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Tag: Defensoria Pública

  • Conexão Solidária São Paulo

    Conexão Solidária São Paulo

    A APADEP e a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo lançaram no último sábado, dia 4 de abril, a campanha Conexão Solidária São Paulo, com a finalidade de arrecadar doações para a compra de cestas básicas e kits de higiene e de limpeza em geral que serão destinados a segmentos e grupos sociais vulneráveis que estão enfrentando de forma mais severa os efeitos sociais, jurídicos e econômicos decorrentes da pandemia de Covid-19.

    A campanha terá duração até o dia 30 de abril de 2020, podendo ser prorrogada, e a entrega dos kits será semanal, até 08 de maio.

    Neste momento de incertezas e de dificuldades para os mais vulneráveis, a Associação convida a todos/as a participar.

    Banco do Brasil
    Agência 3324-3
    Conta Corrente 26.439-3
    CNPJ 08.078.890/0001-66 (APADEP)

    1. O que é a Conexão Solidária São Paulo

    A CONEXÃO SOLIDÁRIA SÃO PAULO é uma campanha organizada pela Associação Paulista de Defensores Públicos (APADEP) em parceria com a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo com a finalidade de arrecadar dinheiro para a compra de cestas básicas e kits de higiene e de limpeza em geral que serão destinados a segmentos e grupos sociais hipossuficientes e cuja vulnerabilidade se torna ainda maior diante dos efeitos sociais, jurídicos e econômicos decorrentes da pandemia de Covid-19.

    2. Organizadores

    A campanha é uma parceria entre a APADEP e a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública de São Paulo.

    Novos parceiros poderão ser admitidos, desde que haja concordância expressa das duas entidades organizadoras originais.

    Os novos parceiros deverão demonstrar compromisso com o Estado Democrático de Direito, o combate às desigualdades sociais e a promoção dos direitos humanos.

    3. Sobre a doação

    3.1 Poderão doar dinheiro Defensores/as Públicos/as do Estado de São Paulo, assim como de outros Estados e da União, servidores/as públicos/as da Defensoria Pública e da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública, membros do Conselho Consultivo da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública, integrantes de outras carreiras de Estado e advogados/as;

    3.2 O valor será definido pelo/a doador/a;

    3.3 O dinheiro deverá ser depositado na conta corrente abaixo indicada, de titularidade da APADEP e aberta com a finalidade exclusiva para gerir os valores doados durante a campanha:
    Banco do Brasil
    Agência 3324-3
    Conta corrente 26.439-3
    CNPJ: 08.078.890/0001-66;

    3.4 A campanha terá duração até o dia 30 de abril de 2020, podendo ser prorrogada a critério dos organizadores;

    3.5 Caberá à APADEP gerir o dinheiro arrecadado e, ao lado da Ouvidoria da Defensoria Pública, prestar contas ao final do processo, de modo a garantir a transparência financeira da campanha.

    4. Beneficiários da campanha Conexão Solidária são Paulo

    A campanha tem como destinatários das doações pessoas que integrem segmentos e grupos sociais hipossuficientes e cuja vulnerabilidade se torna ainda maior diante dos efeitos sociais, jurídicos e econômicos decorrentes da pandemia de Covid-19.
    Caberá à Ouvidoria da Defensoria Pública, com prévia ciência da APADEP, definir os segmentos a serem beneficiados a partir da sua rede de parceiros e lideranças comunitárias e de critérios de maior vulnerabilidade social.

    Em razão da cidade de São Paulo ser o epicentro da pandemia no país, a campanha terá como prioridade inicial segmentos localizados na capital e na região metropolitana.

    Em caso de avanço da pandemia, do aumento da arrecadação e tendo em conta a logística para realizar a entrega dos produtos, a campanha poderá ser ampliada para o interior e litoral, assim como poderá incluir novos grupos vulneráveis.

    5. O que será doado

    Com o dinheiro arrecadado, a APADEP contratará fornecedores de cestas básicas, kits de higiene e kits de limpeza em geral.

    Os fornecedores serão definidos pelo critério de melhor custo-benefício.

    Um/a representante da Ouvidoria deverá acompanhar as entregas, podendo ser acompanhado/a por um/a representante da APADEP.

    Será disponibilizado equipamento de proteção individual.

    Caberá àquele/a que acompanhar a entrega, fazer registro fotográfico para fins de comunicação e prestação de contas e cada entrega será devidamente comunicada aos/às doadores/as.

    6. Comunicação

    A APADEP e a Ouvidoria organizarão a comunicação da campanha através dos seus canais e redes sociais.
    As entidades organizadoras também poderão realizar a comunicação através de outras entidades e instituições.

