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  • Leia o Boletim 2, do Comitê Científico do Consórcio Nordeste

    Leia o Boletim 2, do Comitê Científico do Consórcio Nordeste

    Do Boletim do Comitê Científico do Nordeste

    Coordenação Miguel Nicolelis e Sérgio Rezende. Membros: Adélia Carvalho de Melo Pinheiro (BA); Antônio Silva Lima Neto (CE); José Noronha (PI); Ricardo Valentim (RN); Luiz Cláudio Arraes de Alencar (PE); Marco Aurélio Góes (SE) Marcos Pacheco (MA); Maurício Lima Barreto (BA); Priscilla Karen de Oliveira Sá (PB); Roberto Badaró (BA); e Fábio Guedes Gomes (AL)

    O Comitê Científico do Nordeste para o enfretamento da COVID-19 se reuniu na manhã desta sexta-feira, dia 03, novamente sob a coordenação de Miguel Nicolelis e Sérgio Rezende, dando seguimento aos trabalhos para orientar e articular ações do Estados e Municípios no combate à pandemia para que estejam lastreadas em conhecimento científico.

    Distanciamento social

    O Comitê reafirma que as determinações de distanciamento social e medidas restritivas correlatas são, no momento, as medidas mais eficientes de combate à pandemia.

    Subcomitês Temáticos

    Foram criados Subcomitês Temáticos, sob orientação do Comitê Científico, cujos membros dividirão a tarefa de coordenar e convidar outros cientistas e pesquisadores, nacionais e internacionais, para que participem ativa e voluntariamente deste esforço. São nove os subcomitês, conforme segue:

    Governador do Ceará Camilo Santana (PT) em reunião virtual com demais governadores e Comitê Científico. (Twitter Camilio Santana)

    Subcomitê 1 – Sala de situação: produzirá um clipping cientifico, um perfil dos membros do Comitê, coleta e análise de dados, aplicativos e suporte TI, simulações, estimativas e cenários, logística e comunicação pública;

    Subcomitê 2 – Protocolos de assistência medica e ambulatorial, clinica e terapêutica, estudos clínicos, desenvolvimento de drogas;

    Subcomitê 3 – Equipamentos hospitalares, ventiladores e alternativas, EPI e insumos, recursos hospitalares, e de UTI;

    Subcomitê 4 – Interação entre indústria, startups e laboratórios, e unidades de pesquisa locais;

    Subcomitê 5 – Fomento a redes de pesquisa, desenvolvimento tecnológico, fontes de recursos e novas linhas de financiamento;

    Subcomitê 6 – Contatos nacionais e internacionais; Subcomitê 7 – Virologia, vacinas e diagnóstico laboratorial;

    Subcomitê 8 – Políticas públicas de intervenção (medidas econômico-sociais)

    Subcomitê 9 – Epidemiologia, modelos matemáticos e medidas de enfrentamento.

     

    Máscaras caseiras

    O Comitê reconhece o amplo debate que é feito pela sociedade em torno da eficácia, ou não, do uso de máscaras caseiras produzidas com diversos tipos de tecidos. Certos de que há uma controvérsia pública sobre o tema, após a criação dos subcomitês temáticos, compromete-se a apresentar o mais breve possível, um relatório específico sobre o tema.

    Monitora Covid-19

    Foi disponibilizado hoje pela Google Play o aplicativo do Consórcio Nordeste, Monitora Covid-19, que é articulado ao Registro Eletrônico de Saúde, podendo ser conectado a qualquer tempo e a qualquer outro sistema e solução de informação. A ferramenta permite o atendimento remoto dos pacientes e acompanhamento dos casos por georreferenciamento. O aplicativo também está em processo de liberação pela Apple Store. O Monitora Covid-19 é uma ação fundamental para melhorar a vigilância e controle dos casos em tempo real.

    Microeconomia e o coronavírus

    O Comitê Científico do Nordeste apoia medidas que, ao mesmo tempo, reaqueçam a microeconomia e envolvam toda a sociedade no combate ao coronavírus. Para isso, sugere que se mobilize costureiras, artesãos, pequenas e grandes empresas num esforço coletivo de produzir os insumos necessários e tecnicamente adequados para o combate ao coronavírus. Isto seria uma boa combinação entre políticas científicas de saúde pública com políticas econômicas e sociais de amparo à população financiadas por meio do Consórcio Nordeste

    Rede de apoio internacional

    O Comitê Científico do Nordeste pedirá a colaboração de cientistas e estudantes brasileiros e estrangeiros, aqui e no exterior, para formar uma enorme rede mundial de apoio ao combate ao coronavírus na região

