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  • A Rede Globo de Televisão e o sequestro da nossa emoção

    A Rede Globo de Televisão e o sequestro da nossa emoção

    Domingo, 08 de julho de 2018.
    Uma notícia sacode o Brasil.

    O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba desde o dia 07 de abril por decisão do juiz de 1³ instância Sérgio Moro, teve seu pedido de habeas corpus, peça jurídica assinada pelos advogados Wadih Damous e Paulo Pimenta, também deputados, acatado e deferido, e sua soltura imediata determinada pelo desembargador Rogério Fraveto, que havia assumido naquela data o posto de plantonista do Tribunal Regional Federal da Quarta Região – TRF-4 com sede em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

    Iniciou-se a partir daí uma operação de guerra protagonizada pelo Departamento de Jornalismo da Rede Globo de Televisão, que está presente em 97,2% das casas brasileiras, uma tentativa de sequestrar o emocional de seus telespectadores, imprimindo à narrativa das notícias relativas ao caso uma dinâmica falsa, cujo objetivo era fazer com que o telespectador aceitasse como legal uma ação ilegal.

    Dado o parecer do desembargador Fraveto em favor do ex-presidente Lula, o juiz de primeira instância Sérgio Mouro, então em férias, licenciado das atribuições que o cargo lhe incumbe, se recusou a acatar a decisão do magistrado de uma instância superior à sua e, não satisfeito, alegou a “incompetência” do desembargador para determinar a soltura do réu, num gesto raramente visto no espectro jurídico brasileiro, o descumprimento de uma ordem judicial de efeito imediato por um juiz de instância inferior.

    Diante da posição de Moro, a Rede Globo de Televisão e a Globo News, seu braço jornalístico na TV por assinatura, trataram de dar suporte factual à versão do juiz, trazendo diversos analistas jurídicos de aluguel, que não apenas endossavam, como também reforçavam a ideia que a ação de Sérgio Moro era legítima e legal.

    O canal Globo News, por exemplo, chegou a fazer uma chamada, que ficou no ar por bastante tempo, onde noticiava que o “PLANTONISTA do TRF-4 mantinha a soltura de Lula, APESAR DA DECISÃO DE MORO”.

    Imagem captada da internet

    “Plantonista”, não desembargador.
    Plantonista.
    Apesar da decisão de Moro.”
    Apesar da decisão de Moro.

    Notem que na chamada existe primeiro a tentativa de desqualificar a função de plantonista do tribunal, exercida pelo desembargador Rogério Fraveto, e depois passar para o telespectador a ideia de que uma decisão de Sérgio Moro é a última palavra da Justiça, inquestionável.

    Como se o juiz Sérgio Moro, um juiz de primeira instância, fosse um semideus, uma espécie de encarnação viva da própria Justiça brasileira.

    Ao tentar manipular dessa maneira a opinião pública, a Rede Globo de Televisão mostra mais uma vez a necessidade urgente que o país tem de pensar numa solução para redemocratizar seus Meios de Comunicação.

    Não é possível aceitar que a Rede Globo continue atuando como partido político, através de uma concessão pública, que em tese pertence ao povo brasileiro, agindo de uma maneira a enganá-lo, desinformando-o, manipulando-o e sequestrando suas emoções de acordo com seus interesses comerciais.

    Não é mais aceitável que a Rede Globo de Televisão continue a liderar e orquestrar uma campanha de criminalização contra o ex-presidente Lula, ao mesmo tempo que eleva a figura de um juiz de primeira instância ao status de herói nacional, numa narrativa que inocula o ódio contra o ex-presidente e macula o processo eleitoral que – esperamos, será realizado em outubro, processo que tem o ex-presidente como líder absoluto nas pesquisas de opinião em todos os cenários.

    Ao criminalizar o presidente Lula, a emissora interfere no processo eleitoral que se desenha no horizonte, e coloca água no moinho dos candidatos que têm como plataforma eleitoral o ódio, o antipetismo, a demagogia barata travestida de democracia, brindando-os com o bônus de uma campanha eleitoral indireta antecipada, o que contraria a legislação eleitoral em vigor no país.

    Ao tentar sequestrar o emocional das pessoas através da desinformação, a Rede Globo de Televisão demonstra que há uma enorme desproporção entre sua função de informar e sua vocação de confundir o telespectador.

