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  • Setembro verde e o debate sobre inclusão

    Setembro verde e o debate sobre inclusão

    Artigo de Maria Paula Vieira, especial para os Jornalistas Livres

    As pessoas com deficiência seguem longe dos espaços de debates, veículos da mídia, editoriais e de seus locais de fala e decisão na sociedade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), com dados de 2011, 1 bilhão de pessoas vivem com alguma deficiência, o que equivale cerca de 1 em cada 7 pessoas no mundo. No Brasil, são cerca de 45 milhões da nossa população. Apesar disso, continua sendo um grupo minoritário invisibilizado por políticas públicas, que têm direitos básicos, como educação e trabalho, negados. Para que a gente se conscientize a respeito, Setembro Verde vem dedicado a dar visibilidade à inclusão social da pessoa com deficiência.
    Mas em meio a tantas cores, onde esta foi parar?

    Uma palavra recente, que ainda nem está listada no nosso dicionário, pode explicar: o capacitismo. Isto é, a discriminação ou preconceito ao não enxergar capacidade na pessoa com deficiência para trabalhar, estudar ou construir relações. Dessa forma, são tratadas por muitos como alguém inferior. Acontece de forma consciente ou não, já que está enraizado na sociedade, assim como outros preconceitos.

    “O capacitismo estrutural me educou forçadamente o que é sentir a solidão. A situação social que tanto nos afeta, para todas as pessoas com deficiência que enfrentam de diferentes níveis o capacitismo”, comenta Emerson Faria, 27, assistente administrativo sênior e surdo oralizado.

    A estrutura capacitista faz pessoas com deficiência acreditarem o tempo todo que são incapazes, e quando rompem as barreiras são vistas como exemplo de superação, o que as desumaniza. “Além de ter uma deficiência, também faço parte do grupo periférico, o que me transformou nesse milagre social por ter conseguido acessos que deveriam ser básicos a todos. Isso me reduziu somente a minha deficiência, trazendo uma opressão durante a minha vida toda”, relata Eduardo Victor, 20 anos, criador de conteúdo, militante, que possui paralisia cerebral.

    O depoimento de Stephanie Marques, 24, assistente administrativa e criadora de conteúdo digital, também mostra a dificuldade da sociedade em vê-las desempenhando funções básicas da vida adulta, como formar no ensino superior, dirigir um carro, pagar contas e namorar. Ela possui uma doença congênita que afeta sua estatura trazendo olhares invasivos por onde passa, “isso tudo começou na adolescência e conforme foram aumentando minhas responsabilidades, mais frequente ficavam os olhares e as incógnitas, diariamente e em todos os lugares que eu passo acabo escutando algo mais cedo ou mais tarde”, conta.

    DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO E TRABALHO

    A Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) consideram que a sociedade não provê à pessoa com deficiência meios de exercer seus direitos em igualdade de condições com as demais pessoas. E os dados comprovam: No mercado de trabalho possuem 1,04% das carteiras assinadas no país, de acordo com os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), em 2018. Enquanto isso, o Censo da Educação Superior de 2016 mostra que, apenas 0,45% de matrículas no ensino superior são de alunos com deficiência.

    “Sempre digo que o mercado de trabalho é um reflexo da sociedade quando o assunto é comportamento. E sendo assim, está repleto de situações capacitistas e excludentes”, aponta Ana Kelly Melo, gestora de de Recursos Humanos e também uma mulher com deficiência. Segundo Melo, o capacitismo constrói uma barreira para o protagonismo da pessoa com deficiência antes mesmo da busca por um emprego, as portas se fecham desde a escola. “Isso criou uma crença falsa de que não é possível encontrar bons profissionais entre as pessoas com deficiência”, completa.

    Faria, conta que trabalha desde os 16 anos e ainda enfrenta a disputa de ter um bom salário e um bom cargo.“Percebe-se o quanto é importante falarmos de inclusão, já que todas as empresas ainda segregam pessoas com deficiência no mercado de trabalho e as oportunidades ainda não são iguais de pessoas sem deficiência”, afirma.

    A estudante e militante do movimento, Zannandra Caso, 18, relata que desde que entrou na fase de vestibulares, a discriminação veio logo na inscrição com formulários e exames para conseguir uma mesa acessível. Por ter uma deficiência física, além de se preocupar em passar, tem que se preocupar se os locais terão acesso. “Não nos querem nas universidades e, o que puderem fazer para evitar que entremos, vão fazer. Essa é uma realidade que já aceitei e, que uso como motivação para conseguir ser aprovada em todas as instituições que mostram como sou indesejada nela”, afirma.