  • Epidemias e pobreza: o que a história nos ensina

    Epidemias e pobreza: o que a história nos ensina

    Por Lara de Castro*

    Comércio de portas fechadas, serviços públicos suspensos, quase ninguém saía às ruas, mortes as centenas, falências, falta de emprego, miséria, fome… Era 10 de dezembro de 1878 quando a cidade de Fortaleza viveu o que seria um dos mais fúnebres acontecimentos de sua história. Mais de mil mortos em um único dia ficaram aglomerados a espera de sepultamento em virtude da epidemia da varíola numa população de cerca de 42.000 habitantes. O contexto de seca com a pobreza, fome, aglomerações de migrantes, condições sanitárias precárias tornou o ambiente oportuno para uma das maiores epidemias registradas na história do Brasil.

    As covas em cemitérios eram insuficientes para abarcar a quantidade de mortos e muitos corpos ficavam espalhados pelas calçadas e até ruas. Os pobres foram as potenciais vítimas do flagelo da varíola, mas a moléstia também atingiu alguns poderosos que viviam mais afastados. Em virtude da falta de emprego e renda, fome e morte, a população em revolta tomou as ruas, as repartições públicas, saquearam comércios, obras, propriedades privadas em busca da garantia da sobrevivência. Só depois de todos esses problemas as autoridades públicas a tomarem medidas um pouco mais efetivas para lidar com os problemas oriundos da crise.

    O que essa e outras epidemias ocorridas no Brasil capitalista tem a nos ensinar? Guardadas as especificidades do contexto e do processo histórico de outras crises, há um recorrente padrão que pode contribuir para entendermos as ações do Estado, dos pobres e da sociedade e possíveis problemas provenientes delas.

    Comumente, uma parcela dos agentes do Estado atrasa a declaração oficial da crise que se avizinha, seja pela covardia do necessário enfrentamento ou pelo temor das represálias da população, já que as falhas na estrutura de organização do Estado são descortinadas, atualizando a sociedade sobre os seus dividendos – no atual contexto, da política e economia representativa liberal. Resultado disso é sempre um atraso na tomada de ação, decisões imediatas amparadas na carência de estudos, incrível dificuldade na coesão de opiniões, provocando uma falta de alinhamento na organização de resoluções com a urgência que o problema exige. Fora isso, aos donos dos meios de produção é dada a proteção mais abonada. Os agentes do liberalismo econômico na dianteira da proteção do Estado durante as epidemias são salvos pelo Estado Forte paternalista: um contrassenso oportuno. Já aos pobres é ofertado o isolamento – na pandemia em curso de fato uma condição para garantia da vida – e uma insuficiente política assistencialista igualmente atrasada que só chega quando o estado de miséria e pobreza já está gravemente aprofundado.

    Os trabalhadores, por sua vez, têm demonstrado ao longo da história habilidosas formas de ações coletivas sociais em nome da garantia da vida. Não esperam taciturnamente o anúncio oficial de uma crise provocada por epidemia, cobram do Estado essa remediação, não como favor ou caridade das autoridades públicas. A cobrança vem cada vez mais na forma de obrigação, direito. Frente a insegurança estrutural, na ausência do cumprimento do dever protetivo do Estado, ou na insuficiência deste, as pessoas põem-se em movimento em nome daquilo que importa para elas: a sobrevivência. Enfrentamentos que geralmente não seguem aquilo que se diz pertencer ao cenário dos “movimentos sociais organizados”.

    As estruturas de sentimentos sociais são embaralhadas em épocas de montantes mazelas. Costumeiramente existe um sentimento de caridade particular demonstrado através de ações individuais e coletivas. Outra parcela, no entanto, observa estaticamente, as vezes com medo, as vezes com repulsa. Lamentavelmente, os pobres, com o adensamento da crise, são representados cada vez mais como uma imensa massa de endemias andantes, perigosos e indesejados. Ao fim, quando pouco se faz para superar a grave crise, a caridade aos pobres vai associando-se ao medo e, numa mistura de emoções, atrelando-se também ao sentimento de repulsa.