    7. Cronograma
     
    • Lançamento oficial da campanha – dia 04/04

    • Recebimento de doações – entre os dias 04 e 30/04

    • Escolha de até três segmentos e parceiros – a partir do dia 04/04

    • Compra dos produtos – a partir do dia 13/04

    • Entrega dos produtos – a cada semana, a partir do dia 13/04, de acordo com a disponibilidade dos fornecedores

    • Término das entregas – dia 08/05
    • Prestação de contas – até o dia 15/05

    A continuidade ou não da campanha será avaliada, pelos organizadores, antes do término do prazo para recebimento de doações.

    A ampliação territorial ou de grupos será avaliada pelas entidades organizadores periodicamente, de acordo com os critérios acima definidos.

    CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS

    1) Segmentos sociais vulneráveis, compostos majoritariamente por trabalhadores/as autônomos/as sem renda ou com queda abrupta durante o período de quarentena;

    2) Preferência para famílias compostas por idosos/as, crianças, pessoas com deficiência e pessoas com problemas respiratórios;

    3) Famílias com dificuldade de acesso a alimentação e produtos de higiene durante a quarentena.

  • Estagiários da Defensoria Pública fazem greve por melhores condições

    Estagiários da Defensoria Pública fazem greve por melhores condições

    Os estagiários da Defensoria Pública do Estado de São Paulo realizaram um dia de greve nesta segunda-feira, 17, buscando melhores condições de trabalho. A principal demanda é pelo aumento do vale-transporte, que atualmente é de R$ 54, valor suficiente para apenas uma semana de locomoção.

    As bolsas-auxílios, que são os “salários”, também são extremamente baixos, variando de R$ 375 até o máximo de R$ 750, valor 25% menor que o salário mínimo. Os valores não são corrigidos desde 2012.

    A greve afetou 21 unidades e núcleos da defensoria. Durante o dia ainda realizaram um protesto em frente ao prédio do órgão, na rua Boa Vista, no Centro de São Paulo. Após o ato, organizaram uma aula pública com o professor de direito da USP, Flávio Roberto Batista. Para o professor, apesar do direito de greve não estar positivamente protegido, não significa que os estagiários não possam fazer greve.

    Professor de direito da USP, Flávio Roberto Batista dando aula pública. Foto: David Felipe

    Ainda segundo o professor, os estágios no Brasil acabam por ser uma forma precarizada de corrigir a baixa quantidade de funcionários contratados. Como os estagiários possuem poucos direitos, se tornam a alternativa mais fácil para o Estado suprir os déficits do funcionalismo público.

    “Quem de vocês recebeu a visita de um representante da faculdade no local de estágio? Quem de vocês teve um representante da universidade perguntando sobre as condições do estágio?” indagou o professor na aula pública, recebendo apenas respostas negando a ocorrência desta prática.

    Utilizam o argumento que o estágio é para o aprendizado, inserem o estagiário com condições precárias e delegam a eles trabalhos que deveriam ser realizados pelos servidores e nem sequer há fiscalização por parte das entidades de educação.

    Os estagiários são responsáveis por boa parte do funcionamento do órgão. Sem o trabalho deles, o órgão praticamente não funciona. Isso ficou ainda mais claro com a excessiva preocupação dos supervisores,  que ameaçaram inclusive o desligar aqueles que aderissem a greve. Outros foram ameaçados de processo judicial e de “terem a ficha de estágio suja”, proferindo mentiras que “não iriam conseguir emprego nos próximos 5 anos”.

    Durante a aula pública, os estagiários mesmo aderindo a greve, demonstraram preocupação com os assistidos que dependem dos serviços da Defensoria Pública e, portanto, dos serviços dos estagiários.

    Nesta terça-feira, dia 18, ocorre uma reunião do Conselho Superior da Defensoria em que será discutido as possíveis alterações no orçamento. Os estagiários aguardam a decisão e se não forem contemplados realizarão uma assembleia para deliberar sobre a continuação da greve.

    • David Felipe da Silva. Graduando de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). É Coordenador Geral da União Estudantil de Embu das Artes e também coordena o Cursinho Popular João Batista de Freitas.
  • Decisão que permite candidatura de Garotinho contradiz impugnação de Lula

    Decisão que permite candidatura de Garotinho contradiz impugnação de Lula

    por Rafael Tatemoto para Brasil de Fato

    O ex-governador Anthony Garotinho (PRP) obteve uma liminar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para continuar na disputa estadual do Rio de Janeiro neste domingo (16). O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) havia impugnado sua candidatura no dia 6 de setembro. O argumento do TSE é que Garotinho ainda pode recorrer da sentença do TRE, portanto tem direito a continuar fazendo campanha eleitoral até serem esgotados os recursos jurídicos.

    Segundo advogados consultados pelo Brasil de Fato, a situação jurídica do candidato a governador do Rio de Janeiro é similar à de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, no entanto, teve todas as tentativas de obtenção de liminares negadas.

    Para estes advogados, todas as candidaturas impugnadas com chance de recursos devem ser consideradas sub judice, ou seja, são casos que ainda podem ter uma nova determinação judicial. Se essa tivesse sido a posição do Judiciário sobre Lula, ele poderia ter obtido uma liminar.

