O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, decidiu hoje que a decisão do TSE sobre a proporcionalidade de financiamento e tempo de TVs e rádio para candidaturas negras já vale para as eleições municipais deste ano. A decisão foi tomada de forma liminar pelo ministro, ou seja, feita em caráter de urgência para garantir um direito, mas é provisória e vai para o plenário.
No último 25 de agosto o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que o valor do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo para candidatos em rádios e na TVs deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido tiver nas disputas eleitorais.
Para a advogada Tamires Sampaio, candidata a vereadora pelo PT na cidade de São Paulo, a decisão foi acertada
“isso sendo aprovado no TSE, não havia motivo para que já nessa eleição não passe a ser utilizado. A não ser mais uma das estratégias dessas estruturas racistas que fazem de tudo para impedir que a população negra não tenha acesso aos seus direitos. É uma vitória, que precisamos comemorar, mas precisamos fazer com que, de fato, essa decisão passe a valer mesmo. E que nessas eleições as candidaturas negras tenham o direito a ter o fundo eleitoral de forma proporcional”
A decisão, que teve o placar de 6×1 favorável às mudanças, começou após a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), em conjunto com a ONG Educafro, provocar o TSE sobre a possibilidade de estender a proporcionalidade, que já é garantida em lei para candidaturas femininas, para as candidaturas negras. Mas os ministros haviam deixado apenas para as eleições de 2022 a obrigatoriedade da decisão. A justificativa foi o princípio da anualidade, que dispõe sobre o tempo em que passam a valer mudanças eleitorais.
Após o resultado no TSE, o PSOL entrou com uma ação para adiantar a validade já para 2020. E Lewandowski entendeu que era, de fato, “possível constatar que o TSE não promoveu qualquer inovação nas normas relativas ao processo eleitoral, concebido em sua acepção mais estrita, porquanto não modificou a disciplina das convenções partidárias, nem os coeficientes eleitorais e nem tampouco a extensão do sufrágio universal”.
A decisão de Lewandowski, por ter sido feita de forma liminar, agora vai para o plenário do STF, mas ainda não tem data marcada para ser trabalhada.
Histórico
A decisão do TSE foi comemorada, mas também criticada exatamente por não valer já para as eleições municipais de 2020. A PANE (Plataforma Antirracista Nas Eleições) do Instituto Marielle Franco entendeu a decisão do TSE como “uma vitória histórica do movimento negro. O TSE aprovou o financiamento de campanha e tempo de propaganda proporcionais para candidaturas negras, após muita pressão de organizações negras”.
O professor Douglas Belchior, que em 2018 foi candidato a deputado federal pelo PSOL-SP, em entrevistas para os Jornalistas Livres apontou que
“a decisão do TSE é uma vitória do movimento negro, uma vitória da luta histórica do movimento, de lideranças negras, que sempre reclamaram condições para conseguir emplacar mandatos de lideranças negros na política. E os partidos sempre foram o impedimento. É preciso lembrar e refletir sobre isso”
O ministro e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, relator da matéria no tribunal afirmou em seu voto “hoje, afirmamos que estamos [TSE] do lado dos que combatem o racismo” e reconheceu que a medida veio com “atraso”.
Partidos políticos, antirracistas na prática, podem beneficiar candidaturas negras a partir de agora
Agosto foi marcado por uma vitória histórica para negros e negras que pretendem ocupar cargos públicos na política do país. O conservador Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu que o dinheiro do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo disponível para candidatos em rádios e na TVs deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar nas disputas eleitorais.
Só que num país que convive, há séculos, com o racismo estrutural colado em sua história, a decisão passa a valer somente a partir das eleições de 2022. Para quem ainda não entendeu o que aconteceu, a luta para que essa determinação fosse alcançada tem origem em passos que vem de longe e pode, de fato, se respeitada pelos partidos que se declaram, de fato, antirracistas na prática, transformar as disputas eleitorais pelo país a partir desse ano. A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) iniciou uma consulta à corte, em conjunto com a ONG EDUCAFRO.
