O ato contra o aumento das tarifas de metrô, trem e ônibus da última terça-feira, 12/01, foi marcado pela dura repressão policial. A PM chegou ao local marcado antes mesmo dos manifestantes, bloqueou as vias e não permitiu que a manifestação seguisse o trajeto deliberado em assembléia. Cercadas, as pessoas foram atacadas com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha.
Infelizmente, as cenas do vídeo aqui publicado já estão se tornando cotidianas na cidade de São Paulo. Fica evidente mais uma vez o despreparo (talvez seja mais acurado dizer “má vontade”) da Polícia Militar para lidar com manifestações populares, com os direitos do povo, afinal com a democracia.
Os Jornalistas Livres seguimos na luta contra a violência e os abusos policias, pela democracia e pelos direitos humanos.
Imagens e reportagem: Adolfo Garroux, Eduardo Nascimento, Flávio Colombini, Flávia Gianinni, Frederico Elias, João Ramirez, Katia Passos, Laura Capriglione, Ligia Roca, Luciana Santos, Lucas Porto, Vitório Tomaz e Sato do Brasil.
Edição de vídeo: Henrique Cartaxo.
A fala do secretário de “segurança” pública (não creio que seja seguro ficar perto da PM após as cenas de ontem), Alexandre de Moraes, merece alguns apontamentos importantes, quando vista à luz da Constituição Federal.
Em primeiro lugar, em um Estado Democrático de Direito, a “atuação da policia [militar]” não deve ser analisada em termos de “elogios”, como fez o secretário, mas de legalidade. Foi legal a repressão da Polícia Militar no protesto do dia 12 de janeiro e em tantos outros? Vejamos.
Disse o secretário, que além de tudo dá aula de direito constitucional na USP, que “os manifestantes precisam cumprir a Constituição e avisar previamente”, pois, “caso contrário será a Secretaria da Segurança Pública (SSP) quem definirá o trajeto, para poder transferir linhas de ônibus, retirar o lixo das ruas e garantir que não haja depredação”. E o que diz a Constituição Federal em Artigo 5º, XVI: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
Fica clara a disparidade!
A Constituição estabelece como direito fundamental a livre manifestação e reunião em local público, tais como a Avenida Paulista, Consolação ou Rebouças. O texto deixa claro que não depende de autorização. Logo, se os manifestantes quiserem seguir para direção “A” ou “B”, não devem necessitar de autorização da SSP, muito menos que esta determine para onde os manifestantes devem seguir.
Foto: Jornalistas Livres
É vedado aos manifestantes o uso de armas, pois causam riscos à segurança de outras pessoas, o que não é o caso do vinagre. (É vedado à polícia o uso desmedido da força, pelas mesmas razões). Mas por que se deve avisar? Para não frustrar outra reunião. Há aqui um sentido positivo: Todos podem se manifestar expondo diferentes pontos de vista, desde que não atrapalhem uns aos outros. Pode haver várias manifestações simultâneas pela cidade, sim. A Polícia não deve impedir o direito de reunião pacífica, e tem o dever de garantir a integridade física dos cidadãos que dela participam, bem como a liberdade de locomoção.
O direito de reunião é fundamental numa “ordem democrática” [esta a “ordem” pela qual a polícia deveria zelar, ou ao menos não violar!], logo, é do povo o poder de definir local e hora de manifestação.
Assim, não há outra resposta à pergunta feita acima. A atuação da Polícia foi ilegal, inconstitucional e antidemocrática.
Nesta terça-feira, 12/1, a polícia de Alckmin estava nas ruas com apenas uma missão: impedir que a manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus, metrô e trens em SP se realizasse. E a “melhor” forma de se fazer isso, sem dúvida, se deu pela truculência e maldade da ação do contingente, lição número 1, que a polícia vem insistindo em aplicar contra a população que protesta nas ruas, nas escolas e nos espaços públicos.
Sem motivo algum, sem que um único ato de vandalismo tivesse sido cometido pelos manifestantes, a Polícia Militar desferiu o ataque selvagem contra tudo e contra todos os que estavam confinados no perímetro da praça do Ciclista, no final da avenida Paulista. Confinados é o termo exato. Porque a animosidade da PM já se fez notar no início da concentração.
Foto: Helio Carlos Mello
A polícia cercou os manifestantes com cordões de policiais fortemente armados, espalhados pela avenida Paulista, pela rua Bela Cintra, pela rua da Consolação. Quem estava dentro sabia que o ataque da PM era iminente. A tensão e o medo pesavam, mas a coragem dos milhares de manifestantes ali reunidos impediu a dispersão pretendida pelas forças da repressão (quem quisesse sair do cordão, saía, mas não podia voltar).
