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  • Artimanha de Temer cria novos ministérios e dá foro privilegiado para amigo

    Artimanha de Temer cria novos ministérios e dá foro privilegiado para amigo

    Uma das características do excêntrico Jânio Quadros (1917-1992) era aproveitar os debates calorosos formados a partir de uma medida considerada polêmica para tomar decisões estruturantes sem gerar alarde. O exemplo clássico é a lei que proibia o uso do biquíni.

    Parece que o usurpador Temer está plagiando o ex-presidente Jânio Quadros. Nesta quinta-feira, 02, aproveitando-se das agitações geradas devido à eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, o governo golpista nomeou o tucano Antônio Imbassahy (PSDB-BA) para chefiar a Secretaria de Governo (status de ministério), desocupada desde a desastrosa saída de outro político baiano, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA). Na realidade, a nomeação de Imbassahy não foi grande novidade pois já havia sido amarrada nos últimos dias após a visita do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a Michel Temer.

    No entanto, a malandragem de Temer encontra-se na criação de dois novos ministérios e na ampliação de atuação de um terceiro. Assim, reativou-se a Secretaria Geral da Presidência (status de ministério) e o Ministério dos Direitos Humanos. Além disso, as funções do Ministério da Justiça foram estendidas para a área de Segurança Pública. Para um governo que propagava, a torto e a direito, austeridade e a necessidade de redução de pastas para o número máximo de 20, o usurpador Temer está indo de mal a pior e já chegou a 28 ministérios.

    Na realidade, ao reativar a Secretaria Geral da Presidência (extinta em 2015 por Dilma Rousseff) e indicar a nomeação de Moreira Franco (atual secretário-executivo do Programa de Parceira de Investimentos), Temer concedeu ao amigo de longa data foro privilegiado. O que desperta inúmeras suspeitas é o fato de Moreira Franco (PMDB-RJ) ter sido citado, mais de uma vez, em investigações da Operação Lava Jato.

    Neste caso, Temer reafirma a máxima brasileira da época da monarquia: aos amigos tudo, aos os inimigos, a lei!

  • 2016: O QUE FAZER COM A DESESPERANÇA

    2016: O QUE FAZER COM A DESESPERANÇA

    Há quem fale que 2016 se prolongará pelos próximos 20 anos. Enganam-se!

    Em 2016, retrocederemos, pelo menos, 20 anos.

    Retornamos à época do acordo com os ditadores, que resultou na Assembleia Constituinte. Aquela era a época de se reconhecer a moratória dessa dívida que pagamos há anos.

    Voltamos à época do acirramento das desigualdades sociais, em vez de sua eliminação, de vermos a parcela mais torpe da nossa sociedade comer todas as fatias do bolo que crescia. Voltamos às desigualdades raciais. Retrocedemos em liberdades sexuais pela consolidação da cultura do estupro.

    33 homens contra uma menina. 53 senadores contra a Constituição.

    Assistimos à horda de homens brancos, velhos e ricos que ditam as regras contra a população impotente, iludida e conivente.

    Sim. A população brasileira está dividida: impotência, ilusão e conivência. Encontre-se em um desses grupos. Encontre-se em sua consciência.

    E não há lugar para correr, não há quem nos socorra. Onze pessoas ocupam a Suprema Corte do nosso País, agindo em prol de seus velhos interesses classistas. O Ministério Público não é público mais, protagonizando, espetacularizando o acinte ao bom senso e a destruição da República.

    Milhares de estudantes ocupam as escolas. E assim se afiguram como Davi e Golias, quando o gigante resolveu despertar, oportunista, vingativo, revanchista.

    São ilegítimos, são usurpadores esfarelando o que jaz do Estado Democrático.

    Choram Marias, Clarices, Marianas, Tatis, Amarildos, Josés. E não resta a quem perguntar “E agora?”.

    Invade-nos, como a lama podre do capital que inunda, destrói e mata, um mar de desesperança, que nos frustra e abate. Avançam o retrocesso, a canalhice, a intolerância.

