério das Relações Exteriores, diversas embaixadas e mesmo a Assembleia Nacional, que é o equivalente ao nosso Congresso Nacional. 

     

    A inscrição na estátua diz: nascido em Caracas em 24 de julho de 1783, ele liberará a América como jurou, ele quis a independência para que ela (a América Latina) fosse a casa da humanidade e glória da raça latina. Ele foi um cidadão do mundo, amigo da cultura francesa.  

     

    Enquanto conversava com o doutor em América Latina, o sociólogo Jean Jacques Kourliandsky, ele explicou que Simón Bolívar era realmente próximo da França, tendo vivido dois anos em Paris durante a Revolução Francesa, estando presente na coroação de Napoleão, e tendo tido até uma amante francesa, com a qual se correspondeu até sua morte.

     

    Quando perguntado sobre a importância de fazer essa celebração próximo à essa estátua, o embaixador respondeu que ‘é preciso referendar a luta contra a ordem colonial, contra o império’, e Simón Bolívar é um símbolo dessa luta que até hoje a Venezuela trava com bravura. Venezuela Libre! 

  • NÃO É POSSÍVEL NEGOCIAR COM BOLSONARO!

    NÃO É POSSÍVEL NEGOCIAR COM BOLSONARO!

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Dia 29 de junho, o presidente Jair Bolsonaro sanciona a “Lei Aldir Blanc”, que regulamenta auxílio financeiro para profissionais da cultura nesses tempos de pandemia. Essa é uma das dimensões mais tristes dessa doença maldita: a morte da arte. Não existe arte sem aglomeração. Tomara que passe logo. A vida humana não pode ser apenas fenômeno biológico.

    30 de junho, Carlos Alberto Decotelli se demite da chefia do Ministério da Educação depois de virem a público notícias de que ele fraudou currículo acadêmico. Doutorado falso na Argentina, trabalho docente na Fundação Getúlio Vargas desmentido pela instituição, plágio em dissertação de mestrado. Decotelli foi-se antes de chegar.

    Primeiro, Bolsonaro sanciona lei que ajuda profissionais da cultura, categoria que sempre desprezou, chamava de “vagabundos”, alimentando todo tipo de mentiras para jogar a população contra a Lei Rouanet. Depois, correu com um ministro que “apenas” mentiu no currículo.

    Vamos combinar, né? Num governo em que os ministros ameaçam prender juízes do STF, que dizem sem nenhum pudor que aproveitarão a pandemia para derrubar legislação ambiental, o que é mentir no currículo Lattes? O governo diz que procura um “técnico” para comandar a pasta da educação, o que sugere que o novo indicado não será alinhado à guerra cultural olavista.

    Algo está diferente. Já há umas duas semanas que o tigrão tá meio tchuchuca, com comportamento mais próximo do que se espera de um presidente da República, que por dever de ofício é obrigado a respeitar os ritos da democracia liberal.

    Por quê? O que está acontecendo?

    Em texto publicado na Folha de São Paulo em 15 de junho, Arthur Lyra, cacique do “Centrão”, disse que o governo está “amadurecendo”. Prova dessa maturidade seria a aproximação com o próprio Centrão, que ao tirar o governo de extrema-direita golpista e trazê-lo ao plano da sobriedade institucional estaria colaborando para a defesa da própria democracia brasileira.

    Conte outra!

    De centrão, o Centrão tem muito pouco. Historicamente quase sempre esteve inclinado à direita, ainda que por pragmatismo fisiológico tenha se mostrado capaz de apoiar agendas progressistas.

    Além do mais, carece de ser muito ingênuo para achar que a moderação no tom é resultado de amadurecimento. O problema do presidente nunca foi imaturidade, falta de experiência política. Bolsonaro passou quase 30 anos no Congresso Nacional. É impossível ficar tanto tempo no Parlamento e não aprender alguma coisa. Bolsonaro não é bobo. Tolo é quem continuar achando que ele é idiota.

    Bolsonaro é ideológico e está convencido de que lidera revolução destinada a sanear o Brasil e construir futuro melhor. Não é cortina de fumaça. Não é hipocrisia. É ideologia mesmo, sincera como toda ideologia.