    Miséria, aglomeração, fome e falta de condições sanitárias são uma perfeita equação para a disseminação de doenças epidêmicas e confluem para as mazelas que afligem continuamente os “de baixo”. Há de se considerar também que a maioria das pessoas em situação de pobreza, em subempregos e em regime de trabalho degradante são pessoas não brancas. Fora isso, as mulheres, segundo os relatórios da Organização Internacional do Trabalho – OIT, são as maiores vítimas da escravidão contemporânea, estão em maior número entre os trabalhadores informais, são as mais precarizadas e sem segurança de direitos, portanto as que vivenciarão os primeiros e os mais profundos sinais da calamidade. Ou seja, é uma completa falácia, e já se sabe, afirmar que os vírus acometem de modo igual classes, gêneros e raças.

    De certo, falta hoje o entendimento de que as grandes epidemias não se resumem a uma questão sanitária, à disseminação de doenças, são graves crises estruturais, com desestruturação econômica, conflitos políticos e convulsões sociais. Falta a compreensão também de que os problemas das epidemias não se encerram com a descontinuidade da propagação desta, falência, miserabilidade, medo, insegurança alimentar, fome, doenças, morte e outros, continuam se propagando em larga escala nos anos subsequentes, a história ensina.   A negação que assistimos no reconhecimento da gravidade da epidemia pela Presidência da República e o atraso no reconhecimento e na tomada de providências da gestão do atual governo, repete-se na admissão do enorme colapso humanitário que passaremos nos meses adiante. Na contramão do que a história nos ensina, existe uma cruel e proposital invisibilidade do colapso social que acompanha esta epidemia global. Esta, pela sua proporção faraônica, resultará em perdas sociais irreversíveis caso um plano de igual magnitude não seja estabelecido.

    Urge de um lado um tratamento sanitário da questão e de outro um programa imediato de combate aos problemas sociais que serão oriundos da calamidade pública provocada pela pandemia. A política emergencial de combate a pobreza potencializada pela epidemia deve ter parâmetros amplos e flexíveis de distribuição para alçar todo o montante de necessitados.  De outro modo, se de um lado carecemos de um programa mais urgente no curto prazo, de outro, necessitaremos no médio e logo prazo de uma política assistencialista duradoura e complexa de transferência de renda que considere as sutilezas das interseções entre classe, gênero e raça e as relações disso com o trabalho formal, informal, urbano e rural para garantir uma ação suficiente, eficiente e amplamente inclusiva.

    As propostas atualmente em tramitação pouco ou nada consideram algumas especificidades o que as tornam menos inclusivas. É preciso analisar, por exemplo, que no Norte e no Nordeste a maior parcela de pobres em regime de trabalho análogo a escravidão e informais são trabalhadoras e trabalhadores do mundo rural: artesãos, agricultores, pecadores, pequenos produtores e extrativistas, muitos dos citados sem registro no Cadastro Único. Como é preciso ponderar também que frente às inseguranças sistemáticas das estruturas, a família (em suas variadas formas) como unidade é uma estratégia de sobrevivência. Portanto, não avaliar o número de pessoas em residência, já que nas famílias pobres as vezes todos trabalham para compor a renda, é incorrer num erro absurdo.

    Antes já elementos indesejados das políticas do atual governo, as camadas mais baixas dos estratos sociais permanecem como coadjuvantes deste contexto. O isolamento – que nesta epidemia é fundamental e demonstra inclusive a solidariedade horizontal dos trabalhadores, pois significa proteger contra a morte – e nada mais foi ofertado ainda para que as pessoas lidem com a mais grave insegurança estrutural que se avizinha. Costumeiramente vistos como criaturas anestesiadas pelo sofrimento, desgraçados naturalmente pela pobreza, subprodutos da ordem meritocrata, terão potenciada a imagem que os associa a endemias andantes, “portadores de milhões de morbus”, uma agressão ao belo, ao limpo, ao ocidental civilizado.

    No entanto, neste concerto orquestrado pelas relações de poder, pela fome e pelos diversos sentimentos, caso não haja o cumprimento do dever paternalista do Estado, os conflitos não demorarão a surgir e serão presença constante durante e depois da crise. Caso a população, com a política desamparadora do atual governo, seja exposta a situações de completa insegurança, falta de salários ou redução destes, privação alimentar, falta de moradia, exercerão pressão de diversos modos. A fome, ou perspectiva de passar fome, historicamente, é uma grande motivadora de ações coletivas dos sujeitos contra a falta da assistência das autoridades públicas e será novamente. Os pobres sempre souberam aproveitar os momentos de crise para abalar os sistemas que os oprimem.