    O escárnio, a trapaça, o jogo sujo, os mesmos conchavos, propinas e jetons cantados por Herbert Vianna sobre os 300 picaretas com chapéu de doutor, sobre os quais “Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou”.

    A desesperança é leito violento que desemboca em turva foz. Deprime, desencanta, mata aquela que é a última a morrer. A desesperança é o ponto alto das crises, sejam elas de qualquer origem.

    Quem já viveu a depressão como doença sabe que o seu ápice é a desesperança. É aquele ponto em você se entrega ou busca as forças escondidas e resiste, e luta, e vence.

    Não estou falando da vitória como um fato consumado, como um sete a um. Estou falando da vitória que é não desistir.

    Convido-os a seguir o segundo caminho. Armar-se de conhecimento e força. O futuro nos apresenta de forma nebulosa, mas é preciso resistir e construir. Cada um à sua maneira, com aquilo que pode, com aquilo que suporta.

    Mas, a entrega, a desistência são finais tristes demais para quem sonha.

    Eduardo Galeano nos falou que a utopia é como a linha do horizonte, quando se aproxima, ela se afasta, mas não podemos deixar de segui-la.

    Encare a sua desesperança. Enfrente-a com seus sonhos, desejos, com a sua esperança.

    Sejamos resilientes!

     

    Bárbara Natália Lages Lobo é professora de Direito na PUC Minas, doutoranda em Direito Constitucional e escritora, autora do livro “O Direito à Igualdade na Constituição Brasileira”

  • De economia e medicina medievais

    De economia e medicina medievais

    No final de novembro ocorreu mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB). Essa reunião avalia o estado geral da economia, notadamente, o risco de alta inflação para determinar a taxa de juro básica da economia brasileira. Esse comitê tem, portanto, o poder de determinar o piso dos juros no país e, por consequência, determinar quanto o governo pagará para aqueles que tem dinheiro investido em títulos da dívida pública.

    “Em doze meses, os juros nominais atingiram R$406,8 bilhões (6,61% do PIB)”, afirma a Nota de Política Fiscal do BCB de 28/11/2016. Uma montanha de dinheiro que sai do orçamento do governo diretamente para os bolsos de que empresta dinheiro para o governo, ao mesmo tempo responsável pelo agravamento da desigualdade de renda e invisível. Em nenhuma conversa sobre “austeridade” se fala sobre esse que é o maior gasto do Estado brasileiro.

    Contudo, há um efeito ainda pior: ao ter direito a esse montante de juros, o detentor de recursos não investe seu dinheiro em bens que contribuiriam para o crescimento econômico. Ele tem um resultado ótimo, sem risco e com liquidez, a qualquer momento pode vender seus títulos e ter o dinheiro livre de volta. É o melhor dos mundos. Para que investir numa fábrica?

    Juntando, então, na mesma cumbuca a taxa de juros, a instabilidade política e a política de “austeridade” temos a recessão que estamos vivendo. Veja como a ata do Copom explica os dados que colheu até novembro:

    O conjunto dos indicadores divulgados desde a última reunião do Copom sugere atividade econômica aquém do esperado no curto prazo. Houve reduções nas projeções para o PIB em 2016 e 2017 e interrupção na recuperação dos componentes de expectativas de índices de confiança. Após ter interrompido uma longa sequência de quedas no segundo trimestre, a medida de investimento nas contas nacionais voltou a recuar no terceiro trimestre.

    A ata revela, em linguagem suave e bem medida, que estamos em uma recessão maior do que esperávamos, que as projeções indicam queda maior nesse ano e no próximo, que as pesquisas mostram queda na confiança na recuperação da economia e que o investimento voltou a cair. Continua a ata:

    A economia segue operando com alto nível de ociosidade dos fatores de produção, refletido nos baixos índices de utilização da capacidade da indústria e, principalmente, na taxa de desemprego.

    A indústria vem produzindo, assim, menos do que poderia e trabalhadores que buscam emprego e não encontram rondam a casa dos 12 milhões.