    Fernando Amaral explica que o termo “sub judice” deve incluir candidaturas que pudessem ser debatidas em instância acima do TSE.

    “Esgotaria quando não tivesse mais recursos. Só há trânsito em julgado, ou seja, deixa de estar sob judice, quando esgotadas as fases recursais. E no registro, apesar de entender que para presidencial se inicia no TSE, na última instância eleitoral, há sempre possibilidade de recurso para o Supremo”, afirma.

    Destacando que a decisão sobre Garotinho encontra amparo na legislação, Bruno Caires também critica o entendimento que o Tribunal vem adotando para os julgamentos que se iniciam no próprio TSE.

    “A diferença que existe entre os dois casos é que o TSE  é o órgão legitimado para o pleito de presidente da República. A liminar [para Garotinho] foi concedida em relação a uma decisão do [Tribunal] Regional. A gente nunca teve uma impugnação de candidato a presidente da República, e foi dada essa interpretação [no caso Lula]. Eu entendo de forma diversa, cabendo recursos previstos em lei de competência do STF, seria incoerente dizer que o Eleitoral seria a última instância”, argumenta.

    Garotinho foi condenado em julho pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por improbidade administrativa. O TRE enquadrou o político na chamada Lei da Ficha Limpa, também aplicada pelo TSE no caso de Lula.

    O ministro do TSE, Og Fernandes determinou que a inelegibilidade seja suspensa até que o mérito da questão seja julgada por pelo próprio TSE. “O candidato cujo registro esteja sub judice poderá prosseguir na campanha eleitoral – inclusive com o nome e foto na urna eletrônica – até o julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral em única ou última instância”, afirma parte da decisão.

    Como Garotinho aguarda decisão sobre recurso ao próprio TSE, foi beneficiado pela interpretação do Tribunal.

    Segundo a visão de ambos advogados, com a impugnação no TSE, o Judiciário deveria ter concedido a liminar para que o PT decidisse continuar ou não com a candidatura de Lula, mesmo sob o risco de ter seus votos anulados entre o primeiro e o segundo turno, o que aconteceria caso o STF confirmasse a negação de sua candidatura.

    Notas

    1 Esse artigo foir originalmente publicado em https://www.brasildefato.com.br/2018/09/17/decisao-que-permite-candidatura-de-garotinho-contradiz-impugnacao-de-lula/

    2 Essa matéria recebeu o selo 044-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

  • Quando o inconsciente do juiz se revela na sentença

    Quando o inconsciente do juiz se revela na sentença

    por Agostinho Ramalho Marques Neto *

    A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, não foi surpresa, nem para os que por ela ansiavam nem para os que a temiam ou a ela se opunham. Foi o desenlace esperado e até mesmo anunciado daquilo que se tramava havia muito tempo. Os atos e declarações dos componentes da assim denominada Operação Lava Jato – desde delegados da Polícia Federal, passando por membros do Ministério Público Federal e chegando ao juiz acima mencionado, assumidamente integrante e sob muitos aspectos até mesmo “chefe” da referida operação, por mais incompatível que isso possa ser com a postura que se espera de um juiz – apontavam sempre no sentido de uma “convicção” de culpa que só enxergava como “provas” aquilo que a reforçasse, o que evidenciava que o processo não passava de uma encenação para que a preconcebida sentença condenatória fosse proferida.

    Não é meu objetivo neste pequeno texto pôr a ênfase da análise sobre o mérito em si da condenação, seja no que se refere à sua materialidade, seja no concernente à (in)observância das formas, limites e garantias processuais.

    Não posso deixar de registrar, entretanto, o meu indignado entendimento de que Lula foi condenado com base em meros indícios e presunções, que foram tomados como provas suficientes no julgamento.

    Isso ficou claro desde o início e atingiu seu ápice como espetáculo naquela patética cena e m que, empregando o recurso de um PowerPoint durante entrevista coletiva realizada ao vivo em rede nacional de televisão em setembro de 2016, procuradores federais, tendo à frente Deltan Dallagnol, apresentaram à população, de modo pretensamente “didático”, a tese acusatória de que o Estado brasileiro estaria tomado por vasta e sofisticada organização criminosa, cujo líder supremo seria o ex-presidente Lula.

    Uma vez estabelecido antecipadamente tal veredito, restava encontrar – e, se nada fosse efetivamente encontrado, restava inventar – as provas que fundamentariam a sentença condenatória.