    Quem as escolas estão formando? Pessoas brancas e dentro do padrão, responde Luciana Viegas, professora com especialização em práticas inclusivas, além de mulher negra e com autismo. “Quem não está dentro disso, a escola não consegue formar e desenvolver, impedindo que milhares de crianças se formem e se desenvolvam. Temos a lei de inclusão, e isso é uma evolução. Mas precisamos avançar nos debates, para formar para a diversidade como um todo”, conclui.

    (LUCIANA.FOTO: ARQUIVO PESSOAL)

    Zannandra, complementa que, mesmo com os direitos evoluindo, ainda falta muito. Muitas das discussões sobre as minorias que ganharam visibilidade nos últimos anos foram devido a uma movimentação geral, o que não acontece com a questão da inclusão. Para ela as pessoas ainda não respeitam essas pautas, não há empatia quanto as violências que sofrem. “Enquanto, o capacitismo for algo moralmente aceito, nossas pautas e reivindicações continuaram restritas a nossa comunidade”, reflete.


    ZANNANDRA. FOTO: ARQUIVO PESSOA

    Falta de visibilidade dentro dos movimentos

    O movimento das pessoas com deficiência está em todos os direitos humanos, são pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+, mesmo assim têm suas demandas apagadas. “Nós somos a maior minoria do mundo e continuamos sendo excluídos de diversos projetos e narrativas. Quantas pessoas você vê falando sobre mulheres lésbicas com deficiência? Gays com deficiência? Pessoas trans com deficiência?”, questiona Eduardo Victor.

    O criador de conteúdo e a professora Luciana, também debatem sobre o recorte de corpos negros com deficiência que são oprimidos na sociedade pela sua simples existência, além de terem os acessos negados, são mortos diariamente.

    MUDANÇAS

    Os militantes entrevistados desta reportagem acreditam que o Setembro Verde vem para conscientizar, mas é necessário começar a se ter práticas anticapacitistas da base, ensinando dentro de escolas e núcleo familiares sobre suas existências. E “obviamente que para isso os adultos terão que aprender sobre o assunto para as crianças terem como exemplo. E claro, não pode faltar a representatividade na mídia e nos meios de comunicação”, finaliza Stephanie Marques.

  • Allianz Parque não foi feita para receber visitantes com deficiência!

    Allianz Parque não foi feita para receber visitantes com deficiência!

    Matéria feito pelo jornalista Marcelo Alves Belotti, do Jornal Empoderado

    Início do Paulistão, estreia do seu time. Esse era o pensamento de Rafael Costa Soares 22 anos, morador de Mauá e torcedor do Esporte Clube Santo André. Rafael é cadeirante, sabe do sofrimento que significa essa sua condição. Ainda mais que a estreia do Ramalhão era contra o Palmeiras, dono da Arena Allianz Parque, vencedora de vários prêmios internacionais. Era uma quinta-feira, dia 18, um jogo  as 19h30, um ótimo horário para o futebol.

    O estádio do Palmeiras chama a atenção dos torcedores. Além da imponência das Arenas, possui o certificado por acessibilidade,o “selo guiaderodas”, que leva em consideração análises técnicas e vivência funcional, além de um treinamento para atender as pessoas com essa necessidade. Então partiram Rafael e Luiz Carlos Marques, seu amigo e companheiro nos estádios em São Paulo para mais um jogo do Ramalhão, sem saber a aventura que os aguardava aquela noite.

    Tudo foi tranquilo, Rafael tem sempre ao seu lado o amigo Luiz Carlos Marques. A orientação quando se aproximavam do Allianz era para a entrada no portão D, onde seria colocada a torcida visitante. Aí começava calvário de Rafael.

    O atendimento foi muito bom, porém não havia espaço com acessibilidade no portão D. Depois de muita espera, Rafael foi encaminhado ao setor C1, dotado de elevadores para poder entrar no Estádio. Para chegar ao setor indicado, Rafael e Luiz Carlos devidamente uniformizados passaram no meio da torcida do Palmeiras.