Na prática, o TSE foi questionado sobre a possibilidade de parte do financiamento que já é hoje, embora ainda bastante desproporcional, mesmo garantido por legislação, destinado às candidaturas femininas, pudesse ser então garantido para candidatas negras. Questionaram também sobre a reserva de vagas para a propaganda eleitoral. A porcentagem mínima definida para a distribuição do Fundo ficou definida em 30%. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto foi o único Ministro que deu voto contrário à proposta, por entender, que cabe ao Legislativo tratar dos questionamentos.
Ainda sobre a decisão não valer já para 2020, que mesmo em meio à pandemia, tem eleições mantidas e que serão realizadas em 15 de novembro, a justificativa foi baseada no princípio de anualidade, ou seja, o de não poder haver mudanças eleitorais, com menos de um ano, para a data do próximo pleito.
Mesmo com votos baseados em argumentos e reconhecimentos dos problemas graves de racismo que temos no Brasil, com o uso inclusive, da expressão “racismo estrutural”, a decisão de implementação somente para 2022, esqueceu de ser antirracista a partir de já, deixando de aproveitar para efetivamente fazer essa reparação histórica a população negra.
Nas três últimas eleições (2014, 2016 e 2018) o número de candidaturas brancas foi superior a 50% em relação a de qualquer outro recorte racial. Parte de um processo histórico de baixa representatividade negra em cargos eletivos, por exemplo.
Em 2018, o Congresso Nacional teve uma taxa maior que 45% de renovação, a maior da desde a democratização, mas novamente, com pouco crescimento de congressistas negros .
Deputada Benedita da Silva, no centro da imagem
Pensando nisso, a deputada Benedita da Silva propôs um Projeto de Lei proposto na Câmara Federal que prevê um número mínimo de vagas preenchidas, em partidos, proporcionalmente ou igual à de negros e pardos na população de cada estado, de acordo com o últimos dados do IBGE. O mesmo PL propõe que 30% do Fundo Especial e do Fundo Partidário sejam alocados a cada partido e, que em pleitos majoritários e proporcionais, os fundos sejam alocados para candidaturas de mulheres e distribuídos igualmente, sendo 50% mulheres brancas e 50% pretas e pardas.
JOVENS E PRETOS, REALIDADES E INCOERÊNCIAS
Para falar sobre o assunto e discutir os efeitos da decisão do TSE, ouvimos dois jovens negros que constroem, em partidos diferentes, uma luta comum: o professor Douglas Belchior, que em 2018 foi candidato a deputado federal pelo PSOL/SP, e a advogada Tamires Sampaio, atual pré-candidata a vereadora pelo PT, na cidade de São Paulo. Ambos militantes históricos com referenciamento em passos que vem realmente de longe.
O professor Douglas Belchior
Para Belchior, sempre houve injustiça quanto a proporcionalidade:
“a decisão do TSE é uma vitória do movimento negro, uma vitória da luta histórica do movimento, de lideranças negras, que sempre reclamaram condições para conseguir emplacar mandatos de lideranças negros na política. E os partidos sempre foram o impedimento. É preciso lembrar e refletir sobre isso. Os partidos enquanto instituições num Brasil, estruturalmente racista, também reproduziram racismo nas suas relações internas e escolhas de prioridade. Isso sempre refletiu na priorização de recursos, de tempo de TV, de maneira que quando o TSE faz a reflexão e toma a decisão de estar do lado certo da história, como disse o Barroso, sem dúvida, temos um resultado a ser comemorado. Antes tarde, do que nunca”.