    É crença. É utopia, o que torna Bolsonaro tipo político especialmente perigoso. Não há acordo possível com quem está convencido de que é responsável por acelerar a marcha da história rumo ao progresso.

    Na lógica da revolução bolsonarista, o contrato social da redemocratização formalizado na Constituição de 1988 é o antigo regime, o sistema corrupto que assaltou os cofres públicos e maculou os valores família cristã brasileira ao estimular na sociedade hábitos licenciosos.

    O futuro idealizado pelo bolsonarismo é uma sociedade dominada por proprietários armados e senhores da vida e da morte dentro de seus domínios, representados diretamente pelo chefe do Executivo, sem mediação institucional. Na utopia bolsonarista, o Estado é mínimo e a casa é grande.

    O bolsonarismo também opera com certo conceito de “democracia”, que é palavrinha elástica o suficiente para permitir os mais diversos usos. “Democracia” é conceito que está sempre sendo disputado. Parte da imprensa liberal comemorou a pesquisa DataFolha publicada em 29 de junho que aponta 75% da população brasileira se dizendo defensora da “democracia”. A comemoração é otimista demais. Cabe muita coisa no guarda-chuva da “democracia”. Por isso, o substantivo precisa tanto de adjetivo.

    Qual a democracia a sociedade brasileira apoia tanto?

    Não há tirano que se diga tirano. Acho mesmo que não há tirano que se considere tirano, que acorde pela manhã e pense “Hoje vou matar, torturar, reprimir só porque sou malvadão”. Os tiranos acreditam estar agindo em nome do “bem comum”, da “justiça”, do “progresso”, da “vontade de Deus”.

    Na auto-representação todos somos virtuosos, até mesmo os tiranos, até mesmo os fascistas.

    A prisão de Queiroz coloca uma bomba no colo do presidente da República. É muito difícil imaginar que a mulher e as filhas de Queiroz, ou os outros funcionários dos gabinetes dos Bolsonaro, ficarão calados, que não vão assinar acordo de delação com o MP em algum momento.

    Para além dos generais palacianos, as Forças Armadas não responderam à convocação golpista. E vejam que Bolsonaro tentou, tentou muito.

    A construção de uma rede miliciana junto às PMs é operação complexa. Demanda tempo para doutrinar a tropa. Diante do cerco institucional liderado por Alexandre de Moraes e Celso de Melo, Bolsonaro se viu obrigado a recuar. O bolsonarismo sabe que ainda não está pronto para a batalha final.

    Que as instituições não se iludam achando que é possível disciplinar Bolsonaro. Não é. O recuo é tático e não ideológico.

    Um Bolsonaro “moderado” é ainda mais perigoso do que o Bolsonaro virulento. O Bolsonaro virulento tensiona, agita, nos obriga a ficar em constante vigilância. Um Bolsonaro “soft” que sanciona lei para ajudar artista, que procura “ministro técnico” para a educação, nos faz achar que a situação voltou à normalidade.

    Não voltou!

    Não devemos dormir tranquilos enquanto Bolsonaro for o presidente. Bolsonaro é a encarnação do caos. Não é o resultado do caos. É o caos em si.

    Pior do que o Bolsonaro agitador, ameaçando a nação com golpe de Estado, é o Bolsonaro “paz e amor”. Assim, ganha-se tempo para organizar o projeto golpista. A ruptura será sempre o horizonte do bolsonarismo.

    Bolsonaro se enxerga como revolucionário e não vai parar. Será sempre ameaça à democracia. Se for reeleito em 2022, indicará quatro ministros para o STF até 2026. É mais de 1/3 da corte.

    Ou a democracia derruba Bolsonaro ou Bolsonaro derrubará a democracia, nem que seja aos poucos, ocupando por dentro as instituições da República.

    Não é possível negociar com Bolsonaro. Não é possível conviver com Bolsonaro.

  • A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

    A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

    Texto: Lucas Bois
    Revisão: Ágatha Azevedo

    Escutar notícias, ouvir uma narração e ser levado por uma trilha sonora… O que antes poderia ser um programa de rádio, hoje talvez seja um episódio de podcast. Esse fenômeno que invadiu a internet há poucos anos, continua em constante crescimento no número de ouvintes e se expande também na variedade de assuntos oferecidos. Atualmente, grande parte dos temas de podcasts estão relacionados à pandemia da COVID-19 ou ao contexto sócio-político decorrente do bom ou mau enfrentamento dos governos a essa crise mundial sanitária. No nosso país, a pandemia escancara as desigualdades ao evidenciar os problemas sociais que separam as classes econômicas da população.