    Milhares de trabalhadores que já viviam em condições de labuta precária e degradante, que já enfrentavam as dificuldades de subsistência, os baixos vencimentos, os endividamentos, os abusos da inexistência de qualquer proteção legal, visto que muitos eram presos à informalidade do serviço autônomo ou dos empregos com ausência de contratos, o que exclui a garantia de direitos, se juntarão aos empobrecidos da epidemia. Constrangidos pelas circunstâncias da miséria extrema, frente às escassas alternativas de ganho, forçados pela urgência da fome, vivendo no limiar da morte, sob pena de pagar com a própria vida, não esperarão na forma de dádiva a assistência do governo, a cobrará na forma de direito, inclusive indo às ruas para sobreviver, o que neste momento seria catastrófico. Então, resta ao Estado cumprir completamente o pacto da proteção: salvar mais uma vez a economia, mas antes de tudo assistir suficientemente e efetivamente aos trabalhadores pobres, considerando os entrecortes da relação classe, raça e gênero, duradouramente.

    *Lara de Castro é doutora em História Social, professora do Programa de Pós-Graduação em História e dos cursos de Graduação em História da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), presidenta da Associação Nacional de História – Seção Amapá (ANPUH-AP) e especialista em estudos sobre Trabalhadores e Pobreza.

  • NOTAS SOBRE A PANDEMIA VISTA ENQUANTO CALAMIDADE PÚBLICA – UM DEBATE NECESSÁRIO PARA O SERVIÇO SOCIAL

    NOTAS SOBRE A PANDEMIA VISTA ENQUANTO CALAMIDADE PÚBLICA – UM DEBATE NECESSÁRIO PARA O SERVIÇO SOCIAL

     

    Por Adriana Soares Dutra¹ e Leonardo Koury Martins²,
    especial para os Jornalistas Livres 

     

    No dia 20 de março, o Senado aprovou o Decreto nº 6/2020 que reconhece a ocorrência do estado de calamidade pública em função da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Enquanto conceito, calamidade pública significa catástrofe, desgraça pública, flagelo. A construção da palavra através do Latim é calamitate, porém o conceito, de acordo Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei nº. 12.608/12),  vai além.

    É por este conceito necessário considerar as situações que trazem ao Estado de Calamidade Pública uma situação anormal, provocada por desastres (ou não), causando danos e prejuízos à coletividade, que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.

    Desde que foi detectado o primeiro caso da doença, em dezembro de 2019 (Wuhan – China), o COVID-19 tem instado desafios incalculáveis à sociedade mundial. Por se tratar de algo que afeta todas as esferas da vida social, a pandemia provocada pelo COVID-19 ou Coronavírus precisa ter nos governos e demais entes estatais, como o Parlamento e o Judiciário, o suporte necessário para uma grande ação conjunta que leve em consideração que em situações como a vivida na atualidade não há espaço para atitudes fragmentadas ou parciais. A articulação conjunta é o que garante uma ação precisa, especialmente no tempo presente.

    Todavia, o que assistimos, especialmente no Brasil, ainda se aproxima mais de uma disputa vaidosa entre os governantes do que propriamente de um esforço de unidade frente à complexidade da situação. Boa parte das recomendações de proteção contra a proliferação do vírus se mantém distantes da realidade experimentada por grande parte das classes trabalhadoras, na medida em que não são acompanhadas de medidas econômicas substanciais. 

    Em tempos em que a  uberização torna-se a tônica do mundo do trabalho, atribuindo aos trabalhadores de forma cada vez mais intensa e perversa a responsabilidade pela própria reprodução, permanecer em casa não é uma opção para muitos. Seja porque esta decisão está nas mãos de terceiros, seja porque não podem se afastar um dia sequer de suas ocupações, por mais precárias que sejam, sem faltar o que comer no dia seguinte, uma parcela significativa dos trabalhadores não dispõe de condições mínimas para sua proteção. Nesse sentido, por mais conveniente que seja acreditarmos que as doenças infecciosas são democráticas,  a pandemia do coronavirus também é marcada pela classe, gênero e raça, como afirmou recentemente o geógrafo britânico David Harvey. 

    Neste contexto, o debate sobre o papel do Estado para a garantia da vida torna-se primordial. Sem políticas públicas não há condições concretas de proteção. Mas o discurso atrapalhado do presidente do país, Jair Bolsonaro, parece composto por um misto de negação e irresponsabilidade e, diante de uma incapacidade de apresentação de medidas econômicas concretas para os trabalhadores, até mesmo a quarentena, ainda que tomada de forma individualizada, já começa a sofrer forte pressão e ameaça ser suspensa a qualquer momento.

    O que não deve ser compreendido como uma novidade nem ser recebido com surpresa.