A advogada Tamires Sampaio
Tamires Sampaio considera a decisão como antirracista:
“É uma grande vitória construída a partir da consulta de uma deputada federal negra, a Benedita da Silva, e que teve como reforço a campanha das entidades do movimento negro, que significa a busca real por eleições antirracistas e aprovação da proporcionalidade da distribuição do fundo. A gente sabe que, mesmo nos partidos de esquerda, as candidaturas negras ainda recebem pouca estrutura. Ter uma decisão do TSE falando que é preciso ter essa proporcionalidade, tanto no que se refere ao fundo, tanto quanto no que se refere ao tempo [de propaganda] é fundamental. É um grande passo para o aumento da representatividade. Mas ao mesmo tempo eu acho que, agora, como isso só passa a valer em 2022, temos que brigar para o Projeto de Lei da Benedita ser aprovado no Congresso. A proporcionalidade precisa estar relacionada, para mim, na proporcionalidade de negros das cidades. Eu tenho um pouco de receio dos partidos, condicionados a isso, não darem espaço para as candidaturas negras.”
Para Douglas, a decisão embora vitoriosa, também se mostra incoerente:
“aprovar e reconhecer a importância histórica da mudança, mas não impor isso já nessa eleição [municipais], é um equívoco grave e inclusive chega a ser incoerente, já que se a análise que o TSE fez, da importância da mudança, da correção da justiça histórica, é tão importante assim, ela deveria sobrepor a importância da regra temporal, que que pede que qualquer mudança aconteça até um ano antes da eleição. Com essa decisão de não impor desde agora essa regra, o TSE devolve os partidos a autonomia e a decisão política de implementar, ou não, desde já, o que já foi avaliado pelo TSE. É importante lembrar também que a pressão da Coalizão Negra por Direitos, do movimento negro como um todo e da Uneafro vai a partior de já para cima dos partidos afim exigir que pessoas negras que disputam as eleições desse ano já sejam beneficiadas.”
Tamires nos disse ainda, que mesmo em partidos de esquerda há espaços que reproduzem relações sociais e institucionais do racismo estrutural
“Há espaços que moldam o papel do negro, na sociedade, como um todo na prática da subalternidade e não dos espaços de poder. A ocupação de negros na política, em cargos eletivos ou espaços de decisão nos próprios partidos, promove uma transformação que muitas pessoas não querem e não topam. Mesmo que seja de esquerda, porque os brancos de esquerda se privilegiam com a branquitude, também fazem parte desse cenário de privilégios baseado na exclusão e violência contra a população negra. Quando a gente fala, sempre, que não basta não ser racista, é necessário ser antirracista, é muito relacionado a isso. Não ser racista em abstrato, sem ter ações políticas que provoquem a realidade é deixar o cenário como está”.
DENÚNCIA E DIREITOS HUMANOS
Douglas Belchior que denunciou, em sua campanha de 2018, a preferência partidária por candidaturas brancas concorda com Tamires:
“a crítica que o movimento negro faz, o apontamento e a cobrança, é em relação ao campo progressista, ao campo dos Direitos Humanos. Se querem discutir Direitos Humanos no Brasil não podem ficar no marcador da branquitude, não podem reproduzir a ideia, de que, historicamente no Brasil, seres humanos são as pessoas brancas. E sempre foi esse o marcador no que diz respeito a direitos gerais. Os partidos reproduzem isso. Historicamente há negação, boicote e sabotagem de candidaturas negras, nos partidos de esquerda há muitos anos. Abadia, Gonzales, Hélio Santos sofreram com isso. Uma boa pergunta a ser feita é quanto o Brasil perdeu pelo fato de lideranças do movimento negro, das organizações de base do movimento negro, não terem ocupado espaço na política nacional? São pessoas muito capazes, brilhantes e negras que não tiveram espaço para exercer o seu potencial e contribuir para o seu próprio país. O PSOL é mais um partido que reproduziu isso, que continua reproduzindo, inclusive, contestando candidaturas negras de base, como acontece no Rio de Janeiro com a Taís. Pelo que eu soube, o diretório nacional que acabou garantindo a candidatura dela. Mas o fato do PSOL ter polemizado e impedido, denuncia a característica burguesa, pequeno burguesa, elitista de um partido de esquerda que traz as características que são próprias da esquerda brasileira, majoritariamente masculina e elitista, preconceituosa e racista. Esses elementos atravessam, inclusive o campo dos Direitos Humanos, instituições do campo da esquerda e partidos e esses devem receber a crítica com tranquilidade e atuar para corrigir erros e não criminalizar aqueles que denunciam, como foi o que aconteceu comigo em São Paulo”.