    A cor vermelha ilustra como Rafael entrou no estádio (portão C) e até aonde foi encaminhado para ver o primeiro tempo. A cor laranja como ele se deslocou para ver o segundo tempo da partida

    Dentro da Arena uma outra surpresa: Rafael não assistiria o jogo no espaço reservado ao seu time, com seus amigos! Não havia nem próximo um setor com acessibilidade para cadeirantes. Rafael e seu amigo Luiz Carlos iam assistir o jogo do seu time do coração no meio da torcida adversária, pois no Estádio Allianz Parque não há lugar adequado para recebê-lo entre a sua torcida.

    Aos 25 minutos, chegou uma pessoa que se identificou como “quem manda no Allianz” com o intuito de retirá-los do espaço. Luiz Carlos foi defender o amigo e discutir dizendo que pagaram seus ingressos e que de lá não sairiam até que terminasse o primeiro tempo, pois não queriam perder o jogo. Tanto Luiz Carlos como Rafael tinham consciência que o local não era adequado para eles.

    Mas como o estádio não possui espaço reservado para o torcedor cadeirante, quem os levou a esse espaço foi a Sociedade Esportiva Palmeiras. Esperavam que dois torcedores uniformizados com a camisa do Santo André não fossem torcer? A situação foi resolvida quando Bigode, um funcionário bem antigo do Palmeiras chegou e com muita educação garantiu a presença deles até o final do primeiro tempo.

    O segundo tempo foi assistido atrás do gol em cima das torcidas uniformizadas, no ponto indicado. O sentimento era sempre de estar no local errado, um pouco de constrangimento para gritar e torcer, como qualquer torcedor aquela noite, que pagou o seu ingresso e estava em uma arena, que recebeu vários prêmios e “selo guiderodas” mas que não guarda em suas dependências, espaço para acessibilidade dos torcedores visitantes.

    Aliás, os torcedores andreenses puderam destacar também a ausência de extintor no local reservado para a torcida visitante, o que seria uma norma de segurança. Outra coisa que incomoda, mas que é bem equacionada pela Polícia Militar é a presença de uma sede de Torcida Uniformizada a poucos metros da entrada da torcida visitante (portão D).

    O Palmeiras age dentro das normas de acessibilidade. O Estatuto do Torcedor diz em seu art.13, parágrafo único: “Será assegurado acessibilidade ao torcedor com deficiência física pessoa com deficiência físicaou com mobilidade reduzida”. Além disso, a Lei fala em até 1% reservado para acessibilidade. Não falam nada sobre torcedores visitantes.

    Nesses casos, deve reinar o bom senso. O Rafael vai em todos os estádios de São Paulo, como o Nicolau Alayon, ou como o Rodolfo Crespi no Juventus e até na Arena Corinthians e nunca teve nenhum problema para assistir as partidas de seu time do coração nesses estádios. Em todos os casos, o acesso é tranquilo e sempre eles veem seus jogos na sua torcida, ao lado de seus amigos, sem sofrer constrangimentos

    Rafael na Arena Barueri

    Rafael no Estádio Santa Cruz em Ribeirão Preto

    Causa espanto que em uma arena moderna, recém construída e que serve como orgulho dos palmeirenses, trate tão mal seus visitantes. Colocados em um canto, com ingressos a preços altíssimos e sem acesso a equipamentos de segurança (Extintor). E se você for cadeirante… é melhor ficar em casa, ou não torcer para o seu time se ele não for o Palmeiras.

    Nós do Jornal Empoderado, um jornal que da voz aos invisíveis, nos sentimos tristes com o corrido com nosso colaborador Rafael, pois convivendo com ele sabemos o quão difícil é acessibilidade nesta cidade que não parece projetada para deficientes físicos.

    Não temos a intenção de denegrir a imagem do Allianz Arena, queremos que ela humanize o tratamento com visitantes, em especial, quem tanto precisa do carinho que a torcida merecidamente palmeirense já recebe da administração alviverde. Por fim, agradecemos ao senhor “Bigode” pela atenção e sensibilidade dada ao ocorrido no dia.

    Aguardamos até essa data a resposta do Palmeiras, através de seu Departamento competente, sem sucesso. Tão logo tenhamos um retorno com relação ao ocorrido, divulgaremos

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    Alianz Park

    Endereço: Rua Palestra Itália, nº 214 – Perdizes – São Paulo – SP – CEP 05005-030

    Telefone: (11) 3874-6500

    Horário de Funcionamento: Terça a sextas: 6h às 23h. Sábados, domingos e feriados: 6h às 19h!