Foto: Jornalistas Livres
E foi assim que a passeata se preparou para sair. Bandeiras levantadas, viam-se as presenças do Movimento Passe Livre, da UNE, da Ubes, do Sindicato dos Metroviários, da Juventude do PT, da CUT, de um lado. Do outro, policiais equipados com as tais “armas não-letais” (escopetas calibre 12 municiadas com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, spray de pimenta).
Sem mais, deflagrou-se a repressão selvagem. Centenas de bombas de gás foram arremessadas contra manifestantes encurralados. Um cenário de repressão digno de Ditadura Militar. Os manifestantes queriam descer a avenida Rebouças e terminar o ato no largo da Batata, mas a Polícia já havia saído do batalhão com o trajeto definido, e queria forçar a passeata a seguir pela rua da Consolação.
Foto: Jornalistas Livres
Os Jornalistas Livres testemunharam o momento em que o MPL recebeu do comandante a garantia de que “nada iria acontecer” se a manifestação concordasse em descer a Consolação e caminhasse até a Praça da República, onde terminaria. O fato é que o chefe da operação mal fechou a boca e a primeira bomba de gás lacrimogêneo foi lançada pelos policiais em cima dos manifestantes que seguravam a faixa com a frase “3,80, o povo não aguenta”.
Foi o replay maldoso do fatídico dia 13 de junho de 2013, contra uma manifestação que nem sequer teve início. Estilhaços de uma das bombas atingiram a coxa de uma repórter dos Jornalistas Livres. Outras 28 pessoas sofreram ferimentos e tiveram de ser levadas ao Hospital das Clínicas e à Santa Casa. Um rapaz teve fratura exposta.
E mais uma vez o estado democrático de direito e a liberdade de manifestação e expressão foram arremessados na lata do lixo. Sem reciclagem.
Na praça do Ciclista, manifestantes procuraram abrigo em edifícios. A polícia foi atrás. Dentro do Edifício Cervantes, as pessoas sufocavam sob o efeito das bombas de gás lacrimogêneo, choravam, desesperavam-se. Skatistas, tão comuns na avenida Paulista, escondiam assustados os seus skates velhos, com medo de que a polícia os levasse presos por tomá-los por “black blocs”. Feridos compartilhavam ataduras e mertiolates para tratar os machucados.
Foto: Jornalistas LivresFoto: Jornalistas Livres
A tropa de Choque completou a bárbarie com o apoio da Força Tática, caçando grupos de manifestantes, a fim de impedir qualquer aglomeração que excedesse o número de 10 pessoas. Era tiro, porrada e bomba, literalmente e sem mira, para todas as direções. Gritos, choro e sangue, muito sangue se via cada vez que a nuvem de fumaça dos artefatos era levada pelo vento.
O secretário de Segurança Púbica de São Paulo, Alexandre Moraes, considerou “normal” a atitude da PM. Ninguém esperaria do chefe dos algozes que dissesse nada diferente. Afinal, ele foi indicado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) para prosseguir na criminalização/repressão aos movimentos sociais, aos pobres e à população periférica.
O prefeito Fernando Haddad (PT-SP) guarda até agora um silêncio cúmplice, em relação aos atos selvagens da polícia, de desrespeito ao direito constitucional de reunião e de livre expressão do pensamento.
Novas manifestações estão marcadas para esta quinta-feira (14/01), no Theatro Municipal e no Largo da Batata.
20h22 – Todas as estações de metrô estão abertas normalmente.
20h15 – PM isola a praça Roosevelt, na região Central.
20h11 – Cruzamento das av. a Ipiranga com a São Luís fechado por policiais.
20h08 – Clima tenso no centro. Comboios de policiais chegando.
20h02 – PM usa bombas contra manifestantes no bairro de Higienópolis.
19h52 – Tropa de choque ainda lança algumas bombas mesmo com a avenida esvaziada e manifestantes machucados sendo socorridos.
19h45 – Pânico para quem tentou se proteger no Instituto Cervantes, manifestantes relatam que bombas foram lançadas dentro do local.
19h29 – Policiais ameaçam quem tentou se proteger nos prédios da região, alguns feridos.
19h29 – Muitos correm pela avenida Consolação, sentido Centro.
19h26 – Manifestantes correm para se defender, bombas não param de ser lançadas. Paulista completamente cinza de gás lacrimogêneo.
19h22 – PM começa a lançar bombas contra os manifestantes.