REFERÊNCIAS NEGRAS NA POLÍTICA
Mesmo antes dessa decisão já ocuparam ou ocupam espaços de poder na política, algumas poucas lideranças negras: a vereadora executada em 2018, no RJ, Marielle Franco ou a deputada Erica Malunguinho (PSOL-SP), são algumas referências importantes, mas ainda temos uma história muito insuficiente quanto o tema é a ocupação dos parlamentos por negros no país. “Mas, a partir de nossas referências, quando a gente ‘se vê’ em algum espaço, passamos a saber que não só podemos ocupa-lo como devemos ocupá-lo e transformá-lo. A Benedita da Silva, Vincentinho, Orlando Silva e a Leci Brandao, por exemplo, são outras grandes referências de parlamentares negros e negras que fazem parte de um processo de transformação e que abrirá caminho para que eu e muitas pessoas negras possam também ocupar tudo” lembra Tamires.
E mesmo em um cenário com mais candidaturas negras é importante que elas sejam bem trabalhadas, explica Douglas
“queremos que essa política beneficie e fortaleça candidaturas orgânicas do movimento negro, candidaturas que têm compromisso com a luta histórica do movimento negro e reivindicações de luta contra o racismo e luta por reparação histórica. Ou seja, nós vamos trabalhar e queremos que os partidos, sobretudo os partidos progressistas, fortaleçam lideranças orgânicas forjadas e comprometidas com o movimento negro, ou seja, a nossa luta não é por uma representação vazia. A luta é por uma real e verdadeira democracia racial que a gente nunca viveu. E na esquerda, que as candidaturas do campo não sejam meros representantes do interesse dos grupos que são hegemônicos, da branquitude. Já sabemos que a grande parte das candidaturas e os partidos que vão lançar candidaturas negras tem muito mais compromisso com grupos partidários de direção e hegemonia branca, do que o movimento negro. Nosso trabalho vai ser pra energizar candidaturas negras comprometidas”
PARA SABER MAIS
O ministro e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, afirmou em seu voto “hoje, afirmamos que estamos do lado dos que combatem o racismo e que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores”. Barroso, que foi o relator da matéria votada no plenário reconheceu que essa medida veio com “atraso”.
Segundo estudo do IBGE (Instituto Brasileira de Geografia e Estatística) a relação entre candidatos e candidaturas, na ultima eleição (2018), e a proporção de negros ou pardos nos estados acaba por ser afetada pela renda dos candidatos.
No estudo é afirmado que “há uma proporção maior de candidaturas de pessoas pretas ou pardas para os cargos de deputado federal (41,8%), deputado estadual (49,6%) e vereadores (48,7%) do que candidatos com esse perfil efetivamente eleitos” ou seja, mesmo quando se tem candidaturas de pessoas negras ou pardas ainda é difícil a eleição. Isso, explica o estudo, pode ser afetado, entre outras coisas, pela “discrepância entre a receita das candidaturas de pessoas brancas e a de pessoas pretas ou pardas. Com efeito, enquanto 9,7% das candidaturas de pessoas brancas a deputado federal dispuseram de receita igual ou superior a R$ 1 milhão, entre as candidaturas de pessoas pretas ou pardas, apenas 2,7% contaram com pelo menos esse valor. Visto de outra forma, entre as candidaturas que dispuseram de receita igual ou superior a R$ 1 milhão, apenas 16,2% eram de pessoas pretas ou pardas”.
O setor cultural foi o primeiro a suspender suas atividades em virtude da pandemia e será o último a retomá-las. Assim sendo, é preciso garantir a sobrevivência de trabalhadores e espaços que vivem da arte e da cultura. Para além do sentido simbólico que é preservar a cultura na figura de seus agentes, que envolve preservar nossa identidade cultural, nossos modos de ser, fazer e estar no mundo, é necessário agir para garantir o aspecto social e econômico do setor cultural.