    Após os recuos dos indicadores de atividade econômica relativos a agosto, a ausência de uma reversão nos meses seguintes torna menos provável o cenário em que esses movimentos refletiriam oscilações naturais da atividade econômica em torno de momentos de estabilização. Aumenta, portanto, a probabilidade de que a retomada da atividade econômica se já mais demorada e gradual que a antecipada previamente.

    Em outras palavras, a economia não vai voltar a crescer nos próximos meses. Para não dizer que não há notícias boas, a inflação tem mostrado menos força, a ponto de reduzirem a taxa de juros em mirabolantes 0,25 ponto percentual. Cabe perguntar se para o conjunto da população brasileira vale a pena pagar esse custo para reduzir o ritmo da inflação.

    Ilustração Joana Bra sileiro
    Ilustração Joana Brasileiro

    Na Idade Média, era muito comum usar sangrias e sanguessugas para todos os males que afligiam a humanidade. Como o sangue “transportava” a doença, melhor era tirar o sangue. A forma como as autoridades econômicas brasileiras pensam a economia é igual: “O dinheiro é problema? Austeridade é a salvação, retire-se o dinheiro de circulação. Vamos ter uma fraqueza, mas logo todos voltarão a ter confiança de que estamos no rumo certo.”

    O desemprego derruba o consumo, a taxa de juros e a incerteza derrubam o investimento privado e, o governo, com sua política de “austeridade”, derruba seus gastos e seus investimentos. Em regozijo estão apenas os do mercado financeiro, nacionais e estrangeiros. E os especialistas da vez nos pedem calma. É preciso ter muita fé nesses economistas medievais!

  • Não, o Papa Francisco não tirou o aborto da lista de pecados

    Não, o Papa Francisco não tirou o aborto da lista de pecados

    Com o nome em latim misericordia at misera, a Carta Apostólica assinada pelo Papa Francisco no dia 20 de novembro de 2016 e liberada na íntegra hoje (21), pegou de surpresa o mundo, assim como parte do baixo clero da igreja.

    A carta concede aos padres o direito de absolver o pecado do aborto, considerado pela igreja um dos piores pecados possíveis. Atentar contra a vida de um ser indefeso, ainda mais quando praticado por aquela que mais o ama. Também é, para a Igreja, indefensável para o médico praticar tal procedimento. Aos olhos do clero católico, quem praticava tal abominação era automaticamente excluído dos ritos da religião e somente poderia ser absolvida ou absolvido por um bispo, ou superior. O caso de absolvição era controverso e facilmente levaria a excomunhão do pecador.

    A partir das palavras de Francisco ao mundo a visão da Igreja muda. Qualquer membro ordenado padre ou com ordenação superior pode diante arrependimento, absolver a pecadora ou o pecador. Francisco vai além, coloca nas mãos no sacerdote a responsabilidade de guiar, cuidar e conceder conforto a pessoa. A mudança proposta pelo Papa não foi uma mudança na lei eclesiástica. Não pensem que o aborto aos olhos dos católicos deixou de ser pecado ou é menos abominável. A mudança foi muito mais profunda e revolucionária, já que atinge diretamente a forma como se trata o ser humano dentro da sua religiosidade, mas a Igreja Católica continua sendo a Igreja Católica, com seus dogmas, símbolos e práticas psicológicas de medo eterno da punição divina.

    Após cinco horas de procissão, os sinos da basílica santuário anunciaram a chegada da berlinda de Nossa Senhora de Nazaré. Sob foguetório, hinos de louvor e preces dos fiéis, uma multidão aguardava a imagem no Centro Arquitetônico de Nazaré (CAN). Dom Irineu Roman, bispo auxiliar de Belém, recebeu a imagem. Logo em seguida começou a celebração de uma missa em frente à Basilica Santuário. FOTO: SIDNEY OLIVEIRA / AG. PARÁ DATA: 09.10.2016 BELÉM - PARÁ
    Após cinco horas de procissão com chegada de Nossa Senhora de Nazaré. Celebração de missa em frente à Basilica Santuário em Belém. Foto: Sidney Oliveira/ Ag. Pará

    Para católicos praticantes em grandes capitais brasileiras, a prática já era comum. Dioceses grandes já permitiam a padres a absolvição deste pecado diante o real arrependimento. A igreja vem aprendendo a lidar com as realidades sociais em que está inserida desde o Papa Paulo VI e seu documento Gaudium et Spes em 1965, que apontava rumos e mudanças na Igreja para diminuir o sofrimento das injustiças entre classes e povos. A grande mudança vem para as pequenas localidades. Cidades pequenas tendem a ter na Igreja seu ponto central.