    O famoso tríplex no Guarujá foi artificiosamente constituído enquanto prova, na falta de coisa melhor para a acusação, com a qual, por sinal, o comportamento do juiz muitas vezes se misturava. Essa confusão do lugar do juiz com o do acusador, essa alternância, na mesma pessoa, do trabalho de produzir provas contra o acusado e julgá-lo com base nessas mesmas provas, levou o juiz a tomar indícios, ilações e suposições como provas suficientes, na medida em que lhe pareciam ordenadas conforme uma narrativa “verossímil” que no entanto foi logo tomada como “verdadeira” e que sedimentou a convicção da culpa do réu, presente desde antes mesmo do início do processo e agora tornada inabalável. A certeza inabalável que então se instaura e determina a sequência dos atos processuais que culminarão na condenação contém traços paranoicos, conforme já examinei em outro lugar (1).

    Outro ponto que não posso deixar de registrar é a inusitada e suspeitíssima “coincidência” de ter sido a sentença condenatória de Lula proferida precisamente no dia seguinte àquele em que o Senado Federal aprovou a abominável “reforma” trabalhista que na prática aboliu os direitos dos trabalhadores. É preciso ser muito ingênuo para acreditar que tal “co-incidência” tenha sido fortuita.

    A condenação de Lula, ícone dos trabalhadores e candidato mais cotado para vencer as eleições presidenciais de 2018, obscurece, desvia para Lula o foco dos holofotes das “reformas” trabalhistas e da carga cerrada de acusações de delitos contra o ilegítimo presidente Michel Temer, e com isso reforça o desmonte da legislação do trabalho, ao mesmo tempo em que visa a afastar da disputa o único candidato com condições de, uma vez no exercício do cargo, empenhar-se com alguma chance de êxito no sentido de reverter o imenso retrocesso imposto no campo das relações de trabalho e dos programas sociais em geral.

    Se perguntarmos a quem tudo isso beneficia, veremos sem dificuldade que o grande favorecido é o capital, sobretudo o rentista e financeiro, dentro das condições impostas pelo modelo neoliberal dominante em nível internacional.

    É ele que mais decisivamente esteve por trás do golpe de 2016 que depôs Dilma Rousseff da presidência da República precisamente para implantar autoritariamente as tais “reformas”, que jamais obteriam o aval do voto popular. É perfeitamente coerente com esse objetivo que, ao mesmo tempo em que o juiz Moro condenava Lula, era negado seguimento a processos por improbidade movidos contra políticos comprometidos com as “reformas”, como a comissão de ética do Senado fez em relação a Aécio Neves e a Câmara dos Deputados em relação a Michel Temer. Estes, por sinal, são perfeitamente descartáveis na ótica das elites dominantes, para as quais o que de fato interessa é a aprovação das reformas que lhes garantam a exploração sem restrições dos trabalhadores e o aumento desmedido do seu enriquecimento, não importando que custo social isso possa acarretar. O que isso tudo evidencia é que, por trás da condenação de Lula, há um objetivo inconfessado que é o verdadeiro objetivo das elites economicamente dominantes: inviabilizar, no nascedouro, a candidatura de Lula à presidência da República em 2018.

    Mas essas e outras considerações de fundo jurídico e político não são o principal objeto do meu interesse neste trabalho. Elas foram e continuam sendo matéria de análises e artigos muito bem fundamentados de autoria de juristas, penalistas, processualistas e constitucionalistas renomados, que as têm examinado exaustivamente sob as mais diversas perspectivas. Vários desses autores têm trabalhos publicados no presente livro.

    O objetivo primordial deste trabalho é selecionar e pôr em evidência algumas passagens da sentença condenatória em que o juiz Sérgio Moro, acreditando que falava de Lula, ou do processo, ou das suas provas por ilação, ou que se queixava dos advogados de defesa, ou da imprensa, ou que rebatia críticas a ele dirigidas (tudo isso compõe o “conteúdo manifesto” da sentença), falava também e sobretudo de si mesmo, de sua posição subjetiva, de sua visão de mundo, do código moral implícito a seus atos e declarações, de sua concepção de direitos e garantias processuais e constitucionais e, acima de tudo, do que para ele significa fazer justiça, e qual o papel do juiz (ou seja, ele próprio, Moro) na perseguição desse alvo. Meu enfoque predominante será, portanto, de fundo psicanalítico, embora não me seja possível deixar de abordar também, aqui e ali, aspectos jurídicos e políticos do caso.

    Ele falava dessas coisas sem saber, talvez, que estava falando muito mais do que supunha. É aí que se situa o “conteúdo latente” de sua fala. Assim como acontece com os sonhos, toda fala, todo discurso (e a sentença judicial é uma forma de discurso) apresenta conteúdos manifestos e latentes.

    Estes últimos muitas vezes correspondem a representações e desejos recalcados e inconscientes, que não cessam de buscar expressão e satisfação. E se presentificam como acidentes da fala, como lapsos, atos falhos, atos sintomáticos, descontinuidades, hesitações, associações superficiais e como que “forçadas”. Esses acidentes, denominados por Lacan de formações do inconsciente, são as formas pelas quais o inconsciente se manifesta, os desejos recalcados afloram, fazendo emergir a verdade do sujeito, oculta tanto para os outros quanto para ele mesmo. É nesse contexto que os psicanalistas afirmam que os atos falhos têm função de verdade, evocando o ensinamento de Lacan segundo o qual verdade, em Psicanálise, é presença de inconsciente na fala. Brincando um pouco com as palavras, posso dizer que é na falha da fala que o inconsciente se revela, que o sujeito é “flagrado” e se trai.