    Diante desse contexto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez decidiram mergulhar no mundo do podcast para contar histórias de mulheres brasileiras que enfrentam a pandemia, além dos desafios diários vividos cotidianamente. “A gente tem certeza que as mulheres sempre tem as melhores soluções. Ao reunir essas histórias, trazemos muitas ideias e inspirações, formando uma grande ciranda. Daí veio o nome do podcast: Cirandeiras“, conta Joana.

    Para conhecer melhor esse espaço de webrádio e feminismo, os Jornalistas Livres fizeram um bate-papo com as jornalistas que contam sobre o processo de produção, a pandemia e a relação desse projeto com a democratização da comunicação.

    Como começou

    Raquel Baster e Joana Suarez já dividiam afinidades pelas pautas feministas e bastou apenas uma semana de quarentena para que colocassem o projeto do podcast em ação. Joana, que vem do jornalismo de redação, conta que já vinha se aproximando da rede de podcasts, refletindo sobre a acessibilidade do áudio e seu poder de democratizar: “A maioria dos textos que eu faço são textos enormes e tenho a certeza que muita gente não lê, principalmente as mulheres sobre quem eu falo. O áudio me atraía muito porque leva as pessoas a imaginarem, criar cenários e ir para outra dimensão. Agora na pandemia onde as pessoas estão confinadas, o podcast virou uma companhia, uma forma de sair de casa.”

    Já Raquel trouxe ao universo do podcast, sua experiência com a comunicação popular: “Eu sempre trabalhei muito com rádio comunitária e me interesso por essa forma de comunicação que está mais próxima das pessoas. Por mais que ainda seja um novo tipo de mídia, o podcast traz as características do rádio, como as histórias contadas através de uma narração.”

    Como é produzido

    Muitas vezes, quem escuta um podcast não imagina o que pode estar por trás de sua produção. Segundo as jornalistas, a primeira coisa a fazer é pensar no tema e escolher as mulheres para as entrevistas, por elas chamadas de “cirandeiras”.

    “Geralmente o episódio tem a ver com uma pauta que já trabalhamos anteriormente e assim, procuramos mulheres que já tivemos contato. Por coincidência, toda vez que decidimos uma pauta, acontece algo nacionalmente que se conecta ao programa.” Joana lembra que o episódio recente Pandemia na internet sobre segurança digital foi ao ar na mesma semana em que o Senado brasileiro discutia o projeto de lei que combate fake news, enquanto outra discussão acontecia nas redes sobre a exposição de dados pessoais dos usuários do aplicativo FaceApp.

    Após o primeiro contato, elas fazem uma pesquisa sobre a cirandeira, enviam as perguntas e dão algumas dicas à entrevistada de como fazer uma boa gravação utilizando o próprio WhatsApp. Como essa orientação, muitas vezes, não é suficiente, nem sempre os áudios tem a melhor qualidade, “mas na pandemia tá tudo justificado”, comenta Joana.

    Com as respostas da entrevistada, o roteiro chega a ter mais de 10 páginas e leva de 20 a 30 horas para sua elaboração. A cada episódio, uma delas toma à frente a função de escrever o roteiro, incluindo referências pessoais, e em seguida, a parceira acrescenta a sua parte. “A gente percebe que às vezes um tema muito comum para uma, pode ser muito complexo para a outra. A gente vai se complementando para facilitar o entendimento de quem escuta”, conta Raquel.

    Depois do roteiro, vem a hora da gravação que exige algumas preparações, como escolher um horário silencioso do dia para gravar, desligar a geladeira e armar um pequeno estúdio caseiro com edredons. “O legal do podcast é que é uma mídia barata. Basta ter um celular, internet e gambiarras”, conta Joana dando risadas.