    Imagine uma cidade de pequeno porte em qualquer região do Brasil. Provavelmente você imaginou uma praça com a prefeitura, um banco, uma repartição de justiça municipal e uma igreja. Estes são os poderes instaurados na maior parte do território brasileiro. Se pensarmos territorialmente, é absoluta a influência da Igreja no Brasil. Se pensarmos em escala populacional global, quase 1,5 bilhão de pessoas estão sob o cajado do Bispo de Roma. Ignorar a importância geopolítica deste acontecimento por ser de outra religião, ou de nenhuma, é como achar que a eleição de um presidente dos Estados Unidos não afetaria em nada o mercado e o câmbio asiático, como aconteceu instantaneamente. Qualquer decisão que afeta diretamente uma massa de 1,5 bilhão de pessoas espalhadas globalmente, tem impacto direto e indireto nas relações de poder e nas balanças invisíveis que nos rodeiam. E principalmente nas balanças onde nós somos parte dos pesos e medidas.

    Foto: Márcio Vinícius Pinheiro
    Foto: Márcio Vinícius Pinheiro

    Se para mulheres católicas em grandes metrópoles a Carta parasse mísera formalidade de uma prática já corriqueira dos padres, para as que vivem em regiões mais distantes, onde é impossível mensurar onde termina o poder do Estado e onde começa o da Igreja, talvez a canetada Franciscana tenha sido um alívio misericordioso.

    Nos afastando da nossa realidade e pensando globalmente, há países como a Polônia onde quase 87% da população é católica, sendo o país mais católico do mundo. O partido que atualmente governa o país é oficialmente católico e conservador. Na semana passada em um evento oficial com a cúpula religiosa polonesa e líderes do Partido Lei e Justiça (PiS), o presidente alçou Jesus ao posto de “Rei da Polônia”, o que foi visto com preocupação por organismos internacionais e por minorias religiosas do país.

    Após a proclamação, a Primeira Ministra polonesa, fez declarações sobre deportar cidadãos que se declarassem “não católicos” ou “ateus”. Obviamente, tal decisão poderia não só excluir a Polônia na União Europeia, como da ONU. São ameaças tão absurdas que a população teve a mesma reação que teríamos por aqui: Criaram um evento no facebook que conta com dezenas de milhares de cidadãos se dispondo a entrar na lista de deportação e escolhendo o destino

    Evento Facebook

    Dificilmente tudo estes fatos foram vistos como alguma ameaça real nas grandes cidades dada a pouca expressão do país no sistema internacional. Porém é no interior destes países que a Carta de Francisco atingirá com mais força. Em especial quando no país se votam leis neste momento tentando tornar ilegal o uso de pílulas anticoncepcionais e outras medidas consideradas anti-cristãs. O sistema vertical de hierarquia católica não deixa dúvidas, o Papa é o sucessor de Pedro. A palavra de Deus é perfeita e ele é o portador dela. No Brasil é “verba volant”, no Vaticano tudo que o um Papa diz é lei.

    [Recado da Caneta Desmanipuladora: Desculpem, mas não tivemos tempo de traduzir todos os textos e vídeos que usamos como fonte do polonês para o português, mas deixaremos as fontes aqui abaixo caso queiram utilizar]

    Texto sobre Jesus ser declarado Rei da Polônia
    Texto sobre deportação de “não católicos” e ateus
    Texto sobre proibição de pílulas anticoncepcionais.

     

  • Nós por nós, sempre!

    Nós por nós, sempre!