    A grande quantidade de pessoas que, após assistirem aos noticiosos da Rede Globo saíram endossando nas redes sociais as ilegalidades cometidas pelo juiz Sérgio Moro, mostram o sucesso da estratégia da emissora, que joga com o inconsciente de seus telespectadores a fim de obter deles apoio às suas próprias convicções políticas e comerciais.

    A Rede Globo de Televisão faz com que seu telespectador acredite em um suposto altruísmo encampado pelo juiz Moro, vendido pela emissora como um super herói apartidário (mas que aparece em diversas fotos confraternizando com políticos do PSDB) numa cruzada quixotesca “contra a corrupção”.

    Tal prática cria um clima de ódio na população, demoniza a política como prática republicana e afasta o eleitor em geral, e o cidadão em particular, da discussão de temas que comprometem e são fundamentais no seu dia a dia.

    Sendo assim cada vez mais telespectadores da emissora revelam-se descontentes com a política de um modo geral, bombardeados que são, diariamente, por um jornalismo de guerra empenhado em mostrar que a política não funciona, e que a única saída para os problemas do país é através do autoritarismo antidemocrático na figura da judicialização da política.

    O dia 08 de julho de 2018 ficará para sempre marcado como mais um dia em que o Jornalismo da Rede Globo de Televisão prestou enorme desserviço à população, mais uma vez enganando-a, confundindo-a e, sobretudo, tentando sequestrar sua emoção.

  • Entre Missa e Copa existe sobrevivência

    Entre Missa e Copa existe sobrevivência

    Ele era um daqueles torcedores fervorosos do futebol, porém, mais do que isso, era um trabalhador negro, brasileiro de esquerda, com fervor e emoção aplicados em demasia positiva toda vez que presenciava o campeonato mundial.

    Embora eu e uma parcela considerável da esquerda ainda não tenhamos conseguido atingir, talvez, um tal “grau de evolução”, para vestir camisa verde e amarela, certamente meu pai, se estivesse aqui, jamais toparia a alternativa de vestir camisa vermelha só para ter um certo orgulho de não constar em sua história a marca de “parecer” um manifestoche. Essa fase ele já havia ultrapassado há tempos.

    Para papai, torcer na Copa era momento de dizer que as cores verde, amarela, azul e branco eram dele, sim, e de quem se identificasse com a luta diária por um país menos desigual. Ainda mais seria em tempos tão duros – quando ele viveu para lutar nos debates, nas ruas e no Nordeste, onde vivia, contra a Ditadura por duas vezes, o impeachment de uma presidenta legitimamente eleita e a prisão do único ser que ele também chamava de “o cara”. Sobre esses dois últimos fatos, ele sempre falava: “minha filha, o que está acontecendo? Você que está aí em São Paulo, pode me explicar?”

    Então, para relembrar os tantos encontros que fizemos em dias de Copa, com a casa cheia e a família reunida para assistir aos jogos, saímos da missa do 7o dia de seu falecimento com a leveza dos abraços, das palavras e das inúmeras formas de carinho que recebi dos amigos. Decidi fazer o que ele certamente faria se estivesse aqui, neste 17 de junho de 2018: ver a estréia da Seleção Brasileira na Copa do Mundo.

    Estar com a família num local repleto por um misto de manifestoches, com gente de origem nordestina, roceira, gente da gente, não foi tarefa fácil. Mas foi ali que percebi que há beleza e racionalidade no luto.

    No luto, mirar os olhos de um povo esperançoso pela vitória do Brasil é uma das maiores alegrias que a gente pode ter.

    No único gol desse domingo, foi momento de me sentir carregada pelo meu pai; como ele sempre fazia para comemorar. Até a visão da chuva de papel picado eu tive. Deixe-me explicar: quando criança, nas semanas que antecediam os jogos, meu pai reunia na sala do apartamento os jornais velhos e nós cortávamos aquelas centenas de folhas, para depois, fazermos a tal chuva, pela janela do apê a cada gol do Brasil. Era época de uma CBF diferente da que temos hoje, ou talvez, éramos mais felizes e os paneleiros nem pensavam em existir. Tínhamos Sócrates, depois veio o Raí. Papai também me apresentou outros craques legais, daqueles, do jeito que a gente da esquerda gosta.

    Hoje nós temos um Neymar, menino de origem pobre que se transformou numa das figuras mais bizarras do mundo capitalista; que joga truco e faz leque de nota de 100 reais para expor foto nas redes sociais. É, os tempos são outros e já não temos a mesma sorte. Difícil existir atletas preocupados em trazer a tão cobiçada taça só para que o povo fique feliz.