    É aí, também, que os determinantes dos sintomas se manifestam. Nesse sentido, as sentenças dos juízes constituem, não poucas vezes, alusões e referências aos sintomas desses juízes. Se desviarmos um pouco o olhar do conteúdo manifesto da sentença, isto é, da sua dimensão de enunciado, e o pousarmos na dimensão de enunciação, ou seja, o lugar simbólico a partir do qual o enunciado é emitido, muito podemos apreender da posição subjetiva em que o juiz se coloca (mesmo que inconscientemente, e neste caso a coisa tem ainda mais força) ao proferir a sentença. A questão a considerar aqui é a seguinte: que posição de sujeito torna possível esse discurso?

    Trata-se, fundamentalmente, de uma posição de arrogância, própria de um sujeito que, encarnando visceralmente a função de “justiceiro”, identificando-se inteiramente com ela, se sente autorizado a impor a sua convicção – e a condenar com base nessa autorização –, não hesitando, quando lhe parece necessário para a consecução de tal propósito, em espezinhar os princípios e garantias constitucionais e processuais, como, por exemplo, o princípio da presunção de inocência, a observância do devido processo legal, o direito à ampla defesa e ao contraditório, que são verdadeiras “cláusulas pétreas” da cidadania numa sociedade democrática.

    Em síntese, quando a lei lhe parece um obstáculo à aplicação daquilo de cuja justiça ele tem certeza, ele simplesmente “cria” uma lei específica para aquele caso e aplica a sua justiça. Chegou mesmo a criar a figura de uma “propriedade de fato”, inexistente na legislação, mas que ele viu materializada na circunstância, para ele decisiva, de que o apartamento do Guarujá estava “reservado desde o início” para Lula e sua família e que por essa razão havia sido reformado pela construtora OAS, e utilizou essa criação como um dos principais fundamentos “fáticos” da condenação. Sempre em nome do Bem, é claro…

    E o fez respaldado na propaganda da grande mídia e no maciço apoio daí resultante que ele cultiva junto à opinião pública, que o enxerga como um herói nacional, e também amparado na cumplicidade de instâncias superiores do Judiciário, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, que tem validado vários dos seus abusos, dando a impressão, não raras vezes, de fazê-lo por falta de coragem e de firmeza para assumir posições contramajoritárias.

    Esse apoio ao avanço de julgamentos penais de exceção encontrou um de seus mais escandalosos exemplos quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região validou, em 22 de setembro de 2016, com apenas um voto em contrário, medidas abusivas e excepcionais tomadas pelo juiz Sérgio Moro, dentre as quais o ilegal vazamento para a imprensa de conversa telefônica entre a então presidenta Dilma e o ex-presidente Lula, além do grampeamento dos telefones de escritórios de advocacia e da admissão como provas de elementos obtidos ilegalmente.

    Em texto publicado não muito depois de tão esdrúxula e perigosa decisão do TRF da 4ª Região, afirmei que “para tal decisão, o Tribunal baseou-se na premissa de que a operação Lava Jato não precisa seguir as regras dos processos comuns, e empregou, como fundamentos de tão insólito entendimento, argumentos que não encontram guarida na ordem jurídica vigente, nem tampouco sustentação ética consistente, como os de que vivemos uma ‘situação inédita’ que exige ‘soluções inéditas’, o que tornaria admissíveis ‘métodos especiais de investigação’ e ‘remédios excepcionais’” (2).

    Trata-se, evidentemente, da convalidação da posição perversa de um juiz que confunde o ato de julgar com o de legislar e não se acanha de julgar com base em provas que ele mesmo produz ou ajuda a produzir. E como acontece em toda posição perversa, há uma arbitrária imposição de limites para os outros e ao mesmo tempo uma supressão de todos os limites para os seus próprios atos. Isso transparece no item 961 da sentença, quando o juiz afirma que “prevalece, enfim, o ditado ‘não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você’ (uma adaptação livre de ‘be you never so high the law is above you’)”. Moro parece nem desconfiar de que, nessa passagem, ele deixa escapar, implicitamente, que “você” é sempre o outro, o acusado , o réu, não o juiz que, no caso, não se considera abaixo da lei pela simples razão de ter – se identificado com ela.

    Em vários trechos de sua sentença, o juiz Moro se utiliza de um discurso denegatório que tem valor de ato falho. Freud introduziu o conceito de “denegação” (Verneinung) para designar aquelas situações em que o sujeito tenta afastar uma representação que de repente lhe ocorre, enunciando – a sob forma negativa, uma maneira de “repúdio, por projeção, de uma ideia que acaba de ocorrer” (3), um mecanismo de defesa que consiste em projetar para o exterior do sujeito um conteúdo que lhe é interior. Freud diz que a denegação é uma Aufhebung do recalque, que ao mesmo tempo traz à tona o conteúdo recalcado e mantém o essencial do recalque.