    Retorno dos ouvintes

    As jornalistas contam que 75% das pessoas que ouvem o podcast são mulheres e pertencem ao grupo social que elas convivem. Além do desafio de expandir a rede de ouvintes, elas relatam que ainda é uma grande dificuldade fazer com que o podcast retorne às pessoas entrevistadas e a outras mulheres que não estão acostumadas a esse tipo de mídia.

    Raquel conta que a cirandeira Lia de Itamaracá, entrevistada no episódio Pandemia na Ilha, só pôde escutar o podcast após seu produtor viajar até a ilha onde mora para mostrá-la pessoalmente em seu celular. Lia é uma das mulheres brasileiras que ainda não fazem parte dessa grande rede de internet em 2020.

    Um infográfico produzido pelo site iinterativa utilizando as fontes do IBOPE, Spotify Newsroom e ABPod, mostra que cerca de 45% do público dos podcasts é formado por homens, do sudeste do país, que pertencem às classes A e B e tem entre 16 e 24 anos. Segundo a pesquisa feita em 2019, 32% dos entrevistados nem sabiam o que é um podcast.

    Se o podcast ainda é limitado a uma pequena parcela da população, o WhatsApp talvez possa ser um lugar mais democrático para a sua difusão. As jornalistas contam que decidiram fazer os episódios em formatos pequenos de até 30 minutos para conseguir enviar pelo aplicativo de mensagens e garantir que o podcast alcance o maior número de pessoas.

    Democratização da comunicação

    Para a jornalista Raquel Baster, é inevitável discutir o alcance dos podcasts sem pensar na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Apesar do surgimento das novas mídias, grande parte das informações veiculadas é controlada por um conglomerado de grandes empresários que atendem os interesses privados dessa própria elite.

    Segundo ela, “não adianta inventar a roda do podcast, sem falar da estrutura da comunicação no Brasil. Para tornar (a comunicação) mais acessível, precisamos discutir a concentração midiática. A internet ainda não é acessível para grande parte da população brasileira. Precisamos que o maior número de pessoas tenham acesso, mas que possam também alcançar os meios de produção.”

    No episódio sobre trabalhadoras rurais, a entrevistada Verônica Santana fala sobre a dificuldade das agricultoras em conseguir se comunicar durante a pandemia, visto que o trabalho sempre foi presencial. “A gente tem muita dificuldade, tanto no domínio dessas ferramentas, como no desafio de que a internet não funciona na maioria dos nossos territórios rurais. No campo, a internet ainda não é uma realidade.”, diz Verônica.

    Segundo a pesquisa TIC Domicílios, apenas 50% da população rural tem acesso a internet e esses números podem diminuir ainda mais de acordo com o recorte social e econômico.

    Por outro lado, Joana revela seu otimismo no poder das novas mídias: “Acho que o podcast vai se democratizar como aconteceu com o Instagram. Quando a gente poderia imaginar ter acesso a sotaques das pessoas do sertão do Cariri?” Joana se refere ao podcast BUDEJO, de Juazeiro do Norte, e cita ainda o Radionovela produzido por alunos da UFPE em Caruaru, no agreste pernambucano, que narra em formato de radionovela O Alto da Compadecida em Tempos de Pandemia, adaptação da obra de Ariano Suassuna.

    Para onde vai essa Ciranda

    O podcast Cirandeiras teve início durante a pandemia, portanto grande parte dos seus episódios tem esse tema como contexto. No entanto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez pretendem continuar os episódios futuramente, indo a diferentes locais do Brasil para entrevistar de perto as mulheres que conduzem “as cirandas”.

    Os episódios das Cirandeiras estão disponíveis nas plataformas mais conhecidas de podcast e tem a cada quarta-feira um novo episódio. Também estão presentes no Instagram, onde ocorrem as lives com as outras mulheres dentro das temáticas dos programas.

  • Lançado vídeo da campanha “Com racismo não há democracia”

    Lançado vídeo da campanha “Com racismo não há democracia”

    Em nosso passado, formamos quilombos, forjamos revoltas, lutamos por liberdade, construímos a cultura e a história deste país. Hoje, lutamos por uma verdadeira democracia, exercício de poder da maioria, e conclamamos aqueles e aquelas que se indignam com as injustiças de nosso país.