Dados apontam que 5 milhões de pessoas trabalham no setor cultural em nosso país. A cultura como um todo é responsável por cerca de 2,64% do PIB (produto interno bruto) brasileiro, economia que está sendo afetada com a crise mundial que vivemos, gerando perdas de receitas no setor cultural da ordem de R$ 46,5 bilhões, com uma redução de 24% em sua participação no PIB, o bolo da produção econômica nacional.
O cenário da cultura é ainda mais urgente quando pensamos que as relaçõess trabalhistas são quase totalmente informais e temporárias, com estudos revelando que 44% dos trabalhadores da cultura se encontram na condição de autônomos. Nesse cenário é preciso garantir que as trabalhadoras e trabalhadores da cultura não morram de fome em um contexto de pandemia no qual aglomerações de pessoas têm de ser evitadas, pois o ofício do artista é o público.
Nações como a França e o Reino Unido tomaram medidas para garantir a continuidade dos fomentos culturais através de ações que promovessem a chegada de recursos financeiros nas mãos dos agentes culturais. Sem o auxílio do Estado, perderemos um setor produtivo inteiro, deixando à míngua e à própria sorte milhares de famílias brasileiras. É dever do poder público garantir a segurança e a vida das pessoas do setor cultural, além de impulsionar a geração de empregos e renda através de subsídios para as instituições culturais. Profissionais da cultura não são menos profissionais.
A Câmara dos Deputados vem debatendo a forma mais justa e real de salvar o campo da cultura no Brasil. E o Projeto de Lei n.1075/2020 traz soluções fundamentais para garantir isso. Esse PL propõe o valor de R$ 3,6 bilhões destinados a ações emergenciais, para todo o país, descentralizando recursos para Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de renda emergencial aos trabalhadores da cultura; subsídios para manutenção física de espaços artísticos e culturais, empresas, cooperativas, instituições e organizações culturais que tiveram as suas atividades interrompidas pelo isolamento social; assim como prevê a existência de editais, a aquisição de bens e serviços relacionados ao setor cultural, a produção e transmissão de bens culturais através das plataformas digitais e garante a prorrogação de prazos de editais já em andamento, propondo, nesse conjunto de ações, a manutenção das redes que compõem a economia da cultura.
É importante destacar que o PL prevê que os recursos da Lei de Emergência Cultural virão do superávit do Fundo Nacional de Cultura, avaliado em R$ 2,9 bilhões. Uma parcela bem inferior, R$ 700 milhões, viriam de dotações orçamentárias da União, observados os termos da chamada PEC da Guerra. O PL 1075 também segue os critérios econômicos e sociais do público-alvo utilizados para a Lei do Auxílio Emergencial.
Se existem recursos destinado a manutenção da Cultura, esse é o momento de usá-los.
Dessa forma, faço um apelo aos meus colegas deputados, deputadas, senadores e senadoras, para que eles e elas não se anulem de apoiar um projeto de lei que vai salvar a cultura de nosso país: VOTEM A FAVOR DO PL 1075 DE 2020!
Um país sem cultura é uma país sem história!
E um país sem conhecimento é uma nação sem futuro!
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Valmir Assunção é deputado federal pela Bahia, coordenador da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados e militante do MST (Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadores Rurais Sem-Terra)
Marcos Rezende é historiador, mestre em gestão e desenvolvimento social pela Faculdade de Administração da UFBA, fundador do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e Ogan de Ewá e OjuObá do Ilê Oxumarê Asè Araká Ogodô.
A prisão do governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), fez a imprensa relembrar escândalos de corrupção envolvendo outros chefes do executivo fluminense. Alguns dos principais veículos da mídia hegemônica chegaram a noticiar que todos os governadores, desde 1998, terminaram atrás das grades. Esqueceram justamente de uma: a que não foi presa. Benedita da Silva, mulher negra, nascida na favela da Praia do Pinto e criada no Chapéu Mangueira.