    O lucro a serviço dos ricos, princípio básico da economia capitalista, impede um esforço mais concentrado sobre a importância do isolamento social em todo o mundo. Para o Sistema Capitalista e em grande parte das ações de governo no mundo, a Economia está acima das vidas humanas.

    Porém é neste momento que devemos refletir, quando o Sistema Capitalista estava pensando ou agindo diferente? A defesa da propriedade encontra-se explícita desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1789 no contexto da Revolução Francesa, e segue sendo a principal bandeira dos governos neoliberais da atualidade.  Desta forma, não se trata de uma análise superficial, mas para que este texto tenha sua estrutura pensada a partir da Calamidade Pública, considerando a Pandemia como fator preponderante e o papel do Estado como primordial para este momento, devemos organizar o pensamento a partir do modo de produção vigente e da crise na qual se encontra, sendo a questão ambiental parte integrante deste arranjo global e a articulação integrada do Poder Público para tais enfrentamentos e a importância da articulação integrada do Poder Público para tais enfrentamentos. 

    O neoliberalismo não é capaz de garantir ações eficazes no enfrentamento da Pandemia, o Estado mínimo não consegue trazer respostas coletivas além do protecionismo econômico para o próprio capital. 

    É seguro afirmar que o processo de constante expansão e de consumismo sem limites necessário à sobrevivência do capital sustenta-se na intensificação da exploração das trabalhadoras e trabalhadores, na extração desordenada da matéria prima, na produção agrária extensiva, fazendo com que a relação força de trabalho e matéria prima a cada dia se sucumbam à produção de mercadorias.

    Para além da dilaceração da vida dos sujeitos em um nível mais imediato, tanto objetiva quanto subjetivamente, outras consequências enormes e graves se agudizam dia após dia. O efeito disso é o Lixo, este que não sairá do planeta e em seu rastro o aquecimento solar, a Camada de Ozônio, El Niño e La Niña, a mineração, seus rejeitos e todo o crime ambiental que os acompanha. O Planeta se encontra desgastado com a aceleração do capital sobre todas as formas de vida existentes.

    Se é tempo de pensar no isolamento social como necessário para reduzir o número de pessoas infectadas e mortas pelo COVID-19, vale a reflexão do porque é tão difícil parar.  

    Esta realidade ultrapassa muito a calamidade pública gerada pelo vírus. Nos remete à lógica de produção e reprodução da vida no sistema capitalista e a necessidade urgente de repensarmos o caminho que está sendo trilhado nesta sociabilidade. O lucro não pode se encontrar acima da vida humana, determinando as condições em que vivemos. Seja pela pressão do ato de não parar, mas também de que forma  parar, é necessário pensar de qual forma viver. Como se encontram os autônomos, desempregados, pessoas em situação de rua? Qual o diálogo sobre o acesso à alimentação enquanto um direito, o tamanho de nossas casas e as relações sociais enfraquecidas no cotidiano estão sendo estabelecidos?

    Como parte do conjunto de trabalhadores, assistentes sociais não se encontram imunes à essa realidade. As frágeis condições de trabalho, incluindo vínculos precários, falta de autonomia e escassez de recursos têm sido alvo de preocupação e debate dentro da categoria nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, reconhecer a importância do trabalho do Serviço Social para a garantia de direitos é primordial, em especial em tempos de acirramento das expressões da questão social.

    Mais do que nunca, é momento de defesa intransigente de um Estado de direito, de políticas públicas universais, de um sistema de saúde, de educação, do trabalho e também dos direitos de não ir ou vir, em tempos de pandemia. 

    Ao mundo, o que este período nos faz refletir: o Estado mínimo não tem condições de garantir a cidadania pela sua frágil mediação entre os interesses da população e a economia capitalista. A inoperância do Estado Neoliberal é proposital, frente às intempéries, pandemias e as grandes questões ambientais. Prova de que este modelo precisa ser derrotado nos países que aplicam tal organização política.

    Ao Brasil, mais do que antes, renasce a urgência de lutar não apenas pela defesa da Saúde Pública mas contra os desmontes cotidianos nas políticas sociais. A Constituição Federal não pode ter no seu marco legal, emendas como a EC95 que retira por 20 anos os gastos públicos para os direitos sociais. 

    Esta dualidade desfaz o que se descreve quanto os artigos 6º e 7º da Constituição que garantem a toda população diversos direitos já instituídos, mas profundamente afetados na atualidade. O que se traz como garantidas para a coletividade não podem ser mercantilizado. A vida não é um negócio a ser equilibrado como balança do que é perda aceitável como sugerem os analistas do atual governo federal.