    Um dos exemplos que ele dá, e que se tornou famoso, é o de quando um sujeito diz em análise: “O senhor pergunta quem pode ser a pessoa no sonho. Não é a minha mãe”. Freud indica que a regra técnica a observar em tal caso é a de simplesmente suprimir a negativa e acolher apenas o conteúdo da declaração: “Então, é a mãe dele” (4).

    Como o espaço que me resta para concluir é extremamente exíguo, limito-me a apontar duas passagens da sentença em que Moro, rebatendo associações que a ele mesmo iam ocorrendo, utiliza um discurso visivelmente denegatório que, na tentativa de encobrir, acaba por escancarar pensamentos e sentimentos inconscientes que revelam o “conteúdo latente” que sobredetermina a sentença condenatória.

    Uma dentre inúmeras situações dessa espécie ocorre quando, no item 961 de sua sentença, após ter dedicado no início longas páginas para defender-se de acusações de abusos e falta de imparcialidade e para tentar demonstrar que não é suspeito para julgar Lula, Moro afirma que “por fim, registre-se que a presente condenação não traz a este julgador qualquer satisfação pessoal, pelo contrário”. Ora, o fato inusitado de um juiz sentir a necessidade de falar de seus próprios sentimentos, declarando, na sentença, que a decisão não lhe traz satisfação pessoal, é um eloquente indicativo de que ele primeiro (consciente ou inconscientemente, pouco importa neste contexto) admitiu experimentar, sim, essa satisfação, para em seguida negá-la sem observar ou pouco se importando com o fato de que existe uma afirmação anterior, implícita na negação. O adendo “pelo contrário” é o índice da denegação, “um certificado de origem, como se fosse um ‘made in Germany’” (5), como diz Freud. Basta, no caso, seguir a regra técnica que Freud indica e eliminar a partícula negativa, para que a satisfação denegada se revele como a causa oculta e determinante do desfecho da sentença. Essa denegação é forte candidata a vir a compor uma futura antologia de atos falhos reveladores das verdadeiras motivações de sentenças judiciais…

    Outra revelação de “conteúdo latente” da sentença ocorre quando o juiz, para fundamentar a sentença condenatória, se baseia, não em atos ilícitos comprovadamente praticados pelo acusado, como manda a lei, mas em avaliações de sua conduta e postura durante o desenrolar do processo e em declarações públicas por ele feitas. Com isso, o juiz se aproxima temerariamente de um direito penal de autor, em que o sujeito não é julgado pelo que fez, mas pelo que é, ou pelo que parece ser aos olhos do julgador.

    No item 958 da sentença, por exemplo, Moro afirma que, em sua defesa, Lula, orientado por seus advogados, tem adotado:

    “táticas bastante questionáveis, como de intimidação do ora julgador, com a propositura de queixa-crime improcedente, e de intimidação de outros agentes da lei, Procurador da República e Delegado com a propositura de ações de indenização por crimes contra a honra. […] Tem ainda proferido declarações públicas no mínimo inadequadas sobre o processo, por exemplo sugerindo que se assumir o poder irá prender os Procuradores da República ou Delegados da Polícia Federal. […] Essas condutas são inapropriadas e revelam tentativa de intimidação da justiça, dos agentes da lei e até da imprensa para que não cumpram o seu dever”.

    Moro vê aí “atos de hostilidade” contra os agentes da Justiça. Ainda que verdadeiros os conteúdos de tal afirmação, as declarações de Lula não são, por si sós, delitos prévia e expressamente tipificados no ordenamento penal, não podendo constituir, por isso mesmo, base para uma condenação. Além disso, propor ações em juízo é direito inalienável do cidadão, não podendo gerar consequências penais a não ser nos casos de litigância de má-fé e outros expressamente determinados por lei.

    Dando-se ou não conta disso, Moro se deslocou do lugar de juiz (lugar de imparcialidade, portanto) para o lugar de um contendor ou oponente do réu. Havia todo um fundo de verdade naquelas revistas de circulação nacional que estamparam em suas capas, na mesma semana, Moro e Lula como pugilistas ou gladiadores em plena luta… O juiz chega mesmo a reprovar, na sentença (item 795), o fato de que Lula, quando presidente, não promoveu emenda no sentido de desconsiderar a exigência constitucional de trânsito em julgado da sentença condenatória para o início do cumprimento da pena, bem como de não ter tentado reverter a jurisprudência então dominante no STF sobre a matéria.

    Essas considerações evidenciam que a sentença condenatória e a fixação da pena (alta o suficiente para garantir o início do cumprimento em regime fechado) obedeceram a critérios subjetivos do juiz, o que configura flagrante erro técnico.