19h20 – Grupo tenta negociar trajeto mas PM proibiu os manifestantes seguirem para o Largo da Batata.
19h14 – Alguns manifestantes tentou furar cerco para seguir via Rebouças mas foi impedido com cacetetes.
19h08 – Manifestantes continuam encurralados na praça do Ciclista, cerco policial dos dois lados.
18h52 – Em jogral, manifestantes reclamam que a PM não permitiu que o ato seguisse o curso até o Largo da Batata pela av. Rebouças.
18h40 – O ato continua parado, manifestantes não sabem se poderão seguir em caminhada devido aos bloqueios policiais.
18h29 – Compondo a força policial para o ato de hoje está o “Tanque Guardião” da Tropa de Choque. Veja o vídeo no link.
18h18 – PM sai do meio da avenida e se desloca para reforçar as duas pontas de acesso à Paulista.
18h07 – Manifestantes são impedidos de chegar a av. Paulista devido aos bloqueios policiais nas principais ruas que cortam a avenida.
17h45 – Um manifestante foi detido e levado para delegacia.
17h41 – Avenidas Rebouças, Consolação e Paulista seguem fechadas.
17h38 – Av. Consolação também foi fechada pela polícia.
17h30 – Cerca de 1000 manifestantes já se encontram na concentração do ato.
17h27 – Dois sentidos da av. Paulista fechados por policiais.
17h00 – Início do ato marcado na Praça do Ciclista, na Av. Paulista.
16h50 – PMs revistam alguns manifestantes que chegam ao local.
16h45 – Policiais da Força Tática fecham a av. Rebouças em ambos os sentidos.
16h20 – Polícia Militar chega com antecedência à Praça do Ciclista, na Av. Paulista. Destacamentos da ROTA, Rondas Ostensivas Tobias Aguiar e Força Tática, já estão presentes em grande número.
Por Filipe Olivieri e Gabriely Araujo, especial para os Jornalistas Livres
Percorremos diversas vezes os trajetos entre o Cemitério de Pinheiros/Móoca e Tremembé/Tatuapé e presenciamos o motorista parar em avenidas estreitas para poder receber o dinheiro e dar o troco para o passageiro, o que paralisou o trânsito. Já quem tem bilhete único passa direto pela catraca. Quando o veículo estava lotado alguns passageiros tiveram que descer para que outro pudesse dar o dinheiro para o motorista.
“[Só] da linha da gente disseram que foi 95”, diz Maria José da Rocha, uma das demitidas que cumpriu aviso prévio até o fim de dezembro. Ela trabalhou por 20 anos na antiga Cooperativa Fênix e atual Spencer Transporte, que opera 18 linhas de grande percurso que ligam a zona Norte à zona Leste e Oeste da cidade.
Um motorista que continua na empresa e não quis se identificar, estima um número maior: “Se juntar as duas garagens da Spencer daria em torno de 600 carros, como são dois cobradores por carro, há em torno de 1.200 demitidos”.
Na câmara dos vereadores da cidade, foi aprovada em setembro de 2015 em primeira votação um projeto de lei que assegura a obrigatoriedade dos cobradores. Tanto o motorista quanto Maria, no entanto, confirmaram que, além dos outros funcionários, duas gestantes foram demitidas. A empresa não respondeu ao pedido de informações sobre as demissões.
SEGURANÇA
Clarisse Ortigosa, bióloga, sofreu uma tentativa de assalto dentro de um ônibus da empresa. Ela diz que a presença do cobrador coibiria eventuais assaltos “desde que não estivessem armados, porque aí teria uma pessoa a mais olhando”.
Sua maior preocupação, porém, é com o acúmulo das duas funções pelo motorista: “O trabalho a mais que o motorista vai ter de cobrar passagem, dar troco, passar bilhete único, isso pode até causar acidente”.
CONSÓRCIO
A Spencer faz parte do Consórcio Transnoroeste junto com a empresa Nortebuss, que opera mais 80 linhas e transporta cerca de 60 mil pessoas por dia, segundo o site da empresa. Embora ainda não tenha demitido os cobradores, a Nortebuss já equipou todos os ônibus com validadores ao lado do motorista.
O consórcio foi contratado pela prefeitura em julho de 2015 com dispensa de licitação. A prefeitura de São Paulo não permitiu dar vistas no processo licitatório na última sexta-feira (8) e justificou que ele estaria em trânsito entre a SMT e SPTrans, mas ainda não havia registro que já teria sido recebido pelo outro órgão.