    O reconhecimento da identidade de classe, o compromisso com àqueles que se encontram em processos de vulnerabilização e a valorização da vida devem orientar a defesa da paralisação da classe trabalhadora, assim como a garantia, por parte do Estado, de condições para que ela ocorra. Trata-se de elementos que podem contribuir para o resgate da unidade nas lutas sociais, frente um Brasil que se desdobra no Golpe contra seu próprio povo. 

    ¹Adriana Soares Dutra
    Assistente Social e professora da Universidade Federal Fluminense. Autora do livro Gestão de Desastres e Serviço Social

    ²Leonardo Koury Martins
    Assistente Social, professor do Curso de Serviço Social do Centro Universitário Unihorizontes e da coordenação da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Serviço Social – CRESS-MG

     

     

  • Gestores estaduais assumem competências diante de incompetência do Governo Federal

    Gestores estaduais assumem competências diante de incompetência do Governo Federal

    Por Marcos Rezende*

    Proibição de transportes interestaduais e implementação de barreiras sanitárias relacionadas a vôos originários de países ou estados brasileiros com transmissão comunitária do COVID-19 foram algumas das medidas tomadas por governadores de estados como Bahia e Rio de Janeiro. Num momento de normalidade se poderia questionar se tais medidas extrapolam a competência dos gestores estaduais. Porém, no contexto de pandemia do COVID-19 e com o crescente número de pessoas que testam positivo para o vírus no Brasil, a pergunta é: diante da omissão e irresponsabilidade do presidente Jair Bolsonaro perante a crise do Coronavírus, o que os gestores estaduais devem fazer, senão assumir a competência de quem se demonstra incompetente?

    O mundo passa por uma situação de anormalidade. Um vírus destrói diversos países, matando milhares de pessoas e extrapolando todos os limites de capacidade de atendimento dos respectivos sistemas de saúde. Dos governos mais conservadores àqueles mais progressistas, todos entendem a dimensão da pandemia do COVID-19 e tentam, em alguma dimensão, se antecipar ao vírus para diminuir seus efeitos e/ou remedia-los da melhor forma possível, colocando a vida das pessoas em primeiro lugar. Somente Bolsonaro, seguindo tudo que vê Donald Trump fazer, como se fosse incapaz de tomar decisões da própria cabeça, entendeu diferente e defende que existe uma “histeria” na forma como se está tratando o COVID-19.

    Somente da comitiva que foi aos EUA com o Presidente Jair Bolsonaro, 22 pessoas estão com Coronavírus. No Brasil, há um ditado popular em alusão ao Santo Católico – São Tomé – que duvidou de seus companheiros, quando disseram ter visto Jesus ressuscitado, e só acreditou após ver com os próprios olhos, que diz: “Fulano é igual a São Tomé, precisa ver para crer”. Poderíamos dizer que Bolsonaro é igual a São Tomé, precisa ver para crer. Mas o problema é quando não se crer naquilo que se apresenta diante dos olhos. E é isso que tem acontecido na gestão de Bolsonaro em relação ao COVID-19. Mesmo que já se tenham mais de 1.000 casos confirmados no Brasil e ao menos 18 mortos, Bolsonaro trata a pandemia como histeria coletiva.

    Em todas as suas aparições, Bolsonaro demonstra uma única preocupação, a de não deixar a economia desandar. O que o presidente se esquece é que a economia é impulsionada por pessoas e que se não for garantida a vida destas pessoas, antes de qualquer outra coisa, não existe economia para se cuidar, não existe país, não existe nação. Enquanto todos os países do mundo que estão enfrentando a crise do Coronavírus apontam que o isolamento social é imprescindível para o controle do avanço do COVID-19, Bolsonaro brinca de controlar uma economia e parece não querer economizar defuntos.

    É necessário apontar os bons exemplos e ressaltar os esforços que o governador da Bahia e o prefeito de Salvador, apesar de adversários políticos, têm demonstrado. Rui Costa (PT) e ACM Neto (DEM) fecharam escolas, shoppings centers, proibiram circulação nas praias e reduziram transportes públicos. O governador ainda colocou barreiras sanitárias no Aeroporto de Salvador (apesar dos embargos presidenciais) e proibiu o trânsito entre alguns municípios e entre os estados com contaminação comunitária e a Bahia. Rui Costa, enquanto presidente do Consórcio dos Estados do Nordeste, ainda enviou carta aberta ao Embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para pedir apoio com respiradores e para estruturar mais leitos de UTI, ao que recebeu o compromissos de esforços da Embaixada em relação ao pleito.