     

    Assista, compartilhe, marque os amigos e depois assine o Manifesto:

    NÃO HÁ DEMOCRACIA SEM ENFRENTAR O RACISMO.

    imagem comracismonaohademocracia

    “Enquanto houver RACISMO, não haverá DEMOCRACIA.

    Nós, população negra organizada, mulheres negras, pessoas faveladas, periféricas, LGBTQIA+, que professam religiões de matriz africana, quilombolas, pretos e pretas com distintas confissões de fé, povos do campo, das águas e da floresta, trabalhadores explorados, informais e desempregados, em Coalizão Negra por Direitos, viemos a público exigir a erradicação do racismo como prática genocida contra a população negra.

    O Brasil é um país em dívida com a população negra – dívidas históricas e atuais. Portanto, qualquer projeto ou articulação por democracia no país exige o firme e real compromisso de enfrentamento ao racismo. Convocamos os setores democráticos da sociedade brasileira, as instituições e pessoas que hoje demonstram comoção com as mazelas do racismo e se afirmam antirracistas: sejam coerentes. Pratiquem o que discursam. Unam-se a nós neste manifesto, às nossas iniciativas históricas e permanentes de resistências e às propostas que defendemos como forma de construir a democracia, organizada em nosso programa.

    Esta convocação é ainda mais urgente em meio à pandemia da Covid-19, quando sabemos que a população negra é o segmento que mais adoece e morre, que amplia as filas de desempregados e que sente na pele o desmantelamento das políticas públicas sociais. Em meio à pandemia de Covid-19, o debate racial não pode mais ser ignorado.

    Neste momento, em que diferentes setores se unem em defesa da democracia, contra o fascismo e o autoritarismo e pelo fim do governo Bolsonaro, é de suma importância considerar o racismo como assunto central.

    “Estamos vindo a público para denunciar as péssimas condições de vida da comunidade negra.” Este trecho, retirado do manifesto de fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, de julho de 1978, é a prova de que jamais fomos ouvidos e

    de que sempre estivemos por nossa própria conta.

    Essa é uma luta que não começa aqui, mas que se materializou no pensamento e na ação de homens e mulheres que, em todos os momentos históricos em que a brutalidade foi imposta ao povo negro, levantaram suas vozes e disseram: NÃO!

    imagem comracismonaohademocracia

    Não há democracia, cidadania e justiça social sem compromisso público de reconhecimento do movimento negro como sujeito político que congrega a defesa da cidadania negra no país. Não há democracia sem enfrentar o racismo, a violência policial e o sistema judiciário que encarcera desproporcionalmente a população negra. Não há cidadania sem garantir redistribuição de renda, trabalho, saúde, terra, moradia, educação, cultura, mobilidade, lazer e participação da população negra em espaços decisórios de poder. Não há democracia sem garantias constitucionais de titulação dos territórios quilombolas, sem respeito ao modo de vida das comunidades tradicionais. Não há democracia com contaminação e degradação dos recursos naturais necessários para a reprodução física e cultural. Não há democracia sem o respeito à liberdade religiosa. Não há justiça social sem que as necessidades e os interesses de 55,7% da população brasileira sejam plenamente atendidos.

    O racismo deve ser rechaçado em todo o mundo. O brutal assassinato de George Floyd demonstra isso, com as revoltas, manifestações e insurreições nas ruas e a exigência de justiça racial. No Brasil, nos solidarizamos com essa luta e com esses protestos e reivindicamos justiça para todos os nossos jovens e para a população negra. E, entre muitos que não podemos esquecer, João Pedro presente!

    Em nosso passado, formamos quilombos, forjamos revoltas, lutamos por liberdade, construímos a cultura e a história deste país. Hoje, lutamos por uma verdadeira democracia, exercício de poder da maioria, e conclamamos aqueles e aquelas que se indignam com as injustiças de nosso país.