    • Psicanalista. Professor universitário nas áreas de Filosofia do Direito e Filosofia Política. Membro fundador do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná.

    Referências

    1 MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. “O Juiz como Protagonista do Espetáculo: a Paranoia como Metáfora para Pensar essa Posição”. IN: PRONER, Carol; CITTADINO, Gisele; TENENBAUM, Marcio & RAMOS FILHO, Wilson (organizadores). A Resistência ao Golpe de 2016. Bauru: Canal 6, 2016, p. 21

    2 http://emporiododireito.com.br/limites-a-atuacao-do-juiz

    3 FREUD, Sigmund. “A Negativa” [1925]. IN: FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Tradução de José Octavio de Aguiar Abreu, sob a direção-geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v. XIX, p. 295.

    4 Id. Ibid., v. XIX, p. 295

    5 Id. Ibid., v. XIX, p. 297

    Notas

    1 Esse artigo faz parte do livro “Comentários a uma Sentença Anunciada: o Processo Lula”. Para baixar o livro completo: https://drive.google.com/file/d/1T_TFknjaV5gVkgsGRg_bp0vlYQbmRfGO/view

    2 Essa matéria recebeu o selo 043-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

  • Como o PT e os advogados permitiram que se chocasse o ovo da serpente

    Como o PT e os advogados permitiram que se chocasse o ovo da serpente

     

    por Luis Nassif

    Os grandes escritórios de advocacia norte-americano têm investigadores privados contratados por eles para investigações independentes. Há uma desconfiança fundamentada com as investigações da policia e da promotoria, que quase sempre têm viés condenatório.

    É surpreendente que essa prática não tenha se estendido aos grandes escritórios de advocacia nacionais, especialmente quando a AP 470 escancarou a parcialidade da Procuradoria-Geral da República.

    Dia desses, o Extra publicou reportagem sobre um casal que decidiu investigar por conta própria o indiciamento do filho no Rio de Janeiro. Sozinhos, pai e mãe conseguiram imagens de vídeo que contradiziam as versões da polícia.

    Por tudo isso, jamais entendi o caso Visanet.

    Quando estourou o “mensalão”, em meio à barafunda de indícios, delações e o escambau, eu tinha apenas uma certeza: não houve desvios da Visanet. E o caso Visanet foi a espinha dorsal que permitiu à Procuradoria-Geral da República enquadrar o inquérito na modalidade organização criminosa e estender as ilações para dentro do governo.

    Minha certeza era baseada em indícios muito concretos. O marketing do Banco do Brasil tinha profunda implicância com Pizolatto. Depois, soube que o próprio Secretário de Comunicação Social, Luiz Gushiken também tinha desconfianças. Mas, os técnicos do marketing diziam que não tinha havido desvios porque, ao contrário da Petrobras, o BB dispunha de modelos eficientes de governança.

    Depois, um diretor do BB me passou a informação definitiva. Para abater os gastos de campanha do balanço, a Visanet precisava comprovar que os gastos foram realizados. Foi contratado, então, o respeitabilíssimo escritório Pinheiro Neto que atestou a comprovação de R$ 73 milhões da verba de R$ 75 milhões do marketing. Os R$ 2 milhões restantes não eram desvio, mas simplesmente despesas ainda não comprovadas – com fotos e documentos dos eventos patrocinados. O dinheiro foi gasto com a Globo, com a Abril e com patrocínios de eventos, todos devidamente documentados.

    Nem se diga o fato da Visanet não ser uma empresa pública, mas uma sociedade entre várias instituições, entre as quais o BB.

    Há anos tenho um grilo falante que sempre ameniza as críticas que tenho em relação ao Ministério Público Federal. E ele me dizia: não é possível, pois o inquérito passou por vários procuradores confiáveis, por dois Procuradores Gerais (Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel) e pelo Ministro Joaquim Barbosa, ex-procurador da República. Cada vez que me dizia isso, em vez de me convencer da impossibilidade da manipulação, me deixava em pânico, pela comprovação de uma conspiração em andamento.

    Mas o argumento que me deixava balançado era outro: os réus estão sendo defendidos pelos maiores escritórios de advocacia do país. Eles não deixariam passar essa questão. Bastaria uma conversa com a diretoria do BB para saberem do trabalho da Pinheiro Neto que desmontaria definitivamente a acusação.

    Não houve nada disso. Nem mesmo depois das informações que demos aqui, no GGN, mencionando o tal trabalho. Havia também um inquérito da Polícia Federal que confirmava a não ocorrência de desvios. Mas Joaquim Barbosa manteve o inquérito sob sigilo, longe do alcance da defesa. E os advogados se limitaram a espernear, para ter acesso ao inquérito.