    Sem se importar com os brasileiros, Bolsonaro resolveu “brincar de casinha”, editando Medida Provisória (MP 926/2020) para mostrar o poder de império do governo federal e desfazer de algumas destas ações, o que continua a colocar a população em risco. Difunde fakenews sobre uma cura que, infelizmente, ainda não existe. Na contramão de outros líderes mundiais, inclusive da extrema-direita, Bolsonaro corta salário dos trabalhadores ao invés de apoiá-los em meio à pandemia mundial, desrespeita o isolamento necessário e faz papel de bobo da corte em meio a uma entrevista coletiva, enquanto o seu filho e um ministro desrespeitam o povo chinês, mesmo sendo a China a nossa maior parceira comercial e o primeiro país a enfrentar o Coronavírus no mundo, detendo, portanto, o maior número de informações sobre o vírus.

    É aí, diante desses fatos, que queremos que cada cidadão brasileiro responda ao questionamento que foi feito no início deste texto: o que os gestores estaduais devem fazer, senão assumir a competência de quem se demonstra incompetente? Será Bolsonaro, realmente, o “Messias” que a população brasileira merece? Das janelas de diversos estados do nosso país, as panelas que ecoaram nos últimos dias respondem a essa pergunta e conclamam uma nova ordem nacional? Com a palavra, o povo brasileiro.

     

    Marcos Rezende é historiador, mestre em Gestão e Desenvolvimento Social pela Faculdade de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ativista do movimento social negro brasileiro, sendo um dos fundadores do Coletivo de Entidades Negras (CEN)

  • TRADIÇÃO PANKARARU É ALIMENTO PARA O CORPO E A ALMA

    TRADIÇÃO PANKARARU É ALIMENTO PARA O CORPO E A ALMA

    Texto e fotos: Daniel Filho (*)

    A Terra Indígena Pankararu, homologada em 1987, está localizada entre os atuais municípios de Petrolândia, Itaparica e Tacaratu, no sertão pernambucano, próximo ao rio São Francisco. Seu povo mantém viva suas tradições, fé e luta, mesmo num Brasil que governa contra nossos povos tradicionais.

    Encerrou no último dia 15 de março, o ciclo de celebração e resistência do povo Pankararu conhecido como “Corrida do Umbu”. Consiste em celebrar a safra do fruto que chega, assim como representa tempo de purificação, renovação e inspiração para o ano que se inicia.

    pankararus

    Após as primeiras trovoadas de janeiro, iniciando as plantações do fruto após as primeiras chuvas, os “detentores de saber” vão escolher o dia para o flechamento do primeiro umbu que aparecer da safra. No final de semana logo após o dia esse flechamento iniciam-se as corridas, que são movimentadas em grandes terreiros durante quatro finais de semana. 

    A ancestralidade, a reger a fé e força do povo, é personificada nos Praiás, indígenas cobertos com uniforme de fibra de caroá, que conduzem o Toré ao som dos toantes, maracás, manifestando a força encantada aos presentes. Segundo a cosmologia Pankararu os Encantados são entidades que estão presentes em toda a terra indígena enquanto elo entre aqueles que fazem parte do mundo humano com a entidade maior que não está presente nessa terra. 

    As festas são organizadas por famílias zeladoras dos Praiás que organizam os espaços (Poró) onde são guardados e onde certas obrigações são realizadas de forma a manter a força encantada viva entre os membros da família. 

    No cumprimento das obrigações estão presente as ervas, o fumo encantado (tabaco aromatizado de preparo exclusivo para as forças encantadas) e o vinho de ajucá (bebida preparada da jurema) como sinal de respeito ao sagrado a sustentar o mundo em que vivemos.

    O ciclo fecha no quarto final de semana com a saída do “Mestre Guia” chefe de todos os encantados. O momento é esperado por centenas de pessoas que aguardam sua saída em vigília por toda madrugada em completo silêncio. Pirão e garapa são ofertados aos presentes para alimentar o corpo, as bênçãos do Mestre Guia alimentam o espírito.

    Para além da tradição aconteceu, entre os dias 6 e 8 de Março, a primeira edição da mostra de música Pankararu reunindo centenas de indígenas e não-indígenas.