Em 2002, quando assumiu, portanto há 16 anos, era comum ouvir comentários tolos e nada sofisticados sobre Benedita. Todos eles eram quase sempre absurdamente racistas.
Programas de humor debochavam na televisão de Benedita, a classe média odiava o português dela, que trocava frequentemente o L (de problema) por R – pronúncia típica do que a intelectual Lélia Gonzalez brilhantemente batizou de pretoguês, que é o português influenciado pelo iorubá e outros idiomas africanos, que nem sempre possuem entre os seus sons o da letra R. E o seu passado como empregada doméstica e lavadeira era frequentemente evocado pela parcela mais privilegiada da população para questionar a sua capacidade de governar o Rio.
Benedita era comumente chamada de macaca, analfabeta, corrupta e tantos outros termos justamente pelos eleitores que, depois, deram vitórias a Rosinha Garotinho (que venceu Benedita na disputa pela reeleição), Cabral e Pezão.
Foi parceira histórica dos movimentos LGBT quando o PT era praticamente a única sigla progressista que tocava no assunto na cidade do Rio, embora já tivesse se convertido evangélica, sempre se pautou por assuntos de interesse da população negra e, diferente de todos os nossos ex-governadores, com exceção de Brizola, fez várias vezes campanha nas favelas e sempre ouviu as vozes das comunidades.
Desprestigiada pela direção nacional do PT, que “entregou” o Rio para uma aliança com a direita, em troca do apoio do PMDB às chapas presidenciais de Lula e Dilma, invisibilizada e menosprezada mesmo tendo obtido votações na casa dos milhões de votos, essa mulher negra é uma das que veio na frente abrindo caminho para que outras, da geração de agora, passassem e usufruíssem de mais espaços na política.
Em 2018, Bené foi a única deputada federal eleita pelo PT do Rio, um partido em crise e que apostou muita grana em outros medalhões, como o Dr Wadih Damus e o burocrata Luiz Sérgio. Teve milhares de votos principalmente nas favelas.
É bom lembrar que tivemos Benedita no cargo de governadora e de como foi essa história. É comum apagarem a história de uma mulher negra. Não deixaremos. Definitivamente não é verdade que todos ex-governadores do Rio foram presos. Nós temos obrigação de fazer memória sobre Benedita da Silva!
Em meio a todos os resultados das eleições onde temos o Coiso vencendo em 17 estados no 1o turno, Alexandre Frota, Major Olímpio, Janaína Paschoal, Kim Kataguiri, Eduardo Bolsonaro e tantos outros personagens da extrema direita conservadora eleitos, um acalento, uma felicidade gigantesca também está presente nos resultados das apurações das urnas, Marielle realmente virou semente: teremos diversas candidaturas negras, que eleitas com suas existências e resistências ocuparão os espaços de parlamentos pelo país.
Vai ter sim! Talíria Petrone (PSOL-RJ), vereadora de Niterói professora, militante LGBTI, nona deputada federal mais votada no RJ.
Vai ter sim, Erica Malunguinho (PSOL-SP), negra, trans, do quilombo Aparelha Luzia, como deputada estadual.
Vai ter sim,Erika Hilton, gerontóloga pela UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos), foi eleita como membra da bancada ativista do PSOL em São Paulo. Ao lado de nove pessoas, pretende fomentar o debate do preconceito de gênero.
Vai ter sim! Áurea Carolina (PSOL-MG), deputada federal, socióloga a mais votada em MG.
Vai ter sim! a Andreia de Jesus (PSOL-MG), como deputada estadual.
E não acabou.
As experientes Leci Brandão (PCdoB – SP), deputada estadual e Benedita da Silva (PT-RJ), deputada federal foram reeleitas. Elas são as comandantes das lutas em defesa do povo de Candomblé, no caso de Leci, e Benê que fala todo dia de representatividade da mulher negra na Câmara Federal.
E Marielle Vive!
Vive e revive com todas as eleitas. Mônica Francisco e Renata Souza e Dani Monteiro, mulheres negras que trabalhavam com Marielle e que em 2019, ocuparão a ALERJ, como deputadas estaduais.