Por Oscar Neto, especial para os Jornalistas Livres
Foto: Lucas Martins
“O maior astral”. Assim começou o primeiro ato do ano contra o aumento das passagens de ônibus, metrô e trem em São Paulo. Alguns milhares de pessoas partiram da frente do Theatro Municipal pelas ruas do centro com bandeiras, faixas, baterias e muita disposição para questionar mais um revés para a população, já cansada – e infelizmente acostumada – com tantos reajustes.
E eles foram. Desceram a rua Conselheiro Crispiniano, contornaram o Largo do Paissandu, desceram o início da avenida São João e, finalmente alcançaram o Vale do Anhangabaú. Palco de tantas manifestações populares históricas, a grande calçada do Vale já estava tomada pelo povo.
Segundo o MPL (Movimento Passe Livre), que convocou a passeata, 30 mil pessoas. Segundo a PM (Polícia Militar), cerca de três mil. Na opinião de outros manifestantes ali presentes, não mais do que dez mil.
Foto: Alex Terto
Além do MPL, estavam presentes movimentos populares, algumas frentes de partidos políticos, organizações feministas, estudantes universitários e secundaristas, associações de trabalhadores.
A paz era plena. O Gapp (Grupo de Apoio ao Protesto Popular), que desde 2013 presta primeiros socorros a manifestantes feridos, estava presente. Mas a única ocorrência até aquele momento foi a de um morador de rua com um profundo corte no pé por um motivo que nada tinha a ver com as pessoas que ali se manifestavam.
Foto: Ligia Roca
Com cerca de meia hora de passeata, a linha de frente começava a entrar na avenida 23 de maio, sentido à zona sul, que estava bloqueada ao trânsito dos veículos para que o ato pudesse passar. Neste momento, tudo mudou. O objetivo do movimento era “trancar” a 23, tática conhecida como “trancaço”, amplamente usada pelos estudantes das escolas ocupadas. Parte das pessoas entrou na pista sentido zona norte, em meio aos carros, e imediatamente a pancadaria começou.
A violência policial veio com tudo. Dezenas de bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas, primeiramente contra um grupo mais animado de manifestantes e, em seguida, a esmo, para cima, para os lados, na imprensa, em quem passasse na rua. Muita gente passou mal, vomitando.
A polícia atuou em frentes para dispersar qualquer possibilidade de reorganização do protesto. Muitas pedras eram arremessadas contra os oficiais. Na verdade, a confusão era tanta que jornalistas e fotógrafos precisaram se esconder para não serem atingidos pelos objetos lançados.
Foto: Sato do Brasil
No meio do campo de guerra, um grupo de PMs ficou “esquecido” na avenida, exatamente abaixo do acesso que conecta o Terminal Bandeira ao metrô Anhangabaú. Acuados, eles foram apedrejados por transeuntes comuns, que não participavam da passeata, mas não escondiam a raiva anti-PM. Muitas pedras foram lançadas contra o pelotão, que só se protegeu. Um policial saiu com o rosto sangrando.
Foto: Oscar Neto
A resposta foi, como sempre, totalmente desequilibrada. A tropa de choque disparou mais bombas para o alto e algumas delas tinham como alvo o acesso ao Terminal. Centenas de pessoas que nada tinham a ver com a guerra sofreram com a cegueira e com os efeitos sufocantes e nauseantes do gás lacrimogêneo. Também era possível escutar o som dos tiros das perigosas balas de borracha.
Foto: Sato do Brasil
A partir daí, outros pontos de ataque policial ocorreram em locais diferentes do centro, chegando inclusive à avenida paulista. Algumas agências bancárias foram depredadas e muito lixo foi incendiado e jogado ao meio da rua.
Rescaldo
No rescaldo da noite de guerra, a cidade cheirava a pólvora, as pessoas estavam apavoradas, havia muita reclamação dos transeuntes quanto à ação policial desmedida. Sonoras vaias e xingamentos eram escutados a cada vez que uma viatura passava.
A SSP (Secretaria de Segurança Pública) divulgou que 17 pessoas foram presas “por práticas criminosas” que incluíam o porte de explosivos. Eles foram encaminhados para o 2º e 78º distrito policial. No entanto, os Jornalistas Livres gravaram com exclusividade o momento em que policiais colocam supostos artefatos explosivos dentro da mochila de um manifestante detido perto da Praça Roosevelt.
Amanhã vai ser maior
Assim como tem sido de costume, o começo do ano promete ser mais violento nos próximos dias. Para quem pretende comparecer aos protestos que deverão ser convocados nos próximos dias (já se fala no dia 12), recomenda-se todo cuidado. Depois que a primeira bomba é disparada, não importa quem você é e o que está fazendo ali. Você também se torna um alvo.