    Há uma semana, meu pai assistia a bola rolar pelo Brasil, consciente de tudo isso, mas usava sua habilidade com as regras e as tabelas futebolísticas para debater política e golpe. Nos últimos tempos, mesmo doente, e embora de modo mais sútil, teve sucesso em muitas das vezes nos espaços por onde passava. Lugares muito parecidos com esse onde estive.

    O jogo foi morno, mas a esperança que aprendi a enxergar pelos olhos do meu velho não morrerão. E das inúmeras lições que ficam, certamente a mais importante é essa da gente continuar fazendo o bom debate contra as desigualdades por mais vidas felizes. Quero muito continuar aqui por mais tempo para colocar em prática tudo o que um velho negro de esquerda lá do Nordeste me ensinou. E, quem sabe, encarar de novo um “local misto” para assistir a próxima partida do Brasil na Copa. Acredito que meu pai vai ficar orgulhoso e feliz de me ver fazendo uma das coisas que ele mais amava.

    É tempo de renascer!

     

     

  • Siga lendo, Lula. Esteja livre.

    Siga lendo, Lula. Esteja livre.

    A mais nova modalidade de ataque contra Lula, protagonizada por pessoas analfabetas inclusive moralmente, é levantar dúvidas sobre a possibilidade de o ex-presidente ter lido 21 livros em 57 dias.

    Isso parte de pessoas que enxergam a leitura de livros como se fosse um daqueles campeonatos para ver quem come mais hambúrgueres em menor tempo, ou quem bebe latas de cerveja mais rápido, sem respirar.

    Só pode.

    Do hábito da leitura não se exige nada além da disposição para ler e certa concentração, mais nada.

    A leitura não requer nenhuma habilidade especial, nem tampouco talento.

    Da leitura se exige dedicação, se exige interesse pelo teor do livro que se tem às mãos.

    Em minha juventude, no final dos anos 80, época de vacas muito magras, o país atravessava um crise econômica gravíssima.

    Naquela época eu cheguei a morar numa garagem, onde havia apenas uma cama e uma torneira. Não havia energia elétrica, logo não havia televisão, rádio ou qualquer outro tipo de distração.

    Naquela época lembro-me de ter lido, à luz de velas, praticamente todos os livros de Jorge Amado e Monteiro Lobato, retirados por empréstimo da biblioteca do Centro Cultural do Jabaquara, em São Paulo,

    A leitura daqueles livros naquele instante, como uma espécie de bálsamo, atenuou a minha dor, tirou-me daquela situação degradante.

    A leitura, como uma espécie de máquina do tempo, me transportava para outros lugares, longe dali, onde era feliz enquanto aprendia sobre as belezas da Bahia, lendo São Jorge dos Ilhéus, ou me divertindo com as invencionices do Visconde de Sabugosa, enquanto lia “O Poço do Visconde”.

    A leitura daqueles livros me libertou.

    Num país onde o hábito da leitura não tem lugar de destaque, onde certos setores da sociedade, que hipocritamente fingem cultivar esse hábito, tentam “glamourizar “ o hábito de ler, numa tentativa cruel de excluir as pessoas mais humildes do universo maravilhoso composto pelos livros, cabe a cada um de nós defendermos Lula e o seu direito de ser quem ele é, do jeito que é, lendo o que quiser ler, dispondo do tempo que achar necessário dispor para isso.

    Numa sociedade em que muitos se informam através de postagens mentirosas nas redes sociais, através de artigos caluniosos, de vídeos violentos, de programas policialescos e matérias sensacionalistas veiculadas por jornais e revistas cujo único propósito é perpetuar a exclusão das pessoas mais humildes, relegando às tais apenas tarefas onde não precisam de predicados intelectuais adquiridos com a leitura, numa sociedade bárbara assim se faz mais do que necessária a defesa da honra e do legado do homem que, enquanto presidente, foi quem mais investiu em Educação nesse país.

    Siga lendo muitos livros, presidente Lula.

    A leitura não é uma competição, a leitura é prazer, a leitura é uma bandeira de liberdade.

    Os livros que o senhor está lendo representam a liberdade que, tenho certeza, o senhor voltará a desfrutar mais cedo do que tarde.

    Siga livre, Lula.
    Siga lendo.

  • MILITARIZAÇÃO INFANTIL: AGORA A TURMA DA MÔNICA VAI INCENTIVAR CRIANÇAS A BRINCAREM COM TANQUES DE GUERRA ARMAS, BOMBAS?