E verdade seja dita, o racismo nosso de cada dia, doa a quem doer, fez com que até os próprios partidos desacreditassem das corajosas candidaturas. Tem gente espantada com os resultados nesses partidos, mas essas pessoas sempre estiveram aqui, entre a gente, precisou que uma candidatura caótica fosse instalada com Bolsonaro para que as coisas começassem a mudar. É início, mas é vitória, e é uma vitória para o país debater a história de 354 anos de escravidão, e outros 20 de Ditadura.
Fundo partidário perto de zero e estrutura pífia, foi o que mais se viu nessa curta campanha, mas para os negros, isso foi elevado à terceira potência, segundo o desabafo de muitos deles, que encontramos nas ruas fazendo campanha com a ajuda de amigos, família e colocando à mostra toda a capacidade do povo negro de fazer um diálogo sobre a realidade da vida com o povo que sofre, que trabalha e que não vive sob a tutela de privilégios.
Uma leitura é necessária: quando os partidos ignoraram essa oportunidade, mantendo seu velho e cansado jeito de fazer política, perderam a chance de reaprender na raça, como fazer a reaproximação com suas bases, com movimentos sociais e populares. E não adianta agora, depois de passado o perrengue de fazer campanha a trancos e barrancos, mas com muita criatividade, amor e organicidade, dirigentes partidários tentarem se aproximar dessas pessoas negras eleitas.
Isso seria, no mínimo, hipócrita. Aquele partido, ou o outro deveria se curvar a essas pessoas e absorver humildade, além de se esforçar para de uma vez por todas, entender que a construção de uma eficaz frente que explique os efeitos drásticos que o Coiso poderá causar na vida das pessoas, fato que só é possível de ser feito com a maioria da população, ou seja, no Brasil, com negros, indígenas.
Ainda assim, há tempo.
Só que não dá mais para aguardar a hora de parar de teorizar Democracia e Fascismo. Está na hora de agir, de estabelecer ações concretas que mostrem o que Bolsonaro, de fato, trará (se eleito) para a vida dos negros pobres.
Não se pode cometer o erro de ficar até os 45 minutos do segundo tempo, como foi no período passado, permanecer se afogando, morrendo e gritando: NÃO VAI TER GOLPE e depois, FORA TEMER. Essas manifestações podem ter sido aprendizados interessantes para uma parcela da população, uma maioria composta de pessoas privilegiadas, que, de dentro de suas bolhas confortáveis dos bairros de classe média, se declaram como “de esquerda” e defensoras de Direitos Humanos.
Tomara que essa massa tenha percebido, que desde os tempos dessas palavras de ordem, a grande massa negra, pobre e periférica pouca unidade fez. E não fez, pois não se sentiu identificada com os privilegiados, que na volta para casa, saindo das manifestações, não são abordados de maneira vexatória pela polícia. Já os negros, agora sim, poderão ter sua representatividade na prática, nos parlamentos, como nunca se viu na história do Brasil. É um começo, mas é uma guinada negra muito linda e revolucionária para o país.
Preta-Rara (arquivo pessoal)
Nas redes sociais, vimos algumas manifestações emocionadas sobre o resultado das eleições, uma delas é a da rapper e MC, Preta-Rara que caminhou ao lado de diversas candidaturas negras nesse tempo curto de campanha. Sobre Erica Malunguinho, Preta escreve:
“O povo preto elegeu minha amiga, Erica Malunguinho que o próprio partido dela, o PSOL desacreditou que seria possível.
Para candidata branca a verba foi megainvestimento pra fazer campanha.
Pra nóix foi uma mixaria, pq aqui no Brasil sempre escutei que se ganha política c o megainvestimento na campanha.
Sendo assim, chupa PSOL e não retiro a minha palavra de falar que a esquerda também é Racista.
Mais o nosso modo de organização é milenar, a sagacidade é ancestral e a vontade de vencer é inenarrável.
Agora vcs entendem a nossa força, querida esquerda?