    Porque a prática é o critério da verdade.”

    imagem comracismonaohademocracia

    por Coalizão Negra Por Direitos

    Vídeo: João Wainer

  • Enquanto houver RACISMO, não haverá DEMOCRACIA

    Enquanto houver RACISMO, não haverá DEMOCRACIA

    Cidadãos e organizações da sociedade civil, população negra organizada, mulheres negras, pessoas faveladas, periféricas, LGBTQIA+, quilombolas, religiões de matriz africana e pretos e pretas com distintas confissões de fé, povos do campo, das águas e da floresta, trabalhadores explorados, informais e desempregados, em Coalizão Negra por Direitos, lançaram um manifesto e abaixo-assinado para EXIGIR  a erradicação do Racismo como prática genocida contra a população negra.
    Confira a íntegra do manifesto em www.comracismonaohademocracia.org.br 

    Enquanto houver RACISMO, não haverá DEMOCRACIA

    “Convidamos você a praticar seu antirracismo! Una-se à nós neste manifesto, às nossas iniciativas históricas e permanentes de resistências e às propostas que defendemos como forma de construir democracia, organizada nestas propostas.

    Nós, população negra organizada, mulheres negras, pessoas faveladas, periféricas, LGBTQIA+, que professam religiões de matriz africana, quilombolas, pretos e pretas com distintas confissões de fé, povos do campo, das águas e da floresta, trabalhadores explorados, informais e desempregados, em Coalizão Negra por Direitos, viemos a público exigir a erradicação do racismo como prática genocida contra a população negra.

    O Brasil é um país em dívida com a população negra – dívidas históricas e atuais. Portanto, qualquer projeto ou articulação por democracia no país exige o firme e real compromisso de enfrentamento ao racismo. Convocamos os setores democráticos da sociedade brasileira, as instituições e pessoas que hoje demonstram comoção com as mazelas do racismo e se afirmam antirracistas: sejam coerentes. Pratiquem o que discursam. Unam-se a nós neste manifesto, às nossas iniciativas históricas e permanentes de resistências e às propostas que defendemos como forma de construir a democracia, organizada em nosso programa.

    Esta convocação é ainda mais urgente em meio à pandemia da Covid-19, quando sabemos que a população negra é o segmento que mais adoece e morre, que amplia as filas de desempregados e que sente na pele o desmantelamento das políticas públicas sociais. Em meio à pandemia de Covid-19, o debate racial não pode mais ser ignorado.

    Neste momento, em que diferentes setores se unem em defesa da democracia, contra o fascismo e o autoritarismo e pelo fim do governo Bolsonaro, é de suma importância considerar o racismo como assunto central.

    “Estamos vindo a público para denunciar as péssimas condições de vida da comunidade negra.” Este trecho, retirado do manifesto de fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, de julho de 1978, é a prova de que jamais fomos ouvidos e de que sempre estivemos por nossa própria conta.

    Essa é uma luta que não começa aqui, mas que se materializou no pensamento e na ação de homens e mulheres que, em todos os momentos históricos em que a brutalidade foi imposta ao povo negro, levantaram suas vozes e disseram: NÃO!

    Não há democracia, cidadania e justiça social sem compromisso público de reconhecimento do movimento negro como sujeito político que congrega a defesa da cidadania negra no país. Não há democracia sem enfrentar o racismo, a violência policial e o sistema judiciário que encarcera desproporcionalmente a população negra. Não há cidadania sem garantir redistribuição de renda, trabalho, saúde, terra, moradia, educação, cultura, mobilidade, lazer e participação da população negra em espaços decisórios de poder. Não há democracia sem garantias constitucionais de titulação dos territórios quilombolas, sem respeito ao modo de vida das comunidades tradicionais. Não há democracia com contaminação e degradação dos recursos naturais necessários para a reprodução física e cultural. Não há democracia sem o respeito à liberdade religiosa. Não há justiça social sem que as necessidades e os interesses de 55,7% da população brasileira sejam plenamente atendidos.

    O racismo deve ser rechaçado em todo o mundo. O brutal assassinato de George Floyd demonstra isso, com as revoltas, manifestações e insurreições nas ruas e a exigência de justiça racial. No Brasil, nos solidarizamos com essa luta e com esses protestos e reivindicamos justiça para todos os nossos jovens e para a população negra. E, entre muitos que não podemos esquecer, João Pedro presente!

    Em nosso passado, formamos quilombos, forjamos revoltas, lutamos por liberdade, construímos a cultura e a história deste país. Hoje, lutamos por uma verdadeira democracia, exercício de poder da maioria, e conclamamos aqueles e aquelas que se indignam com as injustiças de nosso país.

    Porque a prática é o critério da verdade.”