    MILITARIZAÇÃO INFANTIL: AGORA A TURMA DA MÔNICA VAI INCENTIVAR CRIANÇAS A BRINCAREM COM TANQUES DE GUERRA ARMAS, BOMBAS?

    Violência na infância é um retrocesso psicopedagógico!

    O coletivo BRADO-NY expressa seu repudio à publicação do almanaque da Turma da Mônica sobre as Forças Armadas. Além de configurar apoio à farsa da intervenção militar no Rio de Janeiro, orquestrada pelo presidente ilegítimo e golpista, Michel Temer, entendemos ser lamentável o uso da tão querida figura da Mônica e de outros personagens que marcaram a infância de muitos brasileiros, que estão retratados segurando tanques de guerra, submarinos e outros objetos que podem, inadvertidamente, incentivar o uso de armas de brinquedo e de brincadeiras violentas, o que representa um retrocesso em relação à psicopedagogia infantil.

    MILITARIZAÇÃO INFANTIL: AGORA A TURMA DA MÔNICA VAI INCENTIVAR CRIANÇAS A BRINCAREM COM TANQUES DE GUERRA ARMAS, BOMBAS? CRIANÇAS NÃO PODEM SER ALVO DE PROPAGANDA DA INTERVENÇÃO MILITAR E DO CONTROLE ABUSIVO DO ESTADO.

     

  • Voltar ao mundo? Argentina entre o FMI e o abismo

    Voltar ao mundo? Argentina entre o FMI e o abismo

    por Coletivo Passarinho

    O eixo discursivo central da campanha eleitoral de Mauricio Macri para a presidência foi “voltar ao mundo”. Era hora de superar o atraso e o isolamento da era Kirchner, aproveitar o grande potencial humano e produtivo da Argentina e produzir reformas capazes de reinserir o país na economia mundial. Nas falas televisivas dos apoiadores do então candidato dizia-se com frequência que a Argentina precisava voltar a ser um país normal. E um país normal, para a elite argentina, bem como para parte significativa de sua classe média, é um país em que se pode comprar e vender dólares sem restrições.

    Vencidas as eleições, o novo mandatário tratou de colocar em prática seu choque “modernizador”: abriu o país às importações, liberou o controle cambiário sobre o valor do dólar, derrogou tributos sobre a exportação do trigo, milho e soja e reduziu impostos sobre automóveis, motos e embarcações de luxo, quase sempre importados. Aproveitou a boa recepção à sua vitória nas economias do centro do capitalismo, que viram aí uma oportunidade de iniciar a virada no tabuleiro, com auspícios de uma derrocada em série dos governos populares da região, para alçar voos maiores. Em dezembro do ano passado, Buenos Aires sediou a 11ª Reunião Ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC). No final deste ano, presidirá a Cúpula do G20, a reunião das vinte economias mais ricas do planeta, que terá o tema “construindo consenso para um desenvolvimento equitativo e sustentável”.

    Por debaixo desse véu modernizador, o mundo volta à Argentina sob outra forma, arcaica. No dia 8 de maio, diante da desvalorização galopante do peso argentino, da ineficácia da alta dos juros e da venda sucessiva de reservas para conter a subida do dólar, em pronunciamento oficial, o presidente declarou que decidiu iniciar diálogo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para “fortalecer este programa de crescimento e desenvolvimento”. A euforia dá lugar ao pesadelo, como no filme de terror Escape From Tomorow, em que um pai leva a família de viagem para a Disney sem revelar que foi demitido.

    O outro lado do conto de fadas é um país empobrecido (ao menos para suas vastas maiorias) e que, desde que Macri assumiu, somente agudizou seus problemas estruturais. O setor exportador de soja e minérios aumentou consideravelmente a sua rentabilidade. O setor financeiro obteve ganhos fabulosos com o empréstimo de dinheiro ao Estado a juros exorbitantes. A bicicleta financeira consistente na compra e venda sucessiva das Letras do Banco Central (Lebac) já no ano passado atingia 26% de juros (El país, 23/06/2017). Para o setor produtivo industrial quase nada chegou neste contexto de plena abertura aos investidores. Já para a massa trabalhadora restou o aumento do desemprego, a desindustrialização, a redução do valor real dos salários e o aumento brutal das tarifas de serviços públicos.