A semente de Marielle germinou e cresceu fruta preta da existência à resistência.
Agora o que sobra pra vcs e sair da porta, pq nosso bonde vai passar, ficar e permanecer até que as reparações históricas sejam de fato reparadas.
Pq a coisa ainda ficará preta de ponta a ponta, pq nosso levante bem de peso e cada dia mais, estamos mais preparados pra ocupar nosso espaço de fato. E fica a lição aí pra esquerda brasileira que adora usar corpos pretos de chaveirinho pro seu discurso falido sem prática e nem vivência.
Lidem e melhorem pois o quilombo está em festa e não tem hora pra acabar ✊🏿✊🏿
Preta-Rara”
Marcelo Rocha (arquivo pessoal)
Para Marcelo Rocha (PSOL-SP) que foi pré-candidato a deputado estadual em São Paulo, as candidaturas negras eleitas já trazem uma surpresa partidária importante para os parlamentos:
“É uma surpresa para as estruturas partidárias que já causa uma espécie de embate inicial: esse novo cenário de negros na política já inicia o fim da lógica da maioria de homens brancos de universidades públicas nos parlamentos. Isso dá o poder para o cara que é líder popular ser mais que um puxador de votos, ser um legislador e, com isso, estamos vendo o desejo das pessoas, de termos candidaturas negras. Assim, a partir do momento que os partidos reconhecerem isso, os negros passarão a ser os mais votados.
Outra mudança que acontece em 2019, é a do confronto estético, que mostrará aos parlamentos a verdadeira representatividade do povo brasileiro. Essa circulação de negros nos parlamentos, por si só, já transformará a política que até agora está abastada de discursos racistas e homofóbicos, que no próximo ano, se continuarem a existir, não passarão impunes. O tão verbalizado “decoro parlamentar” terá de ser aplicado e todos esses anos de dominação branca e machista nos parlamentos serão cobrados, é a dívida.
Marcelo Rocha”
Nesse ano, temos que aplicar um olhar especial para o índice de abstenções: 20,33%. É necessário pensar sobre o problema da falta de representatividade que poderia ter diminuição drástica, com mais candidaturas negras valorizadas pelos partidos.
Uma coisa é fato: nenhum parlamento será como antes. Os que ainda não passarão em 2019, por esses “confrontos estéticos” citados por Marcelo Rocha, não escaparão da mudança em 2020.
Por isso, conclamamos Baobá, por uma história de resistência preta e assim, queremos deixar uma mensagem para as corajosas candidaturas negras e para o povo brasileiro que elegeu essas pessoas.
Até o cair da última folha e enquanto a raiz resistir com seus frutos mesmo que secos, a árvore existirá e transbordará vida e vamos tentar entender o porquê continuar a lutar e resistir nesse Brasil que pode caminhar para o fascismo. Falar de resistência é lembrar do velho Baobá.
Uma árvore que veio da África e que já na primeira vista, encanta pela grandiosidade, que vai para além de sua copa, tem cheiro de ancestralidade.
As lendas em torno do Baobá trazem a força da resistência, a história de uma comunidade originária do orgulho de quem sempre lutou pela sobrevivência em terra de Brasil às vezes com “Z”.
A raiz desta lendária e forte árvore tinha aos seus pés (raiz) Grios que sabidamente sentavam ao chão com olhos de esperança e força nas palavras, para assim transmitirem o que Xangô, ensinava com sua força e sabedoria.
O individualismo é algo inventado pela branquitude, já na África se aprende a lutar coletivamente.
Por isso, nesse segundo turno, não podemos votar apenas por ideologias, e sim por nossas ancestralidades e comunhão com a raiz de um povo que nasce da benção, da reza, da cura, do canto, do tambor e da vida.
A nossa luta passa por Xangô e seu Oxé que juntamente com sua companheira Iansã, a primeira a surgir nas cerimônias, lutam juntos, por justiça.
Nada pode tocar quem tem o corpo fechado pela fé e a raiz de uma história preta de vivência secular. Esse é o povo brasileiro.