    Por Lúcia Perez, de 16 anos, drogada à força, estuprada e empalada tomamos as ruas. Erguemos nossos cartazes por Beatriz, também de 16 anos, que foi estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro. Gritamos numa só voz por Rayzza, militante feminista queimada viva, em Cabo Frio no Rio de Janeiro. Unimo-nos por Cláudia Silva Ferreira, arrastada por um carro da Polícia Militar por 350 metros. Abraçamo-nos pela garota de 16 anos – que não cometeu crime algum – presa numa cela com 30 homens e foi abusada durante 20 dias. Choramos pelas meninas de 7 anos da República Centro-Africana que eram obrigadas a fazer sexo oral em soldados da ONU em troca de água e bolachas de água e sal. No desespero de ver um bebê de dois anos morrer abusado pelo padrasto, vimos que precisávamos agir.
    Mesmo embaixo de chuva continuamos na luta contra a violência masculina que nos humilha, destrói, machuca, estupra e mata todos os dias. Ocupamos espaços que nos são negados e nos posicionamos contra o sistema patriarcal que nos oprime todos os dias.

    Fotos: Emergente

    Diariamente nos vemos abaladas por práticas machistas e misóginas, como o caso da garota de 13 anos que engravidou após ter sido estuprada por seu responsável, e teve que foi questionada por um juiz se havia “tentado fechar a genitália” durante o estupro. Desesperamo-nos com o caso do Coronel da Polícia Militar que foi encontrado em um carro com uma criança de 2 anos nua. Percebemo-nos alvos quando acontecem 5 espancamentos a cada dois minutos, 179 relatos de agressão por dia, 1 estupro a cada 11 minutos – totalizando 133 mulheres estupradas por dia, e 1 feminicídio a cada 90 minutos, somente no Brasil. Resistimos quando percebemos que estupros não tem relação com tesão ou prazer, e sim com dominação.
    Revoltamo-nos contra todos os tipos de violência – física, sexual, psicológica, patrimonial e moral – e contra a leveza das penas de nossos agressores e assassinos. Lutando para que nós, mulheres, sejamos vistas como humanas. Pela autonomia de nossas vidas e corpos.

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    Na Argentina, no Peru, Brasil, Venezuela, Chile, Equador, Costa Rica, Paraguai, Uruguai, Bolívia e em diversos países do mundo todo! Pelas meninas judias e cristãs sequestradas para serem escravas sexuais, pelas vítimas da mutilação genital na África, pelas mulheres ao nosso redor que sofrem com assédios, agressões e violações. Pelas que nos apoiam e pelas que não nos apoiam. Por todas elas. Por todas nós. Seguiremos até que todas sejamos livres!
    Somos nós por nós, sempre!

  • Golpe 16

    Golpe 16

    Assustado com a revelação da participação do capitão de inteligência do Exército Willian Pina Botelho no episódio que levou à prisão de 21 jovens no dia da manifestação (04/09), assim Renato Rovai abriu sua fala no lançamento do livro Golpe 16, organizado por ele, na noite de ontem (12/09) em São Paulo. A revelação da identidade real de Baltazar Nunes mostra que as forças do golpe vão além do controle sobre a Polícia Federal, sobre as Polícias Militares, sobre parcelas significativas da Procuradoria Geral da República e do Judiciário, segundo ele.

    Um golpe não é, um golpe vai sendo… É o título do artigo de Rovai que volta ao ano de 2010 para lembrar a aprovação do governo Lula e nossos sonhos com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos em casa. O texto se desenvolve até chegar aos dias atuais, passando pelos atos de junho de 2013 e pela dura eleição de 2014. Rovai nos rememora que a condução coercitiva de Lula para depor, em 04/03/2016 foi “praticamente anunciada no Jornal Nacional da noite anterior, dedicado quase que totalmente a massacrar Lula”.

    A obra Golpe 16 reúne 23 artigos que discutem, através de diferentes enfoques, o golpe jurídico-midiático-parlamentar que destituiu a presidenta Dilma Roussef. Os autores dos artigos são, especialmente, os jornalistas blogueiros de esquerda e defensores da democracia. O livro apresenta prefácio do ex-presidente Lula e se encerra com uma entrevista com a ex-presidenta.