    Em termos macroeconômicos os desequilíbrios somente se acentuaram: a abertura econômica gerou mais dependência. O governo impulsionou forte processo de endividamento externo dando um passo atrás no caminho de redução da dívida ocorrido durante o período kirchnerista. O déficit de conta corrente alcançou 5% do PIB, superando os 2,8% de 2015 e os registros da década de 1990. A avalanche importadora, em um cenário de abertura comercial, provocou a elevação do déficit de comércio exterior para o nível mais elevado dos últimos 40 anos. Ao contrário dos tão sonhados investimentos produtivos incrementou-se a fuga de capitais, e ainda se tentou amenizar o déficit pelo aumento da dívida externa.

    O macrismo e seu leque de aliados chamaram as reformas implementadas até agora de “gradualistas”. Avançaram com a reforma previdenciária, com uma reforma tributária com caráter regressivo e têm na agenda uma reforma trabalhista de propósito flexibilizador e precarizador. O remédio do ajuste, no entanto, nunca é suficiente. A morte iminente do paciente, em vez de colocar em questão o próprio tratamento, para os financistas de plantão é sempre uma oportunidade para legitimar um aumento da dose. Por isso, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil sob a presidência de FHC, ao falar da crise argentina diz que “hoje as opções são fazer mais rápido este ajuste, que sempre esteve entre os objetivos do governo, ou ter problemas muito mais sérios” (Ámbito Financiero, 14/05/2015). O retorno ao FMI serve, portanto, para pôr fim ao “gradualismo” e substituí-lo pelo choque descarado, legitimando um incremento da austeridade.

    Por outro lado, a consciência do significado do pedido de resgate na Argentina não é pequena. O FMI apoiou o programa econômico ortodoxo e regressivo da última ditadura militar. Foi protagonista direto dos planos massivos de privatização e desregulação da era Menem, na década de 1990, apoiando o programa de convertibilidade que estabeleceu a paridade entre o dólar e o peso. Programa este que culminou com a crise econômica e social sem precedentes de dezembro de 2001. No início de 2002, 25% dos argentinos estavam desempregados e o índice de pobreza chegava a quase 60%.

    Agora, o FMI vem ao resgate de um governo neoliberal cujos altos postos são formados, sobretudo, por CEOs: ex-diretores executivos de grandes empresas, muitos deles oriundos do setor financeiro e bancário. A chamada “porta giratória” entre setor privado e setor público é, na atual gestão, mais vigente do que nunca. Os dirigentes, formados em sua maioria em universidades norte-americanas ou em universidades particulares de elite na Argentina, tem pouca conexão com seu próprio país. Mais do que isso: tem pouco do seu patrimônio pessoal nessas terras. O ministro da fazenda, Nicolas Dujovne, possui 88,25% dos seus bens declarados no exterior. O presidente do Banco Central, Federico Sturzenegger, 70,04% (La Nación, 22/08/2017). São eles, junto com o presidente Maurício Macri, envolvido no escândalo das offshores descobertas no caso Panamá Papers, que querem convencer a população de que um novo empréstimo com o fundo dará proteção ao país.

    No entanto, um recente informe do Centro de Estudios de Opinión Pública (CEOP) aponta que 77% dos argentinos são contra o pedido de empréstimo ao FMI. Ao contrário do que gostariam alguns ideólogos do mercado e do governo, a população não esquece que o desastre de 2001 veio depois de anos de ingerência direta e de aplicação das políticas do FMI. Não por acaso, os colunistas econômicos do establishment não deixam de apontar para os riscos de uma nova explosão “populista”. E para mostrar que Macri não está sozinho neste processo de aprofundamento da inserção subordinada da Argentina na economia-mundo, Trump, Merkel y Rajoy não tardaram em deixar claro o apoio às medidas do governo.

    O próprio Ministro da Fazenda argentino já admitiu que o país terá mais inflação e menos crescimento (La Nación, 14/05/2018). A última terça-feira (15) foi considerada o dia D, pois venciam 30 bilhões de dólares em Letras do Banco Central (Lebacs). O perigo imediato de forte desvalorização cambiária decorrente da não renovação das Lebacs e consequente corrida ao dólar pode ser controlado. O Banco Central Argentino, além de ofertar 5 bilhões de dólares pelo segundo dia consecutivo, emitiu dívida com a oferta de novos títulos do tesouro. Ainda que o governo tenha conseguido controlar o cenário, o problema de fundo permanece. “As Lebac são uma bola de neve que se chuta para frente” (Izquierda Diario, 15/05/2018). Cedo ou tarde, o caminho do endividamento, fracassa.