    Aconteceu na aldeia Indígena Bem Querer, localizada a 7 km de distância da cidade de Jatobá, no Sertão pernambucano. Durante os três dias os participantes imergiram na cultura tradicional em rodas de conversa, trilhas e shows/espetáculos. O projeto estimulou o potencial econômico, criativo e afetivo da comunidade local, colaborando para a consolidação de um polo autônomo, independente e sustentável de produção cultural. Contou com a participação da Cia de Dança do Sesc Petrolina, e os artistas Juliano Holanda, Isabela Moraes, Camila Yasmine e Gean Ramos. 

    O projeto, da “Aió Conexões” com apoio Cultural do Sesc, foi um sucesso contando, com centenas de participantes.

    Tanto a tradicional Corrida quanto a Mostra soam uma resposta ao Brasil que extermina povos indígenas, saqueia suas riquezas e destrata tradições: “Resistiremos!”

    Que a força encantada esteja conosco!

     

    (*) Daniel Filho é professor da Rede Estadual de Pernambuco. 

     

    Sobre a mostra de música:

    https://www.instagram.com/tv/B9jNatSpBKn/?igshid=1bkz4ii4sfir2

     

    História:
    https://medium.com/@rathias/for%C3%A7a-encantada-dan%C3%A7a-festa-e-ritual-entre-os-pankararu-b621f03f1ac9

     

    Sobre extermínio de povos indígenas:

    https://cimi.org.br/2019/11/nota-do-cimi-sobre-o-exterminio-programado-dos-povos-isolados-ao-menos-21-terras-indigenas-estao-invadidas/

  • A luta ambiental dos índios Tuxás contra o retrocesso da usina nuclear

    A luta ambiental dos índios Tuxás contra o retrocesso da usina nuclear

    Com a promessa de empregabilidade em uma região carente e que já sofreu uma tragédia, quando na década de 1980, a construção da barragem de Itaparica, inaugurada em 1988, inundou todo o território das cidades de Itacuruba, Petrolândia e Rodelas, atingindo assim as comunidades indígenas e quilombolas, o Governo Federal vem prometendo mundos e fundos para a pequena população de menos de 5 mil habitantes da cidade de Itacuruba.

     

     

    Sobre a inundação, no livro “Tuxá, os Índios do Nordeste, o autor Orlando Sampaio lembra o fato: “Com a cidade de Rodelas, ficaram sob as águas as habitações e as ilhas dos índios Tuxá. A ilha da Viúva, a mítica terra em que esses índios faziam a agricultura e praticavam seus rituais, tornou-se um acidente histórico submerso no lago.”

    Viajamos até lá e entrevistamos várias pessoas de comunidades indígenas, quilombolas e das cidades de Itacuruba e Floresta, onde se concentra o movimento da igreja católica que é contrária a construção da Usina Nuclear com seis reatores na região e que conta com dois lobistas do Governo Federal e Estadual respectivamente: Fernando Bezerra Coelho, senador (MDB) e Alberto Feitosa, deputado estadual (SD).

     

    tuxas contra usina nuclear
    Entrada do aldeia do povo Tuxá, em Itacuruba, Pernambuco

    Em breve traremos novas entrevistas sobre um assunto tão absurdo e surreal, pois é totalmente na contramão da tendência mundial, que é desligar todas as Usinas Nucleares, a exemplo da Alemanha e Japão, que já vem nesse processo há alguns anos, mas que se tratando de desgoverno Bolsonaro, a gente até entende.

    Videorreportagem: Sergio Gaspar, Veetmano Prem, Daniel Barros e Eduardo Nascimento

    Texto: Rodrigo Pires

    #XôNuclear #Itacuruba #UsinaNuclear #Pernambuco

    LEIA MAIS EM NOSSO SITE SOBRE O PROJETO DE CONSTRUÇÃO DA USINA NUCLEAR EM PERNAMBUCO

    Carta de Floresta, 06 de novembro de 2019

    BACURAU E ITACURUBA: A HISTÓRIA SE REPETE, A PRIMEIRA COMO FICÇÃO, AMBAS COMO TRAGÉDIAS

    *Essa matéria faz parte de uma série de reportagens que iremos fazer a respeito da construção do complexo nuclear em Itacuruba, sertão de Pernambuco. Para viabilizar nossas viagens, estamos realizando campanhas boca a boca em Recife, junto aos parceiros que podem de alguma forma, contribuir para o bom jornalismo.

    Patrocinadores:

    FETAPE – Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco

    Mandato do Vereador Ivan Moraes (PSOL)

    SINDSPREV – Sindicato dos Trabalhadores Públicos Federais em Saúde e Previdência Social no Estado de Pernambuco