    Na entrevista com José Dirceu, indaguei a respeito disso. E ele admitiu que, apenas quando o inquérito da PF foi divulgado, com o sigilo quebrado pelo sub-relator Ricardo Lewandowski, os advogados conseguiram comprovar a falsidade da acusação. Mas, àquela altura, a sorte estava lançada.

    Com essa postura passiva, os advogados deixaram livres, leves e soltos, o Ministério Público e setores da Polícia Federal para construírem suas narrativas livremente, com o apoio acrítico da imprensa.

    Pior, a AP 470 foi uma graça divina, ao alertar o governo, com toda a estridência, do espírito conspiratório que se instalara na PGR, e, mais que isso, a metodologia de parceria com a mídia. Em vez dos factoides inverossímeis, do período anterior, a mídia tinha agora factoides oficiais, chancelados pela PGR e pelo Supremo. O efeito foi arrasador. Não se derrubou o governo devido à genialidade de Lula com a crise internacional, dois anos que o consagraram como um dos grandes estadistas mundiais.

    Mas a serpente continuava sendo alimentada diariamente pela mídia e os conspiradores continuavam infiltrados na máquina pública.

    Era nítido que haveria uma segunda rodada quando a economia vacilasse, conforme alertávamos aqui, em 2012. Mas o PT e os governos Lula e Dilma, não dispunham de nenhuma visão prospectiva sobre os fundamentos da conspiração. Mesmo com a comprovação da conspiração, envolvendo PGRs e Ministros do Supremo, trataram com absoluta leniência as nomeações de Ministros do Supremo, do STJ, o Procurador Geral da República, a Polícia Federal.

    Foi a crônica da morte anunciada da democracia brasileira.

    Espero que ainda haja tempo de segurar a besta do apocalipse que se avizinha.

    Notas

    1 Texto originalmente publicado em:
    https://jornalggn.com.br/noticia/como-o-pt-e-os-advogados-permitiram-que-se-chocasse-o-ovo-da-serpente-por-luis-nassif

    2 Essa matéria recebeu o selo 042-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

  • Juristas repudiam declaração autoritária do comandante do Exército

    Juristas repudiam declaração autoritária do comandante do Exército

    A democracia tem no Estado de Direito seu sustentáculo. Este, por sua vez, é construído sobre o pilar das normas que regem a organização do Estado. No caso brasileiro, os papéis das instituições e a separação de poderes estão bem delineados na Constituição Federal de 1988.

    O art. 142 do texto constitucional consigna que as Forças Armadas são instituições nacionais permanentes e regulares que atuam sob a autoridade do Presidente da República e cujas funções precípuas são a defesa do país em caso de guerra e a garantia dos poderes constitucionais, só podendo agir por determinação expressa de um dos poderes da República.

    O Brasil atravessou uma penosa ditadura civil-militar que durou 20 anos. Muitas vidas foram sacrificadas nos porões das casas de tortura. A redemocratização ocorreu, porém não sem fraturas e divergências na forma, de tal modo que até hoje existe um pungente debate acerca da lei de anistia. Também remanesce na sociedade brasileira e nas instituições públicas um incômodo entulho autoritário.

    Em período recente, desde o ano de 2013, a partir das manifestações de rua de pautas pulverizadas, a crise institucional por que passa o país tem trazido autoridades das Forças Armadas para o centro da cena política, opinando sobre questões da conjuntura.

    A entrevista do general Villas Boas, comandante do Exército, a um jornal de circulação nacional no último domingo (09/9) sobre as eleições de outubro causou perplexidade. No contexto pós atentado ao candidato Jair Bolsonaro, o comandante questiona a viabilidade ou legitimidade de determinadas candidaturas, o que se apresenta extremante grave e preocupante, por se tratar de uma manifestação de caráter político. O General chega a afirmar que uma vitória de candidatos pode vir a ser questionada, por “comprometer nossa estabilidade”. Qualifica, ainda, a decisão do comitê da ONU que ordenou que o ex-presidente Lula tivesse garantidos seus direitos políticos de candidato como “atentado à soberania nacional”, ignorando que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foi soberanamente ratificado pelo Executivo Nacional e incorporado pelo Parlamento à ordem jurídica do país.

    A entrevista é claramente uma tentativa de tutela sobre a democracia e de constrangimento da independência judicial, visto que o caso segue pendente na apreciação de recursos bem fundamentados. São declarações de caráter autoritário e sem reação institucional do Chefe do Poder Executivo, já que este ocupa o cargo sem legitimidade e força popular, pois nascido de golpe parlamentar. Tais declarações do Comandante militar só fazem agravar a crise social, política e econômica do país.

    Desse modo, reafirmando seu compromisso na defesa dos valores e princípios democráticos a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD vem demonstrar sua preocupação e repúdio às declarações do General Villas Boas e reafirmar seu compromisso em defesa do Estado Democrático de Direito.

    Notas

    1 Publicado originalmente em http://www.abjd.org.br/2018/09/juristas-repudiam-declaracao.html

    2 Essa matéria recebeu o selo 041-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.