    Após reunião ministerial na segunda-feira (16), o chefe de gabinete, Marcos Peña, esclareceu a nova linha política: chegar a um grande acordo nacional com o objetivo de reduzir o déficit fiscal, sendo que o marco para tal acordo é o orçamento de 2019. Disse, ainda, que o caminho é o correto, mas é preciso acelerá-lo (La Nación, 15/05/2018).
    O caminho já é conhecido e os resultados também: ajuste sobre o povo, aumento das desigualdades, desmonte do Estado e mais recessão. Economiza-se para diminuir o déficit e “honrar” os compromissos com o setor financeiro. A ação indutora do Estado como impulsor da atividade econômica vai às favas. A economia encolhe e a arrecadação tributária diminui. Resultado final: todo ajuste é insuficiente, demandando ainda mais ajuste. E o país navega na catástrofe social, que é narrada pelos cínicos de plantão como um mal necessário.

    Resta saber por quanto tempo a narrativa vendida pela imprensa que apoia o governo vai sustentar o discurso que é desmentido no cotidiano da população argentina. Nesta quarta, pelo menos duas mobilizações contra o FMI estão convocadas, uma no Obelisco e, outra, no Ministério de Economia. Amanhã, várias organizações convocam uma manifestação na Praça de Maio. A pressão ao governo argentino aumenta e vem de todos os lados.

  • “Cabe aos acusados provarem inocência na Justiça”

    “Cabe aos acusados provarem inocência na Justiça”

    Polícia Civil do Rio de Janeiro, em inacreditável ato falho de hoje, admitiu com todas as letras que vivemos em um Estado de Exceção. Em tuíte de resposta a jornalista que questionava se os 159 presos durante a operação contra as milícias em um show na Zona Oeste do Rio faziam parte da estatística de milicianos presos desde de 2008, revelada pelo G1, a instituição declarou: “Os dados são referentes às prisões efetuadas pelas polícias e não sobre condenações na Justiça.[…] Cabe aos acusados provarem a inocência na Justiça, direito amplamente garantido pelo Estado Democrático de Direito”. Isso está ERRADO! A base do Estado Democrático de Direito, desde os romanos, apregoa que os acusadores é que devem provar a culpa dos acusados e não esses a sua inocência! Apenas nos regimes autoritários, ou seja, em um Estado de Exceção, é que os acusados têm de provar sua inocência.

    Mas, infelizmente, isso é o que tem acontecido no Brasil desde o julgamento do chamado Mensalão, em que a ministra Rosa Weber, na época assessorada pelo juiz Sérgio Moro, com base na teoria do ‘domínio de fato’, levantada pelo então ministro e atual talvez pré-candidato a presidente da República Joaquim Barbosa (nunca usada antes nem depois no Judiciário brasileiro, portanto, ela própria de exceção) condenou o ex-ministro José Dirceu mesmo admitindo que não existiam provas cabais “porque a literatura jurídica me permite”. O caso de Rafael Braga, preso em 2014, portando, uma garrafa de desinfetante mas qualificada pela polícia como “material com potencial explosivo” é mais um exemplo. A surreal condenação de Lula por ter um apartamento “atribuído” a ele é outro, ainda que os advogados tenham provado a propriedade e o uso do imóvel, como garantia de dívidas com bancos, pela construtora.

    Seis horas depois da mensagem original, vendo sua divulgação nos portais e redes sociais, a Assessoria de Imprensa da Polícia Civil do Rio de Janeiro emitiu nota pedindo desculpas pelo “equívoco”, e afirmou que o conteúdo da mensagem “não representa o posicionamento da PCERJ, foi publicado sem a autorização da mesma” e apagou o tuíte original.

    A operação contra as milícias no Rio de Janeiro, que resultou nas prisões citadas está cheia de falhas. Mas as autoridades, há mais de duas semanas, se recusam a rever as injustiças cometidas e apenas um detido conseguiu até agora um habeas corpus para “responder ao processo em liberdade”. Todos os demais seguem no presídio de Bangu 9, para desespero das famílias. Para mais informações sobre esse caso, acesse as reportagens dos Jornalistas Livres em https://jornalistaslivres.org/2018/04/milicia-e-show-de-injusticas/https://jornalistaslivres.org/2018/04/nao-foi-operacao-medusa-foi-operacao-medonha/