    Foto por Roberto Fernandes
    Foto por Roberto Fernandes

    Paulo Henrique Amorim lembrou que a grande diferença entre 1964 e 2016 é a blogosfera, sem a qual a Globo seria a única voz. Em seu artigo O PIG e o Cunha, ele demonstra como a Globo usou Cunha e, depois que ele perdeu a serventia, tripudiou sobre seu cadáver: “A Globo não tem amigos, tem interesses. Foi o que o PT e Dilma (“use o controle remoto”) nunca entenderam.”

    Asfixia financeira, criminalização da blogosfera e dos sites progressistas e judicialização da atividade jornalística compõem os três eixos da ofensiva do governo golpista para calar as vozes divergentes, sentenciou Altamiro Borges. Ele lembrou Perry Anderson: “o neoliberalismo não combina com democracia”. Miro apontou, ainda, que: “a Globo é o novo Diário oficial da União”. Seu artigo no livro Golpe 16 se chama A blogosfera na resistência ao golpismo midiático.

    Foto por Roberto Fernandes
    Foto por Roberto Fernandes

    “Lula (mais do que qualquer um) parece ter apostado até o fim na conciliação com a elite, e numa busca desesperada por ser aceito num clube que jamais o desejou como sócio.” Desse modo, Rodrigo Vianna mostra a rejeição da elite a Lula, a Dilma e às políticas de seus governos. Seu artigo, Ecos do passado: a voz de Carlos Lacerda no golpe de 2016, aponta as muitas semelhanças entre os discursos atuais e aqueles da tentativa de golpe contra Getúlio Vargas e o golpe de 1964.

    Paulo Nogueira, em O jornalismo de guerra contra a democracia, cita Joseph Pulitzer: “Acima do conhecimento, acima das notícias, acima da inteligência, o coração e a alma de um jornal residem em seu senso moral, sua coragem, sua integridade, sua humanidade, sua simpatia pelos oprimidos, sua independência, sua devoção ao bem-estar público, sua disposição em servir à sociedade”. O artigo de Nogueira é uma reflexão sobre o “jornalismo de guerra”, marcado pela capa da revista Veja (“eles sabiam de tudo”) e pela omissão da Folha de São Paulo de dados resultantes da pesquisa que avaliaria o início do governo Temer. “Jornais e revistas fizeram em 2016 o papel dos tanques em 1964”, conclui.

    “Não foi mágica o que ocorreu, foi um processo insistente de condução do senso comum. Foi uma longa e persistente defesa nas redes sociais de mentiras enaltecendo o racismo, a homofobia, a violência, a matança indiscriminada d pobres” Esse trecho é do artigo O golpe em rede e a mobilização do senso comum, escrito pelo professor Sérgio Amadeu da Silveira.

    Gilberto Maringoni avalia, em O avanço do conservadorismo não é fenômeno apenas brasileiro, que até meados de 2016 não havia surgido evidência consistente de interferências externas na deflagração do golpe. Suspeitas, no entanto, há muitas. Como no comentário de Francisco Latorre, feito ao final do lançamento: “2013 foi 1963, cinquenta anos depois. Só saberemos quando a CIA abrir seus arquivos”.

    Encerremos por aqui para não estragar as surpresas. O livro ainda tem artigos de Adriana Delorenzo, Bia Barbosa, Cynara Menezes, Conceição Oliveira, Dennis de Oliveira, Eduardo Gumarães, Fernando Brito, Gilberto Maringoni, Glauco Faria, Ivana Bentes, Lola Aronovitch, Luiz Carlos Azenha, Março Weiiheimer, Miguel do Rosário, Paulo Salvador, Rena Mielli e Tarso Cabral Violi.

    Notas

    1 Os direitos autorais do livro serão doados para o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé.

    2 Para obter mais informações veja em: http://www.revistaforum.com.br/golpe16/

    3 Rovai, Renato (organizador). GOLPE 16. São Paulo, Publisher Brasil, 2016. 224 p.